Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1424/21.5T8TVD.L1-6
Relator: JORGE ALMEIDA ESTEVES
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE LIVRE DE ÓNUS E ENCARGOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A expressão genérica relativa à transmissão da propriedade “livre de ónus e encargos” ou outra semelhante, não basta, por si só, para se considerar que existe vontade por parte do transmitente de se opor à constituição de uma servidão de passagem por destinação do pai de família.
II- Tem de haver uma vontade expressa, clara e terminante nesse sentido, manifestada no título de transmissão, ou então, havendo a tal expressão genérica, que seja produzida prova no sentido de o transmitente, ao declarar o que declarou, não pretender a existência da servidão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Réus recorrentes:
FD, residente na Rua …, e ET, e mulher MM, residentes em…
Autor recorrido:
AC, residente em...
O autor instaurou ação de simples apreciação e de condenação, sob a forma comum de declaração, contra os réus recorrentes formulando os seguintes pedidos:
Que seja judicialmente reconhecido o direito de servidão legal de passagem, constituída por destinação dos anteriores proprietários (destinação do pai de família), a favor dos dois prédios urbanos de sua pertença, gozando estes prédios de uma servidão permanente de passagem, de pé posto e através de veículos de qualquer espécie, por um caminho, correspondente a uma faixa de terreno de terra batida, com uma extensão total de 41,5 metros (quarenta e um metros e cinquenta centímetros), de comprimento, por três (3) metros de largura, que onera os dois prédios pertença dos réus e que estes sejam condenados a permitir que o acesso da via pública aos dois prédios urbanos se faça pela faixa de terreno, correspondente ao caminho de terra batida, e condenados a absterem-se de praticar atos perturbadores e/ou impeditivos do exercício do direito de passagem pelo autor e do seu agregado familiar, quer seja de forma pedonal ou através de veículos, de qualquer tipo, pelo dito caminho, e os 2ºs réus condenados a autorizar que o 1º réu remova o portão que colocou na estrema poente do logradouro do prédio pertença daqueles, e onde se inicia o dito caminho, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem a favor dos dois prédios urbanos ora pertença do autor, e o 1º réu condenado a remover o portão que colocou no início do caminho.
Subsidiariamente, em vez da retirada do portão, pede que os réus sejam condenados a entregar ao autor um dispositivo que permita a abertura do portão onde se inicia o caminho em causa e que permite o acesso aos dois prédios urbanos que lhe pertencem[1].
Para fundamentar os pedidos alega que é proprietário daqueles dois prédios, os quais gozam de uma servidão de passagem sobre os prédios dos réus que existe desde a altura em que todos esses prédios, do autor e dos réus, constituíam um único prédio e pertenciam aos mesmos proprietários, antepassados do autor e do 1º réu. Tal passagem faz-se por um caminho, correspondente a uma faixa de terreno de terra batida, que tem início, na estrema poente do logradouro do prédio pertencente aos 2ºs RR., ET e MM, após o que atinge e atravessa o logradouro o prédio misto pertença do 1º R. até chegar o logradouro do prédio urbano do A., correspondente à casa de habitação, com um comprimento total quarenta e um metros e cinquenta centímetros, por três metros de largura, claramente definido, sendo constituído por terra batida, compactada por muitos anos de passagem de pessoas e veículos. Esse caminho serve para acesso aos prédios do autor há dezenas de anos, quer mediante a utilização de veículos, quer de pé posto.
A causa do litígio radica no facto de desde janeiro de 2019, o réu FD impede o autor de utilizar o caminho em causa em toda a sua extensão, tendo colocado, com o consentimento dos 2ºs réus, um portão automático, junto à estrema poente do logradouro do prédio misto pertença 2ºs réus, tendo todos os réus um comando eletrónico para abertura do portão, sendo que o 1º réu, FD, não entregou ao autor qualquer dispositivo, para abrir e fechar o portão em causa, encontrando-se desde aquela data impedido de aceder ao caminho e de o utilizar.
Regularmente citados, os réus contestaram. Aceitam que inicialmente existia um único prédio, pertença de FD e mulher MT, e que o mesmo por doações efetuada aos seus filhos acabou por ser dividido, e que a criação do prédio do 1º réu resultou da doação efetuada por FD e mulher MT, a seu filho, JD, pai do 1º réu, realizada em 26 de Novembro de 1948, e em tal doação é explícito que não existiu qualquer “destinação” do “pai de família” no sentido de constituir qualquer servidão de passagem, antes pelo contrário, mas um ano antes, em 17 de Setembro de 1947, FD e mulher MT, já haviam efetuado uma escritura de doação ao seu filho AD, do prédio que atualmente pertence aos 2ºs réus, e tal prédio foi doado com reserva de usufruto, mas os doadores declararam na mesma doação que cedem e transferem ao donatário, de hoje para sempre, todo o domínio, direito, ação e posse que até agora lhes pertencia no prédio doado, sobre o qual não pesa hipoteca ou outro qualquer ónus e encargos, tendo sido claros quanto à sua vontade, isto é, o bem foi doado e separado do prédio inicial, livre de qualquer ónus ou encargo, sem ser o usufruto, referindo que mesmo que existisse à data da separação do prédio quaisquer sinais visíveis de passagem, o “pai de família” foi claro ao dividir os prédios sem qualquer ónus ou encargo, além do usufruto do prédio dos 2ºs réus, pelo que, os doadores e primitivos donos foram inequívocos na vontade de não constituir qualquer servidão por destinação, assim, porque nos documentos que procedem às separações do prédio, existem declarações contrárias à constituição de servidão por destinação de pai de família, tal servidão não se constituiu.
Os réus impugnaram ainda alguns dos factos alegados pelo autor, invocando que não existe qualquer caminho, que o autor tem acesso direto pela via pública para aceder aos seus prédios, e à data da separação dos prédios não havia quaisquer sinais da existência de serventia.
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Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais, e o despacho previsto no artigo 596º, nº 1 do CPC.
Foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
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Posteriormente o autor veio requerer a ampliação do pedido, alegando que na estrema que separa o prédio do autor do prédio do 1º réu existe um muro erigido pelo 1º réu e que desde a sua edificação sempre se manteve com uma abertura de cerca de 3,10 m, por onde passavam veículos, pessoas e animais, que se dirigiam aos prédios urbanos de que é proprietário o autor, e essa passagem foi tapada, no dia 22/10/2021, pelo 1º réu, criando mais um obstáculo, com vista a impedir o autor de aceder e utilizar o caminho para aceder aos seus prédios, pedindo que o 1º réu seja condenado a remover a parede que constitui tapagem com tijolos, que aquele erigiu na passagem existente na estrema entre o prédio do 1º réu e o prédio do autor, de modo a permitir o livre exercício do direito de utilização e passagem instituído a favor dos dois prédios urbanos pertença do aqui autor, de que os prédios mistos dos réus são servientes.
Foi proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido formulada pelo autor.
Realizou-se a audiência final tendo sido proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte:
Nos termos e fundamentos expostos, decide-se:
a) Reconhecer a servidão de passagem a pé e de todo o tipo de veículos, a todo o tempo, constituída por destinação do pai de família, que onera o prédio pertença dos RR. ET e MM, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, freguesia de …, e o prédio pertença do R. FD, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, freguesia de …, em proveito dos prédios do A., descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob os nº …, freguesia de …, nos seguintes termos:
- caminho, correspondente a uma faixa de terra batida, com a largura de 3,30m, com início na estrema do lado norte (junto à estrema poente) do logradouro do prédio pertença dos RR., ET e MM, que se prolonga pelo referido prédio por 9,60m de comprimento, após descreve uma curva à esquerda e prolonga-se por 30,20m, em direção a nascente, atinge e atravessa todo o logradouro do prédio pertença do R. FD, prosseguindo no sentido nascente, até atingir o logradouro do prédio urbano do A. descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ….
b) Condenar os RR. ET, MM e FD, a permitir o acesso aos prédios do A. pelo dito caminho, e a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam, obstruam ou dificultem o exercício do direito de passagem, e a facultarem ao A. um dispositivo para abertura do portão que foi colocado no início do caminho.
c) Condenar o R. FD a remover a parede que edificou na passagem que existia no muro que delimita a estrema do seu prédio e do prédio do A., correspondente à casa de habitação e logradouro, de modo a permitir o livre acesso pelo caminho aos prédios do A.”.
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Inconformados com o decidido, apelaram os réus, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
A) - O apelante não se conforma com decisão proferida em primeira instância, pois sem prejuízo de opinião contrária, a Douta Sentença recorrida erra de facto e de direito na apreciação da questão controvertida.
B) – Os presentes autos tinham como objeto do litígio, aferir se os prédios pertença do Autor beneficiam de servidão de passagem por destinação do pai de família, que onere os prédios pertença dos Réus
C) – A constituição de servidão por destinação do pai de família, encontra-se explanada no artigo 1549.º do Código Civil, onde se pressupõe o concurso de três requisitos essenciais: que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao último dono, que os separou; que haja uma relação estável de serventia de um prédio ao outro ou de uma fração a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes - destinação; e que na separação dos prédios ou frações em relação ao domínio - separação jurídica - a inexistência de qualquer declaração, no respectivo documento, contrária à destinação.
D) – O prédio inicialmente pertenceu a um único dono FD e mulher, e as separações ocorreram por escrituras públicas, uma datada 17 de Setembro de 1947 e outra datada de 26 de Novembro de 1948, ambas juntas aos autos a fls. 123 e seguintes e fls. 116 e seguintes, respectivamente, encontrando-se assim preenchido o primeiro requisito para a constituição de servidão por destinação de pai de família.
E) - Contudo quanto ao segundo requisito - a existência de relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fracção a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes - não podemos concordar com a conclusão vertida na Douta Sentença recorrida, pois não ficou demostrado que à data da separação já existia uma serventia, muito menos com sinais visíveis e permanentes.
F) - Os sinais visíveis e permanentes da serventia têm de ser aferidos no momento em que a divisão ocorre e não em momento posterior, como aconteceu nestes autos, aquando da inspeção ao local.
G) – O Tribunal a quo considerou, salvo melhor opinião, provado a existência de uma caminho, conforme consta nos pontos 9, 10, 11, 13, 16 e 17 dos factos provados, contudo a discrição e a fundamentação para tais factos afigura-se-nos mais consentânea com um pedido de constituição de servidão por usucapião do que o reconhecimento de servidão por destinação de pai de família que é o objeto único destes autos.
H) - Nos pontos 26 e 54 dos factos provados o Tribunal a quo afirma que quando o prédio tinha a configuração inicial, já existia um caminho, contudo não concretiza quais os sinais visíveis e permanentes que existiam na data da separação do prédio, que levaram a tal conclusão, justificando que alcançou tal conclusão pelo depoimento de todas as testemunhas arroladas, declarações de parte do Autor em conjugação com o auto de inspeção ao local realizado pelo Tribunal.
I) – Não se compreende tal posição, pois a inspeção ao local apenas verificou o estado atual da situação controvertida que não tem qualquer correspondência com a realidade de há setenta e três anos quando o prédio foi separado.
J) - Apenas duas testemunhas ML e MC já eram nascidas à data da separação dos prédios, contudo ambas ainda crianças e as restantes testemunhas arroladas desconhecem, porquanto ainda não eram nascidas, se existiam ou não sinais visíveis e permanentes, apenas tendo respondido aos factos que eram de seu conhecimento, posteriormente à divisão do prédio.
