Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
919/18.2T8OER-E.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM RECURSO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MÚTUO
SEGURO DE VIDA
ACÇÃO EXECUTIVA
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) De acordo com o disposto nos artigos 423.º, n.º 3, 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, a junção de documentos na fase de recurso apenas é admissível se:
a) Foi impossível a apresentação do documento antes do encerramento da discussão em 1.ª instância; ou
b) A junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância;
II) A impossibilidade da junção refere-se à superveniência do documento face ao julgamento em primeira instância e pode objetiva (se historicamente ocorreu depois do julgamento em 1.ª instância) ou subjetiva (se só foi conhecido, num quadro de normal diligência, do apresentante posteriormente ao julgamento em 1.ª instância, não podendo ter tido conhecimento da sua existência ou da situação a que o mesmo se refere);
III) A necessidade da junção em virtude do julgamento da 1.ª instância cinge-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida;
IV) Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 651.º do CPC resulta evidente que, a junção de prova documental em sede de recurso admitida no n.º 1 do preceito apenas poderá ter lugar até ao momento de apresentação de alegações, não prevendo a lei a possibilidade da sua apresentação em momento ulterior a tal apresentação, o que já não sucederá com os pareceres dos jurisconsultos que, nos termos do n.º 2, podem ser juntos aos autos até ao início de elaboração do projeto de acórdão;
V) Apresentado pelo recorrente, requerimento de junção de prova documental já depois de o recurso de apelação se encontrar inscrito em tabela para julgamento, é inadmissível a junção da prova documental requerida, não devendo, consequentemente, ser admitida.
VI) Não ocorre nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, se o Tribunal, no momento do saneamento dos autos, apreciou todas as questões que lhe incumbia apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 608.º do CPC, não fazendo parte do leque de tais questões (que devesse apreciar e que relevassem para a prolação da decisão recorrida) alguma pronúncia, nesse âmbito, a respeito do abuso de direito do exequente/embargado.
VII) No âmbito da presente ação executiva, não se podendo entender que a seguradora (que, sem adquirir algum direito sobre as prestações correspondentes, se limitou a cobrir o risco de morte do mutuário e assegurou ao mutuante o pagamento das prestações em falta em razão do mútuo) esteja numa relação contitularidade com o mutuante, nem que seja sujeito passivo da relação jurídica controvertida e objeto da execução (entre exequente e executado), não se mostra admissível a intervenção principal da seguradora.
VIII) Invocando o executado na petição de embargos que deduziu, nomeadamente, que o banco vinculou ou impôs ao mutuário a obrigação de constituir seguro de vida cobrindo o risco de morte pelo valor dos empréstimos, definindo a regra que vinculava as partes para a regularização da dívida em caso de morte do mutuário, considerando que o pagamento das prestações deveria ser efetuado pela seguradora e que dispõe de direito de regresso sobre a seguradora, verifica-se uma conexão entre a relação jurídica da titularidade do exequente e do executado/embargante (o contrato de mútuo) com a relação entre este e a seguradora (o contrato de seguro que teve por objeto garantir designadamente o evento morte do mutuário e a satisfação do interesse do credor no pagamento das prestações correspondentes ao mútuo concedido), que justifica a admissão do chamamento da seguradora, mediante o incidente de intervenção acessória.
IX) Embora não derive da decisão a proferir nos embargos de executado a obrigação de pagamento das prestações do mútuo - que, no entender do embargante, se encontram cobertas pelo âmbito do contrato de seguro - se os embargos vierem a ser julgados improcedentes e a execução prosseguir, o embargante poderá, na perspetiva do interesse que evidenciou, instaurar uma ação declarativa autónoma para nela obter a condenação da seguradora no reembolso de tais montantes.

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 03-03-2018 pelo BANCO BPI, S.A. contra BB sendo apresentado como título executivo uma escritura pública de “compra e venda e mútuo com hipoteca” (de 18-04-2011).
A exequente alegou no requerimento executivo, nomeadamente, que:
- O devedor deixou de cumprir as obrigações pecuniárias emergentes do título de compra e venda e mútuo com hipoteca, ascendendo o capital em dívida, na data de 05-01-2016, € 71.094,40;
- Tomou conhecimento de que o devedor faleceu em 14-11-2015 no estado de solteiro, sem testamento ou outra disposição de última vontade;
- Não conseguiu apurar herdeiros ao falecido.
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2. No desenvolvimento dos autos e indagada a existência de sucessores do devedor, por sentença de 05-12-2020 (apenso A) foi julgado habilitado o Ministério Público, em representação dos herdeiros incertos do falecido, para, no lugar anteriormente ocupado por este executado, com ele prosseguir os termos dos autos principais de execução.
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3. Após, por sentença de 07-12-2022 (confirmada por acórdão de 20-06-2023) foi julgado habilitado o adquirente do prédio hipotecado, AA (apenso B), passando o habilitado a ocupar a posição do primitivo executado.
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4. O executado AA deduziu oposição, que deu origem ao apenso C (embargos de executado) concluindo pela improcedência da execução ou, se assim não se entender, ser chamada a “intervir e assumir nos autos posição como parte principal ou acessória, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, (…), cabendo-lhe assumir e proceder ao pagamento integral da dívida.
Em todo o caso, deve precipuamente e desde logo, ser julgada indeferida a execução por inadmissibilidade, por omissão de condição objetiva de procedibilidade [falta de integração do executado no PERSI], absolvendo-se o executado e ordenando-se a extinção da instância”.
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5. Por despacho de 30-05-2023 foram liminarmente admitidos os embargos deduzidos pelo adquirente habilitado – tendo a exequente deduzido contestação.
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6. Em 02-10-2023 foi prolatado, no mencionado apenso C, despacho saneador, de onde consta escrito, nomeadamente, o seguinte:
“A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 3-III-18 por “Banco BPI SA” contra BB –sendo apresentado como título executivo uma escritura pública de “compra e venda e mútuo com hipoteca” (de 18-IV-11).
Por sentença de 5-XII-20 (apenso A) foram julgados habilitados os sucessores incertos do executado.
Por sentença de 7-XII-22 (confirmada por acórdão de 20-VI-23) foi julgado habilitado o adquirente do prédio hipotecado, AA (apenso B).
Por despacho de 30-V-23 foram liminarmente admitidos os embargos deduzidos pelo adquirente habilitado – tendo a exequente deduzido contestação.
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Tendo em conta as regras dos artigos 732º/2, 593º/1, 591º/1d) e 595º/1 do CPC, dispensa-se a realização da audiência prévia.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia – e não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas - fixando-se o valor da causa em 80.910,94€.
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Na presente forma processual não é admissível a intervençao de terceiros (menos ainda para “proceder ao pagamento da dívida”), não se tratando de litisconsórcio voluntário, ou contitular do direito invocado pela exequente –motivo por que se indefere a requerida intervençao principal provocada (CPC 316º/3a)) da seguradora.
Não se justificando qualquer “direito de regresso” do embargante sobre a seguradora (CPC 321º/1), indefere-se igualmente o pedido de intervençao acessória.
Por depender de produçao de prova, relega-se para a sentença a apreciaçao da excepção de falta de integraçao no ‘PERSI’ (…).”.
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7. Não se conformando com o referido despacho saneador, dele apela o embargante, concluindo pela revogação e reforma do mesmo, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª A regra da inadmissibilidade da intervenção de terceiros na ação executiva, não é definitiva e absoluta.
2.ª Numa ação como a que seguimos, fundada numa relação contratual trilateral, de crédito bancário hipotecário para aquisição de habitação própria e permanente, associado a um contrato de seguro de vida, celebrado simultaneamente como garantia do pagamento da dívida em caso de morte do mutuário.
3.ª Tendo o banco mutuante intervindo ativamente, na formalização do seguro de vida e na qualidade de mediador e tomador do seguro, no qual salvaguardou também a sua posição como beneficiário irrevogável.
4.ª Não pode o segurador do ponto de vista contratual e por razões de boa-fé, justiça material e de reequilíbrio dos interesses, deixar de ser chamado a intervir nos autos como interveniente principal, até em ordem a satisfazer o crédito do mutuante, antecipando e precatando uma penhora e venda do bem imóvel hipotecado que, a não ser assim, perder-se-á de forma irremediável.
5.ª Pode até concluir-se, que o segurador está ainda abrangido pelo titulo no caso de formação compósita.
6.ª Pois, com rigor, por exigência contratual do banco exequente, a escritura de mútuo não existiria sem um seguro de vida válido à data da sua celebração, sendo por conseguinte seguro o sustentáculo genético do contrato de mútuo.
7.ª E sendo patente o interesse do recorrente, na intervenção principal do segurador nos autos, como devedor, a decisão recorrida, por diferente entendimento, violou a melhor interpretação e aplicação das disposições previstas nos art.°’s 53.° e 316.° n.° 3 al. a) do CPC.
8.ª Não pode ser acertada a premissa, segundo a qual e no limite, não assistiria ao mutuário um direito de regresso sobre a seguradora, justificado pelo contrato de seguro de vida.
9.ª Alvitrando-se que os autos não consentiriam o chamamento do segurador como interveniente principal, para assumir o pagamento da dívida ao banco, único beneficiário irrevogável do capital seguro, nos termos da apólice de seguro.
10.ª E rejeitando-se o exercício do direito de regresso, como forma de fazer cumpri o contrato de seguro.
