Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1251/22.2SGLSB.L1-5
Relator: RUI COELHO
Descritores: ILICITUDE ELEVADA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator)
A Arguida que, no interior de uma discoteca, após um empurrão, desfere uma cabeçada na boca da vítima, abandonando de imediato o local em direcção ao exterior, evidencia, pela intensidade da sua reacção, uma ilicitude elevada.
Quando, num segundo momento, a Arguida empunha uma arma de fogo, dispara uma vez sobre a vítima e ainda se move em sua perseguição quando ela tenta fugir, disparando por mais duas vezes, insensível ao risco de tal comportamento que só parou pois a arma deixou de funcionar, tal conduta é reveladora da elevada ilicitude exibida, da indiferença da Arguida às regras que se lhe impunham e da forma pró-activa e intensa como as quis violar.
A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa, devendo por isso ser devidamente fundamentada pelo Tribunal. A formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então, e perspectivar a sua evolução para o futuro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Central Criminal – J4 - do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decidem:
a) Absolver a arguida AA da prática de 1 (um) crime de homicídio simples, na forma tentada, cometido com arma, previsto e punido, conjugadamente, pelos Arts.° 131.°, 22.° 23.° e 73.°, todos do Código Penal e Art.° 86.°, n.° 4, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, Lei n.° 5/2006, de 23/02, pelo qual se encontra acusada, em autoria material, e em concurso real e efectivo (referente à pessoa de BB);
b) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, de 1 (um) crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido, conjugadamente, pelos Arts.° 131.°, 22.° 23.° e 73.°, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido CC, na pena de 4 (quatro anos de prisão:
c) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo Art.° 86.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23/02, na pena de 2 (doisl anos e 6 (seisl meses de prisão;
d) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 143.°, n.° 1, do Código Penal, na pessoa do ofendido CC, na pena de 1 (um) ano de prisão:
e) Condenar a arguida AA pela prática dos três crimes acima descritos, na [p]ena única de 5 (cinco) anos de prisão efectiva:
f) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 86.°, n.° 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão:
g) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de favorecimento pessoal, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.° 261°, n.° 1, 22°, 23° e 73.°, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão: 
h) Condenar o arguido DD pela prática dos dois crimes acima descritos, na pena única de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução nor igual neriodo de tempo, nos termos do Art.° 50.°, n.° 1 e n.° 5. do Código Penal, sujeita a regime de prova, com elaboração de um plano de reinserção social, sob a fiscalização e supervisão da D.G.R.S.P., nos termos dos Arts.° 53,° e 54.“, ambos do Código Penal;
i) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, nos demais encargos e nos honorários devidos pela sua defesa oficiosa, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, por cada um deles (cfr. Arts.0 513.° e 514.°, ambos do Código de Processo Penal e Art.° 8.°, do Regulamento das Custas Processuais);
j) Declarar perdidas a favor do Estado as 2 (duas) munições, as 3 (três) cápsulas deflagradas e a arma de fogo (pistola), apreendidas nos autos, dada a sua detenção ilícita, bem como em face do seu relacionamento com a prática dos crimes pelos quais os arguidos vão condenados, e determina-se, após trânsito em julgado, a sua entrega à Polícia de Segurança Pública, a quem compete promover o devido destino, nos termos do Art.° 78.°, da Lei n.° 5/2006, de 23/02;
k) Declarar perdido a favor do Estado o material sujeito a exame pericial, e após, trânsito, determinar a sua integral destruição, nos termos do Art.° 109.°, n.° 4, do Código Penal;
l) Determinar ao abrigo do disposto no n.° 2 do Art.° 8.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de vestígios biológicos destinados a análise de ADN à arguida AA, com os propósitos referidos no n.° 3 do Art.° 18.°, do mesmo diploma legal, caso não conste ainda o seu perfil da base de dados;
m) Julgar o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante cível “...” totalmente procedente, por provado, e consequentemente, condenar a arguida e demandada AA ao pagamento da quantia global de € 112,07 (cento e doze euros e sete cêntimos), por conta da assistência hospitalar prestada a CC, a que acrescem os competentes juros de mora legais vencidos, a contar desde a data da notificação da arguida para contestar, e os vincendos até integral e efectivo pagamento; 
n) Custas cíveis a cargo da demandada/arguida (cfr. Art.° 527.°, do Código de Processo Civil).»
- do recurso -
Inconformada, recorreu a Arguida AA formulando as seguintes conclusões:
«1ª – A recorrente considera que, tendo o Tribunal “a quo” optado pela aplicada de uma de 5 anos de prisão efetiva (em cúmulo jurídico) não é adequada;
2ª –Na verdade a recorrente contribuiu decisivamente para o apuramento da descoberta da verdade;
3.ª- Prestou declarações desde o início, ou seja, logo no 1.º interrogatório judicial e depois em sede de audiência, discussão e julgamento;
4ª ‐ Sendo esta a pena concreta a aplicar, ou ainda que assim se não entenda o que se admite embora sem conceder, consideramos que a mesma deveria, sempre, ser suspensa na respetiva execução e não efetiva;
5ª ‐ Na verdade os argumentos aduzidos pelo tribunal “a quo” em abono da efetividade de tal pena não colhem, colidem, frontalmente, pelo menos, com a letra e o espírito do art.º 27 n.º 1, 1ª parte, da CRP, que consagra, como regra, o direito à liberdade.
6ª ‐ Direito esse, que é violado, entendendo‐se que, para determinado tipo de crimes, a regra é a prisão, por outro, colide igualmente com o nº 1 do art.º 13º da CRP, ao estabelecer uma discriminação negativa dos cidadãos condenados pela prática dos crimes de que a arguida vem condenada, relativamente aos condenados por outro tipo de crimes, em penas até 5 anos.
