Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
824/13.9TXLSB-J.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1.A política criminal exige que as penas sejam aplicadas com vista à integração, à recuperação e à responsabilização do delinquente, pelo que o instituto da liberdade condicional ganha importância, como um dos mecanismos que possibilitam e facilitam a execução desta política criminal de inspiração humanista.
2.A liberdade condicional não é um beneficio dado ao recluso, representando aliás muitas vezes, um pesado e duradouro encargo para o condenado que dela beneficie.
3.O facto de não assumir o crime e não querer participar em programas de recuperação voltados a crimes sexuais, é manifestamente insuficiente no caso concreto para afirmar que existe um perigo concreto de reincidência.
4.O risco de reincidência está especialmente mitigado quando já estão ultrapassados os 2/3 da pena, face à ausência de antecedentes, à idade, ao apoio familiar e escrutínio social e à razões que apresentou para não integrar o programa com a postura perante a prática dos crimes.
5.Não há que exigir ao condenado que concorde com a condenação, que se tenha tornado bom e humilde, obediente e concordante com o ordenamento jurídico, embora essa adesão seja desejável.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Nos presentes autos veio C.P.C. recorrer da decisão que lhe negou a liberdade condicional.

Apresentou para tanto as seguintes :

CONCLUSÕES.

A.Não se contesta a fundamentação de facto da decisão recorrida.
O objecto do recurso tem a ver com a fundamentação de direito e com a decisão que, nela alicerçada, foi adoptada pelo tribunal a quo.
B.A decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao Recorrente porque não considerou preenchido o requisito previsto no art. 61.º, n.º 2, a), do C.P., relativo a um juízo de prognose favorável sobre o que será de esperar que seja a conduta do recluso, uma vez em liberdade.

E essa posição decorre do seguinte:
·Em abstracto, do risco de reincidência por parte de abusadores sexuais, particularmente daqueles que atuaram em ambiente extrafamiliar e sobre rapazes;
·Em concreto, da circunstância do Recorrente não assumir a responsabilidade pela prática dos crimes por que foi condenado, não assumindo a sua culpa e, em conformidade com isso, não frequentar programas de reabilitação destinados a agressores sexuais.

C.A decisão recorrida perfilha uma orientação errónea quanto ao preenchimento do requisito previsto no art. 61.º, nº 2, a), do C.P., a qual viola igualmente o art. 40.º, n.º 1, do C.P., que estabelece que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o que não contempla a necessidade da assunção de culpa por parte do recluso, única situação concreta invocada pelo Tribunal para, no quadro geral estabelecido, recusar a liberdade condicional ao Recorrente.
D.O que é que releva em concreto para o caso dos autos?

Tendo em conta a fundamentação de facto da sentença recorrida e o Relatório Integrado dos Serviços Prisionais e Reinserção Social de fls. 421 e ss., deve considerar-se o seguinte:
·A vida anterior do Recluso, hoje com 74 anos de idade, com uma vida pessoal, profissional e social organizada de acordo com os valores adequados à vida em comunidade, sem notícia da prática de qualquer outro crime – tendo estado em liberdade até ao início do cumprimento da pena –, para além da condenação por que cumpre pena pela alegada prática de dois crimes de abuso sexual cometidos em Dezembro de 1999/Janeiro de 2000, ou seja, há mais de 16 anos;
·O seu bom comportamento prisional, envolvendo-se “de forma regular e ativa em atividades de âmbito sociocultural, nomeadamente nos espaços de atividades e através da escrita de artigos no jornal do estabelecimento prisional”;
·A circunstância de ter beneficiado de duas licenças de saída jurisdicional, avaliadas positivamente;
·A sua rede de apoio exterior, com um grande apoio familiar e social e boas perspectivas de inserção profissional, nos termos constantes da decisão recorrida, no segmento supra transcrito no n.º 10 desta motivação;
·A sua capacidade de compreensão da necessidade de manter uma conduta adequada à vida em sociedade, como considerado pelo Relatório Integrado dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social, de fls. 421 e ss., em que igualmente se funda a decisão recorrida, nos termos constantes do segmento supra transcrito no n.º 10 desta motivação.
E.Em face do exposto, os elementos de facto conhecidos relativamente à situação concreta do Recluso permitem equacionar, à luz de um critério de experiência comum, um juízo de prognose favorável quanto à baixa probabilidade de o Arguido não conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