K) - Quanto às testemunhas que já eram nascidas à data da separação dos prédios, o depoimento das mesmas não demonstra as conclusões vertidas na Douta sentença recorrida, pois a testemunha ML ouvida em audiência de discussão e julgamento no dia 21 de Setembro de 2022, cuja gravação se encontra registada no sistema H@bilus Media Studio, com início às 11:33:24 e fim às 12:18:51, atualmente com 90 anos e que à data das doações teria cerca de 15 ou 16 anos, apesar de conhecer o local, baralhou diversos factos alterando a tempo em que os mesmos ocorreram.
L) - A testemunha demonstrou ter a convicção da existência de um caminho quando o avô FD, primitivo dono, dividiu o prédio pelos três filhos varões, dando a entender que a divisão do prédio primitivo ocorreu com a partilha por óbito do seu avô, em 1952.
M) – A mesma testemunha ML, no seu depoimento a partir do minuto 38:35 afirma que o avô morreu quando ela fez vinte anos, alegando posteriormente ao minuto 40:30 que o avô deu os bens ao seu tio A. e JI, quando ela tinha essa idade, o que não pode corresponder à verdade.
N) – Anteriormente ao minuto 6:23 a testemunha já tinha afirmado que desde que se lembra e quando aquilo era tudo da sua avó de ir à casa desta e da sua tia, mãe do aqui recorrido.
O) - Contudo conforme resulta documentalmente provado, a divisão do prédio ocorreu por duas doações lavradas em Cartório Notarial em 1947 e em 1948, sendo que à data das doações, não existiam as construções que atualmente existem, havendo no local das casas dos Réus uma adega e logradouro.
P) – A testemunha, não sabe quando ocorreu a divisão do prédio, através da doação, estando convicta que tal divisão ocorreu após o óbito do seu avó FD com a partilha realizada no dia 12 de Julho de 1952 e quando já existiam as casas edificadas pelos filhos dos doadores não podendo tal depoimento ser determinante para o preenchimento do segundo requisito previsto no artigo 1549.º do Código Civil.
Q) – Também a testemunha durante todo o seu depoimento, nunca referiu a existência de quaisquer sinais visíveis e permanentes reveladores da existência de uma serventia, limitando-se a confirmar as afirmações que a Meritíssima Juíza a quo fazia previamente à formulação das suas perguntas.
R) – No mesmo sentido vai o depoimento da testemunha MC, efetuado em 19 de Outubro de 2022 cujo depoimento encontra-se registado no Sistema H@bilus Media Studio, com início às 09:27:42 e fim às 10:32:12, que na data da separação do prédio tinha cerca de oito anos, tendo declarado a partir do minuto 7:27, que o prédio foi dividido em partilhas após a morte do seu avô demonstrando a convicção de que a separação dos prédios ocorreu com a morte do primitivo dono, FD e na partilha realizada no dia 12 de Julho de 1952, quando a mesma divisão ocorreu em vida do primitivo dono por doação.
S) – A mesma testemunha afirma ao minuto 47:20, que adega que existe atualmente no prédio do recorrido era usada por o pai desta sempre deixou demonstrando que se refere a pessoas e a tempos posteriores à separação do prédio, descrevendo factos que são todos eles posteriores à data da separação dos prédios, evidenciado total desconhecimento do modo e do tempo em que o prédio foi separado e do que efetivamente existia nessa data.
T) – As declarações que as testemunhas ML e MC fazem dos sinais visíveis e permanente da serventia que eventualmente existiria à data da separação dos prédios, resultam apenas do modo como as perguntas e esclarecimentos que a Meritíssima Juíza a quo, efetuou às duas referidas testemunhas, pois esta não se limita a perguntar qual ou quais as características da eventual serventia, preferindo descrever as características que uma servidão aparente reveste nos termos legais, conforme se pode aferir a partir do minuto 33:24 até 38:10, quanto à testemunha ML e entre o minuto 46:50 e 49:40, quanto à testemunha MC.
U) – Da análise dos depoimentos destas duas testemunhas, as únicas já nascidas à data das doações que criaram os atuais prédios, verifica-se além duma notória “ânsia” em anteciparem as respostas, nomeadamente à inquirição efetuada pelo Ilustre Mandatário do aqui Recorrido, a preocupação permanente em referir a existência de uma servidão basicamente nos moldes atuais, que era usada por todos, à vista de todos e sem qualquer oposição.
V) – Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01 de Julho de 2010, proferido no processo 3216/06.2TJVNF.P1”Exigindo a lei sinal ou sinais, exige elementos incontroversos, a analisar crítica e qualitativamente pelo julgador e não, necessariamente, completo caminho, se de passagem se trata”, não bastando as testemunhas dizer que havia um caminho, sem, salvo melhor opinião, de espontaneamente demonstrar as características inequívocas e utilidades do referido caminho.
W) – A Douta Sentença recorrida apresenta fundamentação mais adequada à criação de uma servidão por usucapião do que ao reconhecimento de servidão por destinação de pai de família que é o objeto único destes autos, tendo inclusivamente orientado a dinâmica do julgamento para apreciar um eventual pedido de constituição de servidão por usucapião.
X) – I - Não pode confundir-se a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por usucapião com a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por destinação do pai de família.
II - Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do art. 1547.º do CC, é necessário que: (i) os dois prédios ou as duas fracções do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; (ii) existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e (iii) que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. art. 1549.º do CC).
III - Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários de constituição da relação de serventia mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”.
IV - Apenas se extraindo da prova a existência no prédio do réu de um “corredor”, com um certo traçado arquitectónico, que era utilizado há mais de 50 anos pelo autor e, antes dele, pelos seus pais e outras pessoas, tal não é suficiente para considerar verificado tal pressuposto. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Setembro de 2018, proferido no processo 1021/15.4T8PTG.E1.S1 in www.dgsi.pt –sic nosso negrito e sublinhado
Y) - Não foi apresentada qualquer prova documental que demonstre a existência de sinais visíveis e permanente da existência de uma serventia à data da separação dos prédios.
Z) - A prova testemunhal apresentada pelo Recorrido, a quem cabia o ónus da prova, e considerando sobretudo o depoimento das duas testemunhas ainda crianças à data das doações, não demonstram inequivocamente quais os sinais visíveis e permanente no solo que indiciassem haver uma serventia, tais depoimentos refletem situações posteriores à divisão do prédio e as restantes testemunhas ainda não eram nascidas em 1947 e 1948, e portanto desconhecem de facto a existência de sinais visíveis e permanentes na data da divisão.
AA) – Sem prejuízo de entendimento contrário, não poderia o Tribunal a quo dar como provados os pontos 26 e 54, nem tão pouco fundamentar como fez, entendendo estar verificado o segundo requisito necessário para o reconhecimento da existência de uma servidão por destinação de pai de família, devendo este Venerando Tribunal, após a reapreciação dos depoimentos gravados das testemunhas Ml e MC, concluir que não se encontra demonstrada cabalmente a existência de sinais visíveis e permanente de uma serventia posta de um lado para o outro dos prédios divididos à data da sua separação.
BB) - Também é nosso entendimento que o Tribunal a quo andou mal quanto à verificação do terceiro requisito legal previsto no artigo 1549.º do Código Civil, ou seja, a inexistência de qualquer declaração, no respectivo documento, contrário à destinação.
CC) - Consta na Douta Sentença recorrida nos pontos 29 e 30, factos provados, que: “29. Por escritura pública de doação outorgada em 17 de setembro de 1947, FD e mulher MT, doaram a seu filho, AD, por conta da legítima, com reserva de usufruto, ½ da adega e pátio, e ¼ do logradouro, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65.
30. Da referida escritura consta, além do mais, que FD e mulher MT declararam: “(…) Que, sem prejuízo desta reserva, cedem e transferem ao donatário, de hoje para sempre, todo o domínio, direito, acção e posse que até agora lhes pertencia no prédio doado, sobre o qual não pesa hipoteca ou outro qualquer ónus ou encargo (…)” conforme documento de fls. 123 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”, e nos pontos 34 e 35 dos factos provados que:
34. Por escritura de doação outorgada em 26 de novembro de 1948, FD e mulher MT, doaram a seu filho, JD, por conta da legítima, de ½ da adega e ¼ do logradouro, para edificação, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65.
35. Da referida escritura consta, além do mais, que FD e mulher MT declararam “(…) que se demitem de todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição que até agora teem tido no prédio doado e tudo inteira e plenamente cedem e transferem ao donatário seu filho a quem ficam pertencendo os respectivos rendimentos e a obrigação do pagamento das respectivas contribuições e impostos. (…)”, conforme documento de fls. 116 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”
DD) - Resulta assim provado nos autos que a separação do prédio inicial foi efetuada através de duas doações por escrituras públicas, uma realizada em 17 de Setembro de 1947 e que se encontra junta a fls. 123 e seguintes, e outra efetuada em 26 de Novembro de 1948 e que se encontra junta a fls. 116 e seguintes.
EE) - Foi entendimento do Tribunal a quo, e salvo melhor opinião, errado, que as declarações contrárias à constituição de servidão por destinação do pai de família inserta nos documentos que procedeu à separação do prédio, não eram suficientes e idóneas por se tratar de uma mera declaração genérica, para produzir os efeitos jurídicos previstos na parte final do artigo 1549.º do Código Civil.
FF) - Sucede que a separação do prédio foi efetuada por duas doações lavradas por escrituras públicas, sendo a primeira realizada em 17 de Setembro de 1947 na qual os primitivos proprietários FD e mulher MT, doaram a seu filho, AD, por conta da legítima, com reserva de usufruto, ½ da adega e pátio, e ¼ do logradouro, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65, declarando na mesma: “(…) Que, sem prejuízo desta reserva, cedem e transferem ao donatário ,de hoje para sempre, todo o domínio, direito, acção e posse que até agora lhes pertencia no prédio doado, sobre o qual não pesa hipoteca ou outro qualquer ónus ou encargo(…).”
GG) - Posteriormente o supra mencionados FD e mulher MT, em 26 de novembro de 1948, doaram a seu filho, JD, por conta da legítima, de ½ da adega e ¼ do logradouro, também citado prédio declarando “(…) que se demitem de todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição que até agora teem tido no prédio doado e tudo inteira e plenamente cedem e transferem ao donatário seu filho a quem ficam pertencendo os respectivos rendimentos e a obrigação do pagamento das respectivas contribuições e impostos. (…)”.
HH) - Como nos ensinam os Ilustres Senhores Professores Pires de Lima e Antunes Varela, “A ressalva da declaração oposta à constituição da servidão deve constar de documento, não bastando para o efeito uma simples declaração oral” in Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editores, e dúvidas não subsistem que as declarações acima transcritas foram emitidas pelos primitivos donos nos documentos públicos que procederam à divisão do prédio.
II) – Entendem os Distintos Professores Pires de Lima e Antunes Varela que “Não é necessário, todavia, para excluir a servidão que as partes refiram expressamente à relação de serventia. A declaração, por, exemplo de que um prédio «é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos» bastará para impedir que sobre ele se constitua determinada servidão (cfr. o acórdão do S.T.J. de 19 de Julho de 1979, no B. M. J., n.º 289, págs. 326 e segs).” Ob.cit
JJ) - No mesmo sentido e além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na transcrição acima efetuada também este Venerando Tribunal já decidiu em igual sentido ao afirmar que: “– A declaração, no contrato de compra e venda, de que o prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos basta para impedir que sobre ele se constitua uma servidão por destinação do pai de família.” Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Justiça, de 21 de Dezembro de 2017, proferido no processo 6989/12.0TCLRS.L1-6 in www.dgsi.pt.