7ª ‐ Em segundo lugar porque “in casu” pese embora estejamos ante a prática de crimes com gravidade, as razões ponderosas que se verificam, e justificam a suspensão residem desde logo na provada e decisiva colaboração da recorrente para o apuramento e descoberta da verdade;
8ª ‐ Facto que não poderá apenas relevar na medida concreta da pena através da sua redução, mas também na sua suspensão;
9ª – No caso concreto desta arguida não se pode olvidar que:
a)Assumiu, no essencial, a prática dos factos;
b)Colaborou ativa e decisivamente com as autoridades;
c)O que denota alguma capacidade crítica e consciência dos normativos sociais violados;
d)Não tem quaisquer antecedentes criminais;
e)Está inserida social e familiarmente, contando com o apoio da família;
f)Encontra-se a frequentar um curso on line, o qual também pode ser presencial;
g)Já cumpriu alguns meses, a título de prisão preventiva .
10ª ‐ Tudo ponderado, entendemos que é ainda possível formar um juízo de prognose favorável, e concluir que, mantendo‐se em liberdade, não voltará a delinquir, tanto mais que estamos ante a prática de um ato ocasional.
11ª –Acresce que em matéria de fins das penas, o acento tónico terá que ser colocado na prevenção especial positiva ou de ressocialização devendo a pena espelhar a vertente ressocializadora, subjacente à respetiva aplicação.
12ª ‐ Tudo ponderado, à luz e atentos os critérios ínsitos no art.ºs 50º, do CP, deverá determinar‐se a suspensão da execução da pena, a aplicar à ora recorrente, após o abaixamento pelo qual pugnamos na al. A) da presente motivação, ou mesmo mantendo‐se a pena aplicada, por período igual à mesma (art.º 50º/5 do CP), cumulada com:
a) Regime de prova, nos termos e em observância do disposto no art.º 53º n.º1 do CP;
b) Sujeição a outras regras de conduta de conteúdo positivo, que o plano de reinserção social reputar de necessárias e adequadas, designadamente comprovar que se encontra ativa ou a estudar (alínea c) do nº 1 do art.º 52º do CP);
Caso hipoteticamente assim se não entenda, “in extremis”, a recorrente pugna:
13ª ‐ Como última hipótese, por todos os motivos anteriormente expostos nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 43 do CP, o remanescente da pena concreta que consideramos adequada, deverá ser cumprida com sujeição a OPHVE;
14ª ‐ Atendendo a todos os fatores enunciados supra, entendemos que a execução da pena de prisão em regime de permanência, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, realiza de forma adequada as finalidades da punição, pelo que “in extremis” deveria ter sido aplicada a mesma;
15ª – Pois salvaguarda eficazmente as eventuais exigências cautelares e cumpre ainda um outro desiderato de grande importância nos tempos que correm, qual seja a economia dos escassos recursos, (humanos e financeiros) públicos;
16ª ‐ O Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 40º nºs 1 e 2, 42º nº 1,50º nº 1, 53º 1, 43 nº 1 al. b), 70º, 71º e 73º todos do CP, 27 nº 1, 1ª parte, da e 13º nº 1, ambos da CRP; »
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
«1º) A arguida AA, interpõe o presente recurso, por não se conformar com o acórdão condenatório, de fls.520 a 563, que a condenou na pena única de 5 (cinco) anos de prisão efectiva. invocando que:
- O cumprimento efectivo da pena é desadequada, por ter contribuído, de forma relevante, para a descoberta da verdade e considera que existe violação dos art.º13º e 27.º/1 da CRP;
- Pugna pela aplicação de pena suspensão na execução da pena, com regime de prova (art.º 52.º/1 do CP) e/ou regras de conduta (art.º 52.º/1 do CP); ou,
- Em alternativa defende o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica -OPHVE (art.º 43.º/2 al. f) do CPP); concluiu alegando a violação dos art.º 40.º, 42.º/1, 50.º/1, 53.º/1, 43.º/1, al. b), 70.º e 71.º do CP e art.º 27.º/1 (1ª parte) e 13.º/1 da CRP.
2º) Quanto à primeira questão, afigura-se-nos que, compulsada a motivação do acórdão, constatamos que, o Tribunal “a quo” considerou a contribuição da arguida para a descoberta da verdade material dos factos, conforme resulta do ponto 20 dos factos provados (fls.523) e do exame crítico da prova (admissão parcial da factualidade, com muitas reservas).
3º) Todavia, não se verificou a atenuante da confissão livre, integral e sem reservas, nem ficou demonstrado o arrependimento, através da prática de actos ou assunção de posturas.
4º) No caso concreto, o Tribunal “a quo” concluiu que, só a pena de prisão efectiva acautela de um modo idóneo as finalidades da punição, as exigências de prevenção geral e especial, por forma a que, a recorrente interiorize o desvalor da conduta, mediante uma reflexão profunda e premente, sobre as consequências das suas condutas, a necessidade de adoptar comportamentos consentâneos com o Direito e por forma a que não venha a repetir, no futuro, a prática de ilícitos criminais.
5º) Ademais, o acórdão recorrido, não viola o previsto nos art.º 13.º e 27.º/1 da CRP, porquanto, a pena de prisão aplicada à recorrente surge como reacção à comprovada prática, pela mesma, de três ilícitos criminais e foi determinada por acórdão condenatório.
6º) Acresce que, a invocada violação dos referidos normativos constitucionais não se mostra concretamente fundamentada, sendo mera alegação genérica, sem fundamento de facto e de direito, pelo que deve improceder.
7º) Quanto à segunda questão recursiva, entendemos que não há lugar à aplicação de pena suspensão na execução da pena - com ou sem regime de prova (art.º 53.º/1 do CP) e/ou com ou sem regras de conduta (art.º 52.º/1 do CP).
8º) O acórdão recorrido, no quadro dos fins das penas, e atendendo ao binómio culpailicitude dos factos, fixou as concretas penas parcelares de forma ajustada, adequada, legalmente corretas e ponderadas, não ultrapassando de modo nenhum os limites da culpa, e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e de uma prevenção especial ressocializadora, com o respeito absoluto pelo previsto nos art.º40.º, 47.º, 50.º, 52.º, 53.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP.
9º) O Tribunal “a quo”, na fixação da pena conjunta, teve em atenção a proporcionalidade e a proibição do excesso, o que obteve através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta, no âmbito do ordenamento punitivo.
10º) Assim, tendo em conta estes critérios, o Tribunal “a quo” considerou (e bem) justa, adequada, necessária e proporcional a pena única de 5 anos de prisão.
