Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31977/15.0T8LSB.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
LIQUIDAÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A reclamação de créditos da insolvência apresenta um carater universal, por abranger todos os créditos existentes sobre o insolvente à data da declaração da insolvência, nos termos dos art.º 47.º n.º 1 e 128.º do CIRE exigindo-se que os credores que pretendam fazer valer os seus direitos o façam neste processo e nos seus termos, mesmo que já tenham o seu crédito reconhecido por decisão judicial, conforme dispõe o art.º 90.º n.º 3 do CIRE.
2. A alteração do art.º 50.º n.º 1 do CIRE pela Lei 16/2012 de 20 de abril, com a qual o legislador pretendeu clarificar que o crédito sob condição pode ter origem numa decisão judicial, tal como na lei ou no negócio jurídico não representa um quadro legislativo diverso daquele que foi ponderado no Acórdão do STJ de 08/05/2013, publicado na 1ª série do DR a 25/02/2014 que uniformizou jurisprudência no sentido da inutilidade superveniente da ação declarativa em razão da declaração de insolvência do devedor, não pondo em causa a jurisprudência ali fixada sobre esta questão, que mantém a sua validade e atualidade.
3. Sendo do domínio público a resolução do BES determinada pelo Banco de Portugal e associando a lei à mesma a revogação da autorização da atividade bancária, não podemos dizer que à data da propositura da ação não fosse previsível a insolvência do 1º R., antes podemos concluir pela previsibilidade da sua liquidação, do que resulta a responsabilidade da A. pelas custas da ação, em aplicação do art.º 563.º n.º 3 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a A. MJ… intentar a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra o Banco Espírito Santo, S.A., o Novo Banco, S.A. e EJ…, Presidente do Conselho de Administração do Novo Banco, S.A. pedindo que os RR. sejam condenados solidariamente a indemniza-la pelo valor dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais, que computa simbolicamente em € 5.000,00.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que confiando nos funcionários qualificados do BES, instituição de crédito com a qual se relacionava há mais de 15 anos, seguiu o seu conselho para aplicar as suas poupanças de uma vida inteira; ao contrário das suas instruções expressas, as quantias não foram colocadas em depósitos a prazo, mas em ações preferenciais de uma SPV dominadas direta ou indiretamente pelo BES, a Poupança Plus, sedeadas nas ilhas Jersey. O BES manteve sempre a A. no engano, utilizando todos os expedientes e informações enganosas para a convencer de que tinham o seu dinheiro aplicado em depósitos a prazo, violando as mais elementares obrigações de informação que competem às instituições de crédito e intermediários financeiros. Este comportamento doloso do BES causou elevados prejuízos patrimoniais e morais à A., que perdeu as suas aplicações, cuja valor não é ainda possível determinar e cuja indemnização aqui reclama. Refere que esta responsabilidade é solidária do BES e do Novo Banco, por efeito da operação de resolução, sendo o 3º R. também solidariamente responsável.
Devidamente citados, os RR. vêm apresentar contestação, pedindo a sua absolvição da instância pugnando pela procedência das excepções dilatórias que invocam ou, em qualquer caso, pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho a fixar o valor da ação em € 155.950,00 considerando-se a incompetência do juízo local cível apara a presente ação e determinando-se a remessa dos autos para distribuição ao juízo central cível.
A A veio desistir da instância quanto ao 3º R. EJ…, o que foi por ele aceite, tendo sido julgado extinta a instância quanto a este R.
Por entender que dispunha de todos os elementos necessários à apreciação da causa em sede de despacho saneador e por já terem sido discutidas pelas partes nos seus articulados as exceções suscitadas, foi dispensada a realização de audiência preliminar, ao que as partes não se opuseram.