KK) - Sem nos queremos substituir ao pensamento dos citados textos a razão de tal entendimento parece-nos simples, pois o artigo 1543.º do Código Civil define que a “Servidão predial é um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; (…)”, e sendo a servidão um encargo, dúvidas não devem restar da real vontade dos primitivos donos FD e mulher expressas nas escrituras de doação.
LL) - Nenhuma prova contrária a estas declarações expressas pelos donatários e primitivos donos foi produzida e provada nos autos, tendo inclusivamente a testemunha MC, declarado no seu depoimento a partir do minuto 57:12, que o seu avô era pessoa honesta e séria.
MM) - É nosso entendimento que o acima exposto é bastante para reverter a decisão errónea, vertida na decisão recorrida, contudo, como nos ensina, o Professor Augusto Penha Gonçalves, “Verificados os requisitos atrás mencionados, a servidão por destinação de pai de família constitui-se, activa e passivamente, no próprio momento do acto da separação, em rigorosa conformidade com o conteúdo da serventia que, assim, de situação de facto se transmuta em situação de direito” salvo se, ao tempo da separação, outra coisa se houver declarado no respectivo documento” como se prescreve no art.º 1549 in fine (…) O alcance jurídico e prático da ressalva feita na lei cifra-se no seguinte: embora se mostrem cumpridos os demais requisitos positivos, a transmutação, da situação de facto em situação de direito, não se verifica se, do documento formalizador do ato da separação, constar declaração de vontade que, interpretada segundo as circunstâncias concretas de cada caso, deva ser entendida como incompatível com o surgimento da servidão e, por isso impeditiva da sua constituição” cfr. (cfr. Augusto Penha Gonçalves, "Curso de Direitos Reais", 2a ed., 1993,p. 462
NN) - Conforme consta no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães: “Rui Pinto e Cláudia Trindade, in C.C. Anotado Coord. Ana Prata, Almedina, p. 418, referem: “A exclusão da constituição da servidão deve ser realizada sob a forma escrita, nos termos da parte final deste artigo. Saber se a servidão é ou não afastada pelas partes é um problema de interpretação das declarações negociais, a resolver à luz dos arts. 236º a 239º.” (sublinhado nosso)” Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28 de Novembro de 2019, proferido no processo 4684/17.2T8GMR.G1 in www.dgsi.pt –sic nosso negrito e sublinhado
OO) - Ainda que se entenda que a menção “livre de ónus ou encargos” na escritura que divide um prédio é insuficiente para evitar a constituição de uma servidão por destinação de pai de família, o Tribunal a quo, deveria apreciar o verdadeiro alcance das cláusulas insertas nas supra mencionadas escrituras de doação, o que não fez.
PP) - Em ambas as escrituras os doadores fizeram constar que os prédios eram doado para os donatários nele edificarem, e se o destino e vontade dos doadores ao doarem os prédios era que os filhos neles construíssem casas para habitar, o que fizeram, teriam, caso existisse serventia, acautelado a manutenção e subsistência da mesma, apesar de todo o prédio inicial confinar com a via pública.
QQ) - O que não sucedeu, pelo contrário, os primitivos proprietários demitiram-se de “todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição” e doaram os prédios sem qualquer “hipoteca ou outro qualquer ónus ou encargo”, pois o objetivo daquelas doações era permitir aos filhos construírem casas para morar.
RR) - Deste modo, interpretando as declarações emitidas pelos primitivos donos e analisando-as à luz das normas de interpretação e integração constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, verificasse que a vontade dos declarantes e devidamente expressas por estes era a não constituição de qualquer servidão, por si destinada, tendo o Tribunal a quo, feita uma interpretação errónea da verificação do terceiro requisito, violando a parte final do artigo 1549.º do Código Civil.
SS) - Consideramos assim, que o Tribunal a quo errou, não só ao considerar provados os pontos 26 e 54 dos factos provados, pois os depoimentos prestados não sustentam tais conclusões, como também errou na interpretação jurídica das vontades expressas dos doadores e primitivos donos nas escrituras de doação que outorgaram, e como tal, não se encontram verificados o segundo e terceiro requisitos necessários para a constituição de servidão por destinação de pai de família.
TT) - Por conseguinte, e salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo, ao proferir a decisão que ora se recorre, sendo que a mesma viola, o disposto no artigo 1549.º do Código Civil.
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O recorrido apresentou contra-alegações e as seguintes conclusões:
i. Nas suas Alegações de Recurso, vem o 1.º Réu, ora Recorrente, impugnar a douta Sentença, datada de28/03/2023, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Cível de Loures – Juíza 2 que, decidiu, nos seguintes termos (constantes supra).
ii. Para alicerçar a sua discordância quanto à referida Sentença, o Recorrente louva-se, na ocorrência de um erro no julgamento da matéria de facto julgada provada, designadamente dos pontos 9., 10., 11., 13., 16., 17., 26. e 54. dos Factos Provados, bem assim como num erro na interpretação e aplicação do direito, nomeadamente do disposto no Art.º 1549.º do C.P.Civil.
iii. Não assiste qualquer razão ao Recorrente na medida em que, a Sentença Recorrida, não pa-dece de nenhum dos vícios que aquele lhe aponta.
iv. Os factos constantes dos pontos 9., 10., 11., 13., 16. e 17 dos Factos Provados, constituem factos essenciais à boa decisão dos presentes autos que têm por objeto o reconhecimento de uma servidão de passagem por destinação de pai de família.
v. A constituição de uma servidão por destinação de pai de família, a par da usucapião, constitui uma forma originária não negocial de constituição de servidões aparentes, que são aquelas que se revelam por obras ou sinais exteriores;
vi. Por conseguinte, ainda que, a constituição de uma servidão por destinação de pai de família obedeça a requisitos específicos e distintos daqueles que têm que ter lugar em sede de pe-dido de constituição de servidão por usucapião, em ambas as acções, existem factos simila-res a alegar e provar.
vii. Para que ocorra a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família, é indispensável que, os sinais visíveis e permanentes, constituídos pelo anterior proprietário - no caso, um caminho - se mantenham ao longo do tempo.
viii. Foi devido à indispensabilidade de permanência e manutenção dos sinais, com a respetiva visibilidade, que, o Tribunal Recorrido, para prova dos pontos 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 21., 22., 24., 25., 26., 27., 28., 54. a 62 dos Factos Provados, se louvou - e bem! -na diligência judicial de inspeção ao local realizada em 24/01/2023.
ix. Acresce que, através da inspeção ao local, a MM.ª Juíza “a quo”, teve oportunidade, de ”in loco” verificar a factualidade que estava em causa nos Autos, designadamente a factualidade evidenciada na Ata datada de 24/01/2023.
x. Foi também devido à exigência de permanência e manutenção dos sinais, com a respetiva visibilidade, que, o Tribunal Recorrido, para prova dos apontados pontos da matéria de facto, valorou os depoimentos prestados por testemunhas que ainda não eram nascidas na data em que ocorreram as doações de partes do prédio inicial, designadamente os depoimentos prestados pelas testemunhas LJ, MP, OT e NT, bem assim como às declarações de parte do Autor e ora Recorrido, AC.
xi. As supra identificadas testemunhas não eram nascidas na data em que ocorreu a separação do prédio inicial, mas através dos respetivos depoimentos evidenciaram a existência de sinais permanentes e visíveis da existência de servidão ao longo dos anos.
xii. O Tribunal “a quo”, concretizou os sinais visíveis e permanentes que existiam na data da separação dos prédios nos pontos 9., 12., 16., 17., 27., 26., 54., 57., 58., 59., 60., 61, 62. dos Factos Provados constantes da douta Sentença Recorrida;
xiii. E, para além disso Tribunal Recorrido não fez uma errada valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas ML e MC.
xiv. O momento da divisão do prédio inicial, é aferido, e, portanto, provado, com fundamento, nas respetivas Escrituras de Doação datadas de 17/09/1947 e de 26/11/1948 - através das quais os Donatários e primitivos proprietários do prédio inicial FD e MT, doaram, respetivamente, aos seus filhos, AD e JD partes do prédio inicial - e não através de prova testemunhal.
xv. Por outro lado, a testemunha ML, ao invés do que o Recorrente alega, referiu a verdadeira causa da separação do prédio inicial e ainda conseguiu precisar quem eram os Donatários e o que cada um daqueles recebeu, conforme se alcança dos excertos do depoimento por aquela prestado, na sessão de julgamento ocorrida no dia 21/09/2022, com início aos 00:25:53 minutos da gravação e fim aos 00:27:26 minutos, bem assim como aos 00:42:21 minutos da gravação e fim aos 00:43:37 minutos.
xvi. É abusiva a conclusão que o Recorrente pretende extrair do depoimento prestado pela testemunha ML, no dia 21/09/2021, com início aos 38:35 minutos e fim aos 40:30 minutos da gravação.
xvii. A testemunha recorda-se do seu avô e sabe da data em que aquele faleceu porque, o óbito daquele ocorreu no dia em que fez 20 anos de idade, ou seja, no dia 04/02/1952, porém, de acordo com a normalidade das coisas é compreensível que, não saiba, que idade tinha quando o seu avô outorgou as doações que determinaram a separação do prédio inicial.
xviii. Acresce que, o Recorrente deliberadamente omite da sua transcrição que a testemunha ML, antes de dizer a idade que tinha, de forma genuína e expressiva refere “eu sei lá…”, e, após referir que, teria cerca de 20 anos, e, por vislumbrar que poderia estar a fazer mal as contas, refere que, já antes de ter aquela idade, tinham ocorrido as Doações por parte dos seus avós, conforme se alcança da depoimento, no dia 21/09/2022, com início aos 00:40:52 minutos da gravação e fim aos 00:41:26 minutos.
xix. Por outro lado, ao invés do que o Recorrente refere, nenhuma confusão resulta evidenciada do depoimento prestado pela testemunha ML ao minuto 6:23 da gravação.
xx. É ainda falso que, a testemunha MC não tenha conseguido concretizar que a divisão do prédio inicial ocorreu na sequência de doações efetuadas pelos seus avós e primitivos proprietários do prédio inicial, FD e MT, conforme se alcança do teor do depoimento por aquela prestado na sessão de julgamento realizada no dia 19/10/2022, com início aos 00:08:08 minutos da gravação e fim aos 00:09:03 minutos; bem assim como a passagem com início aos 00:09:25 minutos da gravação e fim aos 00:10:28 minutos, e, ainda, na passagem da gravação com início aos 00:55:12 minutos da gravação e fim aos 00:56:48 minutos.
xxi. Impõe-se referir que, tal como resulta da douta Sentença Recorrida, a testemunha ML, na data em que prestou depoimento, tinha 90 anos de idade e a testemunha MC tinha 83 anos de idade, e, portanto, atenta a idade daquelas, é compreensível que, por vezes incorram em imprecisões na utilização dos termos “doar” e “partilhar”.
xxii. A MM.ª Juíza “a quo” incumbida do julgamento dos presentes Autos, ao longo de todo o processo, pautou o seu comportamento pelo estrito respeito por todas as normas legais a que está obrigada, bem assim como pela equidade que tem que assegurar e fazer cumprir, razão pela qual, é infundada e ofensiva a alegação que o Recorrente tece a respeito do comportamento da MM.ª Juíza “a quo”.