11º) Por fim, na ponderação da aplicação de uma pena substitutiva, o Tribunal “a quo”, em face da gravidade da conduta da recorrente e as exigências de prevenção especial, afastou a sua aplicação da suspensão da execução da pena de prisão (art.º 50.º do CP) alegando que, as finalidades da punição não seriam alcançadas, em ordem à ressocialização da mesma.
12º) Por outro lado, o Tribunal “a quo” entendeu que a simples censura do facto e a ameaça da pena não realizavam de forma adequada as finalidades da punição, por não ser possível fazer um juízo de prognose positivo, tendo efetuado um juízo de prognose desfavorável e referiu os critérios legais para a não aplicação de quaisquer medidas de substituição, pelo que deve improceder esta parte do recurso.
13º) Como terceira questão recursiva, a recorrente, defende ainda, em alternativa que a pena deve ser cumprida em regime de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica (OPHVE - art.º 43.º/2 al. f) do CP), mas sem qualquer razão.
14º) Sucede que, tal regime de cumprimento (OPHVE) não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena e, também, não se mostra preenchido o pressuposto formal, nos termos do previsto no art.º 43.º/1 al. a) do CP (pena de prisão não superior a 2 anos), atento o quantum fixado na pena única -5 anos de prisão- pelo que, deverá o presente recurso improceder quanto a esta questão»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da concordância com a resposta oferecida em primeira instância.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer reiterando os termos do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
- a medida concreta da pena;
- a possibilidade de determinar a suspensão da sua execução;
- subsidiariamente, a possibilidade de a cumprir em obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
A invocação genérica da violação de normas constitucionais, que não se mostra concretamente fundamentada nas motivações com razões de facto ou de direito, não determina a necessidade de qualquer pronúncia por este Tribunal de recurso.
DO ACORDÃO RECORRIDO
Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria de facto provada:
«1. No dia 17 de Dezembro de 2022, pelas 05 horas e 20 minutos, CC e BB encontravam-se a conversar no interior da discoteca “...”, sita nas ..., em Lisboa;
2. No mesmo local encontrava-se a arguida AA que, ao passar por CC se aproximou deste a dançar;
3. Em reacção, CC desferiu um empurrão na arguida, dizendo-lhe para sair dali, pois não a conhecia;
4. De imediato, a arguida aproximou-se de CC e desferiu-lhe uma cabeçada, atingindo-o na boca, abandonando de imediato o local em direcção ao exterior da discoteca;
5. Em consequência directa e necessária da conduta da arguida, CC sofreu, para além da alteração da sua sensibilidade (dor), uma ferida incisa no lábio superior, ferida incisa no canto superior direito do lábio superior, com cerca de 5 milímetros;
6. Pouco tempo depois, CC e BB dirigiram-se ao exterior da discoteca e, enquanto conversavam com o vigilante de serviço, passou pelos mesmos a arguida;
7. CC e BB mantiveram-se próximos da discoteca, na …, em …, a conversar;
8. A determinado momento a arguida empunhando uma arma de fogo do tipo pistola, da marca “RECK” de calibre 6,35mm, aproximou-se daqueles, apontou-a na direção dos mesmos e dirigindo-se a CC disse: “hoje vais sentir o que é uma bala” e sequentemente efectuou um disparo na direcção onde aqueles se encontravam;
9. CC e BB de imediato colocaram-se em fuga, em direcções distintas, tendo CC atravessado a ..., em direcção à linha do comboio e, no seu encalço, seguiu a arguida que, conforme corria e a uma distância de cerca de cinco metros daquele efectuou, pelo menos, dois disparos;
10. A arguida só parou de disparar por a arma ter encravado;
11. Nesse momento, a arguida apercebeu-se da presença dos agentes da Polícia de Segurança Pública no local e dirigiu-se às ..., procurando esconder-se no meio da multidão que ali se encontrava;
12. Nesse local, a arguida entregou a referida arma de fogo ao arguido DD, que abandonou o local e já na ..., próximo do ..., arremessou-a para o chão, quando se apercebeu que ia ser abordado por agentes da Polícia de Segurança Pública;
13. A arma utilizada pela arguida, para efectuar os disparos, foi apreendida por elementos da Polícia de Segurança Pública;
14. A arguida agiu com o propósito alcançado de provocar ferimentos em CC, sabendo que a sua conduta era susceptível de o molestar na sua saúde e integridade física;
15. A arguida agiu ainda com o propósito de tirar a vida a CC, apontando e disparando uma arma de fogo na direcção do mesmo, enquanto se deslocava em passo de corrida, bem sabendo que ao fazê-lo atingiria uma zona vital do corpo e com isso causar-lhe-ia a morte, o que só não conseguiu por razões alheias à sua vontade, uma vez que, não logrou atingi-lo;
16. Ainda assim, a arguida efectuou, pelo menos, três disparos na direção daquele, dois dos quais quando este já se encontrava em fuga;
17. O arguido DD agiu com o propósito alcançado de deter a arma de fogo, bem sabendo que a detenção da mesma não lhe era permitida, uma vez que, nada justificava a sua posse e, ainda que, tal objecto podia ser utilizado como arma de agressão;
18. O arguido DD agiu ainda com o propósito receber a arma das mãos da arguida e com ela se afastar do local onde sabia encontrarem-se elementos da Policia de Segurança Pública que procuravam interceptar a autora dos disparos, visando com tal conduta evitar que aquele objecto fosse apreendido como prova dos factos praticados pela arguida, objectivo que não logrou alcançar por razões alheias à sua vontade;
19. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por Lei;
Mais se provou que:
20. A arguida AA reconheceu os factos acima dados como provados, embora de forma parcial e com bastantes reservas, denotando um discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizador, revelador de falta de juízo crítico e de ausência de interiorização do desvalor e da gravidade das suas condutas, não obstante a verbalização de arrependimento;
21. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta;
22. Do relatório social da arguida além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- "na data dos factos subjacentes ao presente processo, a arguida residia em casa própria, juntamente com os seus três filhos, menores de idade. A manutenção familiar provinha sobretudo do seu vencimento, que desempenhava na actividade de …. Actualmente, a arguida encontra-se a residir com a mãe, irmão, sobrinha, de treze anos de idade e os seus três filhos, com dez, oito e dois anos de idade, numa residência, propriedade da progenitora;