F.Não é aceitável que não seja essa a prognose para o caso concreto do Recorrente, com 74 anos de idade, uma saúde débil, um grande apoio familiar e social, uma enorme exposição mediática, o empenhamento em projetos profissionais e culturais, a capacidade para compreender os valores da comunidade, a ausência de notícia de qualquer crime para além daqueles por que cumpre pena (alegadamente cometidos há mais de 16 anos) e até a luta que promete continuar no sentido de provar a sua inocência.
G.Por outro lado, e tendo em conta a jurisprudência e a doutrina acima reflectidas, não é admissível estabelecer um juízo desfavorável ao Recluso com base numa avaliação abstracta do hipotético risco de reincidência para uma categoria genérica de autores de crimes de abuso sexual, apenas com o único fundamento, relativo à situação concreta do Recluso, de que ele não assumiu a culpa e a prática pelos crimes por que cumpre pena, não aceitando por isso programas de reabilitação, naturalmente só adequados a quem o assume.
H.Deste modo, o elemento da relação do recluso com o crime cometido – a ponderar nos termos do art. 173.º, n.º 1, a), do C.E.P.M.P.L. – só poderia ter relevância se reportado a qualquer dado concreto que permitisse estabelecer que o Arguido não apreende o desvalor de condutas que ponham em causa o bem jurídico protegido, o que não acontece in casu e não se pode depreender da mera ausência de uma assunção de culpa, porque essa valoração foi efectuada, de uma vez para sempre, na sentença condenatória.
I.Assim sendo, a situação concreta do Recorrente deve levar a que se considere preenchido o requisito previsto no art. 61.º, n.º 2, a), do C.P., que a decisão recorrida não aplicou adequadamente ao caso dos autos.
J.Em qualquer caso, o entendimento normativo dado ao art. 61.º, n.º 2, a), do C.P., devidamente conjugado com o art. 173.º, do C.E.P.M.P.L., no sentido de que – na valoração favorável desse critério para o efeito da concessão da liberdade condicional, nos casos de execução das penas de autores de crimes de abuso sexual cometidos sobre rapazes e em ambiente extrafamiliar – é necessária a assunção da culpa e a aceitação de um programa de reabilitação nela assente por parte do recluso, é inconstitucional por violação dos arts. 1.º, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da C.R.P., o que se deixa arguido.
K.Em primeiro lugar, está em causa a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, da C.R.P.) e o direito à sua integridade moral (art. 25.º, n.º 1, da C.R.P.), porque ninguém pode ser violentado na sua consciência e levado a assumir aquilo que não é a sua convicção. Deverá ainda ter-se em conta que o direito ao silêncio do agente do crime é um elemento estruturante do direito constitucional/processual penal português – e de qualquer Estado de Direito –, o qual não se reporta apenas ao arguido, mas ao processo penal no seu conjunto, abarcando também o condenado e a fase de execução das penas.
L.Em segundo lugar, tal entendimento violaria o princípio da proporcionalidade ínsito aos fins das penas, como decorre do art. 18.º, n.º 2, da C.R.P., uma vez que as penas servem para defender bens jurídicos e promover a ressocialização do condenado (como, aliás, expressamente prevê o art. 40.º, do C.P.), mas não para promoverem uma expiação da culpa.
M.Em terceiro lugar, a obrigação da assunção da culpa e consequente “arrependimento” poderia conduzir a confissões falsas de condenados dispostos a retomar carreiras criminosas e, o que é ainda mais grave, à recusa de concessão da liberdade condicional a vítimas de erros judiciários, subordinando o acesso a esse regime à renúncia a interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, o que violaria o direito ao recurso consagrado no art. 32.º, n.º 1, da C.R.P..
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, determinando-se que seja concedida ao Recorrente a liberdade condicional.
*****

Respondeu o MP em 1ª Instância pugnando pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.
*****

Da decisão sob recurso resulta:

I.-RELATÓRIO.

Identificação do recluso: C.P.C.
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.° nº 1 e 173.° e ss., todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena.
Foi elaborado relatório pela equipa técnica única de tratamento prisional e reinserção social versando os aspetos previstos no art. 173.° n. ° 1 aIs. a) e b) do 1CEPMPL.      
O conselho técnico emitiu, por maioria, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.° do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176.° do CEPMPL).
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.° n." 1 do CEPMPL).

FUNDAMENTAÇÃO.

A)De facto
i) Factos mais relevantes:
1-Circunstâncias do caso: o recluso cumpre, à ordem do processo nº1718/02.9JDLSB, da 8.a vara criminal de Lisboa, a pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática, em dezembro de 1999/janeiro de 2000, de dois crimes p. e p. pelo art. 172. o nºs 1 e 2 do código penal [abuso sexual de crianças - perpetrados contra um menor de 13 anos e consubstanciados em, por duas vezes, ter manipulado o pénis do menor, masturbando-o, e introduzido o pénis do menor na sua boca, chupando-o, enquanto manipulava o seu próprio pénis, o menor ter mexido no pénis do condenado, manipulando-o, o condenado ter introduzido o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado e o condenado ter introduzido o seu pénis ereto no ânus do menor, aí o friccionando até à ejaculação, tendo entregado dinheiro ao adulto que levara o menor até si.

Marcos de cumprimento da pena:
início em 02/04/2013 (beneficia de 1 ano e 4 meses de desconto); meio em 02/12/2014, dois terços em 02/12/2015 e termo em 02/1212017.
3.Vida anterior do recluso: tem 73 anos de idade; dos 6 aos 17 anos de idade viveu em Angola, no seio de uma família que, fruto das atividades laborais e comerciais desenvolvidas nesse país, alcançou situação de desafogo financeiro; naquele país desenvolveu relação privilegiada com a elite cultural, levando a que se dedicasse a um vasto leque de atividades desportivas e tivesse alguma participação na vida política; aos 14 anos estreou-se como relator desportivo na emissora católica de Angola; concluiu o 12º ano de escolaridade em Angola, com muito bom aproveitamento; frequentou, mas não completou, o curso superior de engenharia eletrotécnica no instituto superior técnico de Lisboa; em 1961 começou a desempenhar funções como relator desportivo na então emissora nacional; exerceu, ao longo de anos, funções na televisão, como locutor, jornalista, repórter e autor e produtor de diversos tipos de programas, alguns dos quais com grande audiência e impacto público; na televisão exerceu também cargos de direção de informação e de programas, a nível nacional e internacional; exerceu igualmente funções no teatro, no cinema, em revistas e jornais, na publicidade e na produção discográfica; em 1992 terá constituído uma empresa de produção audiovisual, tendo-se defrontado no seu âmbito com dificuldades diversas, na sequência do que passou para uma situação de inatividade; assinou um contrato de trabalho com uma estação televisiva e posteriormente assinou contrato de publicidade com um grupo económico, o que lhe garantiu algum conforto financeiro; contraiu, matrimónio a primeira vez em 1966, união que terminou passados cinco anos; entretanto estabeleceu outras relações amorosas e voltou a casar; o segundo casamento durou até 1996, tendo dessa união nascido uma filha, atualmente com 31 anos de idade; em 1997 iniciou nova união de facto; afirma que à data dos factos pelos quais está condenado vivia com essa sua companheira, com quem casou passados quatro anos sobre o início da união; fruto desta relação teve uma filha, atualmente com 13 anos de idade; o casal separou-se no decurso da fase de recurso do processo sobremencionado; o condenado regista patologias prévias à reclusão do foro oncológico, psiquiátrico e cardíaco; não tem antecedentes criminais.