xxiii. Os depoimentos prestados pelas testemunhas ML - com início aos 00:33:24 minutos e fim aos 00:37:40 minutos - e MC - com início aos 00:46:49 minutos e fim aos 00:48:54 minutos da gravação - em sede de esclarecimentos solicitados pela MM.ª Juíza “a quo” são válidos.
xxiv. Por outro lado não corresponde à realidade dos factos que, testemunha ML apenas tenha revelado os sinais permanentes e visíveis da servidão, a instâncias da MM.ª Juíza “a quo” e na sequência de questões por aquela colocadas, porquanto a referida testemunha também, a instâncias do Mandatário do Recorrente fez as referidas concretizações, conforme resulta evidenciado do depoimento por aquela prestado, no dia 21/09/2022, nas seguintes passagens da gravação: início aos 00:06:23 minutos da gravação e fim aos 00:07:18 minutos; início aos 00:09:26início aos 00:09:26 minutosminutos da gravação e fim aos 00:16:07 da gravação e fim aos 00:16:07 minutosminutos; início aos 00:17::17:01 minutos da gravação e fim da gravação aos 00:21:59 minutos; início aos 00:22:00 minutos da gravação e fim aos 00:22:48 minutos.
xxv. O mesmo se diga relativamente à testemunha MC, pois, também esta, se referiu e conseguiu concretizar os sinais visíveis e permanentes da existência de uma servidão, quer a instâncias do Tribunal Recorrido, quer quando questionada pelo Mandatário do Recorrente, conforme resulta evidenciado do depoimento por esta prestado na sessão de julgamento do dia 19/10/2021, nas seguintes passagens da gravação: início aos 00:13:44 mi-nutos e fim aos 00:14:11 minutos; com início aos 00:20:38 minutos e fim aos 00:21:13 minutos; início aos 00:33:13 minutos da gravação e fim aos 00:33:13 minutos; início aos 00:37:14 mi-nutos da gravação e fim aos 00:38:27 minutos; início aos 00:40:49 minutos da gravação e fim aos 00:41:09 minutos.
xxvi. É despropositada e falsa a alegação do Recorrente quando refere que: “Também é notória a “ansia” com que as testemunhas antecipavam as respostas nomeadamente à inquirição efetuada pelo Ilustre Mandatário do aqui Recorrido.”
xxvii. Acresce que, o Recorrente omite a indicação precisa do início e termo das concretas passagens da gravação onde supostamente resulta evidenciada a pretensa “ânsia” de resposta das identificadas testemunhas às questões formuladas pelo Mandatário do Recorrente, conforme imposto pelo Art.º 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do C.P.Civil, pelo, este Venerando Tribunal da Relação não se poderá pronunciar quanto à referida alegação.
xxviii. A respeito da pretensa ânsia que o Recorrente aponta às referidas testemunhas, cumpre esclarecer que, a testemunha ML, na data em que ocorreu a respetiva inquirição tinha 90 anos de idade, é prima do Recorrente e do Recorrido e era neta dos primitivos proprietários do prédio inicial.
xxix. Por sua vez, a testemunha MC, é mãe do Recorrido, tia do Recorrente, neta dos primitivos proprietários do prédio inicial e sofre de ansiedade, conforme relato pela própria.
xxx. Pelas referidas razões, é, de acordo com a normalidade das coisas, compreensível que as identificadas testemunhas tivessem nervosas e ansiassem relatar o que sabiam.
xxxi. Acresce que, o anseio de falar das ditas testemunhas, ML e MC, também se verificou relativamente às questões formuladas pelo Mandatário do Recorrido, conforme se, alcança dos depoimentos por aquela prestados.
xxxii. Neste sentido, veja-se, o depoimento prestado pela testemunha ML, na sessão de julgamento realizada no dia 19/10/2022, com início aos 00:49:51 da gravação e fim aos 00:50:13 e ainda aos minutos 00:39:25 da gravação e fim aos 00:40:03, e, relativamente à testemunha MC, veja-se, o depoimento que prestou, na sessão de julgamento realizada no dia 19/10/2022, com início aos 00:51:01 minutos da gravação e fim aos 00:51:53 minutos e ainda ao 00:54:07 minutos de fim aos 00:54:59 minutos da gravação.
xxxiii. Pelo exposto, deverão manter-se inalterados todos os pontos da matéria provada constantes da douta Sentença Recorrida, e, em consequência, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar verificado o segundo requisito necessário ao reconhecimento da existência de uma servidão de passagem por destinação de pai de família.
xxxiv. A douta Sentença Recorrida não viola o disposto no Art.º 1549.º do C.P.Civil, e, por conseguinte, não enferma de qualquer erro na interpretação e aplicação do direito,
xxxv. O teor das Escrituras de Doação outorgadas em 17/09/147 e em 26/11/1948, não permite concluir no sentido que o Recorrente pretende, designadamente que os Doadores e primitivos proprietários do prédio inicial, declararam, opor-se à constituição da servidão em causa nos autos.
xxxvi. Com efeito, conforme resulta da douta Sentença Recorrida “(…) não pode considerar-se como uma declaração relevante, para o efeito em causa, quando se esteja perante uma mera afirmação, vaga, genérica ou tabular do tipo “transmite-se o prédio livre de quaisquer ónus ou encargos”, ou outra semelhante, a menos que do trabalho interpretativo resulte que, com tal declaração, se visou o efeito jurídico de afastar a constituição da servidão em causa.”
xxxvii. As menções constantes das referidas escrituras, apenas se destinavam a esclarecer que, em razão daquela liberalidade, todos os direitos e obrigações emergentes dos prédios doados passariam a ser da responsabilidade do Donatários.
xxxviii. Até porque, como é bom de ver, e, que de resto também é referido na douta Sentença Recorrida “[…] há muito anos que tem sido corrente a oposição nas escrituras de alienação de prédios a menção de livre de ónus ou encargos”.
xxxix. Partilhamos do entendimento que resulta evidenciado na douta Sentença Recorrida quando refere “[…] entendermos ser esta a tese que melhor se ajusta à letra e espírito da lei, quando exige que “salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”, impõe uma declaração expressa à oposição da constituição daquela servidão, também só assim ficam protegidas as expetativas das partes, pois só de uma declaração expressa nesse sentido resulta inequívoco a não constituição da servidão face aos sinais visíveis e permanentes quanto à serventia.”
xl. Neste mesmo sentido, já se pronunciou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no douto Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 4684/17.2T8GMR.G1, datado de 28/11/2019, relatado pela MM.ª Desembargadora, Dra. Margarida Almeida Fernandes, disponível em www.dgsi.pt, quando refere: “A declaração em contrário constante do documento tem que ser expressa, especial, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”.
xli. Este entendimento também consta evidenciado no douto Acórdão, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03/07/2008, no âmbito do processo n.º 08B1265, relatado pelo MM.º Juiz Conselheiro Santos Bernardino, disponível em www.dgsi.pt, que menciona: “A declaração em contrário, constante do documento, há-de ser feita especialmente, de uma forma clara e terminante, não bastando dizer, quando se aliena o prédio serviente, que este se encontra livre de qualquer encargo.”
xlii. Também o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão datado de 01/07/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3216/06.2TJVNF.P1, relatado pela Veneranda Juíza Desembargadora, Dra. Amélia Ameixoeira, já decidiu de igual modo, conforme se expõe: “A declaração em contrário constante do documento há-de ser feita de forma especialmente clara e terminante, não bastando dizer-se que o prédio se encontra livre de qualquer encargo, quando se aliena o prédio serviente.”
xliii. Também este Tribunal, já demonstrou perfilhar do entendimento constante da douta Sentença Recorrida, através do seu douto Acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 463/2002.L2-1, datado de 06/03/2012, relatado pelo MM.º Juiz Desembargador Dr. Rui Vouga, disponível em www.dgsi.pt, quando afirma o seguinte: “O momento determinante para a valoração da existência da declaração oposta à constituição da servidão é o momento da separação dos prédios ou fracções, pois que é nesse momento que se constitui a servidão, sendo assim irrelevantes as declarações posteriores de que o prédio (ou prédios) é (são) transmitido(s) livre(s) de quaisquer ónus ou encargos.”
xliv. É também este o entendimento da maioria da doutrina, designadamente pelo Professor Carlos do Nascimento Gonçalves Rodrigues, no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Suplemento XIII do ano de 1961, página 420, refere expressamente: “A declaração em contrário constante do documento, há-de ser feita especialmente, de uma forma terminante, não bastando dizer que o prédio se encontra livre de qualquer encargo, quando se aliena o prédio serviente.” xlv. No mesmo sentido veja-se ainda os entendimentos dos ilustres Professores, Oliveira Ascensão, in Direito Civil. Reais, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 495 e José C. Vieira, in Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2018, pág. 850.
xlvi. Acresce que, é da Escritura pública de doação, outorgada em 16/11/1948, nos termos da qual os Doadores, FD e mulher, MT, doaram ao seu filho JD, falecido pai do 1.º Réu e ora Recorrente, por conta da legítima, de ½ da adega e ¼ do logradouro, para edificação do prédio inicial, não é feita a menção de que, o prédio é transmitido livre de ónus ou encargos e é apenas é referido que os Donatários e primitivos proprietários do prédio inicial “se demitem de todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição que até agora têm tido no prédio doado e tudo inteira e plenamente cedem e transferem ao donatário seu filho a quem ficam pertencendo os respetivos rendimentos e a obrigação de pagamento das respetivas contribuições e impostos”.
xlvii. E, a única conclusão que se pode extrair da menção aposta na Escritura de Doação datada de 16/11/1948 é a que acima se referiu: todos os todos os direitos e obrigações emergentes dos prédios doados passariam a ser da responsabilidade do Donatário.
xlviii. Nem sequer é pelo facto daquelas menções constarem de escrituras públicas que a conclusão pode ser no sentido pretendido pelo Recorrente, na medida em que aqueles documentos, não são suscetíveis de fazer prova plena dos factos alegados pelas partes, isto é pelos Doadores, FD e mulher, MT, aquando da celebração do documento em causa, conforme resulta do entendimento plasmado no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 8470/15.6T8CBR.C1, datado de 09/01/2019 e disponível em www.dgsi.pt.
xlix. É infundada a consideração que o Recorrente faz a respeito do Tribunal “a quo” alegadamente não ter interpretado as cláusulas insertas nas duas Escrituras de Doação que determinaram a separação do prédio inicial.
l. O Tribunal Recorrido interpretou devidamente os referidos actos de disposição, porém o facto de nas identificadas escrituras de doação constar que as partes dos prédios doadas, se destinavam a ser edificadas pelos Donatários, não tem qualquer relevância.
li. Até porque, para além das referidas edificações terem sido feitas e existir uma servidão, Doadores, FD e mulher, MT, sempre desejaram que o seu agregado familiar utilizasse o caminho em causa.
lii. Acresce que, ainda que, se considerasse que, as menções constantes das Escrituras de Doação que determinaram a divisão do prédio inicial tinham sentido exoneratório da servidão em causa nos presentes Autos, como bem refere a douta Sentença Recorrida, “só poderia ser atribuído valor exoneratório da dita servidão, se tal resultasse do contexto da prova produzida”, o que, não aconteceu!
liii. Pelo contrário, como bem refere o Tribunal Recorrido: “depois da outorga daquelas escrituras, os proprietários e possuidores dos prédios hoje pertença do A., continuaram a utilizar o caminho em causa para aceder aos prédios, convictos que tinham o direito de passagem, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e interrupta, sempre que o A. sempre atravessou o caminho, passando pelos prédios dos RR. para aceder com veículos ou com alfaias agrícolas aos seus prédios, e inclusivamente quando realizou obras no seu prédio por esse caminho passaram os veículos com o material necessário para a realização das obras, assim acedendo diretamente à via pública, nunca tendo sido colocado qualquer obstáculo que impedisse a passagem do A., bem como dos seus familiares, e anteriores proprietários, até Janeiro de 2019, data em que o R. F colocou o portão”.
liv. Mais: conforme também resulta da douta Sentença Recorrida: “O caminho em causa até foi melhorado pelos RR. ET e mulher, após adquirirem o seu prédio, nunca tendo sido colocado qualquer obstáculo à utilização do caminho, e ainda que os RR. tenham colocado, em tempos, um portão no início do caminho, entregaram uma chave aos proprietários dos prédios que hoje pertencem ao R. F e ao A., para que pudessem aceder ao caminho.