11.ª Seria a total subversão e destruição do conjunto de direitos e deveres estabelecidos por via do contrato de seguro de vida, associado ao contrato de mútuo, e a violação com estrondo do princípio da pacta sunt servanda.
12.ª Pelo que, derradeiramente, sempre deveria ser ordenada a intervenção do segurador como obrigado e devedor na relação conexa ao mútuo.
13.ª Por diferente raciocínio, a decisão recorrida, nesta parte, violou a melhor interpretação e aplicação do art.° 406.° n.° 1 do C.C. e o regime processual regulado no art.° 321.° n.° 1 do CPC
14.ª A matéria factual alegada nos art.°’s 1.° a 30.° da petição de embargos, encontra-se estabilizada, donde, por razões de celeridade e eficiência, os autos aconselhavam a uma imediata decisão final da lide, determinando o imediato pagamento da dívida exequenda por parte do seu principal devedor, que afinal por razões de forma, permanece afastado das instâncias judiciais.
15.ª Daquela modo, o direito e a justiça fariam prosseguir o percurso normal de vida da relação contratual, que as partes quiseram quando celebraram os contratos. Com a morte do mutuário o seguro de vida garantiria e satisfaria o pagamento da dívida hipotecária.
16.ª Até porque certo é que, em homenagem à lei e aos ditames da boa-fé, nunca poderia o credor/hipotecário/mediador e beneficiário irrevogável do capital prevenido pelo seguro de vida, pular a respetiva apólice, disparar em agressão do património hipotecado, sem que tal conduta seja avaliada em manifesto abuso do direito.
17.ª Ilógico, é manter uma lide entre dois credores, permanecendo o devedor ausente das suas responsabilidades.
18.ª Pelo que, o tribunal recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões que podia e devia logo apreciar, em violação do disposto no art.° 615 n.° 1 al. d) do CPC.
19.ª O venerando tribunal ad quem, pronunciando-se sobre a nulidade, detém todos os elementos aptos à prolação da decisão, sem exorbitar a instância poderá fazê-lo, de harmonia com o disposto no art.°’s 665.° n.° 2 e, 6.° n.° 1 do CPC”.
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8. O embargado apresentou contra-alegações considerando que não merece provimento o recurso, concluindo que:
“A. O Recorrente AA, apresentou recurso do a referência n.° 146418708, que não admitiu a intervenção principal provocada nos termos do disposto do art.316° CPC, fundamentando que:
“...Sendo patente o interesse atendível do recorrente, não pode, salvo a sempre melhor opinião, acompanhar-se a decisão recorrida que, por diferente entendimento, violou a melhor interpretação e aplicação das disposições previstas nos art.°’s 53.° e 316.°n.°3 al. a) do CPC.
Com a devida vénia, sem mais fundamentos, o recorrente não compreende o sentido prosseguido pelo Meritíssimo juiz a quo. Se ao recorrente não assiste o direito a chamar o segurador, como interveniente principal, para assumir o pagamento da dívida ao banco, único beneficiário irrevogável do capital seguro, nos termos da apólice de seguro.
Se outrossim, é ainda tido como injustificado, o pretenso exercício do direito de regresso.
No entender do recorrente, por diferente asserção, a decisão recorrida, nesta parte, violou a melhor interpretação e aplicação do art.° 406.° n.° 1 do C.C. e o regime processual regulado no art.°321.°n.° 1 do CPC. E ainda,
De harmonia com o disposto no art.° 615 n.° 1 al. d) do CPC, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Ora, a matéria factual alegada nos art.°’s 1.° a 30.° da petição de embargos, encontra-se estabilizada e consente e aconselha, desde já, a uma decisão final da lide, o que o tribunal recorrido não ponderou.
B. Dispõe o douto despacho que:
“Na presente forma processual não é admissível a intervenção de terceiros (menos ainda para “proceder ao pagamento da dívida”), não se tratando de litisconsórcio voluntário, ou contitular do direito invocado pela exequente - motivo por que se indefere a requerida intervenção principal provocada (CPC 316°/3a)) da seguradora. Não se justificando qualquer “direito de regresso” do embargante sobre a seguradora (CPC 321°/1), indefere-se igualmente o pedido de intervençao acessória. ”
C. O Recorrido, adquiriu o imóvel penhorado e melhor identificado nos A. por sucessão; Assim, e conforme o disposto do art.54° CPC, “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda;
D. Ora, para a concessão de um crédito à habitação é condição sine qua non a constituição de um seguro de vida que cubra o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva do mutuário.
E. Pelo que, o executado falecido, BB, constituiu um seguro de vida para cobertura dos riscos supra indicados, junto da Companhia de Seguros Allianz Portugal S.A.,
F. No âmbito do crédito habitação, e em caso de morte ou invalidez permanente das pessoas seguras, o seguro de vida limita-se a transferir para a seguradora a responsabilidade do pagamento do capital em dívida do crédito habitação à data do sinistro, ao Banco BPI, S.A., e, por essa razão, incumbe ao mutuário accionar a seguradora em caso de sinistro e, diligenciar junto da mesma.
G. No caso sub judice, o Adquirente ora Apelante, por via da sucessão
H. Sendo o Apelado uma entidade bancária, autónoma, totalmente alheia à relação contratual existente entre o mutuário de um crédito habitação e a Companhia de Seguro-
I. Neste sentido, é da exclusiva responsabilidade da Seguradora, a análise do pedido de pagamento da indemnização, em razão de que o Banco não tem qualquer legitimidade para interferir, nessa avaliação e decisão.
J. O contrato de seguro constituído trata-se de um mútuo autónomo, igualmente regulado pelas regras gerais dos contratos estabelecidos no Código Civil, mediante o qual o segurador obriga-se a indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos: J.C. MOUTINHO DE ALMEIDA, “O Contrato de Seguro no Direito Português Comparado”, 1971, pág.23).
K. Sendo o contrato de seguro de responsabilidade civil um contrato formal titulado por documento próprio, a subscrição da apólice-padrão consubstancia, apenas, a proposta de contrato na qual a vontade do segurado pronuncia-se livre e conscientemente, trata-se, pois, de um contrato de adesão (Neste sentido: VAZ SERRA, BMJ, 77°-168)-
L. Urge esclarecer uma vez mais que, a constituição e existência de um seguro de vida não é condição para a aceitação automática do pedido de pagamento da indemnização.
M. Neste sentido, não obstante, de futura decisão por parte da Companhia de Seguros, quanto à aceitação ou não do sinistro (morte do executado falecido), o Apelante, é responsável pelo pagamento do contrato de crédito por via da aquisição do imóvel através da sucessão; imóvel esse sobre o qual foi constituída Garantia Real a favor do Apelado para pagamento da dívida exequenda.
N. Em face do título dado à execução, não pode o Apelado, “obrigar” a Seguradora a reconhecer a validade do contrato de seguro realizado, ou até “obrigá-la” ao pagamento da quantia peticionada nos A. principais, devendo fazê-lo em sede própria.
O. E, a este propósito e, com as necessárias adaptações, veja-se o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.11.2009:“Consistindo a oposição à execução uma contra acção deduzida pelo executado contra o exequente, com a finalidade de obstar à produção dos efeitos do accionamento do título executivo, constituindo uma acção declarativa na qual aquele contesta o direito do exequente, quer impugnando a exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo poderiam constituir matéria de excepção (arts. 814 a 816 CPC), está bem de ver que, não é possível enxertar outra acção declarativa com vista ao reconhecimento de uma eventual responsabilidade de terceiro pela dívida exequenda, sob pena de total subversão das regras que enfermam o processo executivo.
O incidente de intervenção de terceiros não é compatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de oposição do executado, porque os fins de uma e de outra são inconciliáveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise - Salvador da Costa in obra cit. -137."
P. Salientar ainda que, que a matéria sobre o recurso deduzido pelo Recorrente já mereceu decisão por este Doutro Tribunal, com a referência 20199519, por Acórdão proferido em 20.06.2023”.
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9. O recurso foi liminarmente admitido, por despacho proferido em 17-01-2024.
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10. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
0) Questão prévia – Da admissibilidade da junção do documento com o requerimento de 27-02-2024.
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I) Nulidade:
A) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
II) Mérito do recurso:
B) Se a decisão recorrida que indeferiu a intervenção principal da seguradora, violou o disposto nos artigos 53.º e 316.º, n.º 3, al. a), do CPC?
C) Se a decisão recorrida, que indeferiu a intervenção acessória da seguradora, violou o disposto nos artigos 406.º, n.º 1, do CC e 321.º, n.º 1, do CPC?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório e ainda, de acordo com os documentos juntos aos autos, os seguintes factos:
1) Por título de compra e venda outorgado em 18-04-2011, foi celebrado um contrato de compra e venda – relativamente à fracção autónoma designada pelas letras “XX”, correspondente ao décimo segundo piso esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua (…), n.º (…), freguesia de (…), Concelho de Oeiras, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº(…)/20050921 - e mútuo com hipoteca entre exequente e o antecessor do ora executado.