Foi proferida decisão a julgar extinta a instância quanto ao 1º R. BES, S.A.- em Liquidação, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º al. e) CPC. Foi afirmada a validade da lide e a legitimidade processual do 2º R. Novo Banco, S.A. conhecendo-se do pedido quanto a ele, concluindo-se pela procedência de exceção perentória inominada suscitada e consequentemente pela sua absolvição do pedido. A final foi estabelecido quanto a custas: “Custas pela autora – arts. 527.º n.º 1 e 2 e 536.º n.º 3, ambos do CPC.”
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, concluindo pela sua revogação e substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos contra ambas as RR., mais requerendo a alteração da decisão quanto a custas no sentido de dever ser a massa insolvente do BES a suportar as custas da extinção da instância, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA QUANTO AO R. BES, S.A. – Em Liquidação
1. Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
2. Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
3. Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
4. A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
5. Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
6. Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações,
como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
7. Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
8. A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
9. Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
10. Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
11. Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
12. Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
13. Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
14. Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
15. Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
16. No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
17. A A. reclamou o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
18. A acção declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores.
19. A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º
do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al.e) do CPC.
20. As causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade.
21. Pelo que, nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.
22. A douta sentença recorrida violou o art.º 536º do CPC
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO QUANTO AO R. NOVO BANCO, S.A.
23. O BES, ao vender aos seus clientes, à A., as acções preferenciais da SPV
Poupança Plus, actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
24. Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
25. O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do
art.º 321.º, n.º 1 do CVM.
26. O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
27. Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).
28. Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).
29. A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.º 7º/CVM)
30. Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.
31. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art.ºs 312. nº 2 e 312.º-A, nº 1 als. b), c) e d) do CVM).
32. Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.º 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314- A nº 3 do CVM).
33. Por força do art.º 321.º, n.º 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”
34. Nos termos dos artºs. 5.º e 6.º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
35. Conforme prescreve o art.º 5.º, n.º 3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
36. Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312, n.º 1, als. c) e n.º 2 do CVM).
37. A A. eram clientes do BES, pelo menos, desde 2004 e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as
necessidades e a vontade da A.
38. Os funcionários do BES não podiam ignorar que a A., como emigrante, tinha um perfil conservador e queria, naturalmente, aplicar as suas poupanças, fruto de um trabalho árduo e dos maiores sacrifícios, em produtos sem risco, com capital e juros garantidos.
39. Contudo, os funcionários do BES promoveram as aplicações, contra os interesses e vontade da A., em instrumentos financeiros com risco, com a agravante de serem em entidades não financeiras e, portanto não sujeitas a supervisão prudencial.
40. Acresce ainda, que as aplicações foram todas feitas numa sociedade não financeira do Grupo GES, o que agrava o risco.
41. E, o BES não podia ignorar que a sociedade Poupança Plus era uma SPV, cujos activos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio
BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
42. Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos da A. numa SPV dominada pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos.
43. Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art.º 304º- A nº 2 do CVM.
44. Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que actuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com a A.
45. O BES criou na A. a falsa convicção de que estava a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
46. Tendo em atenção a formação e o perfil da A., que não é investidor qualificado, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno à A. no prazo convencionado, de acordo com a teoria da impressão do declaratário (art.º 236.º n.º 1/CC)
47. Acresce que essa era a vontade efectiva da A., que era do conhecimento do BES (art.º 236.º n.º 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levou a A. a celebrar o contrato com o BES.
48. Trata-se, portanto, de um contrato de reporte nos termos do art.º 477.º do
Código Comercial.
49. O próprio BES reconhece, expressamente, essa responsabilidade nos artºs. 90º a 96º da sua douta contestação.
50. A falta de reembolso das aplicações da A., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
51. Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco.
52. Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante o A., ao contrário do que a douta sentença recorrida entendeu.
53. Não parece correcto o entendimento da douta sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante a A., é uma responsabilidade efectiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
54. Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de rectificar aquela Deliberação, através de outra tomada em 29 de Dezembro de 2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante à A. e outros emigrantes adquirentes das acções preferenciais.