Por outro lado, o acesso por veículo, nomeadamente alfaias agrícolas, ao logradouro dos prédios do A., apenas se faz pelo dito caminho, já que do lado da estrada principal não é possível esse acesso, face às características dos acessos e desníveis existentes nos prédios do A. na parte por onde se acede ao logradouro dos prédios para quem se desloca do interior da casa de habitação e adega, como resulta dos factos dados como provados, donde se compreende que após a separação das frações do prédio inicial, e que resultaram nos prédios que hoje pertencem aos RR., se tenha mantido o caminho como acesso à parte do prédio que hoje corresponde aos prédios pertença do A., o que nunca foi contestado pelos RR., ou anteriores proprietários dos seus prédios, até Janeiro de 2019.”
lv. Por outro lado, como bem refere o Tribunal “a quo”: “[…] não se provou nem foi alegado que a utilização do caminho ocorreu por mera tolerância, pelo que, ter-se-á de concluir que as referidas declarações não tiveram o significado de afastar a servidão constituída, tanto mais que, sabendo os anteriores proprietários dos prédios dos RR., aquando da aquisição dos seus prédios, da existência da passagem, poderiam naqueles actos ter feito constar numa declaração inequívoca de que adquiriam na convicção de que havia cessado a passagem, o que não fizeram.”
lvi. Por fim, diga-se, que, é desprovida de qualquer razoabilidade a consideração que o Recorrente tece nas doutas Motivações de Recurso a respeito do depoimento prestado pela testemunha MC no dia 19/10/2022, a partir do minuto 57:12 da gravação, a instâncias do Mandatário dos Réus.
lvii. Por conseguinte, o Tribunal Recorrido decidiu bem ao considerar verificado o terceiro e último requisito necessário ao reconhecimento de uma servidão de passagem por destinação de pai de família, e, em consequência, improcede também a pretensão do Recorrente no sentido da existência de um erro na interpretação a aplicação do direito.
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FUNDAMENTAÇÃO

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Objeto do Recurso

O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
No caso, o recorrido não suscitou qualquer ampliação do objeto do recurso.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- alteração da matéria de facto;
- decidir se as declarações constantes das escrituras que formalizaram a transmissão da propriedade celebradas pelos proprietários do prédio que integrava todos os que aqui estão em causa, na parte relativa à ausência de ónus e encargos, consubstanciam declarações no sentido de exonerar os prédios dos réus da servidão de passagem, constituída por destinação do pai de família.

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Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, sito em …, composto por casa de habitação com r/c, 1º andar e pátio, que confronta a norte com estrada, a sul com rio, a poente com o R. FD e a nascente com o A., que foi desanexado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, freguesia de …, que, por sua vez, foi desanexado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … da freguesia de …, encontra-se inscrito a favor do A. AC.
2. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, sito em …, composto por adega com lagar de prensa, depósitos e logradouro, que confronta a norte com estrada, a sul com rio, a nascente com prédio cujo proprietário não se apurou e a poente com o A., que proveio do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, que, por sua vez, proveio do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … da freguesia de …, encontra-se inscrito a favor do A. AC.
3. O A. adquiriu metade (½) indivisa dos prédios urbanos identificados nos pontos 1. e 2., por escritura de partilha outorgada no dia 08/04/2016, no Cartório Notarial de …, para partilha parcial do património comum do seu falecido pai, FC, e do cônjuge sobrevivo, a sua mãe, AC.
4. A restante metade (½) dos prédios urbanos identificados nos pontos 1. e 2., foi adquirida pelo A., por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de …, em 14/07/2016, a VD, AD e BD.
5. O prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, da freguesia de …, denominado …, inscrito na matriz sob os artigos …, ambos da referida freguesia de …, e, a parte rústica, inscrita na matriz predial rústica sob o nº …, secção 2E da freguesia de …, que confronta a norte com estrada, a sul com rio, a nascente com o A., e a poente com os RR. ET e mulher, e que resultou da anexação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (prédio este que resultou da desanexação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, freguesia de …), e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, freguesia de …, encontra-se registado a favor do R. FD.
6. O R. FD, adquiriu a propriedade do prédio identificado em 5., por partilha de herança aberta por óbito do seu pai, JD, que foi casado, no regime da comunhão geral com PD.
7. O prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, freguesia de …, sito em …, a parte rústica, inscrita na matriz respetiva sob o artigo sob o nº …, secção 2 E da freguesia de …, e a parte urbana, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, e sob o artigo … da freguesia de …, que confronta a norte com estrada, a sul com rio, a nascente com o R. FD, e a poente com MP, inicialmente descrito na Conservatória sob o nº …, da freguesia de …, o qual resultou da desanexação ao artigo … da freguesia de …, encontra-se inscrito a favor dos RR. ET e MM.
8. Os RR. ET e MM, adquiriram o prédio identificado em 7. por compra a JD e LD.
9. O acesso aos prédios urbanos de que o A. é proprietário, identificados em 1. e 2., quer mediante a utilização de veículos, inicialmente através de veículos de tração animal e posteriormente através de veículos a motor, que de pé posto, sempre se fez, há dezenas de anos, por um caminho, correspondente a uma faixa de terreno de terra batida.
10. Atualmente, o referido caminho, correspondente a uma faixa de terra batida, tem início, na estrema do lado norte (junto à estrema poente) do logradouro do prédio pertencente aos RR. ET e MM, identificado em 7., prolonga-se pelo referido prédio por 9,60 m de comprimento, após descreve uma curva à esquerda e prolonga-se por 30,20 m, em direção a nascente, atinge e atravessa todo o logradouro do prédio pertença do R. FD, identificado em 5., prosseguindo no sentido nascente, até atingir o logradouro do prédio urbano pertença do A., identificado em 1..
11. Desde o seu início e até atingir o limite do prédio urbano pertença do A. referido em 1., o caminho tem a largura de 3,30 m.
12. Os RR. ET e MM nunca se opuseram à passagem do A. pelo dito caminho, que atravessa o logradouro do seu prédio, quer de pé posto ou por utilização de qualquer veículo a motor.
13. O referido caminho é constituído por terra batida, compactada por muitos anos de passagem de pessoas e veículos, de todo o tipo, nele não cresce vegetação, estando demarcado com tout-venant.
14. Desde janeiro de 2019, que o R. FD, impede o A. de utilizar o caminho em causa em toda a sua extensão, pois nesse mês, em dia não apurado, o R. FD, colocou, com o consentimento dos RR. ET e MM, e à revelia do A., um portão automático, no local onde o caminho tem início.
15. O R. FD não disponibilizou ao A. um comando eletrónico que permita abrir o dito portão, de modo a poder aceder aos seus prédios referidos em 1. e 2., tendo apenas disponibilizado tal dispositivo aos RR. ET e MM.
16. O caminho referido em 9. sempre foi utilizado pelos anteproprietários e antepossuidores dos prédios pertença do A., referidos em 1 e 2., e, posteriormente, por ele próprio, até janeiro de 2019, para nele passarem a pé e com veículos, inicialmente de tração animal, e depois com veículos de tração mecânica, para acederem aos seus prédios, bem assim como aos respetivos logradouros.
17. O que fizeram convictos de que tinham o direito de passagem, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e ininterrupta.
18. Os prédios do A., do R. FD e dos RR. ET e MM, referidos em 1., 2., 5. e 7., já constituíram, outrora, um único prédio, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, da freguesia de ….
19. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, da freguesia de …, denominado “…”, era constituído inicialmente por casas altas e baixas, quintal em todo o comprimento das mesmas e pátio que serve para o gado e logradouro, e foi pertença de AD e MJ.
20. MJ, viúva de AD, doou o prédio referido em 19. ao seu filho, FD, casado com MT, que o registou a seu favor pela Ap. 1 de 6 de fevereiro de 1904.
21. E foi neste prédio que FD e MT, constituíram a casa de morada de família do casal, e criaram os filhos, entre eles, AD, MD e JD.
22. A casa de morada de família do referido casal, estava localizada naquela que corresponde à atual casa de habitação, de rés-do-chão, primeiro andar e pátio, pertença do A., e que corresponde ao prédio referido em 1..
23. O prédio inicial quando era pertença do referido casal era, também, composto por uma adega que, confrontava a nascente com a dita casa de habitação.
24. Além disso o prédio inicial dispunha, ainda, de outras pequenas construções, destinadas à criação de animais, bem assim como de uma adega com prensa e depósitos, que ficavam localizadas a nascente da casa de habitação.
25. O prédio dispunha de um quintal que se estendia ao longo de todo o comprimento das construções, composto por terreno agrícola, destinado à agricultura e à criação de animais.
26. Quando o prédio tinha esta composição inicial, já existia um caminho que permitia aos seus proprietários e familiares, aceder, quer a pé, quer com veículos de tração animal, às traseiras do prédio.
27. FD e MT, destinavam o logradouro do prédio à agricultura, bem como à criação de animais, e utilizavam o caminho para se deslocarem ao logradouro do prédio onde praticavam agricultura e criavam animais.
28. O prédio referido em 18. sofreu várias desanexações, passando a pertencer a proprietários distintos.
29. Por escritura pública de doação outorgada em 17 de setembro de 1947, FD e MT, doaram a seu filho, AD, por conta da legítima, com reserva de usufruto, ½ da adega e pátio, e ¼ do logradouro, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65.
30. Da referida escritura consta, além do mais, que FD e MT declararam: “(…) Que, sem prejuízo desta reserva, cedem e transferem ao donatário, de hoje para sempre, todo o domínio, direito, acção e posse que até agora lhes pertencia no prédio doado, sobre o qual não pesa hipoteca ou outro qualquer ónus ou encargo (…)” conforme documento de fls. 123 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
31. O prédio resultante da doação referida em 29., desanexado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, foi descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e foi registado a favor de AD pela Ap. 7 de 03/10/1947.
32. AD faleceu em 03/03/1973, no estado de solteiro, sem deixar descendentes ou ascendentes vivos, tendo deixado testamento público, lavrado no dia 09/11/1970, no qual instituiu como seu único e universal herdeiro o seu sobrinho, JD, casado no regime da comunhão geral de bens com LD.
33. Em 09/04/1976, JD e mulher LD, venderam a ET, casado com MM, o prédio referido em 31., e que atualmente encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … e identificado em 7..
34. Por escritura de doação outorgada em 26 de novembro de 1948, FD e MT, doaram a seu filho, JD, por conta da legítima, de ½ da adega e ¼ do logradouro, para edificação, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65.