4.Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:
-nega a prática dos crimes por que vem condenado;
reitera as suas anteriores: declarações, no sentido de que "é um tipo de crime que me repugna violentamente, em relação ao qual eu sempre tive uma opinião crítica. Eu ponho este tipo de crime ao nível do homicídio. Acho que a sociedade tem a obrigação de criar mecanismos de prevenção, assim como mecanismo de tratamento de todos aqueles que têm esses comportamentos desviantes e, acima de tudo, deve usar e criar meios a evitar as reincidências"; declara estar "condenado por uma ficção"; declara ter "respeito por quem foi abusado"; declara "estar convencido de que a maioria dos rapazes [do processo] foram de facto abusados. Tem compaixão e acha que devem ser ressarcidos" e afirma-se "heterossexual ativo e militante"; refere que, em abstrato, tem pena de qualquer vítima de qualquer tipo de crime e que tem o maior respeito pelo ser humano e pelos direitos humanos, sendo que as vítimas sexuais, por serem normalmente já vítima de outro tipo de abusos e negligências, ainda lhe causam mais pesar; afirma ser fortemente crítico face a qualquer abuso e que desde muito novo e face ao seu mediatismo teve o seu comportamento muito escrutinado, considerando que também isso o ajudou a desenvolver responsabilidade moral e social (sic);
não vinha pagando à vítima a indemnização em que foi condenado, pelo que os seus rendimentos foram alvo de penhora movida pela vítima; saúde - mantém acompanhamento , clínico regular por parte de médicos da sua confiança, não apresentando sintomatologia de relevo nas áreas clínicas sinalizadas previamente à reclusão; começou a apresentar queixas ao nível da coluna, com diagnóstico de patologia cervical;
comportamento - não tem averbada qualquer punição, mantendo uma atitude institucional adequada; atividade ocupacional/ensino/formação profissional - está laboralmente inativo; frequentou com aproveitamento o extra escolar de inglês e o extra escolar de educação física; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - tem-se envolvido de forma regular e ativa em atividades de âmbito sociocultural, nomeadamente no espaço de atividades e através da escrita de artigos no jornal do estabelecimento prisional; convidado a integrar o programa destinado a condenados por crimes contra a autodeterminação sexual, referiu "ter a maior curiosidade intelectual em relação ao mesmo", mas não poder integrá-lo na medida em que "nunca cometeu nenhum crime, muito menos de natureza sexual"; medidas de flexibilização da pena - beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, avaliada positivamente.
5.Rede exterior: enquadramento/apoio família r/ perspetiva futura - recebe apoio regular de vários familiares e amigos, que o visitam no estabelecimento prisional; estabelece contactos telefónicos diários com a família e corresponde-se com vários amigos com quem mantem relações de amizade e proximidade com todas as suas ex-companheiras; em meio livre projeta viver junto da sua filha maior de idade; o condenado encontra suporte em meio livre na família, que apresenta uma dinâmica positiva entre os seus membros; conta com o apoio incondicional de um grupo restrito de amigos; para além deste, conta com ao apoio de amigos que se aproximaram na sequência do processo judicial; a filha com quem irá residir tem duas filhas menores de idade e refere trabalhar como diretora executiva de uma empresa de eventos, acrescendo ao seu vencimento rendimentos relacionados com atividades de publicidade e marketing; não são conhecidos sentimentos de rejeição à presença do condenado no meio residencial onde pretende enquadrar-se; perspetiva manter-se ativo, afirmando “parado não vou ficar";
projeta publicar uma autobiografia e declara pretender escrever ainda outros dois livros; existe possibilidade de vir a dedicar-se à criação de um portal de televisão via internet e de aceitar alguns convites que afirma ter para trabalhar na rádio e televisão; afirma ter sido convidado para sócio de uma empresa produtora de espetáculos;. recebe uma pensão cujo valor líquido é de aproximadamente €3.200,OO; sobre a mesma incidem uma penhora bancária no valor de aproximadamente €600,OO, bem como a penhora sobremencionada, para pagamento da indemnização, à vítima, no valor de €400,OO mensais; afirma ter como obrigação o pagamento de uma pensão de alimentos de aproximadamente € 1.OOO,OO mensais, não liquidando por vezes a totalidade, com o acordo da sua ex-mulher, por não conseguir fazê-lo; afirma não ter qualquer património.

ii)Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória nos aos autos, da ficha biográfica do recluso, do seu certificado de registo criminal, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso de fls. 336 e ss. e 435.