- a arguida encontra-se desempregada e confinada à habitação, embora se encontre a frequentar um curso de ... Digital, via on-line. As despesas são essencialmente asseguradas pela progenitora, único elemento activo do agregado. A arguida contribui nas despesas familiares, com algumas economias que conseguiu amealhar aquando desenvolvia a sua actividade laboral, bem como com parte da pensão de alimentos referente aos filhos mais velhos, cujo valor ronda os € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais;
- a dinâmica familiar apresenta alguma disfuncionalidade, fruto de atritos entre os três adultos de agregado;
- natural de Lisboa, a arguida é a filha mais velha de uma fratria de dois irmãos. Pouco tempo depois do seu nascimento, o agregado familiar optou por emigrar para .... Com o nascimento do irmão, a arguida, com cerca de três anos de idade, regressou ao país de origem, na companhia de uma tia, tendo ficado entregue aos cuidados desta e da avó materna, aproximadamente quatro anos. Posteriormente, os pais, juntamente com o irmão, regressaram a Portugal, tendo, novamente, integrado o agregado familiar de origem, até à separação do casal que ocorreu aos catorze anos da arguida. O seu processo de socialização ocorreu num ambiente familiar de baixa condição económica e pouco estruturante, atendendo ao fraco investimento afectivo-educativo das figuras parentais, situação que se agravou devido ao consumo abusivo e dependência de estupefacientes por parte do progenitor, ocorrendo frequentemente episódios de violência e agressão no seio familiar, principalmente entre os progenitores, conjuntura comprometedora de um processo de desenvolvimento edificante e estruturante. Associados aos factores desestabilizadores, verifica-se a ausência de regras, que colmataram numa elevada permissividade, e que levou a arguida à adopção de um estilo de vida autónomo na gestão do seu quotidiano, com a aquisição de rotinas diárias desadequadas socialmente;
- em termos escolares, iniciou o seu percurso em idade normativa, tendo completado o 8° ano de escolaridade através do ensino regular. Posteriormente, ingressou num curso de formação profissional na área da …, na … em ..., que conclui com sucesso. Iniciou o percurso laboral por volta dos doze anos de idade como empregada de balcão. Mais tarde prestou trabalhos …, em restaurantes de fast food. Aos dezasseis anos começou a … e, mais tarde, como …, inicialmente sob a supervisão e alçada de terceiros e, posteriormente, por sua própria conta. Ao nível de rendimentos, auferia aproximadamente € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por fim de semana;
- desde tenra idade iniciou o consumo de produtos estupefacientes, inicialmente de haxixe e mais tarde cocaína, tendo cessado recentemente os consumos sem ter recorrido a qualquer ajuda terapêutica;
- no plano afectivo, vivenciou uma relação amorosa com a duração aproximada de sete anos, da qual resultou o nascimento dos dois filhos mais velhos, sendo um relacionamento instável, tendo sido acolhida numa casa abrigo, durante cerca de dois meses, na sequência de ter sido vitima de violência doméstica. Teve um novo relacionamento amoroso, de curta duração, do qual nasceu o terceiro filho;
- na sequência da eclosão do presente processo, foi aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, em 12 de Janeiro de 2023. Desde então, a arguida tem manifestado capacidade de adaptação ao confinamento habitacional, expressando um comportamento adaptado às regras inerentes à sua situação judicial e uma atitude adequada relativamente à intervenção deste serviço;
- em termos pessoais, a arguida apresenta-se como uma pessoa com capacidades ao nível da comunicação e relacionamento interpessoal, utilizando um discurso cauteloso e direccionado para resultados que não lhe sejam adversos;"
23. O arguido DD […]»
FUNDAMENTAÇÃO
Tendo presentes os factos provados quanto à prática dos crimes pelos quais a Arguida se encontra condenada, bem como quanto às suas condições pessoais, importa, então, conhecer as questões suscitadas pelo recurso, exclusivamente referentes à pena.
- a medida concreta da pena
Conforme referido supra, decidiu o Tribunal a quo fixar as seguintes penas:
- 4 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada;
- 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida;
- 1 ano de prisão, pela prática, de um crime de ofensa à integridade física.
Entende a recorrente que existem considerandos que o Tribunal omitiu e que justificariam decisão diversa na fixação das penas concretas, na pena única e ao afastar a suspensão da execução da pena. Enuncia-os assim:
«a) Assumiu, no essencial, a prática dos factos;
b) Colaborou ativa e decisivamente com as autoridades;
c) O que denota alguma capacidade crítica e consciência dos normativos sociais violados;
d) Não tem quaisquer antecedentes criminais;
e) Está inserida social e familiarmente, contando com o apoio da família;
f )Encontra-se a frequentar um curso on line, o qual também pode ser presencial;
g) Já cumpriu alguns meses, a título de prisão preventiva.»
Vejamos, na decisão recorrida, quais foram os considerandos da fundamentação da determinação concreta das penas escolhidas para a Arguida recorrente.
«Assente que está que os arguidos praticaram, em autoria material, os crimes acima descritos, há que proceder à escolha e determinação da medida das penas que, em concreto, lhes devem ser aplicadas.
O crime de homicídio simples é punido com uma pena de 8 (oito) a 16 (dezasseis) anos de prisão.
Por força da tentativa a pena é especialmente atenuada (cfr. Arts.° 23.°, n.° 2 e 73.°, ambos do Código Penal). Logo o limite máximo é reduzido de um terço e o limite mínimo é reduzido a um quinto, ou seja, a moldura abstractamente aplicável oscila entre o limite mínimo de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias e o limite máximo de 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão.
O crime de ofensa à integridade física é punido com pena de 1 (um) mês até 3 (três) anos de prisão ou pena de multa de 10 (dez) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias, cfr. Arts.° 143°, n.° 1, 41.° e 47.°, todos do Código Penal.
