Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
44/23.4PTAGH.L1-5
Relator: MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
AUSÊNCIAS
ACTIVIDADE PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora:
No cumprimento de pena em regime de permanência na habitação, não é de autorizar as ausências necessárias para o desempenho da atividade profissional prevista no n.º 4, do art. 43.º do Código Penal ao arguido que, no âmbito das respetivas funções e no período de suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada pela prática de crime da mesma natureza, aceitou (levianamente) conduzir um veículo pesado, transportando animais, sabendo não estar encartado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1 – Relatório
O arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia da ..., concelho de Angra do Heroísmo, nascido a ... de ... de 1991, solteiro, ... de automóveis, residente na ... ... ..., foi submetido a julgamento, em processo sumário pela prática, em 26-09-2023, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 03/01 e condenado, por sentença de 20/10/2023, na pena de 12 (doze) meses de prisão, à qual foi descontado um dia de detenção, nos termos do artigo 80º, n.º 1, do Código Penal (e determinado o cumprimento de 11 (onze) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão).
Mais se decidiu, nos termos do artigo 43º, n.º 1 e 2, do Código Penal, que a pena seja cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, impondo ao arguido a permanência contínua na ..., sujeito aos deveres previstos no artigo 6º da Lei 33/2010, de 02/09, nomeadamente o de responder aos contactos, em particular por via telefónica, que pelos serviços de reinserção social forem feitos durante os períodos de vigilância eletrónica.
Foi o arguido autorizado a ausentar-se para comparência em atos judiciais ou diligências policiais no presente processo ou outros, consultas médicas, tratamentos ou similares e obtenção ou revalidação de documentos oficiais.
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Inconformado com a decisão final quanto ao modo de execução da pena, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
«(…)
A) Vem o presente recurso interposto por o Arguido não se conformar com a sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto ao modo de execução da pena substitutiva da pena de prisão aplicada ao Arguido por RPH nos termos do artigo 43.º do CP, designadamente quanto à circunstância de o Tribunal a quo não ter autorizado o arguido a ausentar-se da sua habitação para exercício da sua actividade profissional, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 do CP.
B) O Tribunal a quo andou mal ao decidir conforme decidiu no que concerne à não concessão de autorização das ausências necessárias para o exercício da actividade profissional do condenado, nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do CP.
C) Pese embora a pluralidade de condenações anteriormente sofridas pelo recorrente, a verdade é que todas elas se registaram no domínio da pequena criminalidade, não tendo em consequência de nenhuma dessas condenações e em momento anterior à prática do factos em causa nos presentes autos, sido alguma vez experimentada qualquer medida de coerção da sua liberdade, tendo-se sempre optado pela aplicação da pena de multa ou por uma pena de substituição de caráter não detentivo.
D) O seu relatório social, n.º DGRS ..., Documento criado por Subs Coordenador ..., ..., ... Angra do Heroísmo, Tel. .../... - Fax. ..., ... consta, dá parecer positivo no que concerne a essa autorização: «Caso lhe seja aplicada uma pena privativa de liberdade e a medida concreta da pena o permita, poderá a mesma ser cumprida em regime de permanência na habitação sob meios de vigilância eletrónica. Caso lhe seja aplicada o regime de permanência na habitação sob meios de vigilância eletrónica, considera-se relevante para a futura reinserção do arguido a autorização para se ausentar da habitação para trabalhar, tendo, contudo, o próprio de ficar ciente da necessidade de uma estreita articulação com a DGRSP nos dias de trabalho, sendo necessário que se mantenha permanentemente contactável. Em termos de reincidência criminológica, considera-se oportuno, o arguido continuar a frequentar as aulas teóricas e práticas na ..., onde já se encontra inscrito, de forma a viabilizar possível aquisição de habilitação legal para a condução, ficando o mesmo ciente, de fazer prova da frequência das aulas.»
E) O próprio Tribunal a quo considerou que a privação da liberdade do arguido executada no seu domicílio será suficientemente severa para o levar a reflectir sobre o seu comportamento, pelo que opta por esse meio de execução da pena.
F) A única questão que ora se coloca é, então, a de saber se o arguido deve ou não ser autorizado a sair da sua habitação uma hora antes e depois do seu horário de trabalho, por forma a exercer a sua atividade, mantendo desse modo o sustento do seu agregado familiar, sendo que uma tal atividade foi referida no respetivo relatório social.
G) Tendo a douta sentença reconhecido que os proventos do seu trabalho são o único rendimento do casal, para além dos abonos de família dos menores.
