Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
427/19.4YLPRT-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: DESPEJO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. No Procedimento Especial de Despejo não é, em regra, admissível a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário, não só por estarmos perante um processo especial, mas também porque a apreciação de um outro pedido introduziria a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, o que iria contender com as características de urgência, celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador na agilização deste procedimento de despejo.
2. Invocando o arrendatário um direito de crédito sobre os senhorios, fundamentado no incumprimento contratual destes, e a compensação parcial do crédito por eles reclamado no PED relativo à falta de pagamento das rendas, tem de admitir-se a defesa apresentada, nos termos previstos no art.º 571.º n.º 2 do CPC por se tratarem de factos destinados a extinguir parcialmente o direito de crédito reclamado quanto a si.
3. Quando o processo não admite reconvenção, a compensação invocada pelo R., desde que contida no pedido formulado pelo A. deve ser tratada como exceção perentória, só assim sendo assegurado o direito de defesa do R. e os princípios constitucionais de acesso ao direito, direito a um processo equitativo e tutela jurisdicional efetiva previstos no art.º 20.º da CRP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Vem FA… e outros intentar procedimento especial de despejo contra a Capital Criativo- SCR, S.A. pedindo que seja decretado o despejo do imóvel que identificam, que foi objeto de contrato de arrendamento celebrado com a R., deduzindo cumulativamente pedido de pagamento de rendas em atraso no valor total de € 345.000,00 e juros de mora que liquida no valor de € 19.334,03.
Alegam, em síntese, que no âmbito do contrato de arrendamento com ela celebrado a R. não paga a renda acordada de € 15.000,00 mensais desde abril de 2017, encontrando-se em dívida o valor de €225.000,00 na data em que os AA. a notificaram da resolução do contrato de arrendamento e para proceder à entrega do locado, o que a mesma não fez, tendo-se vencido entretanto a quantia mensal de € 15.000,00 correspondente ao montante da renda, estando em dívida o valor correspondente a 23 meses.
Notificada a R., veio a mesma deduzir oposição admitindo que não procedeu ao pagamento das rendas reclamadas. Invoca porém o incumprimento contratual dos AA. não só por estarem em falta trabalhos no locado e as obras não terem sido realizadas de acordo com o projeto, mas também por lhe terem vedado o acesso às áreas comuns do piso térreo e ao quintal. Formula reconvenção contra os AA. alegando que com o contrato de arrendamento em questão pretendeu fazer uma melhoria significativa na qualidade e no espaço das suas instalações, só por isso tendo assumido o custo de uma renda mensal elevado de €22,55 m2, em lugar de €14,44 que pagava pelas suas anteriores instalações, o que não veio a verificar-se. Alega que tem um dano mensal de pelo menos €8,11 por m2 o que corresponde ao valor de € 5.393,15 que é 36% do valor da renda acordada. Considera-se credora dos AA. desta quantia mensal a partir de maio de 2017 - primeiro mês em que não pagou a renda, num total de € 124.042,45 acrescido de € 5.393,15 mensais até efectivo reconhecimento deste crédito pelos AA., afirmando-se devedora apenas da diferença entre o valor reclamado e o seu crédito, que ascende à quantia de €100.957,55 já descontando o valor das cauções que prestou (€90.000,00 e €30.000,00).
Conclui pela procedência da oposição e consequente absolvição parcial do pedido e pela procedência da reconvenção e “serem os Requerentes condenados a reconhecer o crédito da Requerida no valor de €124.042,45 acrescido do valor mensal de € 5.393,15 por cada mês que vier a decorrer desde a presente data até ao efetivo reconhecimento, pelos Requerentes, do crédito da Requerida” e devem “os Requerentes ser condenados a reconhecer a compensação de créditos que a Requerida aqui expressamente invoca como forma de extinção parcial do crédito.
Foi determinada a notificação dos AA. para querendo responderem, nos termos do art.º 15.º-H n.º 2 da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.