B)De Direito:
"A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade" (Anabela Rodrigues, in "A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português", BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.° n." 3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e de prevenção da reincidência (negativa).
Na avaliação da prevenção especial, o julgador tem, pois, de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena (art. 61.° n." 2 do CP).
A lei exige que, na análise da evolução durante o cumprimento da pena, o tribunal de execução das penas atenda designadamente à relação do recluso com o crime cometido (cfr. art. 173.° n." 1 aI. a) do CEPMPL).
Significa isto, por um lado, que este tribunal - como não podia deixar de ser num estado de direito democrático - tem como assente que o recluso praticou os crimes pelos quais vem condenado. Efetivamente, este não é o tribunal do julgamento, nem tão-pouco o tribunal de execução das penas tem poderes recursórios, devendo curar, exclusivamente da execução da pena. Não pode acompanhar-se, como tal e sempre ressalvado o maior respeito, o entendimento de que deve ser salvaguardada a hipótese de "ter havido um erro judiciário". Pelo contrário, a estabilidade e segurança jurídica ditam que, uma vez transitada em julgado uma sentença condenatória, a mesma não seja alvo de um escrutínio casuístico quanto à probabilidade ou improbabilidade da ocorrência dos factos.
Por outro lado, ao determinar que o tribunal atenda à relação do recluso com o crime cometido, a lei está a significar que não é irrelevante a assunção ou não da prática de tal crime por parte do condenado.
É certo que, em abstrato, a negação da conduta criminal só por si não constitui, sem mais, motivo para que não se conceda a um recluso a liberdade condicional.
Contudo, quando esta afirmação certa, em abstrato, o que se impõe ao tribunal é que, em concreto afira da relevância da negação.
Ora, no caso dos autos analisa-se a liberdade condicional a conceder ao autor de crimes de natureza sexual, mais concretamente dois crimes de abuso sexual de crianças. A questão é, pois, a de saber se, atenta a natureza dos crimes em questão, a negação assume ou não uma particular relevância quando apreciada a possibilidade de libertação antecipada de um recluso.
A resposta é afirmativa, como de seguida se explicitará.
Ao longo dos tempos têm sido aventadas várias explicações para o cometimento de crimes sexuais contra crianças, acreditando-se - desde há cerca de 20 anos a esta parte - que o mesmo assenta numa conjugação de fatores, quais sejam uma preferência sexual desviante, distorções cognitivas (por exemplo a de que a vítima gosta da experiência sexual, a de que foi a vítima quem fomentou o contacto sexual, etc.), défices de habilidades sociais necessárias para manter um relacionamento com uma parceira adulta que consinta e fatores de dimensão não sexual, tais como défices nas aptidões para a gestão de emoções negativas e na capacidade de resolver problemas ou mesmo perturbações da personalidade (Jean Proulx e Denis L afortune , in "A diversidade dos agressores sexuais: implicações teóricas e práticas", Tratado de Criminologia Empírica [Colecção Fundamental], 2003, pág. 374) .
Ora, o agressor sexual de menores que nega a respetiva prática, inviabiliza, desde logo, que se conheça e escrutine o fator criminógeno que esteve na base dessa prática.
Isto é, por via da negação, não logra aferir-se por qual das razões acima apontadas o recluso praticou o crime e, logo, se ao longo do cumprimento de pena o recluso evoluiu de modo a que tal fator criminógeno haja sido debelado.
Consequentemente, não se logra, também, no decurso do cumprimento da pena, direcionar a intervenção especializada para a problemática a trabalhar/tratar.
Na verdade, os programas prisionais de intervenção dirigidos a agressores sexuais são de orientação cognitivo-comportamental, articulando-se em função de objetivos terapêuticos específicos relativos ao delito e em função de objetivos terapêuticos indiretamente ligados ao delito, sendo que, de entre os primeiros são trabalhados momente a empatia em relação à vítima, a negação e a minimização, as distorções cognitivas, as fantasias sexuais desviantes e o conhecimento do ciclo da agressão in Proulx e Denis Lafortune, in oh. cito págs. 392 e 393).
 
Isto é, com base no reconhecimento de que a negação obstaculiza uma intervenção com sucesso na prevenção da reincidência deste tipo de crimes, os vários programas - mormente o programa específico de reabilitação seguido no estabelecimento prisional da Carregueira - têm como um dos seus primeiros objetivos a  negação (veja-se, a este propósito, também o estudo "The management of sex offenders. A discussion document", de janeiro de 2009, da autoria do Offender Managernent Group do Department of Justice, Equality and Law Reform de Dublin, disponível em http://www.justice.ie/en/JELRlPagesIPB09000022).
E, não sendo ultrapassada a negação, os reclusos ou bem que não chegam a integrar o programa ou bem que são convidados a abandoná-lo, por se reconhecer que não é possível, em tal circunstância, identificar e tratar o específico fator criminógeno do recluso em questão.

Ora, de entre os reincidentes (sendo que as taxas de reincidência no abuso de rapazes - como é o caso - rondam, de acordo com o estudo de Marshall & Barbaree, 1990, entre 13% e 40%), os agressores sexuais que completaram um programa de tratamento cognitivo-comportamental são em menor número (7,2%) do que aqueles que não frequentaram um programa dessa índole (17,6%) (Jean Proulx e Denis Lafortune, in, cit., pág. 394), pelo que é mister reconhecer que a negação, também por força da inviabilização da frequência de um programa direcionado para crimes sexuais, aumenta a probabilidade de reincidência (neste sentido conclui, também, o acórdão do Oberlandesgericht de Colónia [tribunal de 2.a instância alemão], de 19/05/2014, publicado em Neue Zeitschrift für Strafrecht, Rechtsprechungsreport, 2015,29).