H) Uma tal autorização, ainda mais porque circunscrita a períodos de tempo relativamente curtos, se comparados com aqueles em que o recorrente permanecerá sem poder sair da sua habitação, permitem manter a eficácia da pena e as finalidades que com a mesma se visa alcançar sendo que tais saídas, permitindo a obtenção para o seu agregado familiar de rendimentos complementares aos abonos de que beneficia a sua companheira, e não pondo em causa as necessidades de prevenção geral, prognostica-se que poderão contribuir mais acentuadamente para a sua ressocialização, proporcionando-lhe assim o máximo de condições possíveis para prevenir a reincidência e poder vir a prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes, ao mesmo tempo que assim melhor se respeita, em concreto, o parâmetro de proporcionalidade na restrição necessária dos direitos fundamentais do recorrente, e a sua dignidade de pessoa humana.
I) A execução da pena de prisão aplicada ao Arguido em regime de permanência na habitação, com autorização para trabalhar, ainda satisfará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, em especial se acompanhada da determinação do cumprimento de regras de conduta como sejam a frequência, acompanhada da respectiva autorização, das aulas necessárias à obtenção da habilitação legal para conduzir.
J) O dano que representa a privação da liberdade não se verifica tanto, nem sobretudo, quando se cumpre a obrigação de trabalhar (sempre de alguma penosidade), mas antes, precisamente, quando o condenado se vê privado do gozo daquele tempo a que com propriedade se chama “tempo livre” (porque “livre” desse cumprimento das obrigações laborais). Durante esse “tempo livre”, o condenado em pena de prisão executada em regime de permanência na habitação está confinado à sua habitação, como estaria confinado ao estabelecimento prisional se fosse outro o regime de execução aplicável.
K) Essa situação poderá equiparar-se à execução da pena de prisão em regime aberto no exterior (que pode incluir o exercício da atividade prisional fora do estabelecimento prisional), regime previsto no artigo 12.º, n.º 3, b), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n,º 15/2009, de 12 de outubro), regime que também não descaracteriza a pena de prisão como pena privativa da liberdade (nem se confunde com a liberdade condicional).
L) Por outro lado, a autorização para o exercício da atividade profissional pode ter plena justificação na perspetiva da finalidade de reinserção social do condenado (ou da sua não desinserção social), finalidade que, precisamente, fundamenta a opção pela execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, evitando os malefícios da execução dessa pena no estabelecimento prisional nessa mesma perspetiva (que se traduzem na dessocialização decorrente da quebra de laços familiares, e também laborais). Privar o condenado da possibilidade de exercer a sua profissão poderá, pois, significar anular um dos principais benefícios desse regime na perspetiva dessa finalidade de reinserção social (ou não desinserção social), que é o de evitar o malefício contrário que decorre de execução dessa pena no estabelecimento prisional.
M) Afigura-se-nos que é isso que se verifica neste caso.
N) A impossibilidade de continuação desse exercício prejudicaria, injustificadamente, a reinserção social do condenado. Tal reinserção social cumpre uma finalidade de prevenção especial positiva, que não diz respeito apenas ao crime de condução sem habilitação legal por que o arguido vem sendo condenado, mas à prática de crimes em geral.
O) Não será a maior ou menor gravidade do crime a determinar a eventual autorização para o exercício da atividade profissional do arguido e recorrente, mas, antes, o benefício que daí possa decorrer na perspetiva da reinserção social deste.
P) Por outro lado, a impossibilidade de o arguido e recorrente exercer a sua atividade profissional não será a melhor forma de contrariar tal falta de empenho (até o privará de recursos económicos para obter tal habilitação). Para tal, poderia ter sido fixada a obrigação de frequência de aulas de condução como condição de aplicação do regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43.º, n.º 4, a), do Código Penal.»
O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela respetiva improcedência.
Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso e subscrevendo a posição assumida pelo Ministério Público na 1ª instância, a que adita:”…Mm° Juiz “a quo”, que, adiante-se, como lhe competia, fundamentou a opção de vedar, durante a execução da pena (em confinamento domiciliário) ausências para desempenho profissional, dada a propensão do recorrente para recidiva rodoviária, reflectida nas sucessivas práticas criminosas, todas da mesma tipologia da ora “sub iudice”, sem que, mormente, uma pena de prisão anteriormente aplicada, e suspensa na sua execução, à data dos presentes factos, tivesse sido obstativa do impulso do arguido para conduzir veículos automóveis, mesmo desencartado, revelando clara e desafiante atitude anti-normativa, denotando forte energia delituosa, insensível, apesar das (6) solenes advertências que lhe foram dirigidas, à razão de ser da proibição legal, ou seja, patenteando incapacidade de interiorização do gravoso desvalor da sua conduta, incrementando a premente necessidade, “in casu”, de aplicação de uma pena privativa de liberdade (art 70°, CP), por exigências preventivas, gerais e especiais, diga-se, justamente nos moldes gizados pelo Tribunal recorrido, que, avisadamente, excluiu a autorização pretendida, em função da indesmentível vulnerabilidade do agente para resistir à “tentação compulsiva” de conduzir veículos a motor, risco potenciado com a concreta actividade exercida ...), tudo sem olvidar que conduzia viatura pesada de transporte de animais quando foi interceptado pela autoridade policial.