Por sua vez, o crime de detenção de arma proibida é punido com pena de 1 (um) ano a 5 (cinco) anos de prisão ou com pena de multa até 600 (seiscentos dias), logo mínimo legal de 10 (dez) dias (cfr. Art.° 86.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23/02).
[…]
Para haver responsabilização jurídico-penal do arguido não basta a mera realização por este de um tipo-de-ilícito (facto humano anti-jurídico e correspondente ao tipo legal), toma-se necessário que aquela realização lhe possa ser censurada como culpa, o mesmo é dizer, que aquele comportamento preencha também um tipo-de-culpa (como se referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. I, 2002, p. 205).
De acordo com o Art.° 40.°, n.° 2 do Código Penal «A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa», sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas. A punição visa a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), cff. n.° 1 do Art.° 40.° do Código Penal.
Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.° 40.°, n.° 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal).
Estatui o Art.° 71.°, n.° 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, estes tipos de crimes, pela sua ínsita violência, assumem relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade e em contexto de diversão nocturna - cada vez mais frequentes e mais gravosos nesta comarca -, as quais provocam grande alarme social e sentimento generalizado de insegurança e medo para além de situações análogas à dos autos sucederem com elevada frequência, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes.
A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à lesão de bens de natureza pessoal.
O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo, ainda que quanto um dos crimes a imputação subjectiva o seja a título negligente, como fundamentado.
Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legitimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos.
Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção - a culpa como fundamento da pena e não como finalidade.
Dir-se-á, assim, que a culpa é a ratio da pena.
Dentro dos limites abstractamente definidos na lei, a medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cff. Arts.° 71.°, n.° 1 e n.° 2, e 40°, n.° 1, do Código Penal).
E com base neles que ao juiz cabe “uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações — ou em seguida a elas -, escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz”, assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pág. 193.
Sem condescender que, os factos em causa se revelam particularmente graves e são profundamente censuráveis, porquanto denotam um significativo desprezo pela dignidade da pessoa e uma ausência absoluta de respeito pela humanidade.
No respeitante à culpa do arguido, deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra o arguido, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais.
Com efeito, têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização da pena aplicada aos arguidos.
Assim, nas circunstâncias que antecederam, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de ser ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis:
As primeiras:
- o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram, primeiramente no interior de uma discoteca (com sistema de videovigilância e com inúmeras pessoas), depois em plena via pública, em ambiente de locais de diversão nocturna, com aglomerados de pessoas, com proximidade de elementos das forças de segurança pública, o que acentua a censurabilidade dos comportamentos preconizados e requer maior energia criminosa;
- o crescendo do grau de violência empregue pela arguida;
- a existência de dolo directo (na sua forma mais intensa), e em relação a todos os crimes;
- a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor das condutas, de reconhecimento da censurabilidade dos comportamentos tidos, denotando falta de sentido crítico e de autocensura, para além do discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizador, bem como a postura de indiferença para com as repercussões vivenciadas por terceiros, e relativamente a ambos os arguidos, não obstante o reconhecimento dos factos, de forma parcial, com reservas e adversativas constantes, apesar do arrependimento meramente verbalizado pela arguida, mas nem sequer direccionado para o ofendido;
- o alheamento absoluto em relação à pessoa do ofendido e à assistência médica de que o mesmo carecia;
- a inércia laboral e formativa vivenciada pelo arguido, podendo potenciar o cometimento de crimes, perante tal desinserção social e laboral, para além da problemática aditiva de que padece;
A favor dos arguidos depõem as seguintes circunstâncias:
- o reconhecimento dos factos, de forma parcial e com reservas, sempre numa postura de vitimização e autocomplacente, o que agrava as necessidades de prevenção especial, visto que, ambos os arguidos denotam ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, nem revelam reconhecer a sua censurabilidade, a sua gravidade, nem ressonância criminal subjacente às mesmas;
- amparo familiar e a inserção social, mas que não obstante tal circunstancialismo já existir aquando do cometimento destes factos não foi suficientemente contentor para que os arguidos se abstivessem de delinquir e adoptassem comportamentos conforme a Lei e o Direito;
- a circunstância de nada constar dos respectivos certificados de registo criminal, relativamente a ambos os arguidos.
Com excepção do crime de homicídio, na forma tentada, os demais tipos penais sob colação admitem, em alternativa, a aplicação de uma pena de prisão ou uma pena de multa.
Ora, entende-se que as finalidades inerentes à punição não se bastam com a aplicação de uma pena de multa, e tal afigura-se ser justificado para todos os crimes em causa e em relação a ambos os arguidos.
Na verdade, atendendo ao disposto no Art.° 70.® do Código Penal, entende o Tribunal que para exprimir um juízo de censura pelas condutas de ambos os arguidos não se mostra suficiente, nem adequada a aplicação de uma pena de multa, dado ter o Tribunal a convicção de que uma pena não privativa da liberdade não cumprirá de forma plena as finalidades da punição, não se contribuindo para a reintegração dos arguidos na comunidade onde se inserem, dissuadindo-os de forma positiva de praticar novos factos criminosos, se se optar pela pena de multa, para além da manifesta gravidade dos comportamentos dos arguidos e intensa censurabilidade.
Com efeito, devemo-nos nortear sobretudo pelos fins das penas na sua vertente de prevenção especial, promovendo-se a reintegração dos arguidos e a sua ressocialização, o que só será manifestamente alcançado pela aplicação de uma pena de prisão, o que se aplica a ambos os arguidos.
Sendo de salientar que quanto ao arguido subsiste ainda uma vida laborai desorganizada e desajustada, apesar do apoio familiar, o que associado à problemática aditiva e ausência de ocupação laborai potência uma recidiva.
Pelo que, se afasta a aplicação da pena de multa quanto a ambos os arguidos e em relação a todos os crimes.
Ora, a factualidade sob colação, revela-se consideravelmente censurável, visto que as suas condutas denotaram total e absoluto desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como os crimes em causa se revestem de severa gravidade e são profundamente atentatórios dos bens jurídicos fundamentais de índole exclusivamente pessoal, devassando esses bens pessoais os arguidos revelam desprezo pela natureza humana e pela sua dignidade, bem como revelou o arguido desconsideração pela soberania do Estado e pela realização da justiça, no que ao crime de favorecimento pessoal diz respeito.