Aliás, os vários instrumentos de avaliação do risco de reincidência dinâmico em caso de crimes, de natureza sexual apresentam como um dos indicadores a negação. Por todos, veja-se o SOTIPS (Sex Offender Treatment Intervention and Progress Scale) - 20!2_: pág. 7 (disponível em http://www.nij.gov/fundingIDocuments/fyI2- sotips-manual.pdf) .

Em suma, é inquestionável que a atitude do condenado relativamente ao crime por si cometido, mormente a negação da respetiva prática, é um aspeto crucial a atender na avaliação do risco de reincidência dos agressores sexuais e, logo, não pode deixar de ser tida em conta, mormente pelo tribunal de execução das penas aquando da     decisão sobre a concessão da liberdade condicional.

Não visa, portanto, obrigar-se os reclusos - mormente os agressores sexuais - a assumir. Estes são livres de o fazer ou não. O estado não pode é eximir-se da obrigação de haver a esse fator enquanto relevante na apreciação das condições para a apreciação Ia liberdade condicional, posto que, como vimos, é mandatária, designadamente, a ponderação sobre o risco de reincidência.

É descabida, portanto, a afirmação de que o tribunal de execução das penas "obriga" o recluso a assumir.

Em primeiro lugar, porque esta afirmação parte do pressuposto de que o recluso é inocente e, logo, que uma assunção significa uma violentação do condenado, visão essa, porém, de todo incompatível com o caso julgado, ou seja, incompatível com o único ponto de partida admissível para o tribunal de execução das penas: o de que o recluso cometeu o crime pelo qual vem condenado (v. supra).

Em segundo lugar, porquanto, pelas razões acima sobejamente apontadas, a atitude face ao crime, mormente a negação, deve (por lei e cientificamente) ser atendida enquanto o elemento de escrutínio na evolução do cumprimento da pena e avaliação do risco de reincidência, muito particularmente nos crimes sexuais.
Como se: lê no acórdão da Relação do Porto, de 28/0112015, proferido no processo nº 1486111.3TXPRT, se é certo que "o arrependimento e reconhecimento do ilícito perpetrado não são factores imprescindíveis à concessão da liberdade condicional   o certo é que tais circunstâncias não podem deixar de ser ponderadas tendo em conta a personalidade do condenado e reflectir-se na apreciação da evolução deste no cumprimento da pena".

Volvendo " ao caso concreto, temos que o recluso cumpre pena por dois crimes de abuso sexual de crianças, cuja prática nega, negação que invoca também para declinar a frequência do Programa destinado a agressores sexuais, existente no estabelecimento prisional da Carregueira.

Ou seja, aplicando ao caso dos autos as considerações tecidas supra, temos que continua a desconhecer-se o que em concreto motivou o recluso a cometer os crimes e, como tal, não pode também afirmar-se que evoluiu a este nível, mormente que hoje está munido de um qualquer inibidor endógeno.
Por outro lado, os crimes sexuais pelos quais o recluso cumpre pena, por terem sido cometidos em ambiente extrafamiliar e terem tido por vítima um menor de sexo masculino, dois dos indicadores de reincidência (veja-se o estudo levado a cabo por Proulellerin, Paradis, McKibben, Aubut e Ouimet, citado por Jean Proulx e Denis Lafortúne, in ob. cit., pág. 395), sendo certo que, de entre os vários tipos de abuso possível, aquele em questão é especialmente invasivo, não se limitando a sexo oral ou manipulação peniana, o que, além de ser relevante na apreciação da personalidade do perpetrador (também revelada no facto de o condenado se ter aproveitado de um menor institucionalizado), eleva igualmente a ponderação de risco imposta ao tribunal. Na verdade, quanto mais sensíveis e carecidos de proteção os bens jurídicos ameaçados por uma possível reincidência, menor é a margem de risco a que o tribunal aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.

Acresce que o recluso, pese embora a sua idade, afirma ser sexualmente ativo, pelo que não se verifica uma minoração do risco de reincidência por força do fator idade.

Por outro  lado, ainda, muito embora o recluso seja um cidadão mediático, já detinha esta qualidade à data dos factos, sem que talo impedisse de cometer os crimes por que vem condenado. Não se vê, portanto, que a sua exposição mediática seja impeditiva de uma reincidência.

É certo que o condenado dispõe de amplo apoio em meio livre - o que releva assertivamente nível da prevenção especial positiva -,mas certo é, também, que já contava com apoio familiar e social à data dos factos, sem que tal circunstância obviasse à prática dos crimes. Não pode, como tal, reconhecer-se a este apoio o desejado efeito contentor.

Por sua vez, no que diz respeito ao item comportamento prisional (que se insere na vertente da  evolução durante o cumprimento da pena), acompanha-se o que a este respeito vem sendo entendido na jurisprudência germânica: o comportamento institucional imaculado não releva tendencialmente de forma positiva quando está em causa a apreciação da liberdade condicional de um agressor sexual de menores, já que este, denotando tipicamente rigidez interna e um desfasamento entre a realidade e a imagem que tem de si próprio [razão da negação da prática dos crimes, na maior parte dos agressores sexuais, acrescentamos nós], apresenta frequentemente um comportamento institucional vs- ;ernormativo (neste sentido, o acórdão do Oberlandesgericht de Colónia citado.

Aliás, como  se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/0112015, proferido no processo nº 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não é nada que não. seja exigível a um recluso - que conhece as consequências dos incumprimentos ao nível disciplinar - e não é suficiente para que seja concedida uma liberdade condicional.