35. Da referida escritura consta, além do mais, que FD e MT declararam “(…) que se demitem de todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição que até agora teem tido no prédio doado e tudo inteira e plenamente cedem e transferem ao donatário seu filho a quem ficam pertencendo os respectivos rendimentos e a obrigação do pagamento das respectivas contribuições e impostos. (…)”, conforme documento de fls. 116 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
36. O prédio resultante da doação, desanexado do prédio descrito na Conservatória do Regsito Predial de … sob o nº …, foi descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e JD registou o prédio a seu favor pela Ap. 03 de 17/12/1948, e atualmente encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e identificado em 5..
37. Na sequência da partilha por morte de FD, foi adjudicado ao filho deste, MD, uma parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, da freguesia de …, que foi desanexada desse prédio e deu origem ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
38. MD registou o prédio referido em 37. a seu favor pela Ap. 2, de 08/08/1962.
39. Após o óbito de MD, e na sequência da dissolução da comunhão conjugal, o referido prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … da freguesia de …, foi inscrito, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor da viúva daquele, PD e de JA, MD, casada, no regime da comunhão geral com FC, e de LA, pela Ap. 38 03/07/87.
40. Posteriormente, por partilha da herança, o referido prédio descrito sob o nº …, ficou inscrito, a favor de MD e marido FC e de JD, pela Ap. 28 de 1993/07/05.
41. E foi do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, da freguesia de …, que proveio, por desanexação, o prédio que passou a estar descrito sob o nº …, pertença do A. e identificado em 2..
42. Por partilha da herança aberta por óbito de JD, o prédio referido em 41. passou a estar registado a favor dos seus herdeiros: AD, na proporção de ¼, BD, na proporção de 1/8, e VD, na proporção de 1/8, conforme Ap. 2014 de 2014/03/20.
43. Após o óbito de FC, e por partilha da herança, o A. adquiriu 1/2 do prédio, que registou a seu favor pela Ap. 649 de 2016/04/29.
44. Posteriormente o A. adquiriu ainda, por compra, a AD, BD e VD, a restante parte do prédio, que inscreveu a seu favor pela Ap. 1397, de 2016/07/22.
45. Por escritura de habilitação e partilha, por óbito de FD, outorgada em 12/07/1952, foi adjudicada à esposa sobreviva daquele, MT, a casa de habitação de rés-do-chão, 1º andar e quintal, que compunham o prédio descrito sob o nº … (verba e).
46. A parte do prédio adjudicada a MT, referida em 45., foi desanexada do prédio descrito na Conservatória sob o nº …, da freguesia de …, e deu origem à constituição de um novo prédio que passou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº … da freguesia de …, que foi inscrito a favor da referida MT pela Ap. 40 de 1987/07/03.
47. E foi do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, da freguesia de …, que proveio, por desanexação, o prédio que passou a estar descrito sob o nº …, pertença do A. e identificado em 1..
48. O prédio referido em 47. foi adquirido por MD e pela sua mulher PA, por partilha da herança por óbito de MT, e registado a seu favor pela Ap. 41 03/07/87.
49. Após o óbito de MD, e na sequência da dissolução da comunhão conjugal, o referido prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº …, ficou inscrito, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de PA, de MC e marido FC, de JD e de LA, pela Ap. 42 03/07/87.
50. Posteriormente, e na sequência de partilha de herança, o prédio referido em 48., ficou inscrito a favor de MD e marido MC, e de JD, pela Ap. 28 de 93/07/05.
51. Por partilha da herança aberta por óbito de JD, o prédio passou a estar registado a favor dos seus herdeiros: AD, na proporção de ¼, BD, na proporção de 1/8, e VD, na proporção de 1/8, conforme Ap. 2174 de 2014/03/20.
52. Após o óbito de FC, e por partilha da herança, ao A. foi adjudicado 1/2 do prédio, que registou a seu favor pela Ap. 649 de 2016/04/29.
53. Posteriormente o A. adquiriu, por compra a AD, BD e VD, a restante metade do prédio, que inscreveu a seu favor pela Ap. 1397, de 2016/07/22.
54. Aquando da outorga das escrituras referidas em 29. e 34., e desanexações dos prédios delas resultantes, já existia, devidamente demarcado no solo, o caminho suprarreferido, embora um pouco mais estreito, em terra batida, cuja configuração era mais a direito em direção a nascente, e que se manteve após as desanexações, para uso, com passagem pedonal e mediante a utilização de veículos, para acesso aos prédios referidos em 1. e 2., atualmente pertença do A., que se manteve por vontade de FD e MT.
55. Depois da aquisição do prédio referido em 7. pelos RR. ET e mulher, estes alteraram a configuração do caminho, que atualmente, tem a configuração referida em 10..
56. O prédio pertença do R. FD, referido em 5., está delimitado do prédio pertença do A., referido em 1, por um muro, edificado pelo referido R., em data não apurada, que aquando da sua construção deixou uma abertura, com cerca de três (3) metros de largura, coincidente com o local onde o caminho termina e confronta com o prédio do A., para permitir o acesso aos prédios do A. pelo dito dito caminho, através do logradouro dos prédios pertença dos RR. referidos em 5. e 7..
57. Na abertura do muro nunca foi colocado qualquer portão ou qualquer outro obstáculo que impedisse a passagem do A., através do caminho, para aceder aos prédios urbanos de que é proprietário, até novembro de 2021, mês em que o R. FD, tapou a referida abertura edificando uma parede.
58. Até ao referido em 14., nunca os RR. impediram ou criaram qualquer obstáculo que impedisse o A. de aceder aos seus prédios pelo dito caminho.
59. Após a compra do prédio referido em 7., pelos RR. ET e MM, estes construíram um pilar, de cimento, na estrema do seu logradouro, onde se inicia o caminho suprarreferido e lá colocaram um portão, tendo entregue uma chave aos proprietários dos prédios hoje pertença do R. FD e dos prédios hoje pertença do A., para que pudessem aceder ao caminho.
60. Posteriormente, em data não apurada, os RR., ET e MM, retiraram o portão por estar danificado.
61. Desde que os RR. ET e mulher retiraram o portão e até ao referido em 14., nunca existiu qualquer portão colocado a delimitar o acesso ao caminho em causa.
62. Após a aquisição do prédio referido em 1., em data não apurada, mas antes do referido em 14., o A. realizou obras no telhado da casa de habitação e utilizou o caminho para aceder ao seu prédio com os veículos e materiais necessários para o efeito, o que fez sem oposição dos RR..
63. O prédio urbano de que o A. é proprietário e referido em 1., confronta do lado norte com estrada pública e dispõe de duas portas que permitem o acesso direto à estrada por pé posto, com 1,05m e 0,75cm de largura.
64. O prédio urbano de que o A. é proprietário e referido em 2., confronta do lado norte com estrada pública e dispõe de uma porta que permite o acesso direto à estrada, com 2 m de largura, e quando se entra na adega existe um desnível de 30 cm em relação ao pavimento.
65. A estrada pública que confronta a norte com os prédios pertença do A. tem três metros de largura e não tem qualquer passeio.
66. No prédio pertença do A. referido em 1., na parte em que se acede ao logradouro (lado sul), existe um desnível de 1,90m, acedendo-se da casa de habitação para o logradouro através de uma escada em cimento.
67. No prédio pertença do A. referido em 2., na parte em que se acede ao logradouro (lado sul), existe um desnível de 1,40 m, acedendo-se da adega para o logradouro através de uma escada de pedra que se encontra em ruínas.
*
Foi considerado não provado o seguinte facto:
1. Quando o A. fez as obras referidas em 62. dos factos provados, o R. FD propôs-lhe a alteração, por acordo, da localização da posição serventia, orientando-a mais para sul, e, a partir do segundo prumo (a sul) para uma largura igual à que disponha.

Fundamentação jurídica

Da alteração da matéria de facto

A primeira questão a apreciar é a alteração da matéria de facto que os recorrentes pretendem – e que respeita aos factos elencados supra sob os nºs 26 e 54 - e que fundamentaram resumidamente da seguinte forma:
Y) - Não foi apresentada qualquer prova documental que demonstre a existência de sinais visíveis e permanente da existência de uma serventia à data da separação dos prédios.
Z) - A prova testemunhal apresentada pelo Recorrido, a quem cabia o ónus da prova, e considerando sobretudo o depoimento das duas testemunhas ainda crianças à data das doações, não demonstram inequivocamente quais os sinais visíveis e permanente no solo que indiciassem haver uma serventia, tais depoimentos refletem situações posteriores à divisão do prédio e as restantes testemunhas ainda não eram nascidas em 1947 e 1948, e portanto desconhecem de facto a existência de sinais visíveis e permanentes na data da divisão.
AA) – Sem prejuízo de entendimento contrário, não poderia o Tribunal a quo dar como provados os pontos 26 e 54, nem tão pouco fundamentar como fez, entendendo estar verificado o segundo requisito necessário para o reconhecimento da existência de uma servidão por destinação de pai de família, devendo este Venerando Tribunal, após a reapreciação dos depoimentos gravados das testemunhas ML e MC, concluir que não se encontra demonstrada cabalmente a existência de sinais visíveis e permanente de uma serventia posta de um lado para o outro dos prédios divididos à data da sua separação”.
Tais factos são os seguintes:
26. Quando o prédio tinha esta composição inicial, já existia um caminho que permitia aos seus proprietários e familiares, aceder, quer a pé, quer com veículos de tração animal, às traseiras do prédio.
54. Aquando da outorga das escrituras referidas em 29. e 34., e desanexações dos prédios delas resultantes, já existia, devidamente demarcado no solo, o caminho suprarreferido, embora um pouco mais estreito, em terra batida, cuja configuração era mais a direito em direção a nascente, e que se manteve após as desanexações, para uso, com passagem pedonal e mediante a utilização de veículos, para acesso aos prédios referidos em 1. e 2., atualmente pertença do A., que se manteve por vontade de FD e MT.
Verifica-se que os recorrentes cumpriram os ónus formais relativos à validade da impugnação da matéria de facto que decorrem do artº 640º do CPC, pelo que incumbe a este tribunal de recurso apreciar dessa pretendida impugnação.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a prova dos mencionados factos:
Quanto aos factos que constam dos pontos 9., 10., 11. 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 54. a 62. resultaram da conjugação dos documentos juntos aos autos com os dos depoimentos das testemunhas …, e das declarações de parte do A. AC, em conjugação com o auto de inspeção ao local realizada pelo tribunal.
A testemunha ML, prima do A. e do R. FD, nascida em …, referiu que sempre residiu na …, que conhece os prédios em causa nos autos, confrontada com o documento de fls. 31 identificou os prédios pertença do A. e dos RR., e que a casa de habitação que hoje pertence ao A. (prédio identificado no ponto 1. dos factos provados), era a casa de habitação da sua avó MT, e que se deslocava à casa da avó utilizando, quer o caminho em causa nos autos, quer a porta principal situada na frente da casa, e que o caminho em causa já existia, sempre existiu, referindo que existia um portão em madeira para se aceder ao caminho, que não tinha chave, e circulava-se livremente pelo caminho, e depois o portão estragou-se, e apenas foi colocado outro portão no acesso da via pública ao caminho quando os RR. ET e mulher adquiriram o prédio que atualmente lhes pertence e colocaram um portão, que tinha uma chave que foi facultada a todos os que ali moravam, e que também acabou por se estragar, e há cerca de três anos foi colocado um portão automático no início do caminho, pelo R. F.