Embora haja confessado, fê-lo sob indesmentível irrefutabilidade (art 256°, CPP), ostentando uma tendência criminosa, muito específica, sem laivos de pluriocasionalidade, ao fim de mais uma (sétima) condenação, de novo por crime estradal.
Obviamente que a permissão de saídas do espaço de confinamento, com a finalidade de cumprir a jornada de trabalho, passaria por um propósito ressocializador que, contudo, no presente caso, se mostraria temerária pela relação quase indissociável e irresistível entre a “vulnerabilidade/compulsividade” do recorrente e a profissão exercida (... de automóveis), o que foi prevenido pelo Julgador, muito justificadamente.
Estará inscrito num centro de aprendizagem, a fim de, finalmente, obter título bastante para o exercício da condução, habilitação que suprirá aquele impulso delituoso, actividade que, por seu turno, não se mostra inviabilizada na douta Sentença e que, em todo o caso, sempre poderá ser requerida, seguramente que obtendo a anuência do Tribunal recorrido (art 43°, 4,a), CP).
Nesta linha de pensamento, somos a sugerir a validação integral da douta Decisão de 20.10.23, pela sua manifesta irrepreensibilidade, mormente pela imprescindibilidade da assertividade do bem jurídico violado e pela concomitante reintegração do agente na sociedade de forma responsável, incutindo-lhe o reforço da consciencialização do desvalor da sua conduta (arts 40°,1. 42°1, e 43°1, CP), durante a execução da pena, nos termos anteditos.»
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta, reiterando o fundamento das alegações.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir no recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância, sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso (artigos 379.º, 403.º, 410.º e 412.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal e AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in DR de 28/12/1995).
Não se deteta questão de conhecimento oficioso a apreciar. Atendendo às conclusões apresentadas cumpre decidir se deve ser concedida ao arguido autorização para o exercício da respetiva atividade laboral durante a execução da pena de prisão que lhe foi imposta (a cumprir na habitação).
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3. Fundamentação
Na medida em que relevam para a apreciação do modo de execução da pena, única questão sobre a qual versa o presente recurso, resultam provados os seguinte factos:
1. No dia 26 de Setembro de 2023 o arguido encontrava-se a trabalhar na oficina onde está empregado.
2. Um cliente referiu-lhe que necessitava de alguém para transportar vacas para uma vacada, tendo-se o arguido oferecido para o fazer, uma vez que um colega que o poderia fazer se encontrava doente.
3. Nesse mesmo dia, pelas 16h40, na ..., freguesia da ..., concelho de …, o arguido conduziu o pesado de mercadorias com a matrícula ..-..-TZ transportando os animais.
4. O arguido não tem carta de condução.
5. Sabia que para conduzir aquele veículo automóvel necessitava de estar legalmente habilitado.
6. Agiu livre, deliberada e conscientemente querendo, mesmo assim, conduzir o veículo.
7. Sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.
8. O arguido é ... e aufere entre €600 a €800.
9. É solteiro.
10. Vive em união de facto com a sua companheira e três filhos desta de 3, 7 e 13 anos de idade, frutos de um outro relacionamento desta.
11. A sua companheira encontra-se de baixa médica desde há seis meses, aguardando ser submetida a uma operação médica.
12. Recebe €422 do abono dos filhos.
13. O agregado reside em casa arrendada, pagando €250 de renda de casa e tendo cerca de €150 de despesas domésticas.
14. Pela prática a 15 de Novembro de 2018 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 9 de Setembro de 2019, transitada em julgado a 26 de Setembro de 2019, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50 (Processo 466/18.2PAVPV).
15. Pela prática a 16 de Setembro de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 9 de Outubro de 2020, transitada em julgado a 9 de Novembro de 2020, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 horas de trabalho (Processo 42/19.2PTAGH).
16. Pela prática a 18 de Agosto de 2018 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 26 de Outubro de 2020, transitada em julgado a 10 de Novembro de 2020, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5 (Processo 403/17.1PAVPV).
17. Pela prática a 18 de Maio de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 17 de Setembro de 2019, transitada em julgado a 17 de Outubro de 2019, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5 (Processo 227/19.1PAVPV).