Em síntese, escalpelizados os aspetos a atender ao nível da prevenção especial negativa, não logra descortinar-se uma evolução do recluso no decurso do cumprimento de  pena (daí que pouco ou nada releve o facto de não ser conhecido ao condenado o cometimento de crimes no largo período de tempo durante o qual esteve sob julgamento altura em que, aliás, não seria de esperar que praticasse qualquer ato passível de agravar a sua situação) que permita afirmar um decrescimento das exigências de prevenção especial negativa (risco de reincidência) ou, nas palavras do citado acórdão da relação de Lisboa, de 21/01/2015, não se verifica in casu que em termos pessoais algo de relevante se tenha mudado no recluso e que ocorram situações ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional que nos levem a considerar que algo mudou para melhor e que justifique a concessão do beneficio de sair da prisão antes de cumprir a pena que o tribunal da condenação achou adequada à culpa.

Assim o considerou também maioritariamente o conselho técnico e nesse sentido é o parecer do Ministério Público, cujas posições, pelas razões apontadas, se entende acompanhar, tanto mais que não é este o último momento possível para permitir que o condenado de uma forma equilibrada, não brusca, recobre o sentido de orientação social enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre (a cerca de 9 meses do, termo de pena verificar-se-á novo conhecimento sobre a possibilidade de concessão de liberdade condicional).

III.-DECISÃO.

Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a C.P.C..
A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada em renovação da instância, em  07 de março de 2017.
Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, de relatório versando os aspetos previstos no art. 173. o do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso.
Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.° n." 3 do C EPMPL.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP  sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.
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Cumpre decidir:

Pretende o recorrente a sua liberdade condicional

A questão que se coloca reporta-se à verificação dos requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional ao ora recorrente, com referência aos dois terços da pena, estando em causa o cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão, pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças. O cumprimento de dois terços da pena foi atingido em 2-12-2015 e o termo estima-se para 2-12-2017.

Vejamos:

A liberdade condicional tem como  diz o tribunal a quo, o objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o individuo  possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão com  uma «finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização».

Claro que este discurso não se aplica a todos os reclusos até porque aquilo a que alguns não se habituam mesmo é à reclusão. Perfil a perfil e de acordo com o caso concreto podemos, ou não, fazer estas afirmações.

Já quanto à natureza jurídica da mesma, parece resultar hoje pacífico que a sua concessão não implica uma modificação da pena na sua substancialidade mas sim, uma «medida penitenciária», uma «circunstância relativa à execução da pena», um incidente na execução da pena.

Segundo o artigo 61º do C. P., um dos  pressupostos formais da sua concessão é que o recluso tenha cumprido 1⁄2 ou, no mínimo, 6 (seis) meses de prisão;

E são  requisitos substanciais indispensáveis:
A)que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
B)A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social; (exceptuado o disposto no nº 3 do preceito em causa)

A liberdade condicional tem objectivos. Não é algo que se conceda como um perdão ou uma saída precária.

A corrente europeia tradicional, concebia a liberdade condicional como uma manifestação do direito de graça.

Outra corrente anglo-americana, configurava-a como um meio para a “reforma” do condenado.

A nossa lei, inclina-se para entender que a certa altura do cumprimento da pena, a sua execução pode fazer-se em liberdade ainda que sujeita a determinadas exigências, uma vez que o arguido já se mostra preparado a viver em liberdade e a pena, ou a parte da pena já cumprida, lhe foi suficientemente pesada e exigente, pelo que, interiorizou o desvalor da sua conduta.

Existe ainda face ao artº 62º a possibilidade de haver ainda um período de preparação para a liberdade condicional.

Como pode então o Juiz de execução de penas entender ou chegar à conclusão de que o arguido em questão está nas condições exigidas por lei para seguir um regime de execução em Liberdade Condicional?

O juiz deve pois analisar e estar na disposição dos seguintes elementos:
1)as circunstâncias do caso.
2)a vida anterior do agente.
3)a sua personalidade.
4)a evolução desta durante a execução da pena de prisão.

Explicitando um pouco tais dimensões subjectivas, vem sendo entendido que:
1)A análise das circunstâncias do caso passa, naturalmente, pela valoração do crime cometido, ou seja, para além da sua natureza, das realidades normativas que serviram para a determinação concreta da pena, nos termos do artº 71º, números 1 e 2 do CP e, inerentemente, à medida concreta da pena em cumprimento.
2)A consideração da vida anterior do agente (já também valorada na determinação concreta da pena, nos termos da e) do no 2 do referido artº 71º relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais.
3)A referência à personalidade do recluso ( se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional), mas, por outro lado o ter em conta uma vertente de compreensão por um determinado percurso criminoso quando o agente a isso foi conduzido por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente.
4)defende-se que a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

Todos sabemos que  a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional.

Na verdade nem sempre os arguidos muito bem comportados, são os que maiores garantias dão de, em condicional, cumprirem as regras de vivência em sociedade ou as que lhe são impostas para adaptação e prova da mesma adaptação.

A ausência de punições disciplinares é apenas um dos factores a ser ponderado.

Se a execução da pena de prisão serve a defesa da sociedade (artº 43º, nº 1 do CP) e entendendo que a liberdade condicional não é mais que o prolongamento em liberdade da mesma execução, há que ponderar se as exigências de prevenção geral e especial ficam asseguradas e satisfeitas com a saída do arguido no decurso da pena.

A liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão mas, necessariamente deve ser posto à prova caso a caso, até para o colocar perante si e o responsabilizar pelos seus actos e a gestão em liberdade dos mesmos.