Mais referiu que conviveu com todos naquele local, e o avô, FD, sempre quis que todos passassem no caminho, pois o prédio era um prédio único que pertencia ao seu avô e foi dividido entre três dos seus filhos.
Referiu ainda que quando os prédios formavam um único prédio, pertença do seu avô (antes das desanexações), este tinha diversos animais e praticava agricultura no logradouro do prédio, tinha árvores de fruto e videiras, e o caminho já existia, situando-se um pouco mais acima, devidamente demarcado no solo, em terra batida compactada, sem vegetação, e era utilizado pelo avô FD (que faleceu quando a testemunha tinha 20 anos de idade), pois não havia outra passagem para aceder a todo o prédio para o exercício da agricultura, e depois das desanexações foram feitas as casas e o caminho continuou sempre a ser utilizado por todos.
Referiu também que quando era criança brincava na parte de trás das casas que existiam no prédio, havia uma adega, e era na casa de habitação (que agora pertence ao A.), que viviam os avós e filhos, entre eles, a sua mãe, e que a casa de habitação chegou a estar arrendada e os arrendatários passavam no caminho com o veículo que possuíam e estacionavam na parte de trás da casa de habitação, e que o A. também utilizava o caminho desde criança, e quando adquiriu o prédio, fez obras no telhado da casa de habitação e utilizou o caminho para passar.
A testemunha MC, mãe do A., nascida no ano de 1939, prima do R. F, cujos pais eram irmãos, referiu ser neta de FD e MT, e filha de MD, e que os prédios em causa nos autos pertenceram aos seus avós, outrora formaram um único prédio, que depois foi dividido na sequência das doações feitas pelo avô aos filhos. Mencionou que viveu na casa do pai até ao ano de 1958, ano em que casou, e depois de casada continuou a deslocar-se à casa do pai aos fins de semana, para dar assistência à mãe que faleceu no ano de 1992, e depois do marido e da sua mãe falecerem, aquele no ano de 1994, deslocava-se ao prédio para receber as rendas, pois o prédio que corresponde à casa de habitação e que hoje pertence ao filho (o A.) foi arrendado, e que desde pequena brincava ali, deslocava-se à casa da avó, e entrava no prédio quer utilizando o caminho, que na altura era mais estreito, existindo um portão no início do caminho, quer pela rua principal.
Referiu que um dos rendeiros da casa tinha um veículo e utilizava o caminho, e desde que era criança que o caminho existia e sempre foi utilizado para aceder aos prédios que hoje pertencem ao seu filho, e que atualmente existe um portão no início do caminho que impede o acesso ao caminho pelo A., e que os seus avós (FD e MT), cultivavam todo o logradouro do prédio, entravam pelo portão que dava acesso ao caminho, inclusivamente com máquinas agrícolas, que sempre existiu e já existia antes da construção das demais casas de habitação (além da casa habitada pelos avós), e chegou a existir um portão em madeira por onde todos entravam que não tinha chave, e quando os 2ºs RR. adquiriram o prédio colocaram outro portão e entregaram uma chave à mãe da testemunha.
Esclareceu que o caminho inicialmente era mais a direito em direção a nascente e agora faz uma curva maior, o que sucedeu por ação dos 2ºs RR. quando adquiriram o prédio, e que os sucessivos proprietários sempre utilizaram o caminho, incluindo os rendeiros, sem oposição de ninguém, inclusivamente o A., que após a aquisição dos prédios, fez obras no prédio onde existe a casa de habitação, e utilizou o caminho para a descarga de material no prédio.
A testemunha LJ, irmã do A., e prima do R. F, referiu que conhece os prédios em causa nos autos, nasceu no ano de 1958, desde criança que se deslocava à casa dos avós, e que a casa habitada pelos bisavós era a casa mais antiga e que hoje é a casa de habitação que pertence ao A., seu irmão, e quando a casa pertencia aos avós sempre passou pelo caminho em causa para aceder a essa casa de veículo, e mesmo depois do falecimento dos avós entravam pelo caminho para se deslocar à casa para receber as rendas, já que estava arrendada, descreveu o caminho, e que o irmão também utilizava o caminho, inclusivamente quando fez obras e por lá passou para colocar os materiais. Mencionou que para se aceder aos prédios do A. passava-se pelo caminho com alfaias agrícolas, já que inexiste qualquer outra entrada para esses veículos, face aos acessos aos prédios do A. pela estrada principal e desnível existente nas traseiras dos prédios que impossibilita que se aceda de veículo, por esse lado, aos logradouros dos prédios.
A testemunha MP, vizinha dos RR., residente no prédio que se situa a poente do prédio pertença dos RR. ET e mulher, que com aquele confina desse lado, esclareceu o tribunal quanto à localização dos prédios do A. e dos RR., e referiu que existe um caminho de terra batida que confronta com o seu prédio, esse caminho sempre existiu, e já ali habita há 58 anos, chegou a ver o A. ali passar de carro para aceder ao seu prédio e um senhor para lavrar o terreno, que chegou a existir um portão no início do caminho que necessitava de chave para se abrir, que depois se estragou e ficou sem portão, e há cerca de 3 anos foi colocado um portão automático que só abre com um comando, e quem possui o comando para o efeito são os RR..
Referiu que o caminho, devidamente demarcado no terreno, termina no local onde se inicia o prédio do A., onde até há pouco tempo existia uma abertura no muro que o delimita do prédio do R. F, e que foi fechada há pouco tempo.
As testemunhas, OT e NT, filhos dos RR. ET e MM, esclareceram o tribunal acerca do caminho que existe e atravessa o prédio dos pais, que foi melhorado pelos pais, conforme referiu a testemunha O, que também esclareceu o tribunal quanto aos portões colocados no início do caminho, este último colocado pelo R. F, com o consentimento dos demais RR..
O A. AC, em sede de declarações de parte, esclareceu o tribunal quanto às características dos acessos aos seus prédios através da rua principal e desnível que existe nas traseiras dos prédios para acesso ao logradouro dos mesmos, e que desde sempre os pais e avós utilizavam o caminho que atravessa o prédio dos RR. para acesso de veículo aos prédios que hoje lhe pertencem, e que ele também ali passa desde criança quando ia à casa dos avós, o mesmo sucedendo com os inquilinos da casa de habitação que chegou a estar arrendada, tendo mencionado as características do caminho, e que esse caminho já existia quando os prédios do A. e dos RR. formavam um único prédio, que pertenceu ao seu bisavô, e que foi objeto de desanexações, e manteve-se sempre o caminho para ser utlizado pelos proprietários, sem oposição de ninguém, que inicialmente tinha outra dimensão (mais pequeno) e configuração, e foi sendo melhorado ao longo dos tempos.
Referiu que em determinadas alturas foram colocados portões no início do caminho, inclusivamente pelo R. ET, que entregou uma chave a cada um dos residentes nos demais prédios, e quando esse portão se deteriorou não foi colocado mais nenhum, até janeiro de 2019, data em que o R. F colocou um portão automático no início do caminho e não facultou o comando ao A., e que até então nunca ninguém criou qualquer obstáculo ou impediu que utilizasse o caminho. Mencionou ainda que o R. F há uns anos edificou um muro para delimitar o seu prédio do prédio do A. (correspondente à casa de habitação e logradouro), e deixou uma abertura de cerca 3 metros para que o A. acedesse aos prédios, abertura essa, que fechou já no decurso da presente ação.
Mais referiu que antes de adquirir os prédios deslocava-se aos prédios com a sua mãe, e tinham inquilinos que parqueavam os veículos no logradouro, que inclusivamente pediram à mãe do A. para fazer uma garagem, e utilizavam o caminho, assim como o arrendatário da adega, que a utilizava para arrumos.
Quanto aos factos vertidos nos pontos 29. a 53., resultaram da documentação junta aos autos, nomeadamente, documentos da Conservatória do Registo Predial e escrituras públicas juntas aos autos, cuja análise permitiu concluir tais factos.
Quanto aos factos vertidos nos pontos 63. a 67., resultaram da inspeção judicial ao local, conforme auto junto aos autos, e dos depoimentos das testemunhas …e das declarações de parte do A., que esclareceram o tribunal acerca dos acessos aos prédios do A., na parte m que confina com a Rua …, e desnível existente nas traseiras dos prédios, do lado sul, para acesso aos logradouros dos prédios, o que o tribunal também constatou na inspeção ao local, conforme costa do auto de inspeção junto aos autos.
Os depoimentos das testemunhas, na parte suprarreferida e valorada pelo tribunal, mereceram a credibilidade do tribunal, as testemunhas depuseram sobre os factos que tiveram conhecimento, de forma isenta e espontânea, sem contradições, os depoimentos foram coincidentes, as testemunhas demonstraram a sua razão de ciência, o tribunal não teve razões para delas duvidar.
Quanto às declarações de parte do A., também mereceram credibilidade, na medida em que foram, no essencial, confirmadas pelos depoimentos das testemunhas e documentação junta aos autos.
O tribunal baseou-se ainda na análise da documentação junta aos autos, nomeadamente, documentos da Conservatória do Registo Predial, certidões e cópias simples, cadernetas prediais, escrituras públicas e fotografias, tudo conjugado com os depoimentos das testemunhas acima referidas e declarações de parte do A., o tribunal baseou-se ainda na inspeção ao local”.
Como resulta das conclusões do recurso, bem como das alegações, os recorrentes baseiam a pretensão modificativa dos factos em causa – que entendem devem ser considerados não provados – na circunstância de entenderem que a prova produzida não é suficiente para que se considerem provados os factos descritos sob os nºs 26 e 54, pretendendo, especificamente, que se desvalorizem os depoimentos prestados pelas testemunhas ML e MC, os quais, para a factualidade em questão, foram determinantes pois eram as únicas testemunhas que terão vivenciado os factos relativos à existência do caminho em apreço antes da separação dos prédios, ou seja, antes das escrituras de 1947 e 1948.
Temos desde logo que os recorrentes assumem que nenhuma prova foi produzida no sentido de o caminho em questão não existir antes daquelas escrituras. Valendo-se do princípio do ónus da prova, que no caso incumbe ao autor, pretendem apenas que se descredibilize a prova que foi por este produzida e à qual o tribunal atendeu considerando provada a realidade descrita sob os nºs 26 e 54.