55. A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF. Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
56. A interpretação dada ao art.º 101.º da Constituição, pelas citadas deliberações do BdP, é ainda inconstitucional, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, da A., e as garantias dadas pelo artº 62º da Constituição.
57. O que a A. sustenta na presente acção é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais da A., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art.º 62.º da Constituição.
58. O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade
das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais do Autor contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
59. A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre
estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art.º 17.º da Constituição.
60. Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
61. E, conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
62. A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
63. E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o art.º 101.º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, da A., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
64. As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
65. Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC.
66. Nesta conformidade, por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
67. Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, a A., aparecem no activo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
68. Nem se diga, como pretende o R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c)15 do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
69. Este raciocínio do R. NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos activos, que nada tem a ver com o valor da empresa em actividade.
70. Aliás, in casu, o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
71. E a actividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se
encontra a operar e cujas acções estão à venda.
72. Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente da ora A.
73. Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF16), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente à A.
74. Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
75. Conforme dispõe o art.º 204.º da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
76. Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
77. Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões do A. perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pela A..
78. Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202.º, n.º 2 da Constituição).
79. E, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. (art.º 205.º, nº 2 da Constituição).
80. A douta sentença recorrida violou o artº 62º da Constituição e fez uma errada interpretação do art. 576º nºs 1 e 3 do CPC.
Os RR. vieram responder às alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão proferida.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação.
Em 15/06/2018 vem a A. apresentar requerimento aos autos a desistir do pedido quanto ao R. Novo Banco, S.A., mais requerendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP por o processo não ter revestido especial complexidade, não tendo havido lugar a audiência prévia nem a audiência de julgamento.
II. Questão prévia:
- Da desistência do pedido contra o 2.º R. Novo Banco, S.A.
Veio a A. apresentar requerimento aos autos a desistir do pedido quanto ao R. Novo Banco, S.A.
A desistência do pedido é livre, nos termos do art.º 286.º n.º 2 do CPC, pode ter lugar em qualquer altura até ao trânsito em julgado da decisão, admitindo o art.º 283.º n.º 1 do CPC que o A. pode em qualquer altura desistir de todo o pedido ou de parte dele e extingue o direito que se pretendia fazer valer, de acordo com o art.º 285.º n.º 1 do CPC.
Em caso de litisconsórcio voluntário a desistência é livre, mas limitada ao interesse de cada um na causa, como estabelece o art.º 288.º n.º 1 do CPC.
A desistência do pedido apresentada pela A. contra o 2.º R. Novo Banco, S.A. é por isso válida quer quanto ao seu objeto, quer quanto à qualidade das partes, dispondo os Ilustres Mandatários subscritores do requerimento apresentado de poderes especiais para o efeito, como decorre da procuração junta com a petição inicial, tendo também sido observada a forma legal, impondo-se por isso a sua homologação.
Pelo exposto, nos termos do art.º 290.º n.º 3 do CPC homologo por sentença a desistência do pedido apresentada pela A. MJ… contra o 2.º R. Novo Banco, S.A., absolvendo este R. do pedido contra ele formulado nestes autos.
Custas pela A. – art.º 537.º n.º 1 do CPC.
III. Questões a decidir:
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º nº 2 in fine:
- da inutilidade superveniente da lide quanto ao 1º R. 
- da responsabilidade pelas custas.
IV. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que resultam do relatório elaborado, bem como os elencados na decisão proferida que não foram impugnados e que se reproduzem:
1) Mediante decisão do Banco Central Europeu de 13/07/2016, foi revogada a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do Banco Espirito Santo, S.A.
2) O Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do BES junto da 1ª secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa;
3) Por decisão de 21/07/2016, proferida no processo 18588/16.2T8LSB foi ordenado o prosseguimento da liquidação judicial do BES;
4) Não foi apresentado recurso da decisão do BCE que decidiu revogar a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do Banco Espirito Santo, S.A.