2) Do título referido em 1) consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) F. MÚTUO COM HIPOTECA
F.1. – Que, para a aquisição da fracção atrás identificada a qual se destina a Habitação Própria Permanente, o segundo outorgante solicitou ao BANCO BPI, um empréstimo no montante de oitenta mil euros, de que desde já se confessa devedor o qual, nesta data, lhe é concedido pelo prazo de trezentos e  vinte e quatro meses ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação (…)
- Que em caução e garantia do referido empréstimo, dos juros (…), da sobretaxa (…), das despesas extrajudiciais (…(, ele, 2º outorgante, constitui, pela presente, a favor do mesmo BANCO, hipoteca sobre a fração atrás identificada (…)
3) Do documento complementar ao referido título de compra e venda constam, nomeadamente, as seguintes Cláusulas:
“CLÁUSULA (…)
PRIMEIRA (…)
SETE – O spread considerado no número Um, da cláusula Primeira, será bonificado de Zero vírgula oito ponto(s) percentual(ais), caso se verifiquem cumulativamente, em cada momento, as condições seguintes:
(…) b) A Contratação pelo(s) mutuário(s) de Seguro de vida e de Seguro Multi-riscos (Imóvel), desde que, em qualquer caso, se encontrem associados ao Crédito Habitação BPI e hajam sido comercializados através do Banco BPI;
(…) OITAVA (…)
d) O Banco está obrigado a comunicar às empresas de seguros em tempo útil, acerca da evolução do montante em dívida ao abrigo do contrato de Crédito Habitação, pelo que para cumprimento dessa obrigação, nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto Lei 222/2009, de 11 de Setembro artº 7º, o Banco comunicará à Companhia de Seguros onde foi contratado o Seguro de Vida associado ao Crédito Habitação a que respeita o presente contrato, mensalmente o respectivo valor em dívida para que esta possa proceder à actualização do capital seguro e respectivo prémio associado (…).
4) O mutuário constituiu um seguro de vida que cobria, nomeadamente, o risco de morte do mutuário, junto da Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., sendo beneficiário o exequente;
5) O mutuário faleceu em 14-11-2015.
6) Em 11-12-2017, foi dado conhecimento ao exequente do falecimento do mutuário;
7) O ora executado deu conhecimento do falecimento à companhia de seguros Allianz;
8) O ora executado, adquirente do prédio hipotecado, foi habilitado para, no lugar do executado, prosseguir a causa.
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4. Fundamentação de Direito:
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0) Questão prévia – Da admissibilidade da junção do documento com o requerimento de 27-02-2024.
Em 27-02-2024, o recorrente veio juntar 1 documento, que considera poder ser relevante para a matéria recursiva, aludindo às disposições normativas dos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, referindo que não o pode juntar anteriormente.
Mais alegou que na véspera da referida apresentação, foi notificado de informação chegada aos autos, proveniente da Companhia de Seguros Allianz, S.A. por reporte á apólice de seguro de vida, esclarecendo a seguradora que “ … se trata de um contrato de seguro de vida em que deve ser participado pelo Tomador – O Banco BPI.” (o exequente), “A ocorrência não nos foi participada e por isso não foi aberto qualquer processo de sinistro no âmbito deste contrato de seguro.”, “Apenas com a participação do sinistro por parte do credor e beneficiário irrevogável – O Banco BPI – é que é aberto processo de sinistro o que neste contrato ainda não aconteceu ….”
Nos termos do artigo 651º, nº1, do CPC, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
E o artigo 425.º do CPC dispõe que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Explicando o modo de conjugação destas normas, referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-09-2016 (Pº 1203/14.6TBSTS.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES) que, “da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento”.
No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, referem Lebre de Freitas et al (Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426) que: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].» RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma que: «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes”.
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (artigo 651º, n.º 1, do CPC), “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (cfr. Antunes Varela et al.; Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534).
“Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo./ A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 184-185).
Assim, “(…) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2012, P.º n.º 174/08, rel. GONÇALVES ROCHA).
Na permissão normativa incluem-se as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.
Contudo, o regime do artigo 651º, nº 1, do CPC não abrange a hipótese de a parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância.
Assim, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a prolação da sentença, dado que, “já era potencialmente útil à apreciação da causa” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 502).
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2016 (Pº 788/13.9TBSTR.E1, rel. MANUEL BARGADO), “a impossibilidade de apresentação em momento anterior legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-o com a motivação deste, o documento cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, ou seja, até ao julgamento em primeira instância, o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objetiva ou subjetiva do documento pretendido juntar. No caso de superveniência subjetiva é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, apesar do carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este por razões que se afigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do apresentante, num quadro normal de diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento”.
Ou seja: Não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
Por outro lado, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados, a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objetivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido alegados.
Em síntese, pode concluir-se que “[d]a leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019, Pº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, rel. CATARINA SERRA).
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 651.º do CPC resulta evidente que, a junção de prova documental em sede de recurso admitida no n.º 1 do preceito apenas poderá ter lugar até ao momento de apresentação de alegações, não prevendo a lei a possibilidade da sua apresentação em momento ulterior a tal apresentação, o que já não sucederá com os pareceres dos jurisconsultos que, nos termos do n.º 2, podem ser juntos aos autos até ao início de elaboração do projeto de acórdão.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que o recorrente invoca que o documento que juntam no presente recurso é “superveniente” e que não foi possível a sua junção em tempo anterior.
Contudo, como se viu, o requerimento de junção documental não ocorreu com o momento de apresentação das alegações de recurso, mas sim, numa altura em que o recurso já se encontrava inscrito em tabela para julgamento.
A junção do documento no momento em que ocorreu mostra-se, pois, contrária ao disposto nos mencionados artigos 425.º e 651.º do CPC, não devendo ser admitida.
Pode sobre esta questão concluir-se, em síntese, que:
-De acordo com o disposto nos artigos 423.º, n.º 3, 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, a junção de documentos na fase de recurso apenas é admissível se:
a) Foi impossível a apresentação do documento antes do encerramento da discussão em 1.ª instância; ou
b) A junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância;
- A impossibilidade da junção refere-se à superveniência do documento face ao julgamento em primeira instância e pode objetiva (se historicamente ocorreu depois do julgamento em 1.ª instância) ou subjetiva (se só foi conhecido, num quadro de normal diligência, do apresentante posteriormente ao julgamento em 1.ª instância, não podendo ter tido conhecimento da sua existência ou da situação a que o mesmo se refere);
- A necessidade da junção em virtude do julgamento da 1.ª instância cinge-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida;
- Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 651.º do CPC resulta evidente que, a junção de prova documental em sede de recurso admitida no n.º 1 do preceito apenas poderá ter lugar até ao momento de apresentação de alegações, não prevendo a lei a possibilidade da sua apresentação em momento ulterior a tal apresentação, o que já não sucederá com os pareceres dos jurisconsultos que, nos termos do n.º 2, podem ser juntos aos autos até ao início de elaboração do projeto de acórdão;
- Apresentado pelo recorrente, requerimento de junção de prova documental já depois de o recurso de apelação se encontrar inscrito em tabela para julgamento, é inadmissível a junção da prova documental requerida, não devendo, consequentemente, ser admitida.
Atenta a impertinência na apresentação do documento e visto o disposto nos artigos 423.º e 443.º do CPC, conjugados com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, do RCP, deverá condenar-se o apresentante em multa, que, se deverá fixar no mínimo (0,5 U.C.).
De acordo com o exposto, não se admite a junção do documento apresentado com o requerimento de 27-02-2024, pelo apelante.
Condena-se o apresentante na multa de 0,5 (meia) U.C.
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I) Nulidade:
*
A) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
Conclui o recorrente – conclusão 18.ª das alegações de recurso – que o tribunal recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões que podia e devia logo apreciar, em violação do disposto no art.° 615 n.° 1 al. d) do CPC.
Na respetiva motivação do recurso, a respeito desta questão, enunciou o recorrente, em suma, o seguinte:
“Da Nulidade da decisão:
De harmonia com o disposto no art.° 615 n.° 1 al. d) do CPC, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Ora, a matéria factual alegada nos art.°’s 1.° a 30.° da petição de embargos, encontra-se estabilizada e consente e aconselha, desde já, a uma decisão final da lide, o que o tribunal recorrido não ponderou.
Importa fazê-lo em prol da celeridade processual e com vista a assegurar o imediato pagamento da dívida exequenda por parte do seu principal devedor, que permanece afastado das instâncias judiciais.
Com sentida reverência, sejamos lúcidos, o credor hipotecário/exequente exigiu o seguro de vida ao mutuário, foi o credor hipotecário que mediou a sua contratação (como tomador do seguro) e acautelando o seu crédito em caso de morte do mutuário, fez apor na apólice a cláusula de beneficiário e com natureza irrevogável.
O normal desenvolvimento desta relação contratual trilateral, é que em caso de morte do mutuário, havendo seguro de vida em garantia para pagamento de empréstimo de crédito hipotecário, o credor, beneficiário irrevogável da apólice, obtenha o capital seguro, em ordem à igual “morte” do contrato de financiamento.
Perdoe-se o comentário, mas lembremos Eça, “O português nunca pode ser homem de ideias, por causa da paixão pela forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir- lhe a música.
Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta, exagerá-la para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... Vá-se pela água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase."
No caso, deixemos à forma a valência que lhe é merecida, prevaleça o direito e a justiça, tem-se por mais elementar que, de acordo com a lei e os basilares ditames da boa-fé e do direito, nunca poderia o credor/hipotecário/mediador do seguro de vida, pular a respetiva apólice e disparar para a agressão do património hipotecado (…).