Para além do discurso autocentrado, autocomplacente e alheado de sentido crítico, aliás, ambos os arguidos desvalorizam em absoluto a censurabilidade dos seus comportamentos e desprezam a ressonância criminal subjacente às suas decisões, num registo de indiferença para com a violação de bens jurídicos com dignidade penal, o que agrava de forma acutilante as necessidades de prevenção especial.
Ao que acresce, e novamente quanto a ambos os arguidos, a ausência de manifestações concludentes com a interiorização do desvalor e da censurabilidade das condutas, ausência de manifestação de sentimentos de empatia para com o sofrimento alheio e de autocensura para com os factos por si praticados.
Assim, conclui-se serem por demais prementes as necessidades de prevenção especial que urge acautelar de forma eficaz e adequada, mas justa.
Em face das circunstâncias acima expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar:
- à arguida AA as penas de:
- 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em concurso real e efectivo, de 1 (um) crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido, conjugadamente, pelos Arts.0 131°, 22.° 23.° e 73°, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido CC;
- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em concurso real e efectivo, em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo Art.° 86°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23/02;
- 1 (um) ano de prisão. pela prática, em concurso real e efectivo, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 143°, n.° 1, do Código Penal, na pessoa do ofendido CC;
[…]
Dos cúmulos jurídicos:
Considerando que os arguidos vão condenados pela prática, em concurso real e efectivo, dos crimes acima mencionados, em penas da mesma natureza, penas de prisão, importa efectuar o cúmulo e condenar os arguidos, cada um, numa pena única.
Na medida concreta da pena única resultante da aplicação das regras do concurso de crimes deverá o Tribunal ter em conta os factos e a personalidade do arguido, bem como os fins de prevenção quer geral, quer especial (cff. Art.° 77.°, do Código Penal).
Ora, a factualidade sob colação revela-se de gravidade extrema e de intensa censurabilidade, considerando que ambos os arguidos actuaram nos moldes acima descritos, inexistindo, e quanto a ambos, uma postura denotativa de um processo de interiorização do desvalor da conduta, revelando por essa via falta de juízo crítico e de autocensura, bem como denotam total desinteresse e alheamento quanto à situação do ofendido, quanto ao impacto físico e emocional que os eventos vivenciados comportaram.
Pois, mesmo a verbalização de arrependimento manifestada pela arguida - que convenhamos consubstanciou-se num pedido de desculpas genérico, abrangente e difuso - foi acompanhada de justificações, num registo autocentrado e de autovitimização e sem revelar qualquer capacidade de pensamento consequencial, sendo que em seu benefício surge a integração familiar e a ausência de condenações registadas, bem como, o reconhecimento dos factos, embora com as reservas e a fragmentação já explanada.
[…]
Assim, operando o cúmulo jurídico entre o mínimo, ou seja, a pena máxima concretamente aplicada, e o máximo correspondente à soma de todas as penas concretamente aplicadas (cfr. Art.° 11.°, do Código Penal), importa sopesar, quanto à arguida entre o mínimo de 4 (quatro) anos de prisão e o limite máximo de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, e quanto ao arguido entre o mínimo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão - a pena concreta mais elevada - e o máximo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, correspondente à soma das penas concretamente fixadas.
Destarte, julga-se adequada, justa e consentânea com os fins das penas e do instituto do cúmulo jurídico, condenar:
- a arguida na pena única de 5 (cinco) anos de prisão […]»
A decisão recorrida é profusa na argumentação apresentada quanto aos critérios da determinação da pena e ampla na sua concretização face ao caso concreto.
Com efeito, na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.»
Desde logo se diga que a opção seguida, nos termos do art.º 70.º do mesmo Código, de afastar a pena não privativa da liberdade nos casos em que as normas incriminadoras previam esta punição alternativa não merece qualquer censura, à luz da argumentação expendida.
No mais, reitera-se que, para proceder à determinação do quantum concreto da punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada no caso que nos ocupa.
No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, a arguida deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos. Como bem aponta o Tribunal a quo, os factos ocorrem num quadro em que se exige o combate de violência associada às casas de diversão nocturna, como as discotecas. É uma situação causadora de alarme social junto dos cidadãos que pretendem usufruir do entretenimento social da noite, para além do risco que tais acções comportam para todos os que, involuntariamente, e apenas por se encontrarem no local, se vêem envolvidos e se constituem como potenciais vítimas, danos colaterais.
Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos e suas repercussões; a intensidade do dolo; as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570).
II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte).
III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).».
Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e as razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade.
As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência.
As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social.
A decisão recorrida bem o aponta. Para além da intensidade da reacção na primeira situação, por si reveladora de ilicitude elevada, o segundo momento, no qual a Arguida empunha uma arma de fogo, dispara uma vez sobre a vítima e ainda se move em perseguição da mesma quando esta tenta fugir, disparando por mais duas vezes, insensível ao risco de tal comportamento que só parou pois a arma deixou de funcionar, é revelador da elevada ilicitude exibida, da indiferença da Arguida às regras que se lhe impunham, e da forma pró-activa e intensa como as quis violar.
Quanto às circunstâncias às quais a Arguida apela, todas elas foram tidas em consideração, e sob explícito juízo crítico com o qual se concorda.
Se é verdade que a Arguida assumiu, no essencial, a prática dos factos, tal confissão foi parcial, com reservas, tanto mais que a colaboração activa com as autoridades acabou por não ser tão decisiva como pretende, pois os factos ocorreram em local público, perante testemunhas, sob registo de meios de vigilância (CCTV).
O apelo da Arguida no sentido da sua postura revela alguma capacidade crítica e consciência dos normativos sociais violados, é desmontada pela decisão do Tribunal a quo que expõe que a colaboração da Arguida surgiu sempre numa postura de vitimização e autocomplacência, o que, ao invés do pretendido, até agrava as necessidades de prevenção especial. Mais aponta o acórdão recorrido que a Arguida denota ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, não reconhece o alcance da sua censurabilidade, da sua gravidade, da ressonância criminal subjacente às mesmas.