5) Nesta ação declarativa, a autora demanda o BES e o Novo Banco pedindo sejam os réus solidariamente condenados a indemnizá-la dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e danos morais que computa em 5.000,00 euros.
V. Razões de Direito
- da inutilidade superveniente da lide quanto ao 1º R. 
Alega a Recorrente que a presente ação não é inútil e continua a ter interesse na mesma, não obstante tenha reclamado o seu crédito no processo de insolvência, defendendo também que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que se debruça sobre esta questão perdeu a validade face à nova redação do art.º 50.º n.º 1 do CIRE.
A sentença recorrida entendeu que a liquidação do BES, em consequência da revogação da sua licença pelo BCE em 13/07/2016, com efeitos semelhantes aos da declaração de insolvência determina a inutilidade do prosseguimento dos autos, por todos os créditos terem de ser reclamados na insolvência, defendendo ainda a atualidade do Acórdão do STJ de 8 de maio de 2013 que fixou jurisprudência nesse sentido, não obstante a alteração da redação do art.º 50.º n.º 1 do CIRE.
No caso, o BCE revogou a autorização do R. BES para o exercício da atividade de instituição bancária, no âmbito da sua competência, que lhe é conferida para este ato pelo Regulamento (EU) nº 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro, no seu art.º 4.º n.º 1 al. a).
Nos termos do disposto no art.º 9.º n.º 1 e 15.º deste diploma, todas as questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização da atividade bancária só podem ser suscitadas em processo de impugnação contenciosa para o qual são competentes os tribunais administrativos, sendo que, no caso, não houve recurso daquela decisão do BCE.
Por sua vez o DL 199/2006, de 25 de outubro, estabelece no seu art.º 8 que a liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização se faz nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, equiparando os efeitos da decisão de revogação da autorização aos efeitos da declaração de insolvência.
Não existe divergência sobre o entendimento de que é por isso o regime do processo de insolvência que temos de considerar na apreciação e decisão desta questão controvertida, que é a de saber se podemos falar no caso de inutilidade superveniente da lide.
O processo de insolvência, tal como estabelece o art.º 1.º do CIRE, é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores da forma prevista num plano de insolvência ou a liquidação do património de um devedor insolvente, com a repartição do produto obtido pelos credores.
Com respeito ao exercício dos créditos sobre a insolvência, rege o art.º 90.º do CIRE no sentido de que: “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos deste Código, durante a pendência do processo de insolvência.”
Isto significa que quem queira ver o seu crédito considerado e obter o seu pagamento, deve reclamá-lo no processo de insolvência, na forma e no prazo previsto no art.º 128.º do CIRE, não estando também dispensado de o fazer o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, como prevê expressamente o n.º 3 deste artigo.
Todos os créditos reclamados vão depois ser avaliados pelo administrador da insolvência que vai reconhecê-los ou não, nos termos do art.º 129.º do CIRE e podem ser impugnados de acordo com o art.º 130.º do CIRE, seguindo-se a tramitação processual prevista nos artigos subsequentes que culminará com a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos a que alude o art.º 140.º do CIRE, de acordo com a qual se realizarão os pagamentos aos credores.
A reclamação de créditos da insolvência apresenta um carater universal, por abranger todos os créditos existentes sobre o insolvente à data da declaração da insolvência, nos termos dos art.º 47.º n.º 1 e 128.º do CIRE exigindo-se que os credores que pretendam fazer valer os seus direitos o façam neste processo e nos seus termos.
Daqui resulta que qualquer decisão que possa ser proferida numa ação declarativa reconhecendo um crédito, não vincula os restantes intervenientes no processo de insolvência, sempre se tratando de crédito que tem de ser reclamado e reconhecido no âmbito do processo de insolvência.