Submisso a melhor opinião, a decisão revidenda podia e devia ter-se pronunciado sobre a relação material controvertida, à luz do abuso do direito, decaindo assim no vício de nulidade por falta de pronúncia, nos termos do art.° 615.° n.° 1 al. d) do CPC.”.
O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a ocorrência da nulidade, nos termos a que se reporta o artigo 641.º, n.º 1, do CPC, afigurando-se, todavia, perante os termos da questão a apreciar (e constando dos autos todos os demais elementos pertinentes), que, para a decisão a proferir, não se torna imprescindível tal pronúncia.
Vejamos, pois:
Conforme decorre da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença padecerá de nulidade quando: “(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”.
Vejamos se o Tribunal incorreu em omissão da pronúncia devida, não conhecendo de questão de que devesse tomar conhecimento, sabendo-se que, todavia, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132).
Liminarmente, importa evidenciar que, apenas existirá nulidade da sentença por omissão (ou excesso) de pronúncia com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há-de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, preceito do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A “questão a decidir” pelo julgador estará diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita, apreciando-a e decidindo-a, segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte, tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
No caso em apreço, o recorrente vem dizer que a decisão recorrida podia e devia ter-se pronunciado sobre a relação material controvertida, à luz do abuso do direito.
Contudo, ao invés do invocado pelo apelante, assim não concluímos.
O dever de decisão do Tribunal recorrido foi devida e cabalmente observado, tendo o Tribunal de 1.ª instância emitido, em sede de despacho saneador, a pronúncia que lhe cabia efetuar sobre as questões que se encontravam colocadas.
Importa a este respeito referir que, em nenhum momento, antes do presente recurso, o recorrente suscitou a questão do abuso de direito.
É certo que, todavia, se tem considerado que a questão do abuso de direito é passível de oficioso conhecimento: “O abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, Processo 116/07.2TBMCN.P1.S1, rel. FERNANDES DO VALE).
Em semelhante sentido, entre outros, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-04-2002 (Processo 02B749, rel. ARAÚJO DE BARROS) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018 (Processo 2069/14.1T8PRT.P1.S1, rel. ROSA RIBEIRO COELHO).
No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-02-2019 (Processo 248015/09.2YIPRT.G1, rel. PURIFICAÇÃO CARVALHO) entendeu-se, porém, que:
“A apreciação e decisão quanto à existência de abuso do direito não depende de expressa invocação pelas partes, por se tratar de questão de direito (art. 664.º, 1.ª parte do CPC) e de matéria de interesse e ordem pública, sendo, pois, permitido o seu conhecimento oficioso. Todavia, a pronúncia oficiosa sobre tal matéria pressupõe que ao tribunal se deparem factos que manifestamente apontem para a verificação de um ilegítimo exercício do direito acionado, ou seja, não tendo a questão do abuso do direito sido suscitada pelas partes, apenas se imporá ponderar quando a matéria de facto revele a necessidade de convocar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social, em ordem a determinar se o titular do direito o vem exercer, excedendo manifestamente tais limites, em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”.
Contudo, afigura-se-nos que o conhecimento dessa questão – de índole substantiva – não foi apreciada na decisão recorrida, pois, em face da apreciação interlocutória efetuada em sede de despacho saneador não o teria que ser (sendo que, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-01-2021, Pº 3886/18.9T8CBR-A.C1, rel. VÍTOR AMARAL, “podendo o executado invocar o abuso do direito por parte do credor mutuante, como matéria de exceção, em embargos de executado, a procedência dessa exceção determina a inexigibilidade do crédito exequendo e a consequente extinção da execução fundada no contrato de mútuo com garantia hipotecária”) e, nomeadamente, no que ora interessa, atenta a decisão tomada em face das questões processuais suscitadas pelo recorrente – as da intervenção da seguradora – ficava claramente prejudicada uma tal apreciação.
Assim, tendo o Tribunal recorrido emitido decisão sobre as questões prolatadas em sede de saneamento dos autos e dado que, por via delas, ficava prejudicada a questão do abuso de direito, não se verifica que lhe coubesse emitir alguma pronúncia a este respeito que não tenha efetuado.
Assim, não ocorre nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, se o Tribunal, no momento do saneamento dos autos, apreciou todas as questões que lhe incumbia apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 608.º do CPC, não fazendo parte do leque de tais questões (que devesse apreciar e que relevassem para a prolação da decisão recorrida) alguma pronúncia, nesse âmbito, a respeito do abuso de direito do exequente/embargado.
Em face do exposto, improcede a nulidade arguida, com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
*
II) Mérito do recurso:
*
B) Se a decisão recorrida que indeferiu a intervenção principal da seguradora, violou o disposto nos artigos 53.º e 316.º, n.º 3, al. a), do CPC?
O ora recorrente requereu a intervenção principal da seguradora Allianz dizendo – na petição de embargos – que, em seu entender, “o cumprimento a ser devido tem de ser satisfeito pelo segurador, nos termos da conjugação dos contratos que ladeiam a relação material controvertida, em especial, da apólice, imposta pelo banco, agindo como agente do banco e da qual exigiu ser constituído beneficiário único e irrevogável”, concluindo que, “nos termos do enunciado regime, da lisura e da boa-fé e a justiça contratual e por cautela e por razões de celeridade processual, deverá a dita Companhia de Seguros Allianz Portugal SA ser chamada a fim de assumir uma posição nos autos e bem assim proceder ao pagamento da dívida, de harmonia com o disposto no art.° 316.° n.° 3 al. a) do Cód. Proc. Civil”.
O Tribunal recorrido, apreciando tal pretensão, concluiu que “não é admissível a intervenção de terceiros (menos ainda para “proceder ao pagamento da dívida”), não se tratando de litisconsórcio voluntário, ou contitular do direito invocado pela exequente –motivo por que se indefere a requerida intervenção principal provocada (CPC 316º/3a)) da seguradora”.
Insurge-se o recorrente contra tal decisão concluindo, em suma:
- Que a “regra da inadmissibilidade da intervenção de terceiros na ação executiva, não é definitiva e absoluta”;
- Que o banco mutuante interveio ativamente na formalização do seguro de vida e na qualidade de mediador e tomador do seguro, no qual salvaguardou também a sua posição como beneficiário irrevogável;
- Que não pode o segurador “do ponto de vista contratual e por razões de boa-fé, justiça material e de reequilíbrio dos interesses, deixar de ser chamado a intervir nos autos como interveniente principal, até em ordem a satisfazer o crédito do mutuante, antecipando e precatando uma penhora e venda do bem imóvel hipotecado que, a não ser assim, perder-se-á de forma irremediável”;
- Que “por exigência contratual do banco exequente, a escritura de mútuo não existiria sem um seguro de vida válido à data da sua celebração, sendo por conseguinte seguro o sustentáculo genético do contrato de mútuo”, sendo “patente o interesse do recorrente, na intervenção principal do segurador nos autos, como devedor”.
Considera, por isso, que a decisão recorrida violou os artigos 53.º e 316.º n.º 3 al. a) do CPC.
Vejamos:
A este propósito, importa referir que apenas têm a qualidade de partes do processo executivo, o exequente e o executado: “Partes, num processo executivo, são, formalmente, os sujeitos que, no requerimento inicial, surgem identificados como exequente e executado” (assim, Augusta Ferreira Palma; Embargos de Terceiro; Almedina, 2001, p. 22).
O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. art. 703.º do CPC), cabendo ao exequente instruir o requerimento executivo com cópia ou o original do título executivo (cfr. art. 724.º, n.º 4, CPC).
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - art. 10.º, n.º 5, do CPC.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, p. 33): “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação”.
Nesse sentido – sobre a legitimidade do exequente e do executado – , dispõe o n.º 1 do artigo 53.º do CPC que, “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Ou seja: O apuramento da legitimidade ativa e passiva para estar em juízo no âmbito da ação executiva tem de passar pela análise do título executivo.
Daqui decorre que, a regra geral da legitimidade para a ação executiva diverge da que vigora para a ação declarativa (cf. art. 30º do CPC), porquanto se atende à literalidade do título executivo, seja este uma sentença, um contrato, um título de crédito ou outro.
A legitimidade executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa (cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 278; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, p. 109).
“Assim, será terceiro em relação à execução quem não figure no título como credor ou devedor, nem seja representante de alguma das partes, tal como aquele que, embora obrigado no título conjuntamente com o executado, não tenha sido demandado na execução.
Não obstante a literalidade do título executivo, são admitidas algumas situações excepcionais de indeterminação do credor em face do título, que integram aquilo que o Prof. Miguel Teixeira de Sousa designa por legitimidade aberta.
Tal sucede quando a indeterminação do credor deriva das características do próprio facto jurídico ou título material de aquisição do direito à prestação, como quando se esteja perante título ao portador (cf. art. 53º, n.º 2 do CPC), no contrato a favor de terceiro e no contrato para pessoa a nomear (cf. art.ºs 443º, n.º 1 e 452º, n.º 1 do Código Civil) e quanto ao credor do pagamento da sua parte em indemnização dos titulares de interesses difusos violados não individualmente identificados (art. 22º, n.º 2 da Lei 83/95, de 31 de Agosto).
A regra da literalidade sofre ainda desvios decorrentes da sucessão no direito ou na obrigação, como se extrai do art. 54º do CPC” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2020, Pº 4762/15.2T8SNT.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
A pretensão do recorrente convoca a questão de saber se, no âmbito da ação executiva, terão admissibilidade os incidentes de intervenção de terceiros e, em particular, o incidente de intervenção principal?