 Os AA. vieram pronunciar-se requerendo o despejo imediato atenta a confissão de dívida das rendas pela R., que legitima a resolução do contrato de arrendamento, pronunciando-se também pela inadmissibilidade do pedido reconvencional apresentado, impugnando em qualquer caso os factos alegados e concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho que não admitiu a reconvenção apresentada, com o entendimento de que o presente processo especial não o admite, considerando não escrita a matéria da oposição que o fundamenta e foi designada data para a realização do julgamento.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vem interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que admita a reconvenção apresentada, mais solicitando que seja atribuído ao recurso o efeito suspensivo por entender que a sua execução constitui um grave prejuízo de difícil reparação. Formula a R. as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. O presente Recurso de Apelação vem interposto do despacho que, no âmbito do Procedimento Especial de Despejo instaurado pelos Recorridos contra a Recorrente, não admitiu a reconvenção deduzida pela Recorrente na Oposição e destinada a obter a compensação do crédito no valor de € 124.042,45 que a Recorrente entende deter sobre os Recorridos e que resulta da diferença entre o valor total dos m2 arrendados pela Recorrente aos Recorridos e o valor dos m2 do jardim do edifício que, apesar de incluído no contrato de arrendamento, os Recorridos nunca deixaram a Recorrente utilizar, tendo-lhe pura e simplesmente vedado o respetivo acesso através da inserção de uma chave específica no elevador de acesso ao mesmo.
2. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a decisão recorrida peca por simplista e configura errada interpretação da ratio da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, porque se a intenção do Legislador tivesse sido, simplesmente, a de recolocar o imóvel no mercado de arrendamento através de um mecanismo célere, decerto não teria consagrado diversas soluções que indubitavelmente impõem um contrapeso a esse objetivo e cuja finalidade não pode ser outra que não a de permitir que neste tipo de processos não ocorra nenhum atropelo aos direitos (fundamentais) de defesa e de tutela jurídica efetiva dos arrendatários, particularmente sensíveis em matéria de arrendamento urbano.
3. São exemplo dessas soluções: (i) a constante do n.º 7 do artigo 15.º; (ii) a constante do n.º 1 do artigo 15.ºH e n.º 7 do artigo 15.º-S; (iii) a constante do n.º 2 do artigo 15.º-H que determina a aplicação do artigo 7.º do C.P.C.; (iv) a constante do n.º 4 do artigo 15.ºH e n.º 7 do artigo 15.º- S; (v) a constante do n.º 7 do artigo 15.º-I; (vi) a constante do n.º 8 do artigo 15.º-I (vii) e a constante do n.º 3 do artigo 15.º-O.
4. Entende também a Recorrente que o despacho recorrido configura errada interpretação e, consequentemente, aplicação do n.º 2 do artigo 15.º-H da Lei n.º 31/2012, de 14.08.
5. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, entende a Recorrente que da letra do n.º 2 do artigo 15.º-H e da sua conjugação com o n.º 3 não resulta que o convite à apresentação de novo articulado esteja limitado à decisão de exceções e nulidades, desde logo porque a letra da lei é clara quanto a referir que este terceiro articulado pode ser apresentado sempre que seja necessário garantir o contraditório, sem qualquer menção à relação existente entre este terceiro articulado e a decisão (judicial) de exceções e nulidades.
6. A Recorrente entende ainda que o despacho recorrido configura errada interpretação e, consequentemente, aplicação do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 31/2012, de 14.08, uma vez que após o convite do Tribunal a quo para que os Recorridos respondessem às exceções deduzidas pela Recorrente na oposição, os Recorridos apresentaram essa resposta e, por sua livre iniciativa, responderam, também, à reconvenção deduzida pela R., assim exercendo o contraditório quanto à reconvenção na sua plenitude, impondo-se ao Juiz, ao abrigo dessa norma, o dever de pronúncia quanto a todas as questões suscitadas nos autos.
7. A decisão recorrida, ao recusar a possibilidade de reconvenção na oposição ao Procedimento Especial de Despejo sem apreciar os fundamentos da mesma e, consequente, a sua admissibilidade em termos adjetivos e substantivos, configura ainda errada interpretação e, consequentemente, aplicação da alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do C.P.C.
8. A admissibilidade de reconvenção no Procedimento Especial de Despejo tem sido amplamente aceite por este Tribunal, em termos que se consideram inteiramente aplicáveis ao caso sub judice porque também no caso sub judice a reconvenção deduzida se funda no Direito Substantivo – v. a título de exemplo os acórdãos proferidos em 06.03.2014 (Processo 2389/13.2YLPRT.L1- 2), em 27.04.2017, (Processo 3222/16.9YLPRT-2) e em 01.03.2018 (Processo 3222/16.9YLPRT-2).
