Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
177/10.7TTBRR-A.L1-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARACÃO DE COMPETÊNCIA
Sumário: Verificando-se um conflito de negativo de competência entre dois tribunais de trabalho para a apreciação de um recurso da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima laboral, é competente o tribunal em cuja área de jurisdição foi “verificada” a infracção (art. 34º da Lei 107/2009 de 14.09 e 21º nº 2 do CPP, ex vi art. 60 da Lei 107/2009 de 14.09 e art. 41º nº 1 do RGCO).
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de contra-ordenação suscita-se a resolução do conflito negativo de competência ocorrido entre o Tribunal de Trabalho de Barreiro e o Tribunal do Trabalho de Almada.
Com efeito, por despacho transitado em julgado, datado de 25 de Março de 2010, o Mº Juiz do trabalho do trabalho do Barreiro declarou esse tribunal de trabalho incompetente em razão do território para a apreciação do recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, interposto por A Ldª, por entender que os factos que constituem contra-ordenação reportam-se a irregularidades ocorridas não dia e no local da acção de fiscalização (12.11.2008) no Barreiro, mas em data anterior, ou seja, nos dias 8, 10 e 11 de Novembro de 2008, em viagens que na sua esmagadora maioria terminaram em Vale de Milhaços, que é da área de jurisdição do tribunal de trabalho de Almada, razão pela ordenou a remessa dos autos a esse tribunal.  
Por sua vez, o Mº Juiz do Tribunal do Trabalho de Almada, por despacho igualmente transitado em julgado, entendeu que não é possível afirmar-se que as infracções em causa ocorreram em Vale de Milhaços só por aí terminarem as viagens, pois os registos omitidos deviam ser efectuados durante a respectiva viagem, no momento em que ocorrem os respectivos factos e não quando a viagem termina. Ora, desconhecendo-se o lugar onde devia ter tido lugar a acção omitida, tem de recorrer-se ao critério previsto no nº 1 do art. 21º do CPP segundo o qual é competente o tribunal onde em primeiro lugar houve notícia da infracção, e esse é o Tribunal do Trabalho do Barreiro.

O Ministério Publico junto desta Relação emitiu parecer no sentido de se declarar competente o tribunal da sede da arguida, por ser esse o lugar onde a arguida deveria zelar pelos accionamentos em falta.
Cumpre apreciar e decidir.
Verifica-se efectivamente um conflito negativo de competência, nos termos previstos no art. 34º nº 1 do CPP, visto que ambos os referidos tribunais se consideram incompetentes, em razão do território, para conhecer do recurso de impugnação, interposto pela empresa A, Ldª, da decisão da autoridade administrativa (ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho – Unidade local do Barreiro) que a condenou na coima de € 500,00 e respectivas custas, pela prática de infracções contra-ordenacionais por violação do nº 3 do art. 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20 de Dezembro, conjugado com a alínea d) do nº 2 do art. 9º do Dec-Lei nº 272/89 de 19 de Agosto.
  Importa, pois, definir qual dos dois supra citados tribunais é o territorialmente competente para a apreciação do referido recurso.

A decisão recorrida tomou em consideração os seguintes factos provados:

1. A Arguida "A, L.da", (…), tem sede na Rua (…), 0000-000 Terrugem.
2. A arguida decida-se ao transporte rodoviário de mercadorias.
3. Na sequência da acção fiscalização realizada pelo agente autuante melhor identificado a fls. 2, no dia 12 de Novembro de 2008, pelas 10 horas nas Portagens de Coina, A2, no Barreiro, verificou que a arguida tinha a circular naquele local o veiculo pesado de mercadorias de matrícula X, propriedade da ora arguida, conduzido pelo trabalhador NTMFS, com a categoria profissional de motorista de pesados, ao serviço da arguida.
4. O condutor do veículo fiscalizado é trabalhador da empresa arguida desde Junho de 2007, exercendo as funções de Motorista de Pesados.
5. Na data da fiscalização o condutor do veículo pesado encontrava-se ao serviço, sob as ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição da empresa arguida.
6. Ao solicitar ao trabalhador as folhas de registo do tacógrafo do dia em curso e dos últimos 28 dias, foi verificado pelo agente autuante que nas folhas de registo dos dias 8, 10 e 11 de Novembro de 2008 não foram discriminados os diversos grupos de tempo.
7. Pela análise das folhas de registo em causa, verifica-se que apenas se encontram registados os grupos de tempo de "condução" e as "interrupções de condução" e que o condutor efectuou "outro trabalho" que não está registado.
8. Ao longo do dia de trabalho do motorista e nos dias a que se referem os discos foram efectuadas operações de carga e descarga de inertes.
9. Ao longo da jornada diária de trabalho e nos dias referentes às folhas de registo anexas ao auto de notícia o motorista encontra-se no seu posto de trabalho, no exercício das suas funções ou actividades na qual se incluem o tempo consagrado às cargas e descargas.
10. Esse outro tempo de trabalho o motorista não regista nas folhas de disco, por receber instruções por parte da arguida que tal tempo de espera não é seu tempo de trabalho, mas do maquinista que procede às operações de carga e descarga.  
11. A arguida dá instruções ao seu motorista para sempre que ocorram tais operações, o mesmo comute o aparelho do tacógrafo para o símbolo da interrupção de condução.
12. A arguida dá instruções ao seu motorista para que mantenha o aparelho do tacógrafo sempre na posição do tempo da cama e que o tempo de carga e descarga é o tempo em que está à espera que o maquinista termine tais operações.
13. A arguida atenta a actividade que desempenha tem a obrigação de saber que o tempo dedicado à carga e descarga não é um tempo de descanso ou repouso para o motorista mas antes um tempo de disponibilidade.
14. O tempo de disponibilidade do motorista deve ser registado na folha de disco, comutando-se o aparelho do tacógrafo para o botão do quadrado ou, em caso de falta deste, para o botão dos martelos.
15. A arguida, ao reconhecer que o tempo utilizado nas cargas e descargas não é tempo de trabalho do motorista, procede em desconformidade com a lei vigente.
16. A arguida não obriga os seus trabalhadores/motoristas a accionarem os dispositivos de comutação que permitem distinguir os diversos grupos de tempo.
17. A arguida não verifica se os seus condutores accionam os referidos dispositivos de comutação, tomando as necessárias medidas para que os mesmos os accionem.
18. A contra-ordenação imputada assume relevância, pois é com o accionar dos dispositivos de comutação do aparelho que se pode controlar os tempos de condução, de repouso, de pausas, etc.
19. O benefício económico da arguida é significativo, na medida em que com os dispositivos não accionados não pode ser efectuado qualquer controle.