Sobre a admissibilidade da dedução de incidentes de intervenção de terceiros no âmbito da ação executiva, tem-se considerado que tal admissibilidade “e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais e se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e ainda se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013, Pº 320/10.6TBSRE-B.C, rel. CARVALHO MARTINS; cfr., também, o Acórdão do mesmo Tribunal de 20-03-2018, Pº 5837/16.6T8CBR-A.C1, rel. JORGE ARCANJO).
Nesta linha, em princípio, não será de rejeitar liminarmente a possibilidade de, no âmbito dos embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que esta seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução (cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 01-03-2001, in CJSTJ, IX, t. 1, p. 136 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-09-2021, Pº 4859/19.0T8VIS-A.C1, rel. FONTE RAMOS).
A este propósito refere J. Lebre de Freitas (A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, p. 162) que, “o problema só se põe em relação à intervenção principal (baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação), pois, quanto aos restantes incidentes, o objectivo da intervenção só se pode realizar em processo declarativo. A sua admissibilidade, em geral, só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da ação executiva quando uma norma excecional o preveja”.
Por seu turno, “Rui Pinto identifica ainda como situações de intervenção de outros terceiros, os que agem em oposição de direito ou posse incompatível com a penhora (art.ºs 342º e 343º do CPC) ou em concurso de crédito suportado por garantia real (art.ºs 786º, n.º 1, b) do CPC).
E dá conta da divisão na doutrina quanto à admissibilidade da intervenção de terceiros, aludindo à posição do Prof. Teixeira de Sousa que, depois de restringir a intervenção acessória aos apensos declarativos, admite a intervenção principal provocada para sanar a preterição de litisconsórcio necessário (cf. art. 261º, n.º 1 e 316º, n.º 1 do CPC) e para fazer intervir um litisconsorte voluntário (por exemplo, o executado provocar a intervenção de um seu co-devedor solidário, no prazo da oposição à execução – cf. art. 316º, n.º 3 do CPC), assim como aceita a intervenção principal espontânea, tanto em composição de litisconsórcio necessário, como por parte de litisconsorte voluntário, referindo, quanto a este que «nada parece obstar à intervenção de um terceiro para vir ocupar a posição de co-exequente ou de co-executado, a ter lugar a todo o tempo (cf. art. 313º nº 1)» – cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 303-305.
Quanto àquela que é a sua posição, Rui Pinto refere que o princípio da estabilidade da instância (cf. art. 260º do CPC) rege também a acção executiva, daí que a jurisprudência tenha enveredado pela não admissibilidade de o executado fazer intervir outros sujeitos, posto que cabe ao credor delimitar o impulso processual e, por outro lado, não o pode fazer o exequente, pela necessidade de protecção do executado, sendo, assim, excepcionais as modificações subjectivas e objectivas da instância executiva, não incluindo nas primeiras as previstas nos art.ºs 311º e seguintes do CPC, que cumprem funções declarativas.
Conclui, como o Prof. Teixeira de Sousa, que a intervenção principal como exequente ou como executado se cinge, em regra, a sujeitos que constam do título executivo mas que tais intervenções serão outras que não as autorizadas pela ressalva do art. 260º do CPC, logo excluídas pela excepcionalidade dessa ressalva, o que o leva a defender a regra da inadmissibilidade de intervenções atípicas de terceiros.
Apesar dessa conclusão, Rui Pinto não deixa de assinalar que o princípio da economia processual pode justificar a admissibilidade de intervenção de terceiros excepcional ou atípica, pois que seria um desperdício processual impor ao credor a instauração de uma nova acção para poder demandar outro devedor que não indicou no requerimento executivo, assim como os art.ºs 54º, n.º 2 e 711º, n.º 1 do CPC, permitiriam identificar um princípio de disponibilidade do credor na conformação subjectiva da instância, tanto inicial como superveniente.
De todo o modo, discorda desta intervenção justificada por tais princípios, pois que a sua admissão exigiria sempre a observância do contraditório por parte do executado originário, o que conduzira a um prolongamento dispendioso da actuação processual - cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 307-309” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2020, Pº 4762/15.2T8SNT.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
A respeito do incidente de intervenção principal provocada, estatui o artigo 316.º do CPC o seguinte:
“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”.
Neste âmbito, a jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores tem vindo a admitir, em determinadas circunstâncias, a dedução de incidentes de intervenção de terceiros, no âmbito de uma ação executiva, embora em termos limitados e excecionais, atenta, nomeadamente, a natureza coativa – e não declarativa – de uma tal ação.
Assim, concluiu-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2019 (Pº 1896/18.5T8ACB-B.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS) que:
“1. Não se pode concluir, sem mais, pela inadmissibilidade, como princípio geral e absoluto, dos incidentes de intervenção de terceiro em processo de execução ou nos seus incidentes declarativos.
2. Para decidir da admissibilidade da intervenção acessória provocada na oposição à execução haverá que aferir se se encontram ou não verificados os respetivos pressupostos legais e se a intervenção tem a virtualidade de satisfazer algum interesse legítimo […]relevante”.
No texto deste aresto lê-se que:
“No âmbito da ação executiva propriamente dita o incidente de intervenção principal provocada será mesmo o meio processual adequado para o exequente chamar à ação novos executados (…), sejam codevedores que figurem no título executivo original ou nalgum título que venha a ser cumulado na execução, sejam terceiros proprietários de bens que respondam pela divida exequenda, caso em que a execução não poderá prosseguir sem que o respetivo proprietário seja chamado à execução – seja por tal bem ter sido dado em garantia da divida exequenda (hipoteca ou penhor) (…), seja por o exequente ter visto reconhecido o seu direito a satisfazer o seu crédito por tal bem em impugnação pauliana para tal efeito intentada (…)
E, como já referimos, serão várias as hipóteses em que se pode configurar a admissibilidade da intervenção principal provocada enquanto meio de chamar à execução terceiros devedores ou titulares de bens que respondam pela dívida exequenda, ou para sanar a ilegitimidade de alguma das partes decorrente de uma situação de litisconsórcio necessário (…)”.
Na mesma linha, expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-07-2023 (Pº 5118/14.0T8LRS-G.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS) que:
“As regras do incidente de intervenção principal provocada dificilmente são compatíveis com a natureza da ação executiva, e só em casos muito pontuais faz sentido equacionar a sua aplicação ex vi do art.º 551.º, n.º 1, do CPC. Resulta do art.º 316.º, n.ºs 1 e 2, do CPC que o incidente de intervenção principal provocada pode ter lugar quando ocorra preterição de litisconsórcio necessário - pretendendo qualquer das partes chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária - ou nos casos de litisconsórcio voluntário, podendo o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º do CPC (…)”.
Dando conta desta admissibilidade limitada da dedução de incidentes de intervenção de terceiros na ação executiva, expendeu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-05-2020 (Pº 13674/14.6T2SNT-C.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS) que:
“A admissibilidade de incidentes da instância e de intervenção de terceiros no âmbito de processo de execução não se mostra de todo afastada, tudo dependendo da verificação dos necessários pressupostos legais, e, bem assim, da aferição se tal intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coadune com o fim e os limites da acção executiva”.
Têm sido apontados como exemplos de situações em que é admissível a dedução de incidentes de intervenção de terceiros na ação executiva, entre outras, as seguintes:
- Quando o exequente demande apenas o proprietário dos bens onerados, tem a possibilidade de, mais tarde, demandar o devedor, se os bens que garantem o cumprimento da obrigação se vierem a revelar insuficientes (cfr. artigo 54.º, n.º 2, do CPC);
- Quando, instaurada execução apenas contra o devedor principal, cujos bens se revelem insuficientes, o exequente pretenda demandar o devedor subsidiário (cfr. artigo 745.º, n.º 3, do CPC);
- Quando, instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário, que invoque o benefício da excussão prévia (caso em que, o exequente pode demandar o devedor principal (cfr. artigo 828.º, n.º 2, do CPC);
- Quando julgada procedente ação de impugnação pauliana, tendo por objeto o bem alienado pelo devedor a terceiro, se vise a execução desse bem no património do terceiro adquirente, podendo o credor mover logo a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante para aí o executar (cf. artigos 616.º, n.º 1, e 818.º do CC), desde que a execução se mostre intentada (cf. art.º 54.º, n.º 2, do CPC) ou prossiga (com a dedução do cabal incidente da instância) contra o adquirente ou obrigado à restituição (cf. artigos 735.º, n.º 2 e 821.º, n.º 2, do CPC) – neste sentido o acórdão da RL de 12-05-2022, no proc. n.º 21405/16.0T8SNT-A.L1-2 (relatado pelo ora relator).
Ora, por um lado, não está em questão uma situação de preterição de litisconsórcio necessário, considerando que o título subjacente à execução não impõe a demanda a demanda da seguradora, seja como associado do exequente, quer como associado do executado.
O n.º 2 do artigo 316.º do CPC não tem, igualmente, aplicação ao caso dos autos, uma vez que se trata aí da intervenção de terceiros, em situação de litisconsórcio voluntário, desencadeado por banda do autor, o que não se coaduna com o incidente ora suscitado pelo executado.
Resta determinar se se verifica alguma das causas de chamamento – por iniciativa do réu - a que se refere o n.º 3 do artigo 316.º do CPC (interesse atendível do requerente em chamar a intervir litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida ou se o requerente pretender a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor).