Neste mesmo sentido de que o art.º 90.º do CIRE impõe que todos os credores concentrem no processo de insolvência a reclamação dos seus créditos, mesmo que já os tenham reconhecido por sentença, em observância do princípio da par conditio creditorum, pronunciam-se Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Ed. pág. 438, nos seguintes termos: “para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles já se encontrem reconhecidos em outro processo.”
O mesmo entendimento é defendido no Acórdão do TRL de 07/03/2017 no proc. 48/16.3T8LSB in www.dgsi.pt que debruçando-se sobre situação semelhante nos diz: “Acresce que, a admitir-se o prosseguimento desta ação contra o BES, estar-se-ia a violar o princípio par conditio creditorum na medida em que os credores que obtivessem sentenças condenatórias contra o BES estariam numa situação privilegiada face àqueles que se limitassem (em cumprimento da lei) a reclamar os seus créditos no processo de insolvência, estando estes sujeitos a impugnação judicial ao contrário daqueles (cf. Artigo 130º, nº1 do CIRE).”
O art.º 85.º do CIRE regulando sobre os efeitos processuais da insolvência sobre as ações pendentes, estabelece a possibilidade do administrador requerer a apensação ao processo de insolvência das ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente e de todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, caso o tenha por conveniente.
Já sobre as ações executivas dispõe o art.º 88.º do CIRE, no sentido de que a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência.
Deste regime legal, que evidencia não só a necessidade do credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência mas também a circunstância da decisão obtida no processo de declaração, em desfavor do devedor insolvente, não poder vir a ser executada, decorre quanto a nós a inutilidade do prosseguimento de ação declarativa contra o devedor, perante a sua declaração de insolvência, o que vem obstar ao efeito útil daquela ação.
Não importa, a nosso ver, agora aqui desenvolver a controvérsia e os argumentos alinhados sobre a utilidade ou não do prosseguimento de ação declarativa contra o insolvente em face do regime legal da insolvência, uma vez que procurando ultrapassar as divergências de entendimento sobre esta matéria veio a ser emitido o Acórdão do STJ de 08/05/2013, publicado na 1ª série do DR a 25/02/2014, a uniformizar a jurisprudência sobre esta questão.
A jurisprudência uniformizada passou a dispor o seguinte: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.
Alega a Recorrente, que o referido acórdão uniformizador deve ser desconsiderado no caso, pela circunstância de ter sido proferido no âmbito de um quadro legal que veio a ser alterado, aludindo concretamente à alteração do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE que veio a ser introduzida pela Lei 16/2012 de 20 de abril.
A nosso ver não tem razão, por entendermos que não pode falar-se substantivamente de um diferente quadro legal com repercussão na jurisprudência uniformizada.
O art.º 50.º do CIRE referindo-se aos créditos sob condição, dispõe:
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
A alteração que veio a ser introduzida neste artigo pela Lei 16/2012 incidiu apenas sobre o n.º 1 do art.º 50.º, ao qual foi aditada a expressão “decisão judicial” a par da lei e do negócio jurídico já ali anteriormente contemplados.
Alega a Recorrente que a alteração desta norma faz toda a diferença “porquanto a anterior redacção parecia não abranger as decisões judiciais como condição suspensiva” interpretando a norma no sentido de que a condição suspensiva não se refere ao crédito objeto do processo judicial, mas à própria decisão judicial.
Não cremos que seja assim, nem que se possa colher tal interpretação do art.º 50.º n.º 1 do CIRE, antes se afigurando que tal entendimento confunde o conceito de crédito sob condição, que faz apelo à natureza do crédito, com crédito controvertido que fica reconhecido com decisão judicial.
Esta mesma questão, da desconsideração do acórdão uniformizador de jurisprudência em razão da posterior alteração do art.º 50.º do CIRE tem vindo a ser reiteradamente apreciada e decidida pelos Tribunais da Relação em diversos processos, segundo cremos de modo uniforme, já que não temos conhecimento de qualquer decisão discordante, com fundamentação e decisão com as quais nos identificamos, pelo que a elas faremos apelo.