Há que ter em conta que só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e quando se considerar que a libertação se irá revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e, ainda quando se considerar que , apesar de tudo, a ressocialização do arguido será mais fácil e rápida confrontando-o com uma responsabilização pela sua liberdade do que com uma reclusão que o tornará ainda mais rebelde e tendencialmente delinquente, ou descrente num sistema de justiça que o condenou e lhe exigiu um preço por uma conduta violador dos princípios pelos quais se rege a sociedade e o meio a que pertence.

É ao Juiz de execução de penas, que compete decidir se entende que se mostram reunidos os pressupostos previstos no artigo 61º, nº 2, do CP, por referência ao artigo 485º, do C.P.P.

Os pareceres recolhidos no âmbito do Conselho Técnico não possuem carácter vinculativo, mas ajudam o julgador a proferir a sua decisão. Para isso são pedidos e elaborados.

Acresce a tudo isto que,  princípio da intervenção mínima do direito penal é um dos princípios adoptados no nosso ordenamento jurídico demonstrado de imediato na escolha das penas dando-se preferência à pena não privativa de liberdade – artº 70º CP. Deve este artigo ser conjugado com o artº 18º da CRP que dispõe que, a “lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

Tendo em conta que  as penas visam por um lado a protecção dos bens jurídicos, por outro, a reintegração do agente na sociedade,  defende o Professor Taipa de Carvalho que “O direito penal tem a positiva função de tutela dos bens jurídicos fundamentais, isto é, dos valores individuais e comunitários essenciais à realização pessoal e à convivência social”.

Assim com vista a garantir a segurança da própria sociedade e perante a violação de determinados bens jurídicos, não resta outra solução senão o recurso às penas privativas da liberdade para protecção desses mesmos bens jurídicos. Por outro lado a execução da pena de prisão não pode ignorar os direitos fundamentais do condenado e que deve ser orientada para sua preparação para a sua vida em liberdade através da criação de um sentido de responsabilidade, de uma obrigação de provar que querendo estar em Liberdade deve demonstrar que está preparado para tal.

Daí a existência da possibilidade de ser suspensa a execução da pena de prisão sujeita muitas vezes a determinadas obrigações. Assim, se a política criminal nos exige que as penas sejam aplicadas com vista à integração, à recuperação e à responsabilização do delinquente, então o instituto da liberdade condicional ganha importância, como um dos  mecanismos que possibilitam e facilitam a execução desta política criminal de inspiração humanista.

Ou seja, preparando o recluso para se assumir como individuo que “pagou ou está a pagar à sociedade” pelo seu crime, há que sujeitá-lo à prova de fogo de se ver em liberdade e sujeito a exigências que, cumpridas e observadas,  demonstrem que está pronto para  seguir sozinho o seu percurso sem necessidade de ser sujeito ao cumprimento em reclusão da pena que lhe foi aplicada.
A  liberdade condicional, não é um benefício dado ao recluso, representando aliás muitas vezes, um pesado e duradouro encargo para o condenado que dela beneficie.

Analisemos então, os elementos contidos nos autos para nos pronunciarmos.
Conforme já supra referimos, a Liberdade Condicional não é uma espécie de perdão ou amnistia, mas também não é uma saída precária.
Ela é o prolongamento da pena de prisão mas em liberdade e com o carácter responsabilizante do arguido. É um incidente de ou na  execução da pena de prisão. 

A Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, procedeu a nova alteração do artigo 61º do CP, o qual, permanecendo a epígrafe «Pressupostos e duração», tem actualmente a seguinte redacção:
«1—A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2—O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a)For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b)A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3—O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4—Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5—Em qualquer das modalidades, a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando – se então extinto o excedente da pena.»

O recluso do nosso caso concreto,  cumpre a pena de 6 anos de prisão, pela prática de dois crimes de abuso sexual de menor.

Foi efectuada liquidação da sua pena nos seguintes termos:
início em 02/04/2013 (beneficia de 1 ano e 4 meses de desconto);
meio em 02/12/2014,
dois terços em 02/12/2015 e
termo em 02/12/2017.

Dispõe de  apoio familiar, não assume o crime, e portanto não o assumindo não mostra arrependimento, não tem registos disciplinares.

É verdade que não é por assumir o crime que não quer assumir, e tem todo o direito a tal como ao seu silêncio, que a liberdade condicional é concedida ou retirada.

Perguntamo-nos se apesar disso podemos pensar num juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade.

Há que ter algo em conta: o tipo de crimes cometidos, se entendermos a liberdade condicional como uma benesse e não um regime rigoroso ou uma forma de provar que está apto a ficar e liberdade, vai condicionar o Tribunal ainda na hora de o restituir á liberdade.

Se a aplicação das penas tem em vista  o afastamento do arguido do percurso  criminoso, então, há que passar à prática a teoria e   testar a liberdade condicional,  ainda que possa parecer ao cidadão comum uma benesse.

Ou seja, relativamente aos crimes em causa, ou consideramos o comportamento do arguido uma patologia e então aí a pena efectiva teria sido necessariamente diferente, ou,  não sendo assim, como parece que não foi, tendo a pena sido calculada à medida da culpa, porque não pôr em prática a finalidade das penas?

Não se trata apenas de sossegar a opinião pública e então não se concede a liberdade condicional, trata-se de exigir ao recluso que se conduza de acordo com as normas que regem a sociedade a que pertence sob pena de ser obrigado a permanecer recluso até ao final da pena.

Reunido o Conselho Técnico os seus elementos, por unanimidade, emitiram Parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

O Recluso declarou aceitar a liberdade condicional, caso a mesma lhe seja concedida.