A este respeito, pela sua clareza, transcrevem-se as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-04-2022 (Pº 2136/18.2TBACB-D.C1, rel. TERESA ALBUQUERQUE) que, em situação semelhante à dos presentes autos, em que estava em questão incidente de intervenção de terceiros, deduzido no âmbito de embargos de executado, confluem no sentido da inadmissibilidade de intervenção principal da seguradora aí requerida, no caso de se estar perante uma execução por dívida provida de garantia real, decorrente de crédito à habitação, e em que haja sido celebrado contrato de seguro de vida:
“(…) É sabido que a doutrina e a jurisprudência se têm genericamente mostrada avessas às intervenções de terceiros na oposição à execução.
Rui Pinto é muito peremptório a esse respeito, frisando: «A resposta é negativa: a intervenção de terceiro supõe uma extensão decisória da oposição, que ultrapassa a respectiva função acessória de estrita extinção da execução». (…).
Igualmente Salvador da Costa (…) se pronuncia claramente no sentido de que «o incidente de intervenção principal provocada é inadmissível na acção executiva por virtude do objectivo de um e de outra e das regras de legitimidade desta», e  a respeito do incidente de intervenção acessória refere que o mesmo «é incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de embargos de executado, porque os fins de uma e outra são incompatíveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise».
Convém, no entanto, precisar que uma coisa é a intervenção de terceiros na execução e outra, a dessa intervenção no apenso dos embargos à execução - que é a que está em causa nos autos, tal como resulta do pedido formulado pela executada/apelante, que, recorde-se, requereu «a intervenção na causa, ao lado do Banco embargado, da C... SA, devendo a mesma ser citada para os termos do incidente, seguindo-se os demais termos até final com a extinção da execução».
Não está, pois, em causa a intervenção de terceiros na execução, que, aliás, só parece ser passível de ser requerida pelo exequente, dando origem, mais frequentemente,  a litisconsórcios passivos sucessivos, com o chamamento à execução de novos executados, e cuja admissibilidade decorre, desde logo, do disposto no art 709º, referente à cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes e do art 711º, referente à cumulação sucessiva.
Acresce, como o faz notar Lebre de Freitas, ainda no âmbito do aCPC, que desde sempre se teve como admissível incidente de terceiro na execução para assegurar a legitimidade duma parte, nos termos do art 261º CPC, pelo que, rejeitada oficiosamente a execução, ou julgados procedentes os embargos de executado, por ilegitimidade do exequente ou do executado, o exequente pode requerer o chamamento da pessoa em falta, tal como esta o poderá requerer espontaneamente. [«A acção Executiva à Luz do Código Revisto», 3ª ed,  p 117 e ss].
Também, como chama ainda a atenção Lebre de Freitas, no âmbito do litisconsórcio voluntário  verificam-se na execução casos de admissibilidade de incidentes de intervenção de terceiros, «sendo três os casos em que a lei é expressa em admiti-los: quando o exequente demande apenas o proprietário dos bens onerados, tem a possibilidade de, mais tarde, demandar o devedor, se os bens que garantem o cumprimento da obrigação se vierem a revelar insuficientes (art 54º/2); instaurada execução apenas contra o devedor principal, cujos bens se revelem insuficientes, pode o exequente demandar o devedor subsidiário (art 745º/3); instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário, que invoque o benefício da excussão prévia, o exequente pode demandar o devedor principal (art 828º/2)». (…).
O que leva esse autor a concluir que «os dois primeiros casos têm de comum a responsabilidade subsidiária dos chamados subsequentemente à intervenção principal. Mas o terceiro, em que a relação de subsidiariedade é inversa, permite defender que o incidente de intervenção principal é hoje, em geral, admissível na modalidade de intervenção passiva provocada pelo exequente, em nome da economia processual».
(…)
Teixeira de Sousa no âmbito do CPC anterior [«Acçao Executiva Singular», 1998, pp. 152-154], admite a intervenção principal provocada para sanar a preterição de litisconsórcio necessário (cf. art. 269º/1) e para fazer intervir um litisconsorte voluntário, maxime, o executado provocar a intervenção de um seu condevedor solidário, no prazo da oposição à execução, («por não ser exigível que este devedor tenha de suportar sozinho o cumprimento da totalidade da prestação»); admite ainda a intervenção principal espontânea, tanto em composição de litisconsórcio necessário, como por parte de litisconsorte voluntário; e, quanto a este, ao litisconsorte voluntário,  refere que «nada parece obstar à intervenção de um terceiro para vir ocupar a posição de co-exequente ou de co-executado, a ter lugar a todo o tempo (cf. art. 322º nº 1)», sem que, no entanto deixe de acautelar que «a intervenção principal, como exequente ou como executado, está restringida, em regra, a sujeitos que constam do título executivo».
De todo o modo, em todas as situações acima referidas, e noutras que o não foram, em que é admitida a intervenção de terceiros na execução, constata-se estar em causa situações tipificadas no processo executivo relativamente às quais o legislador não recorre, sequer por remissão, para as normas próprias dos incidentes de intervenção de terceiro previstos no art 311º e ss  do CPC (…).
A questão já se pode apresentar como diferente nos embargos de executado, atenta a respectiva natureza declarativa.
Com efeito, os embargos de executado constituem verdadeiras acções declarativas, estruturalmente autónomas, embora ligadas instrumental e funcionalmente à acção executiva [Cfr, por ex., Amâncio Ferreira,,«Curso de Processo de Execução», 2ª ed p 116], referindo Lopes Cardoso [«Manual da Acção Executiva» 3ª ed., p 275] que «o executado assume a autoria dum processo declarativo autónomo da execução, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do titulo, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam  matéria de excepção».
No Ac STJ 1/3/2001 [CJ STJ, I, p 136, Barata Figueira] foi admitida a intervenção principal de terceiro em embargos de executado, tendo-se  entendido que a mesma se revelava indispensável  para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução, na medida em que, tendo-se o executado defendido com a excepção liberatória da divida exequenda resultante da simulação do contrato e pedido a sua anulação, para que a decisão a proferir sobre a questão da nulidade ou validade do contrato de mútuo pudesse produzir efeito útil normal não bastava demandar o embargado.
A intervenção principal, como decorre desde logo da sua designação (“principal”) e  do art 311º CPC, referente à intervenção principal espontânea («estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal…», e ainda em função da delimitação negativa contida na parte final do nº 1 do art 321º, referente à intervenção acessória provocada, tem como pressuposto que o terceiro tenha legitimidade para intervir na causa como parte principal.
E isso sucede, entre outros casos, quando tenha ocorrido preterição de litisconsórcio necessário, em que «qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária nos termos do nº 1 do art 316º CPC».
Será, afinal, o caso, da situação do acima referido Ac do STJ 1/3/2001 em que estaria em causa a integração nos embargos de executado de um litisconsórcio necessário natural.
Não estando em causa a preterição de litisconsórcio necessário na execução do lado activo ou passivo, não se vê como possa o executado/embargante provocar a intervenção de um terceiro como parte principal, isto é, como exequente ou executado.[Ac R C 22/10/2019 (Mª João Areias), nota 11, quando refere, a respeito da intervenção principal provocada em embargos de executado (e na critica que faz a acórdãos onde se admitiu a intervenção principal em embargos de executado em situações de divida provida de garantia real hipotecária decorrente de crédito à habitação com obrigatoriedade de seguro de vida por parte do mutuário,  como na situação dos autos, vg  Ac R C 10/12/2019 e de 2/6/2020  (Fonte Ramos) e Ac R E 15/11/2016 /José Tomé de Carvalho), critica essa  que se acompanha) «não atingimos como pode ser deferida a intervenção principal provocada de um terceiro quando não é pedida nem ordenada a sua intervenção como parte principal, ou seja, como exequente ou executado»]
 Como se refere no Ac R C 22/10/2019, não é razoável «o chamamento aos embargos, pelo executado, de um terceiro para demonstração de que é este o verdadeiro responsável pela divida exequenda e não ele próprio», acrescentando-se, «possibilidade que, de qualquer modo, também não lhe seria facultada no processo declarativo».
De todo o modo, a admitir-se a intervenção de terceiros provocada pelo executado/embargante a mesma só seria pensável  ao abrigo da al a) do nº 3 do art 316º, isto é, em situação em que estivesse em causa litisconsórcio voluntário e as pessoas a chamar se pudessem ter como «sujeitos passivos da relação jurídica controvertida».
Sucede que na situação dos autos não pode entender-se que a C... se pudesse configurar como sujeito passivo da relação jurídica controvertida (na execução), como decorre da sua posição jurídica perante o banco.
O que o titulo executivo dado à execução permite entrever – cfr factos 22 - é que o banco mutuante impõe ao mutuário a celebração de um contrato de seguro vida em seguradora da sua confiança e com as condições por ele indicadas, e que as indemnizações devidas em caso de sinistro revertem para ele.
E daí resulta que o segurado só indirectamente beneficia do seguro, já que, perante a verificação do sinistro, a seguradora paga directamente ao banco o capital mutuado em divida e apenas o banco tem legitimidade para accionar o seguro.
O que sucede porque o banco mutuante se quis proteger relativamente ao incumprimento dos mutuários, não apenas em função da hipoteca do imóvel, mas também com a «garantia pessoal atípica»[Cfr Ac R 21/1/2014 (Henrique Antunes) e Ac R E 6/4/2017 ( Manuel Bargado)] que representa o seguro e a sua associação ao contrato de mútuo.