No âmbito das contra-ordenações laborais e, de acordo com o disposto no art. 34º da Lei 107/2009 de 14.09 (aplicável ex vi art. 615º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto), “é competente para conhecer da impugnação judicial o tribunal de trabalho em cuja área territorial se tiver verificado a contra-ordenação”.
De forma idêntica, também o art. 61 nº 1 do regime geral das contra-ordenações (DL nº 433/82, na redacção dada pelo DL 244/95 de 14.09) dispõe que “é competente para conhecer do recurso (de contra-ordenação) o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção”.
Contudo, não podemos deixar de assinalar a diferença de redacção destas normas, pois enquanto no regime geral das contra-ordenações se alude a “consumação” como critério determinativo da competência, na norma relativa à área laboral e da segurança social o legislador atribuiu relevância ao critério da “verificação” da infracção, o que se pode explicar por razões de ordem pragmática.
Ora, no presente caso, as infracções em causa foram verificadas na área de competência do tribunal de trabalho do Barreiro, o que, só por si, seria suficiente para se considerar este Tribunal o territorialmente competente.

Porém, mesmo que assim se não entenda, no caso dos autos verifica-se que a infracção imputada à arguida consiste na violação do previsto no nº 3 do art. 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20 de Dezembro, conjugado com a al. D) do nº 2 do art. 9º do DL nº 292/89 de 19.08, uma vez que nos dias 8, 10 e 11 de Novembro de 2008, o condutor do veículo pertencente à arguida não accionou o dispositivo de comutação que permite distinguir os diversos grupos de tempo, sendo que dos discos dos referidos dias encontra-se ausente o registo referente a outros tempos de trabalho / tempo de disponibilidade, correspondente ao tempo de espera para iniciar ou retomar a sua actividade normal, ou seja a condução, nomeadamente quando ocorrem operações de carga e descarga, mesmo que não efectuadas pelo próprio.
A infracção em causa assume assim um carácter de uma omissão de uma obrigação que deve ser cumprida no momento em que ocorre o respectivo evento, e não no final da viagem, sob pena do sistema ser manipulável pelo infractor, razão pela qual não é possível afirmar-se que as infracções em causa se consumaram em Vale de Milhaços, por aí terem terminado as viagens desses dias.
Contudo, desconhece-se o lugar em que deveriam ter tido lugar os eventos omitidos.
Nestas situações em que se desconhece o lugar em que se consumou a infracção, há que recorrer ao critério estabelecido no art. 21º nº 2 do CPP (ex vi art. 60 da Lei 107/2009 de 14.09 e art. 41º nº 1 do RGCO) que estipula a seguinte regra:
“se for desconhecida a localização do elemento relevante (para a determinação da competência territorial), é competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime”.
Esta regra coincide, aliás, com a regra da verificação da infracção estabelecida para as contra-ordenações laborais (art. 34º da Lei 107/2009, acima já referida). Ora, o tribunal em que primeiro foi verificada a infracção em causa, foi, sem dúvida, o Tribunal do Trabalho do Barreiro.

Pelo exposto, e de acordo com o disposto no art. 12º nº 5 al. a) e 36º do CPP, ex vi art. 41 nº1 do RGCO, decide-se que o órgão competente para conhecer do recurso de contra-ordenação em causa nestes autos é o Tribunal do Trabalho do Barreiro.

Comunique-se esta decisão imediatamente aos tribunais em conflito e ao Ministério Público, notificando-se também a arguida.

Não são devidas custas.

Lisboa, 2 de Março de 2011

Seara Paixão
Ferreira Marques