Finalmente, e quanto ao apelo à sua inserção social e familiar, contando com o apoio da família, bem andou o Tribunal recorrido quando ponderou que tal amparo familiar e a inserção social já existiam aquando do cometimento destes factos e não foi suficientemente travar a Arguida impedindo-a de tais acções. Como tal, é reduzido o se efeito positivo na criação do juízo de prognose favorável que a Arguida invoca.
A inexistência de registo criminal e a frequência de um curso on-line, o qual também pode ser presencial não são minimamente relevantes para se sobreporem a todas as considerações que antecedem. Quanto ao argumento de que já cumpriu alguns meses, a título de prisão preventiva, também tal período não é bastante para determinar uma redução na fixação da pena concreta.
Quanto à pena única, o intervalo correspondente à mesma situa-se entre os 4 e os 7anos e 6meses de prisão. O Tribunal fixou-a exactamente no 1/5 do intervalo apurado, critério usualmente seguido para os casos nos quais é tida a favor do condenado uma avaliação positiva e de crença no sentido de uma pena menos grave se revelar adequada e suficiente, nomeadamente quanto às finalidades de prevenção especial. Com esta decisão, afastou-se o Tribunal dos critérios do 1/3 e do 1/2 do intervalo apurado, mais comuns na jurisprudência, nomeadamente no Juízo Central Criminal de Lisboa, segunda a prática da Comarca. Ainda assim, é a solução adequada à realidade da Comarca e às exigências de prevenção que se colocam, in casu, com referência à diversão nocturna da capital
Como tal, a pena única fixada pelo Tribunal recorrido também não merece qualquer reparo.
- a possibilidade de determinar a suspensão da sua execução
Impõe-se agora aferir da bondade da decisão de não suspender a execução de tal pena única.
De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos.
A pedra de toque desta decisão será a avaliação e conclusão, pelo Tribunal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no que toca às necessidades de prevenção especial.
Para chegar a tal conclusão, ponderará ainda o decisor as diversas formas que a suspensão da execução poderá assumir. Assim, para assegurar que será alcançado tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova.
Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal).
Já quanto ao regime de prova, deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Necessariamente, nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal).
Vejamos a fundamentação do acórdão recorrido sobre esta questão:
«Impõe-se assim, equacionar da, eventual, suspensão da execução das penas únicas de prisão aplicadas a ambos os arguidos.
Com efeito, importa indagar se as finalidades que se pretendem atingir com as mesmas se alcançam com a efectividade das penas de prisão ou se, para tanto, basta a aplicação de uma medida criminal de natureza não detentiva, mormente a suspensão da execução da pena, prevista no Art.° 50° do Código Penal, máxime, em ordem à ressocialização do arguido.
Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto que pode ser aplicado se for entendido que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Art.° 50.°, n.° 1 do Código Penal).
Ora, o que se pretende com a aplicação de uma pena, dado ser essa a lógica que norteia o nosso sistema penal, é a reintegração do arguido, para além da protecção dos bens jurídicos violados, é certo que a reclusão efectiva protege, durante o período da mesma, os bens jurídicos violados, mas resta ponderar se, efectivamente, será através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva que melhor se irão salvaguardar as finalidades inerentes à punição.
Em relação à arguida:
Pese embora, milite em seu benefício a inserção familiar, bem como a ausência de condenações registadas e o reconhecimento, ainda que parcial e com muitas reservas, dos factos imputados, a verdade a que, a arguida assumiu um discurso revelador de falta de genuíno sentido crítico e um discurso autodesculpabilizante e autocentrado, aliás, veja-se que, em bom rigor, a admissão dos factos por parte da arguida vem sempre acompanha de uma desculpa, de uma justificação, alijando as suas responsabilidades, demarcando-se das decisões que voluntariamente optou por tomar, e que, na sua perspectiva, advém sempre da culpa de terceiros, ou seja, a arguida não denota nem interiorização do desvalor, da gravidade e da censurabilidade dos seus comportamentos, nem revela qualquer capacidade de descentração e de pensamento consequencial, o que manifestamente acentua as necessidades de prevenção especial.
Na verdade, a arguida demonstra indiferença para com as consequências que o ofendido sofreu decorrentes da sua conduta, aliás, a arguida deixa perpassar desprezo para com sentimentos e dores vivenciadas, revelando total ausência de consciencialização da gravidade das suas decisões e da censurabilidade dos seus comportamentos.
E certo que se ponderou, e igualmente, em seu abono, a circunstância de nada constar do seu certificado de registo criminal, bem como o facto de se encontrar familiarmente inserida, todavia, tal inserção não foi suficientemente contentora para que a arguida se abstivesse de cometer esses crimes, sendo particularmente censurável a insistência na resolução criminosa.
Pelo que, afigura-se inexistir qualquer fundamento para a ponderação de um juízo de prognose favorável, no sentido que a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão será suficiente para obstar a que a arguida se abstenha de praticar crimes.
Assim, entende-se que apenas a pena de prisão efectiva se revela adequada e eficaz a alcançar as finalidades da punição e a salvaguardar eficientemente os bens jurídicos que foram persistentemente violados pela arguida, afigurando-se que somente através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva a arguida irá reflectir no desvalor das suas condutas e nas consequências que as mesmas comportam para terceiros e interiorizar a necessidade de corrigir os seus comportamentos.
Destarte, ponderando os fins das penas, mormente as finalidades de prevenção especial positiva, de reintegração da arguida na sociedade, afigura-se que o caso concreto exige o cumprimento de prisão efectiva.
Assim, dando-se primazia à prevenção especial na sua vertente positiva e negativa, entende-se ser de aplicar uma pena de prisão efectiva à arguida, visto que se afigura que sem a privação de liberdade não se irá contribuir para os fins de prevenção especial negativa, ou seja, obstar a que a arguida volte a praticar crimes, por se entender que a ameaça de cumprimento de prisão efectiva (e o cumprimento da mesma em caso de revogação, nos termos legais, da suspensão) não poderá cumprir os fins das penas, e sobretudo forçar a arguida a adoptar comportamentos conformes com a legalidade penal vigente, reintegrando-se na sociedade e dissuadindo-a da prática de novos crimes, especialmente da mesma natureza.