O que significa, como é evidenciado no Ac R C  de 21/1/2014 [14], que  a obrigação do segurador está  colocada ao lado da dos mutuários e não em substituição da destes em relação ao banco - o  facto do segurador se mostrar vinculado à obrigação de garantir a realização da prestação não desvincula o mutuário da obrigação garantida, ou por outras palavras, «a existência da garantia representada pelo seguro não desvincula o mutuário da obrigação de restituição das quantias mutuadas e da retribuição convencionada».
E embora não possa deixar de se entender, como se afirma nesse acórdão, que dada a função do seguro, se pretenderá que, em regra, (por ser a «vontade usual das partes»), verificado o sinistro, o mutuante se pague primeiro por esse meio, nem por isso, dê ou não o mutuante prioridade ao seguro, o mutuário se pode considerar desvinculado da obrigação de restituição das quantias mutuadas (…)”.
Ora, também nos presentes autos, se conclui do mesmo modo: No âmbito da presente ação executiva, não se podendo entender que a seguradora (que, sem adquirir algum direito sobre as prestações correspondentes, se limitou a cobrir o risco de morte do mutuário e assegurou ao mutuante o pagamento das prestações em falta em razão do mútuo) esteja numa relação contitularidade com o mutuante, nem que seja sujeito passivo da relação jurídica controvertida e objeto da execução (entre exequente e executado), não se mostra admissível a intervenção principal da seguradora.
Não ocorrendo nenhuma das causas que poderiam justificar a intervenção principal provocada da seguradora, nos termos do disposto no artigo 316.º do CPC, nem se mostrando postergada a consideração da previsão do disposto no artigo 53.º do CPC, o mencionado incidente não poderia deixar de ser – como foi – indeferido.
A decisão recorrida, que indeferiu o incidente de intervenção principal suscitado pelo executado e ora recorrente, não se mostra, pois, violadora dos aludidos artigos 53.º e 316.º do CPC.
*
C) Se a decisão recorrida, que indeferiu a intervenção acessória da seguradora, violou o disposto nos artigos 406.º, n.º 1, do CC e 321.º, n.º 1, do CPC?
A decisão recorrida concluiu ainda que não se justificando qualquer “direito de regresso” do embargante sobre a seguradora, o pedido de intervenção acessória devia ser indeferido.
O recorrente contesta o acerto desta decisão dizendo que a mesma viola os artigos 406.º, n.º 1, do CC e o regime processual do artigo 321.º, n.º 1, do CPC, em suma, porque tal interpretação, “subverte e desmancha absolutamente a relação contratual estabelecida por via do contrato de seguro de vida, associado ao contrato de mútuo, escamoteando-se o princípio da pacta sunt servanda”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 321.º, n.º 1, do CPC que, o réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
Conforme se dá nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2019 (Pº 1896/18.5T8ACB-B.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS):
“No que respeita à intervenção acessória provocada, a doutrina vai admitindo a possibilidade da sua dedução no âmbito da ação executiva com a restrição de que terá de ser feita no âmbito de um incidente de defesa do executado – oposição à execução, oposição à execução e oposição à penhora [Entre outros, Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora 2018, p. 309. Também Miguel Teixeira de Sousa afirma só lhe parecer admissível nos processos incidentais da ação executiva – como os embargos de executado – “A Acção Executiva Singular”, LEX, p.152.7].
É o caso de José Lebre de Freitas [“Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, 2ª ed., p. 634] que considera admissível tal incidente na oposição à execução, dado o alcance do caso julgado que nele se produz.
Há ainda quem considere admissível a intervenção acessória provocada na oposição à execução apenas em casos excecionais, quando seja indispensável e necessário à defesa do executado [Cfr., neste sentido, Acórdão do TRP de 28-04-2008, relatado por Sousa Lameira, disponível in http://www.dgsi.jtrp.; Cfr., igualmente, o Acórdão TRE de 13-07-2000, in CJ Ano XXV, TIV, p. 257, no sentido da admissibilidade, nos enxertos declarativos com processado autónomo em processo executivo (embargos de executado e na liquidação à execução), da intervenção do obrigado de regresso para auxiliar o executado na sua defesa e discutir as concretas questões que ainda falta decidir em juízo declarativo para completar o título executivo]”.
O interesse atendível a que se refere o incidente de intervenção acessória encontra-se enunciado no artigo 323.º, n.º 4, do CPC, onde se prescreve que a sentença que vier a ser proferida constitui caso julgado quanto ao chamado nos termos previstos no artigo 332º do CPC, relativamente às questões de dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização.
Salvador da Costa (Cfr., Os Incidentes da Instância, 5ª Ed., Almedina, p. 139) considerava que a estrutura deste incidente é incompatível com a da ação executiva, incluindo a sua fase de oposição, além do mais, porque em nenhum caso comporta decisão condenatória, cujo prejuízo está na base da admissão daquele incidente (cfr., neste sentido, o Acórdão do TRL de 30-11-2006, Pº 8135/2006-2, rel. ANA PAULA BOULAROT).
Ainda acompanhando o mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2019 (Pº 1896/18.5T8ACB-B.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS), aí se salienta o seguinte:
“Residindo as notas características essenciais da intervenção acessória na incerteza quanto ao desfecho da demanda, no prejuízo causado ao réu com a perda da demanda e no direito de regresso contra terceiro em caso de perda da demanda, a jurisprudência tende a inclinar-se para a exclusão da sua admissibilidade na ação executiva propriamente dita, com a seguinte argumentação:
- enquanto através da ação declarativa se visa a declaração de direitos, pré-existentes ou a constituir pela sentença, ou a declaração de meros factos jurídicos, na ação executiva não se cuida já de declarar direitos, mas de assegurar a sua efetiva reparação coativa no pressuposto de que existem (o que é presumido pelo título executivo) e de que foram violados: “A declaração ou acertamento é assim o ponto de chegada da acção declarativa e, ao invés, o ponto de partida da acção executiva[13]”;
- embora a ação executiva possa comportar excertos declarativos, como é o caso da oposição à execução – configurada como uma verdadeira ação declarativa[14], estruturalmente autónoma, embora ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva – e apesar da estrutura declarativa da oposição, a sentença nela proferida não visa a condenação do executado ou a definição de direitos, conduzindo tão só, na sua procedência à extinção total ou parcial da execução – nº4 do artigo 817º do CPC”.
Porém, conclui-se nesse aresto que, “será de admitir o incidente de intervenção acessória quando o executado/embargante alegue que algumas das prestações que lhe estão a ser cobradas se encontram abrangidas pelo risco coberto pelo contrato de seguro de crédito celebrado com a chamada e ainda que, no caso de improcedência da oposição e de vir a ser executado pela totalidade da divida, “terá de intentar ação declarativa contra a chamada, a fim de exercer o seu direito de regresso contra aquela, na medida do que pagou e que a chamada se obrigou a pagar, nos termos do contrato de Seguro de Crédito”.
Em semelhante sentido, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-04-2022 (Pº 2136/18.2TBACB-D.C1, rel. TERESA ALBUQUERQUE) que, “(…) tendo direito de regresso sobre a seguradora pelo prejuízo que lhe possa causar a satisfação coactiva da obrigação exequenda, pode o executado chamá-la a intervir acessoriamente nos embargos”.
Conforme se explica nesse aresto:
O executado “na existência do sinistro se, apesar da existência do seguro tiver que satisfazer ao mutuante a obrigação de reembolso garantida pode depois exigir do segurador a indemnização que lhe causou a satisfação coactiva da prestação.
(…) o banco mutuante pese embora a verificação do sinistro pode demandar o segurado - e fazê-lo em execução, por ter contra ele titulo executivo - só podendo o mutuário agir contra a seguradora em sede de direito de regresso.
O que implica, como atrás se referiu, que a seguradora na situação em causa  nos autos não se configura como sujeito passivo da relação jurídica controvertida (na execução), havendo que afastar a intervenção principal da seguradora no âmbito dos embargos de executado deduzidos pelo mutuário segurado.
A configuração referida das relações do banco mutuante com a seguradora, por um lado, e com o mutuário/segurado, por outro, permitem, no entanto, que se coloque a seguradora como titular de uma relação jurídica conexa com a relação jurídica material controvertida objecto da causa principal, o que permite– como já o permitia no âmbito do anterior  chamamento à autoria – que o executado possa utilizar nos embargos de executado a intervenção acessória (…).
Efectivamente, a seguradora, na arquitectura atrás constatada resultante das ligações ao banco mutuante e ao mutuário, não se mostra titular ou contitular da relação material controvertida mas configura-se como sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com a que é objecto da execução – a que resulta do eventual  direito de regresso do executado- sendo, por isso titular de situação jurídica afectável, ainda que só economicamente, pelo resultado da causa.
(…) A intervenção do terceiro na demanda do réu a requerimento deste para o auxiliar na defesa encontra a sua razão de ser no interesse comum dos dois em que a acção  improceda:  esse é, naturalmente, o resultado mais benéfico para o réu, e esse resultado é igualmente o mais conveniente para o terceiro que, em função dele, não se verá futuramente  importunado com uma acção de regresso referente ao  reembolso do que aquele haja pago. Mas o interesse de ambos na referida intervenção não deixa de existir na procedência da acção: o réu, porque evita ver-se confrontado na acção de regresso com a  acusação por parte do terceiro de que não se soube defender e que, por isso, «se não conseguir provar que foi diligente e que usou adequadamente todos os meios processuais que, nos limites de uma actuação processual de boa fé lhe eram acessíveis, sibi imputet [16]; e o terceiro sabe que ajudando o réu na defesa se está em principio a ajudar a si próprio.