18. Pela prática a 24 de Junho de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 24 de Setembro de 2019, transitada em julgado a 14 de Outubro de 2019, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €6 (Processo 36/19.8PTAGH).
19. Pela prática a 31 de Janeiro de 2022 de um crime de condução sem habilitação legal foi o arguido condenado por sentença de 28 de Novembro de 2022, transitada em julgado a 5 de Janeiro de 2023, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (Processo 4/22.2FAVPV).
Não pretende o arguido colocar em causa a factualidade dada como provada, a motivação apresentada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão nessa matéria, bem como a condenação pelo crime de condução sem habilitação legal ou a escolha e medida da pena aplicada.
O recurso visa apenas a modificação da decisão no que respeita ao modo de execução da pena, pretendendo o recorrente que lhe seja concedida (também) autorização para exercício da sua atividade laboral.
A este propósito refere o Tribunal a quo:
«Em primeiro lugar, cabe valorar que o arguido aceitou realizar o serviço de transporte que lhe foi casualmente referido, o que fez de imediato e sem qualquer consideração ou preocupação de maior pelo facto de não estar habilitado a conduzir.
Ainda ao nível da ilicitude e do desvalor da conduta é de referir que o arguido conduzir uma viatura pesada, que exige não apenas a habilitação normal para a condução de veículos ligeiros mas um treino adicional e exigente.
Os factos revelam, em suma, que não faz nenhum esforço para aceitar a sua situação de desencartado, sempre e quando acha conveniente, prático ou solícito conduzir. Esta sétima condução ilegal é particularmente reveladora do seu desinteresse pela proibição de conduzir, visto estar a fazer um mero favor a terceiros, sendo indício seguro do desprezo do arguido pela proibição legal. As condenações que foi sofrendo em cada ocasião revelam que não dedicou nem um minuto a reflectir sobre o quão errado era pegar na viatura. A sua personalidade desvaliosa ficou bem patente quando, confrontado com o cometimento dos factos no decurso da suspensão de uma pena de prisão, referiu que pensava já estar extinta esta pena.
Como referido, o arguido já não é delinquente primário, tendo mau comportamento anterior.
À data dos factos havia já cometido seis crimes de condução sem habilitação legal, sofrendo quatro condenações em penas de multa e duas em penas de prisão, uma substituída por trabalho a favor da comunidade e outra suspensa na sua execução.
Em suma, revela o arguido um comportamento muito pouco fiel ao direito, conduzindo sem habilitação legal sete vezes no espaço de cinco anos, não dando mostras de se querer emendar. Não existe qualquer pluri-ocasionalidade na sua actuação, antes uma tendência voltada para o cometimento de crimes estradais.
As necessidades de prevenção especial manifestam-se, por isso mesmo, candentes.
Por seu turno, é de atender a que as exigências de prevenção geral se mostram rigorosas, atenta a ressonância ético-social da conduta desviante do arguido nesta nossa comunidade, em que uma parte significativa da carga processual e das condenações é resultante da prática de crimes de condução em estado de embriaguez e de condução sem habilitação legal. O panorama nacional não é muito diferente, com os crimes rodoviários a surgirem em primeiro lugar e a constituírem 35% das condenações
E não por acaso, no relatório do European Transport Safety Council de 2022, Portugal surge ainda em sétimo lugar no número de mortos por bilião de quilómetros percorridos, bem acima da média europeia, apesar de apresentar melhorias ao longo dos anos, tendo, contudo, sofrido um agravamento de 15% no número de mortos entre 2021 e 2022, bem acima do aumento do volume de tráfico.
(…)
A favor do arguido nada abona.
Confessou os factos, mas numa situação de flagrante delito, sendo certo que, nas palavras do Professor Eduardo Correia (in "Lições de Direito Criminal" II Vol., pág. 387) "não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e de uma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios".
A pena de multa, face ao descrito cenário, não é comunitariamente aceitável, sendo manifesto que o arguido não soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas para se emendar e para demonstrar que havia interiorizado a censurabilidade da sua conduta.
Sendo patente que a conduta em apreciação nestes autos não constituiu um acto isolado e esporádico na vida do arguido, mas antes um acto de total indiferença e de incapacidade de obedecer a comandos e determinações que passem pela não condução da sua viatura, torna-se inevitável a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
De acordo com esta avaliação, a pena de um ano de prisão, a meio do limite mínimo e máximo da moldura penal, afigura-se ajustada, reflectindo a condução de um veículo pesado, a ausência de um motivo minimamente razoável para a prática de um crime, as condenações já transitadas em julgado à data da prática de cada um deles e o menosprezo pelas sucessivas detenções que foi sofrendo.