Sobre a distinção entre crédito condicional e crédito controvertido pronunciou-se o Acórdão do TRP de 05/03/2009 no proc. 565/08.9TYBNG in www.dgsi.pt nos seguintes termos: “Um crédito condicional não é um crédito controvertido, porquanto: crédito condicional é aquele que existindo, não pode ainda ser exigido pelo facto de não se ter verificado ainda a condição; o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido -, até ser reconhecido, nomeadamente por decisão transitada em julgado.”
Tal como nos diz o Acórdão do TRL de 21/06/2018 no proc. 19051/16.7T8LSB-A.L1 in www.dgsi,pt sobre esta mesma situação e em interpretação que acolhemos: “(…) o crédito condicional por força de acção judicial previsto no artigo 50º do CIRE é aquele em que o facto incerto de que o mesmo depende é fixado pela sentença judicial e não qualquer crédito litigioso cujo reconhecimento está dependente de sentença a proferir em processo pendente como é o caso dos autos.”
Com argumentação clara sobre esta questão, em processo em tudo semelhante à presente ação e na defesa do entendimento de que a nova redação do art.º 50.º n.º 1 do CIRE nada releva para efeitos de desconsiderar a aplicação ao caso do acórdão uniformizador de jurisprudência, diz-nos o Acórdão do TRL de 06/07/2017 no proc. 6961/16.0T8LSB.L1-2 in www.dgsi.pt : “É certo que o apelante alega que a legislação vigente à data da prolação do dito acórdão do STJ, e em que este se sustentou, foi entretanto alterada, no sentido do entendimento propugnado pelo apelante. Tal alteração radicaria na modificação do n.º 1 do art.º 50.º do CIRE, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4. Antes de mais, cabe notar que quando o aludido acórdão do STJ foi proferido a Lei n.º 16/2012 já se encontrava em vigor, o que não passou despercebido aos julgadores, conforme decorre da nota 6 do acórdão, que menciona esse diploma. De todo o modo, vejamos se se lobriga algum argumento relevante que tenha passado despercebido aos subscritores do acórdão. (…) O apelante defende que a assinalada introdução de referência à “decisão judicial” no aludido preceito indica que no processo de insolvência se pressupõe a relevância de decisões judiciais que, na pendência do aludido processo, venham a ser proferidas, relativamente aos créditos reclamados, os quais, assim, enquanto não forem julgados na correspondente e pendente ação declarativa, são créditos condicionais. Vejamos. Em sentido estrito ou próprio, são condições (suspensivas) aqueles acontecimentos, futuros e incertos, a que as partes, por acordo, subordinem a produção dos efeitos do negócio por elas celebrado (art.º 270.º do Código Civil). Considera-se condições suspensivas impróprias os acontecimentos, futuros e incertos, de cuja ocorrência dependa a produção de determinados efeitos jurídicos, por força da lei (por exemplo, a celebração do casamento, para a produção de efeitos de convenção antenupcial – exemplo dado por Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, tomo I, 3.ª edição, 2011, Almedina, pág. 717). Também será condição imprópria aquela que for estabelecida em decisão judicial, sendo a essa situação que se refere o inciso introduzido pela Lei n.º 16/2012 no n.º 1 do art.º 50.º do CIRE (vide Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, 2013, pág. 317). Assim, a condicionalidade aqui referida não tem a ver com o caráter litigioso, controvertido, do crédito. A “condição judicial” tida em vista no n.º 1 do art.º 50.º do CIRE é um acontecimento futuro e incerto a que, por força de decisão judicial já proferida, esteja subordinada a manutenção (condição resolutiva) ou a produção de certos efeitos jurídicos (condição suspensiva) emergentes da decisão (embora seja duvidosa a admissibilidade de sentença de condenação condicional, ou seja, de condenação em que o direito reconhecido fica dependente da verificação de determinada condição, ainda não ocorrida à data da sua prolação (vide Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 3.ª edição, 2013, Coimbra Editora, páginas 323 e 324).”