Ouvidos os depoimentos das duas testemunhas, temos que, da forma como foram prestados não resulta, de todo, qualquer tipo de dúvida quanto à respetiva credibilidade e sinceridade. Não se limitaram a responder “sim” ou “não” às perguntas que foram feitas, acrescentando pormenores relevantes, como a forma do caminho, por onde ele passava, como eram as casas a que davam acesso, explicando de forma clara as diferenças entre o caminho como existia no início e como está agora, referindo as várias alterações que foi tendo ao longo dos tempos. Quanto à altura desde quando o caminho existe, a testemunha ML, que tinha 90 anos à data da inquirição (21.09.2022), referiu expressamente que ele existe desde que se lembra, tendo usado a expressão “desde que sou pessoa”. Também a testemunha MC, que tinha 83 anos à data da inquirição (19.10.2022), disse que o caminho existe desde que se lembra. Falaram ambas com extrema naturalidade e clareza, não se denotando qualquer tipo de hesitação naquilo que diziam. E não falavam só do caminho, mas também de outros pormenores relativos às casas e às pessoas que as habitavam ou utilizavam. E, ao contrário daquilo que o recorrente veio sugerir, não se denotou, de todo, qualquer tipo de incorreção por parte da Mmª Senhora Juíza no interrogatório que levou a efeito às testemunhas, nomeadamente de induzir, pela forma como formulava a pergunta, a resposta que foi dada pelas testemunhas. Interrogou as testemunhas de forma adequada, tendo em atenção que se tratavam de pessoas de idade avançada. É por isso completamente infundado e gratuito o afirmado na conclusão T), onde os recorrentes alegam que “As declarações que as testemunhas ML e MC fazem dos sinais visíveis e permanente da serventia que eventualmente existiria à data da separação dos prédios, resultam apenas do modo como as perguntas e esclarecimentos que a Meritíssima Juíza a quo, efetuou às duas referidas testemunhas, pois esta não se limita a perguntar qual ou quais as características da eventual serventia, preferindo descrever as características que uma servidão aparente reveste nos termos legais, conforme se pode aferir a partir do minuto 33:24 até 38:10, quanto à testemunha ML e entre o minuto 46:50 e 49:40, quanto à testemunha MC”. As características do caminho, para além de terem sido devidamente explicados com pormenores que foram acrescentados pelas testemunhas, não resultou de forma alguma da maneira como a inquirição foi conduzida. Aliás, as testemunhas até acrescentavam pormenores mesmo sem que qualquer pergunta lhes tivesse sido feita. Acresce que não existiram contradições entre os depoimentos dessas testemunhas. E o facto de terem dito que tinham ideia que a separação dos prédios ocorreu após a morte de JD em nada tolhe com o que disseram pois é perfeitamente natural (o contrário é que seria estranho) que apenas se apercebessem da alteração da realidade exterior, que era aquela que percecionavam, desconhecendo os negócios jurídicos que os seus avós faziam.
Assim, em face da audição dos referidos depoimentos, só nos resta aderir aquilo que consta da fundamentação da sentença quanto à matéria de facto, em especial na parte em que se refere expressamente aos depoimentos daquelas testemunhas, improcedendo por isso na íntegra a pretensão modificativa dos recorrentes quanto à matéria de facto.
Vejamos agora a outra questão suscitada pelos recorrentes, cuja apreciação se impõe em virtude da improcedência da pretendida alteração da matéria de facto.
Os recorrentes dizem que a constituição de servidão por destinação do pai de família, prevista no artº 1549.º do CCivil, pressupõe o concurso de três requisitos cumulativos: que os dois prédios ou as duas frações do mesmo prédio tenham pertencido ao último dono, que os separou; que haja uma relação estável de serventia de um prédio ao outro ou de uma fração a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes - destinação; e que na separação dos prédios ou frações em relação ao domínio - separação jurídica - a inexistência de qualquer declaração, no respetivo documento, contrária à destinação. Entendem, ao contrário do que foi o entendimento do tribunal a quo, que este último requisito não se verifica, atento o teor das escrituras celebradas em 17 de setembro de 1947 e em 26 de novembro de 1948.
Quanto à verificação dos requisitos para a constituição de servidão por destinação do pai de família, a decisão recorrida fundamentou tal desiderato da seguinte forma:
Quanto ao terceiro requisito, verifica-se que em 1947, por escritura de doação, foi desanexado do prédio inicial o prédio hoje pertença dos RR. ET e mulher, e em 1948, por escritura de doação, foi desanexado do prédio inicial o prédio hoje pertença do R. F, ocorrendo assim a separação jurídica das frações do prédio inicial que serviam a parte do prédio inicial (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …), e que hoje corresponde aos prédios pertença do A., referidos em 1. e 2. dos factos provados.
Já quanto à inexistência de qualquer declaração, nos respetivos documentos, contrária à destinação, resultou provado que, por escritura pública de doação outorgada em 17 de setembro de 1947, FD e mulher MT, doaram a seu filho, AD, por conta da legítima, com reserva de usufruto, ½ da adega e pátio, e ¼ do logradouro, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65, e da referida escritura consta, além do mais, que FD e mulher MT declararam: “(…) Que, sem prejuízo desta reserva, cedem e transferem ao donatário ,de hoje para sempre, todo o domínio, direito, acção e posse que até agora lhes pertencia no prédio doado, sobre o qual não pesa hipoteca ou outro qualquer ónus ou encargo (…)”, e por escritura de doação outorgada em 26 de novembro de 1948, FD e mulher MT, doaram a seu filho, JD, por conta da legítima, de ½ da adega e ¼ do logradouro, para edificação, do prédio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, do livro B-65, e da referida escritura consta, além do mais, que FD e mulher MT declararam “(…) que se demitem de todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição que até agora teem tido no prédio doado e tudo inteira e plenamente cedem e transferem ao donatário seu filho a quem ficam pertencendo os respectivos rendimentos e a obrigação do pagamento das respectivas contribuições e impostos. (…)”.
Importa referir, desde já, que entendemos que não pode considerar-se como uma declaração relevante, para o efeito em causa, quando se esteja perante uma mera afirmação vaga, genérica ou tabular do tipo “transmite-se o prédio livre de quaisquer ónus ou encargos”, ou outra semelhante, a menos que do trabalho interpretativo resulte que, com tal declaração, se visou o efeito jurídico de afastar a constituição da servidão em causa.
No caso em apreço existe uma declaração deste tipo, a efetuada na escritura outorgada em 1947, onde se faz menção que sobre o prédio não pesa qualquer hipoteca ou outro ónus ou encargo, sendo que na escritura outorgada em 1948, inexiste tal menção ou qualquer outra semelhante, referindo-se, tão só, os donatários que se demitem do domínio, posse e usufruição do prédio e que o cedem ao donatário a quem passam a pertencer os rendimentos e obrigações respetivas, o que não releva para este efeito.
Ora, tal declaração (aposta da escritura outorgada em 1947), trata-se de uma mera declaração genérica, por isso, inidónea, por si só, para afastar a constituição da servidão em causa, na verdade, há muitos anos que tem sido corrente a aposição nas escrituras de alienação de prédios a menção de “livre de ónus ou encargos”.
Diferente seria o caso se tivesse existido uma declaração específica quanto à parte do prédio utilizada como serventia, afastando a prestação de utilidade de uma das frações do prédio para a outra até então existente.
Entendemos, pois, que a declaração em contrário à constituição da servidão tem de ser expressa, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”, veja-se neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2003, de 03/07/2008, do Tribunal da Relação do Porto de 21/04/2005, 01/07/2010, do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2012, e mais recente do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/11/2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Embora não desconheçamos entendimento diverso, no sentido de que basta a declaração genérica para afastar a constituição da servidão, discordamos de tal entendimento, não basta, pois, a aposição da menção “livre de ónus ou encargos”, que se trata de uma enunciação genérica, uma cláusula geral que, só por si, não tem a virtualidade de afastar a constituição da servidão, como já supra referimos.
Na verdade, entendemos ser esta a tese que melhor se ajusta à letra e espírito da lei, quando a lei exige que “salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”, impõe uma declaração expressa à oposição da constituição daquela servidão, também só assim ficam protegidas as expectativas das partes, pois só de uma declaração expressa nesse sentido resulta inequívoco a não constituição da servidão face aos sinais visíveis e permanentes quanto à serventia.
Ainda que assim não se entendesse, só poderia ser atribuído à referida declaração o sentido exoneratório da servidão, se tal resultasse do contexto em que a mesma foi produzida.
Ora, não é isso que se verifica no caso em apreço, antes pelo contrário, pois depois da outorga daquelas escrituras, os proprietários e possuidores dos prédios hoje pertença do A., continuaram a utilizar o caminho em causa para aceder aos prédios, convictos de que tinham o direito de passagem, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e ininterrupta, sendo que o A. sempre atravessou o caminho, passando pelos prédios dos RR., para aceder com veículos ou com alfaias agrícolas aos seus prédios, e inclusivamente quando realizou obras no seu prédio por esse caminho passaram os veículos com o material necessário para a realização das obras, assim acedendo diretamente à via pública, nunca tendo sido colocado qualquer outro obstáculo que impedisse a passagem do A., bem como dos seus familiares, e anteriores proprietários, até janeiro de 2019, data em que o R. F colocou o portão.
Ademais, o caminho em causa, até foi melhorado pelos RR. ET e mulher após adquirem o seu prédio, nunca tendo sido colocado qualquer obstáculo à utilização do caminho, e ainda que os RR. tenham colocado, em tempos, um portão no início do caminho, entregaram uma chave aos proprietários dos prédios que hoje pertencem ao R. F e ao A., para que pudessem aceder ao caminho.
Por outro lado, o acesso por veículo, nomeadamente alfaias agrícolas, ao logradouro dos prédios do A., apenas se faz pelo dito caminho, já que do lado da estrada principal não é possível esse acesso, face às características dos acessos e desníveis existentes nos prédios do A. na parte por onde se acede ao logradouro dos prédios para quem se desloca do interior da casa de habitação e adega, como resulta dos factos dados como provados, donde se compreende que após a separação das frações do prédio inicial, e que resultaram nos prédios que hoje pertencem aos RR., se tenha mantido o caminho como acesso à parte do prédio que hoje corresponde aos prédios pertença do A., o que nunca foi contestado pelos RR., ou anteriores proprietários dos seus prédios, até janeiro de 2019.
Acresce que, não se provou nem foi alegado, que a utilização do caminho ocorreu por mera tolerância, pelo que, ter-se-á de concluir que as referidas declarações não tiveram o significado de afastar a servidão constituída, tanto mais que, sabendo os anteriores proprietários dos prédios dos RR., aquando da aquisição dos seus prédios, da existência da passagem, poderiam naqueles atos ter feito constar uma declaração inequívoca de que adquiriam na convicção de que havia cessado a passagem, o que não fizeram”.
Como se constata, o tribunal a quo fundamentou proficuamente o seu entendimento quanto à verificação do requisito em questão. Concordamos na íntegra com o que foi afirmado. Efetivamente a expressão genérica relativa à transmissão da propriedade “livre de ónus e encargos” ou outra semelhante, não basta, por si só, para se considerar que existe vontade por parte do transmitente de fazer cessar este tipo de servidão. Tem de haver uma vontade expressa nesse sentido, manifestada no título de transmissão, ou então, havendo a tal expressão genérica, que seja produzida prova no sentido de o transmitente, ao declarar o que declarou, não pretender a existência da servidão. No caso não há qualquer prova nesse sentido e, ademais, nem sequer há razões para que o transmitente quisesse opor-se à constituição da servidão, na medida em que o prédio original foi dividido pelos filhos de FD e mulher MT, por via das doações que fizeram. E, como se afirma na sentença, depois da transmissão e até depois da morte dos donatários, a servidão continuou a existir nos mesmos moldes, tendo até sido melhorada pelos donos dos prédios servientes, que nunca colocaram entraves ao seu uso pelo autor, até à situação que originou este litígio.
Aderimos por isso, no que a este aspeto concerne, ao entendimento do tribunal a quo constante da decisão recorrida, bem como aos fundamentos que o recorrido aduziu em sede de contra-alegações, ambos sustentados em doutrina e jurisprudência com a qual concordamos.
Improcedendo os dois fundamentos invocados pelos recorrentes, improcede in totum o recurso.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (artº 527º/1 e 2 do CPC).

TRLx, 04abr2024,
Jorge Almeida Esteves
Vera Antunes
Maria de Deus Correia
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[1] O autor faz uma repetição totalmente inútil na parte relativa ao pedido subsidiário, pois repete tudo o que referiu no pedido principal quando a parte relativamente à qual existe subsidiariedade é só na questão da retirada do portão vs. entrega de dispositivo que permita a abertura do portão.