O que se vem de dizer é válido nas acções declarativas -campo natural de aplicação do incidente de terceiro em referência - e não deixa de o ser nos embargos  de executado, em situações como a dos autos, em que se verifica interdependência  funcional entre a relação jurídica material controvertida que se estabelece entre o exequente e o executado e a relação jurídica material controvertida que para garantia dessa outra abrange o terceiro, não obstando a esse entendimento a circunstância de a sentença nos embargos à  execução não se analisar numa condenação.
A verdade é que «a sentença de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda», como hoje o diz claramente o nº  5 do art 732º CPC, e tanta basta para que, tendo tido lugar nesse processo a intervenção acessória do terceiro, aquela  sentença  constitua (também) caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art 332º CPC, «sendo o terceiro obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e a decisão que a decisão judicial tenha estabelecido», embora apenas  «relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização», como se refere no nº 4 do art  323º CPC.
Para Lebre de Freitas o alcance deste caso julgado justificava o chamamento à autoria em embargos de executado, como hoje, por maioria de razão, justifica a intervenção principal acessória (…).
Como o explica o autor em causa, «quando se produza caso julgado perante o chamado à intervenção acessória, o seu alcance torna indiscutíveis, no confronto do chamado, os pressupostos do direito à indemnização, a fazer valer em acção posterior, que respeitem à existência e ao conteúdo do direito do autor», mas fica em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre «todos os outros pontos de que dependa o direito de regresso». «Assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre autor e réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado». A relação jurídica de regresso depende da que é discutida na acção na medida em que o estabelecimento desta implica a verificação de um pressuposto do direito de regresso ou a existência do dito do autor contra o reu. «O terceiro é chamado para que, quanto a essa verificação, se possa constituir perante ele o caso julgado» (…)”.
No caso em apreço, conforme decorre da petição de embargos, o executado invocou, nomeadamente, que o banco vinculou ou impôs ao mutuário a obrigação de constituir seguro de vida cobrindo o risco de morte pelo valor dos empréstimos, definindo a regra que vinculava as partes para a regularização da dívida em caso de morte do mutuário, considerando que o pagamento das prestações deveria ser efetuado pela seguradora (cfr. Pontos 9 a 26) e dispor de direito de regresso sobre a companhia de seguros (pontos 34 e 38), considerando que “o banco com a venda do imóvel para pagamento da dívida que deveria ter sido satisfeita pelo segurador, que bem vistas as coisas, o próprio banco representou ou agiu enquanto agente ou tomador do seguro e de que beneficia de cláusula de benefício irrevogável” (ponto 36), citando ainda o disposto no artigo 4.º, al. b) do D.L. n.º 222/2009, de 11 de setembro, estabelecendo deveres informativos do mutuário, com vista ao esclarecimento deste de que “em caso de sinistro que se encontre abrangido pela cobertura da apólice de seguro contratada, o capital seguro é pago à instituição de crédito para antecipação total ou parcial da amortização do empréstimo” (diploma que é, aliás, referenciado nos documentos juntos aos autos pelo exequente).
Afigura-se-nos que, na situação dos autos se verifica a conexão exigível entre a relação jurídica da titularidade do exequente e do executado/embargante (o contrato de mútuo) com a relação entre este e a seguradora (o contrato de seguro que teve por objeto garantir designadamente o evento morte do mutuário e a satisfação do interesse do credor no pagamento das prestações correspondentes ao mútuo concedido).
Essa conexão é, aliás, evidenciada em face do que se dispõe no artigo 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 222/2009, de 11 de setembro, onde se prescreve que:
“Considera-se que existe união de contratos [entre o contrato de seguro de vida e o contrato de crédito à habitação] se ambos os contratos constituírem objectivamente uma unidade económica, designadamente se o contrato de seguro de vida for proposto pela instituição de crédito ou, no caso de o contrato de seguro de vida ser proposto por terceiro, se a seguradora tiver recorrido à instituição de crédito para preparar ou celebrar o contrato de seguro de vida ou se o contrato de seguro de vida estiver expressamente mencionado no contrato de concessão de crédito à habitação ou, ainda, se a instituição de crédito fizer depender a celebração do contrato de crédito à habitação da celebração de um contrato de seguro de vida”.
E, de facto, a alegação de que assim sucedeu, foi efetuada pelo embargante.
Por outro lado, muito embora não derive da decisão a proferir nos embargos de executado a obrigação de pagamento das prestações do mútuo que, no entender do embargante, se encontram cobertas pelo âmbito do contrato de seguro, se os embargos vierem a ser julgados improcedentes e a execução prosseguir, o embargante poderá, na perspetiva do interesse que evidenciou, instaurar uma ação declarativa autónoma para nela obter a condenação da seguradora no reembolso de tais montantes.
O objetivo da intervenção acessória da seguradora no âmbito dos embargos de executado não é o da obtenção do reconhecimento eventual da responsabilidade da seguradora pela dívida exequenda por força de um alegado direito de regresso, mas sim, apenas o de auxiliar a defesa do embargante, tendo em vista que, se vier a ser considerado que, relativamente às prestações que se poderiam enquadrar dentro do âmbito da garantia do seguro, o exequente se vier a satisfazer relativamente às mesmas na execução, o executado/embargante ficar em melhor posição para exercer o direito de regresso contra a seguradora – evitando que, nessa posterior ação, a seguradora lhe venha a opor que só foi executado por tais montantes porque não se soube defender na ação executiva.
Ora, conforme se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-12-2018 (Pº 1930/15.0T8SLV-A.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA), “se o chamante prefigura desde já uma ação que irá propor no futuro contra o chamado, tendo como fundamento o pagamento da quantia que vier a pagar em sede de execução, daqui resulta um interesse direto em ser auxiliado na defesa contra a força do título executivo dado à execução”.
Conclui-se, pois, que o incidente de intervenção acessória provocada, desencadeado pelo embargante e ora recorrente, deveria ter sido deferido, o que implica a revogação da decisão recorrida e a sua substituição pela presente, que admitindo o incidente de intervenção acessória provocada, determine a citação da chamada seguradora (que passará a beneficiar do estatuto de assistente, constituindo a sentença a proferir nos embargos caso julgado em relação à mesma), seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Podem resumir-se as considerações precedentes, formulando as seguintes proposições conclusivas:
- No âmbito da presente ação executiva, não se podendo entender que a seguradora (que, sem adquirir algum direito sobre as prestações correspondentes, se limitou a cobrir o risco de morte do mutuário e assegurou ao mutuante o pagamento das prestações em falta em razão do mútuo) esteja numa relação contitularidade com o mutuante, nem que seja sujeito passivo da relação jurídica controvertida e objeto da execução (entre exequente e executado), não se mostra admissível a intervenção principal da seguradora;
- Invocando o executado na petição de embargos que deduziu, nomeadamente, que o banco vinculou ou impôs ao mutuário a obrigação de constituir seguro de vida cobrindo o risco de morte pelo valor dos empréstimos, definindo a regra que vinculava as partes para a regularização da dívida em caso de morte do mutuário, considerando que o pagamento das prestações deveria ser efetuado pela seguradora e que dispõe de direito de regresso sobre a seguradora, verifica-se uma conexão entre a relação jurídica da titularidade do exequente e do executado/embargante (o contrato de mútuo) com a relação entre este e a seguradora (o contrato de seguro que teve por objeto garantir designadamente o evento morte do mutuário e a satisfação do interesse do credor no pagamento das prestações correspondentes ao mútuo concedido), que justifica a admissão do chamamento da seguradora, mediante o incidente de intervenção acessória;
- Embora não derive da decisão a proferir nos embargos de executado a obrigação de pagamento das prestações do mútuo que, no entender do embargante, se encontram cobertas pelo âmbito do contrato de seguro, se os embargos vierem a ser julgados improcedentes e a execução prosseguir, o embargante poderá, na perspetiva do interesse que evidenciou, instaurar uma ação declarativa autónoma para nela obter a condenação da seguradora no reembolso de tais montantes.
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A apelação deverá, pois, ser julgada procedente, com revogação da decisão recorrida, nos termos supra apontados.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, sendo que, conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá sobre o apelado/embargado, que decaiu integralmente no presente recurso - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
a) Não admitir o documento apresentado pelo apelante em 27-02-2024, condenando-se o mesmo, em razão de tal apresentação, na multa de 0,5 (meia) U.C.;
b) Julgar improcedente a nulidade arguida, com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.; e
b) Julgar procedente a apelação deduzida e, em consequência, em revogar a decisão recorrida e a sua substituição pela presente, que, admitindo o incidente de intervenção acessória provocada requerido, determine a citação da chamada seguradora (que passará a beneficiar do estatuto de assistente, constituindo a sentença a proferir nos embargos caso julgado em relação à mesma), seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Custas a cargo do apelado/embargada.
Notifique e registe.

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Lisboa, 07 de março de 2024.
Carlos Castelo Branco
António Moreira
Paulo Fernandes da Silva