Também o já citado Acórdão do TRL de 07/03/2017 nos diz sobre esta questão: “Ora, confundem manifestamente os AA., os créditos sob condição suspensiva e resolutiva, ou seja aqueles cuja subsistência está dependente de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de negócio jurídico e também de decisão judicial, com créditos controvertidos. Uns e outros não são manifestamente confundíveis, nem pretendeu o legislador englobar nestes créditos todos os peticionados em tribunal, muito menos considerar como acontecimento futuro ou incerto, a própria decisão judicial, ou melhor o resultado dessa decisão judicial que reconheça ou não o referido crédito. (…) Se a configuração do crédito como condicional no âmbito da insolvência é mais abrangente do que a constante do artigo 270 do C.C., exige-se ainda e sempre que a constituição ou subsistência deste crédito esteja dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto.”
Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, podemos então concluir que ao alterar o art.º 50.º n.º 1 do CIRE o legislador pretendeu clarificar que a condição pode ter origem numa decisão judicial, tal como na lei ou no negócio jurídico e não, como pretende a Recorrente, estabelecer que a decisão judicial em ação pendente constitui a condição suspensiva do crédito controvertido.
Não podemos por isso falar de um quadro legislativo diverso daquele que foi ponderado no acórdão uniformizador, no sentido de pôr em causa a jurisprudência ali fixada, que mantém a sua validade e atualidade. Isto mesmo foi defendido ainda, para além da jurisprudência citada, e a título de exemplo, nos Acórdãos do TRL de 26/09/2017 no proc. 652/16.0T8LSB.L1-7, de 21/06/2018 no proc. 19051/16.7T8LSB-A.L1-6, de 28/02/2019 no proc. 9139/16.4T8LSB.L2-6 todos in www.dgsi.pt 
Avaliando o crédito sobre o 1º R. que a A. pretende ver reconhecido na presente ação, facilmente se conclui que não estamos perante um crédito condicional, não podendo também, como se viu, sufragar-se o entendimento de que a mera existência de uma ação que visa o seu reconhecimento o torna um crédito condicional para efeitos do art.º 50.º n.º 1 do CIRE, do que se retira não haver qualquer razão para se desconsiderar a jurisprudência do acórdão uniformizador mencionado, pelo contrário, mantendo o mesmo inteira atualidade, o que impõe a extinção da instância, nos termos do art.º 277.º al. e) do C.P.C., confirmando-se a sentença recorrida que assim o decidiu.
- da responsabilidade pelas custas
Defende a Recorrente que as causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade, devendo as custas da extinção da instância ficar a cargo da massa insolvente, nos termos do art.º 536.º n.º 3 do CPC.
A decisão proferida determinou que as custas ficassem a cargo da A., invocando os art.ºs 527.º n.º 1 e 2 e 536.º n.º 3 do CPC.
O art.º 563.º do CPC que alude à repartição das custas, dispõe:
1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”
A situação da insolvência enquanto causa de extinção da ação declarativa ou da execução e sua repercussão na responsabilidade pelas custas do processo, foi prevista pelo legislador, a ela aludindo expressamente o art.º 563.º n.º 2 al. e) do CPC.
A respeito do n.º 3 deste artigo, no qual se fundamenta a decisão recorrida, diz-nos Salvador da Costa in Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., pág. 97: “A expressão nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide visa ressalvar aqueles a que não se reportam as alíneas d) e e) do n.º 2 deste artigo. O disposto neste normativo é aplicável independentemente da natureza do facto que determinou a impossibilidade ou a inutilidade superveniente da lide, sem prejuízo do que se prescreve no n.º 2 deste artigo. O que neste normativo se prescreve é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da ação, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade ou da impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do principio da causalidade na sua formulação negativa.”