O Ministério Público emitiu Parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

Nos termos do disposto no artº 61º n.ºs 1, 2 e 3, do C.P., sendo requisito (substancial) indispensável que:
Seja “… fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes “.

Os crimes em causa foram cometidos num contexto que os facilitou. Perguntam-nos quantas mais oportunidades terá o recluso de os cometer sendo como é conhecido e  figura mediática.
 Argumentar-se-á que atenta a gravidade dos mesmos,  as vitimas e, portanto, as exigências de prevenção geral e especial exigem que  se entenda que não é fundamentadamente de esperar  que  uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável.

No entanto, entende este Tribunal que  é também pelo seu perfil e a sua imagem mediática que, estamos em crer, se verá obrigado a cumprir com as obrigações que lhe forem impostas  se colocado em liberdade condicional.

Por outro lado temos a ideia de que a decisão recorrida esforça-se por salientar os riscos de reincidência e procura fundamentar a existência desses perigos no caso concreto mas sem o conseguir satisfatoriamente.

Porém, as únicas circunstâncias que fundamentam esse risco no caso concreto são a  ausência de assunção da prática do crime e, a recusa em participar no programa destinado a condenados por crimes contra a autodeterminação sexual.

 Ora, se o recluso não admite a prática do crime, mal ou bem é natural que não se queira sujeitar aquilo a que alguém que admite a sua culpa se sujeita e a que adere por admitir.

Assim, entendemos que o facto de não assumir o crime e não querer  participar em programas de recuperação voltados a crimes sexuais, é  manifestamente insuficiente no caso concreto para afirmar que existe um perigo concreto de reincidência.

O risco de reincidência está especialmente mitigado porque já estão ultrapassados os 2/3 da pena, face à ausência de antecedentes, à idade, ao apoio familiar e escrutínio social e à razões que apresentou para não integrar o programa com a postura perante a prática dos  crimes.

Assim sendo, são razões de exigência de defesa da ordem e paz social e de prevenção geral que acabam por determinar os pareceres negativos e a não concessão da liberdade condicional, quando a lei impede que tais razões sejam tomadas em consideração a partir dos 2/3 da pena.

Assim.

A sua pena terminará em Dezembro de 2017 faltando-lhe assim cumprir em reclusão  cerca de ano e meio.
Cumpriu já mais de metade da pena – Dezembro de 2015 – cumpriu pois 4 anos e 6 meses de prisão.
Cumpriu já 2/3 da pena.
Os pressupostos formais de concessão de Liberdade Condicional encontram-se reunidos – nº1 e 2 do artº 61º CP.
Resultam dificuldades para o tribunal a quo quanto aos pressupostos materiais, ou seja, relativamente à prevenção especial e à perigosidade perante o tipo de crimes levantaram-se questões ao tribunal.
No entanto há que ter em conta que a análise que se fez até agora quanto ao tipo de crime e de vítimas nos leva a entender que não é por isso que não estão reunidos os pressupostos, ou então teremos de cair numa personalidade patológica e isso, obrigaria ou teria obrigado a outro tipo de pena.
Não há que exigir ao condenado que concorde com a condenação, que se tenha tornado bom e humilde, obediente e concordante com o ordenamento jurídico, embora essa adesão seja desejável mas, como diz Vaz Pato não exigível, pois o direito penal situa-se num âmbito distinto do da moral (ver. a este respeito, entre outros, Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária, Coimbra Editora, 2000, pgs. 52 a 63).

E ainda como diz o mesmo desembargador :
“Assim sendo, não se afigura que no caso vertente, seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado desvalorize a gravidade do crime (…) ou considere a pena excessiva, se dessa sua postura não resulta que há perigo de ele vir a cometer novos crimes.
(…)
Na perspetiva que agora releva, relativa ao prognóstico da prática de futuros crimes, há que considerar que o recorrente não tem outras condenações.”

Como dizíamos supra, é também o facto de ser uma figura mediática que o obrigará a cumprir  com o que lhe é exigido e exigível e que nos leva  a entender que existe uma prognose favorável a que conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes .

Assim, entendemos que é de conceder a liberdade condicional ao recluso sujeitando o mesmo às seguintes obrigações.

Deverá residir em morada certa a fixar pelo tribunal;
Deverá aceitar a tutela da equipa de Reinserção Social da DGRSP;
Deverá dedicar-se à procura ativa de trabalho  ( já que diz pretender fazê-lo) e, uma vez este obtido, dedicar-se ao mesmo com regularidade;
Deve  pautar a sua conduta pela observância dos padrões normativos vigentes e aplicáveis a qualquer cidadão no respeito pelos restantes.

Assim sendo.

Concede-se provimento ao recurso, ficando o recluso ora recorrente sujeito  ao instituto da liberdade condicional com as seguintes condições:

Deverá residir em morada certa a fixar pelo tribunal;
Deverá aceitar a tutela da equipa de Reinserção Social da DGRSP;
Deverá dedicar-se à procura ativa de trabalho  ( já que diz pretender fazê-lo) e, uma vez este obtido, dedicar-se ao mesmo com regularidade;
Deve pautar a sua conduta pela observância dos padrões normativos vigentes e aplicáveis a qualquer cidadão no respeito pelos restantes.
Sem custas. Notifique. DN



Lisboa, 07 de Julho de 2016



(Acórdão elaborado e revisto pela relatora - art° 94°, n° 2 do C.P.Penal)

Adelina Barradas de Oliveira
Jorge Raposo