Afigura-se que só a pena prisão efectiva poderá eficazmente dissuadir o cometimento de crimes e inculcar na arguida a interiorização da necessidade de coadunar os seus comportamentos com os valores jurídico-axiológicos vigentes.
Com efeito, não existem bases factuais das quais se possa aferir um juízo de prognose favorável e legítimo, no sentido que a ameaça de privação de liberdade será suficientemente dissuasora e que esta será adequada a incutir na arguida a consciência da perigosidade ínsita às suas condutas, a fim de se abster de praticar outro tipo de crimes, o que se afigura, atendendo às circunstâncias concretas em que os crimes foram praticados, só pode ser alcançado pela efectiva privação da liberdade em contexto prisional.
Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto de índole pedagógica e ressocializante, podendo inclusivamente ser aplicada a arguido com antecedentes criminais, mas só quando se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Art.° 50.°, n.° 1 do Código Penal), o que não se afigura ser o caso.
A suspensão da execução da pena de prisão assenta num juizo de prognose favorável, feito à data da decisão, relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da sua execução seja adequada às finalidades da punição.
Ora, no caso dos autos e tendo por base as finalidades das penas (cfr. Art.° 40.°, n.° 1, do Código Penal), de protecção de bens jurídicos, não permitem a formulação desse juízo de prognose favorável, não sendo a ameaça da execução da pena suficiente, nem adequada para que a arguida se abstenha da prática de novos crimes, especialmente atendendo à gravidade dos seus comportamentos e ao discurso autocomplacente e autocentrado, denotativo de falta de sentido crítico.
Veja-se a ligeireza com que a arguida desfere uma cabeçada no ofendido, no meio de uma discoteca, e quando este estava acompanhado por outras pessoas, magoando-o, ferindo-o, e não satisfeita com tal gesto profundamente lesivo da integridade física daquele, mune-se de uma arma de fogo, municiada e para cuja detenção inexistia qualquer licença e/ou justificação, e começa a disparar, em plena via pública, em artéria com vários estabelecimentos de diversão nocturna, com aglomerados de pessoas - em natural ambiente de convívio e de descontração - contra a pessoa do ofendido, e persegue-o, em passo de corrida, pela ..., e simultaneamente efectuando disparos, com o braço estendido, na sua frente, e na direcção do ofendido, sendo a linha de mira a parte superior do tronco/cabeça, e só parou, porquanto algo no mecanismo de percussão ou de funcionamento da arma encravou, pois que permaneceram duas munições por deflagrar.
Ou seja, a sucessão de condutas da arguida revela um intenso desvalor axiológico, um severo desprezo pela vida humana e um alheamento das repercussões que as suas condutas têm para terceiros.
Sendo certo que nenhum dos demais institutos jurídicos que obstam à aplicação de uma pena de prisão efectiva se revelam suficientes e adequados às finalidades da punição, desde logo em face da medida em concreto da pena aplicada, que legalmente obsta sequer à sua aplicação, mas sempre seriam inadequadas e insuficientes para salvaguardar as gritantes necessidades de prevenção especial, quer na sua vertente negativa, quer positiva.
Dispõe o Art.°50.°, do Código Penal que “(…) o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...).
Assim, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3a edição, Io vol., Rei dos Livros, pp. 637 e ss., (...) na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (...) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial (...).
Pelo que, apenas a pena de prisão efectiva se revela adequada e eficaz a alcançar as finalidades da punição e a salvaguardar eficientemente os bens jurídicos que foram persistentemente violados pela arguida, afigurando-se que somente através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva aquela irá reflectir no desvalor das suas condutas e nas gravosas consequências que as mesmas comportam para terceiros e interiorizar a necessidade de corrigir os seus comportamentos.
Pelo exposto, decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada nestes autos à arguida nem substituí-la por qualquer das formas de cumprimento em liberdade, por se entender que os fins das penas somente serão alcançados através da condenação em pena de prisão efectiva, a ser cumprida em contexto prisional.
Desta feita, entende o Tribunal que só a pena de prisão efectiva acautela de um modo idóneo as finalidades da punição, pois só desta forma se promove a interiorização do desvalor da conduta, somente por esta via se inculca a dissuasão da prática de futuros crimes, bem como, apenas mediante o cumprimento efectivo da pena de prisão se assegura a premência da arguida efectuar uma reflexão profunda sobre o impacto das suas condutas nas vidas de terceiros e a necessidade de adoptar comportamentos consentâneos com os valores ético-jurídicos vigentes, o que só será alcançado mediante o cumprimento efectivo, em contexto prisional, da pena de prisão aplicada.»
A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Impõe-se sempre que se verifiquem as condições definidas e acima elencadas pelo que o Tribunal tem que ponderar da viabilidade da suspensão. O acórdão recorrido fundamentou esse juízo e concluiu pela não suspensão da execução da pena de prisão que aplicou.
A formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então, e perspectivar a sua evolução para o futuro
Ao olhar para os factos provados, e para a argumentação da decisão em análise, percebe-se onde está a pedra de toque que impõe uma pena efectiva.
Não se vislumbrando qualquer falha no raciocínio, no julgamento, levado a cabo pelo Tribunal a quo, é de manter o mesmo inalterado.
- subsidiariamente, a possibilidade de a cumprir em obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica
Pede a Arguida que, mantendo-se a decisão de ser efectiva a pena única de prisão fixada, a mesma deveria ser cumprida em casa, com recurso à possibilidade prevista pelo regime da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Porém, como bem aponta o Ministério Público na sua resposta, tal alternativa, nos termos do art.º 43.º/1 al. a) do Código Penal, apenas está previsto para o cumprimento de penas de prisão não superiores a dois anos. Considerando que a pena única fixada é de cinco anos de prisão, está afastada a possibilidade aventada pela Recorrente.

DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso improcedente, mantendo inalterado o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.
Comunique ao Tribunal Recorrido, para efeitos de controlo do prazo da medida de coacção de prisão preventiva.

Lisboa, 05.Março.2024
Rui Coelho
Ester Pacheco dos Santos
Luísa Alvoeiro