De acordo com este regime de custas e na conjugação das várias previsões normativas deste art.º 563.º podemos concluir que, no âmbito de uma ação declarativa que se extinga em razão da declaração de insolvência, as custas devem ser repartidas entre o A. e o R., nos termos do n.º 1, ou ficar a cargo do A. se já fosse previsível a situação de insolvência à data da propositura da ação, o que afasta a previsão da al. e) do n.º 2, fazendo cair a situação no âmbito do n.º 3.
No caso, não podemos dizer que à data da propositura da ação a situação de insolvência não era previsível para a A. (nem esta aliás o alega), pelo contrário.
A medida de resolução do BES foi tomada por deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014, sendo medida que revoga automaticamente a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito, como decorre do n.º 2 do art.º 145.º-L do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo DL 298/92 de 31 de dezembro.
Sendo do domínio público a resolução do BES determinada pelo Banco de Portugal e associando a lei à mesma a revogação da autorização da atividade bancária, não podemos dizer que à data da propositura da ação não fosse previsível a insolvência do 1º R., antes podemos concluir pela previsibilidade da liquidação do 1.º R.- neste sentido pronunciou-se também o Acórdão do TRL de 07/03/2017 no proc. 48/16.3T8LSB-L1-7.
Afigura-se ainda, que não podemos dizer que a inutilidade superveniente da lide é diretamente imputável ao 1º R., na medida em que a sua liquidação, com os efeitos da declaração de insolvência, antes resulta da revogação da autorização para o exercício da atividade determinada por entidade a ele externa, sendo que não podemos genericamente concluir que o insolvente é sempre responsável pela declaração da insolvência, já que há inúmeros outros fatores que a podem determinar.
Nestes termos, não merece censura a sentença proferida que considerou a A. responsável pelo pagamento das custas, na aplicação do n.º 3 do art.º 563.º do CPC.
                                                 *
A A. vem a 15/06/2018 quando apresenta requerimento nos autos a desistir do pedido quanto ao R. Novo Banco, S.A., requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP alegando não ter o processo revestido especial complexidade, não tendo havido lugar a audiência prévia, nem a audiência de julgamento.
De acordo com o previsto nos art.º 6.º e 7.º do RCP, o pagamento da taxa de justiça surge associado ao impulso processual, sendo estabelecido, em regra, a obrigatoriedade do seu pagamento prévio à prática do ato.
Nos processos de maior valor e de modo a não onerar tanto as partes com um pagamento muito elevado no decurso do processo, o legislador veio no art.º 6.º n.º 7 do RCP estabelecer como exceção que: “Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”O n.º 7 deste artigo foi introduzido pela Lei 7/2012 de 13 de fevereiro, diploma que veio alterar o RCP, que assim passou a prever a fixação de uma taxa de justiça variável em função não só do valor da causa, mas também em razão da sua complexidade e da conduta processual das partes. Com esta norma o legislador procurou ir ao encontro dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao permitir ao juiz fixar uma taxa de justiça que vai variar e se vai adequar à conduta processual das partes e ao concreto processo em que é aplicada.
Com decorre expressamente da norma em questão, a mesma só tem aplicação nas causas de valor superior a € 275.000,00.
Ora, o valor que foi fixado à presente ação e não foi impugnado pelas partes foi o de € 155.950,00, do que decorre que não estamos no âmbito de aplicação da norma mencionada, por não estarmos perante uma situação em que a taxa de justiça pudesse ser liquidada com referência a um valor inferior ao da ação, ficando o pagamento do seu remanescente para mais tarde.
Indefere-se por isso o requerido.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao 1º R.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
                                                 *
Lisboa, 10 de outubro de 2019

Inês Moura (relatora)
Laurinda Gemas (1ª adjunta)
Gabriela Cunha Rodrigues (2ª adjunta)
(assinado eletronicamente)
(processo redistribuído à relatora a 10/09/2019)