A substituição da pena de prisão por pena de multa, nos termos do artigo 43º do Código Penal, não é possível face à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Tendo presente as múltiplas condenações anteriores e o facto do crime em apreço nestes autos ter sido cometido no período da suspensão de uma pena de prisão, a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão também não realizam de fora adequada e suficiente as finalidades da punição, na medida em não é possível formular um prognóstico positivo, o qual “consiste na esperança de que o condenado se dará já por advertido com o proferir da sentença e que não cometerá mais nenhum delito”, na definição de Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, Comares Editorial, Granada, 1993, pág. 760.
Ainda, a substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, já tentada no passado, não sortirá qualquer efeito no arguido.
Cabe apreciar o regime de permanência na habitação.
O artigo 43º, n.º 1, do Código Penal dispõe:
“1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos;”.
No caso sub judice o tribunal entende que a privação da liberdade do arguido executada no seu domicílio será suficientemente severa para o levar a reflectir sobre o seu comportamento, pelo que opta por esse meio de execução da pena.
Os consentimentos necessários foram colhidos e já foi junta a informação prévia dos serviços de reinserção social prevista no artigo 7º, n.º 2, da Lei 33/2010, de 02/09, sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância electrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar.
Não deverá ser dada autorização para o arguido se ausentar da residência para ir trabalhar: uma vez fora de casa, e para mais sendo ele ..., depressa sucumbirá às solicitações que a vida lhe apresentar para se colocar atrás de um volante.»
E não podemos senão concordar com estes considerandos!
A faculdade de o Tribunal autorizar, no cumprimento de pena em regime de permanência na habitação, as ausências necessárias para o desempenho da atividade profissional prevista no n.º 4, do art. 43.º do Código Penal tem subjacente propósitos de reinserção social do condenado.
Mas na presente situação, pese embora o arguido tenha emprego, foi exatamente no âmbito do mesmo que aceitou (levianamente) conduzir um veículo pesado, transportando animais, sabendo não estar encartado.
E fê-lo no período de suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada pela prática de crime da mesma natureza. Convenhamos, é difícil mostrar maior menosprezo pelas condenações anteriores e pelas normas jurídicas vigentes.
E sendo o recorrente ... de profissão, mantendo o contacto permanente com veículos automóveis, mais difícil se revelará a atuação conforme à norma.
Como bem salienta o Tribunal a quo, num período de 5 anos, esta é a sétima condenação por condução sem habilitação legal, manifestando o recorrente clara indiferença pelas penas de multa e pelas penas de substituição anteriormente aplicadas. Voltou a conduzir, e fê-lo tripulando um veículo cujas características importam maior perigosidade, na sequência de uma mera solicitação de terceiros, em período de suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada, o que manifesta clara propensão para a recidiva rodoviária, que importa combater com a aplicação de uma pena adequada a cumprir em modo que permita eficazmente confrontar as prementes exigências de prevenção especial negativa.
Por isso, nenhuma razão assiste ao recorrente, mostrando-se plenamente justificado o juízo do Tribunal recorrido (e é a este que cumpre decidir a questão e não à DGRSP) de não conceder ao recorrente autorização para exercício da atividade profissional.
A ausência para essa finalidade não se mostra, na situação concreta, com eficácia para a satisfação das necessidades de não cometimento de crimes, proteção dos bens jurídicos e defesa da sociedade.
É certo que o artigo 58º, da Constituição da República Portuguesa, tutela o direito ao trabalho de todos.
Só que, este não é um direito absoluto, tendo de ser compatibilizado com a proteção de outros direitos e bens jurídicos - como a vida e integridade física de terceiros - que fundamentam a sua limitação através da aplicação de reações criminais como as penas que, in casu, não traduzem obliteração excessiva ou desproporcionada dos direitos fundamentais ao trabalho ou da dignidade da pessoa humana.
Aliás, já beneficiou o recorrente da máxima benevolência do Tribunal ao lhe ser permitido cumprir a pena em regime de permanência na habitação.
Quanto à propalada vontade de frequentar lições de condução para obter a almejada habilitação, o que é de louvar, sempre poderá o recorrente fazê-lo após o cumprimento da pena (já que antes não esteve devidamente motivado para o efeito).
Face ao que fica dito, o recurso é de improceder.
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4. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s (arts. 513º, nº1, do Cód. Proc. Penal e art.8º, nº9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
Notifique.
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Lisboa, 19 de março de 2024
Mafalda Sequinho dos Santos
Manuel Advínculo Sequeira
Alda Tomé Casimiro