9. A decisão recorrida configura ainda violação clara do artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P., na medida em que é violador da equidade e do princípio da igualdade das partes restringir, no âmbito do Procedimento Especial de Despejo e com base no artigo 15.º-H da Lei n.º 6/2006, o leque de opções de defesa processual admitidas ao réu / arrendatário, em termos distintos daqueles que são admitidos em termos gerais processuais.
10. A manter-se a decisão recorrida, a Recorrente ver-se-á na situação de ver o despejo concretizado e de contra si ser instaurada uma ação executiva com base num valor que não deve aos Recorridos (porque esse valor sempre teria que ser deduzido do valor reclamado em sede de reconvenção), sendo assim obrigada a instaurar uma ação declarativa contra os Recorridos para obtenção da condenação destes a pagar-lhe o valor reclamado.
11. Esta ação, pese embora o fundamento sério e plausível que a Recorrente entende que lhe assiste, corre o sério risco de, em termos práticos, não permitir o ressarcimento do seu contra crédito, pelo facto de os Recorridos serem vistos gold, naturais do Líbano e da Arábia Saudita, o que, desde logo, dificulta a sua citação e, porque a qualquer momento podem dissipar o património imobiliário que têm em Portugal, dificulta também a possibilidade de a Recorrente obter o efetivo recebimento do contra crédito que detém contra estes nos termos alegados na reconvenção.
12. Também em matéria de prova esta ação declarativa ficará seriamente comprometida, na medida em que, depois de a Recorrente ser despejada, ficará amputada nas possibilidades de prova dos factos essenciais referentes ao pedido com base no qual funda o crédito contra os Recorridos, desde logo porque já não terá acesso ao locado para provar a existência de uma chave específica no elevador do prédio que a impede de usar o jardim do edifício nos termos que ficaram definidos no contrato de arrendamento, sendo ainda certo que durante este intervalo de tempo os Recorrentes poderão alterar o sistema de chaves do elevador ou até a própria organização do edifício (note-se que além da Recorrente também os outros arrendatários estão a ser despejados pelos Recorridos).
13. O status quo criado pela decisão recorrida contraria o entendimento do Tribunal Constitucional constante dos Acórdãos n.º 335/95 e n.º 473/94, uma vez que fazendo aplicação das considerações aí vertidas ao caso em análise, surge, de forma ostensiva, como uma restrição constitucionalmente intolerável do direito de defesa a limitação, no Procedimento Especial de Despejo com base em falta de pagamento de rendas, da possibilidade de reconvenção do requerido / arrendatário com base na alegação e prova de que, durante a vigência do contrato de arrendamento, o senhorio impediu o gozo do objeto locado e, com isso, gerou um dano na esfera jurídica do arrendatário, de valor correspondente ao valor da área locada e não usada mas, não obstante, incorporada no valor da renda mensal reclamada pelo senhorio.
14. A recusa da reconvenção é manifestamente desajustada em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada quantia a título de renda, seja por que fundamento for, o que, já foi entendido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão proferido no Processo 673/2005.
15. No presente caso, é óbvia a desadequação e inefetividade do único meio de defesa que foi reconhecido à Recorrente, uma vez que a mera defesa por exceção e impugnação não é apta a determinar a compensação de créditos, na medida em que tal compensação apenas poderá ser obtida por via de reconvenção, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, al. c) do C.P.C.
16. O entendimento do Tribunal recorrido não assegura um tratamento equitativo das partes nem a efetividade da tutela jurisdicional, pelo que não pode deixar de ser considerado como violador do artigo 20.º da C.R.P.
Os AA. vieram responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão que não admitiu o pedido reconvencional.
Foi admitido o recurso apresentado, tendo sido fixado ao mesmo o efeito devolutivo, com o entendimento de que não se verificam os pressupostos que admitem o efeito suspensivo requerido, designadamente o prejuízo considerável a que alude o art.º 647.º n.º 4 do C.P.C.
II. Questões a decidir
É a seguinte a questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine:
- da admissibilidade de pedido reconvencional no âmbito do procedimento especial de despejo e da apreciação dos seus fundamentos.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da admissibilidade de pedido reconvencional no âmbito do procedimento especial de despejo e da apreciação dos seus fundamentos
Insurge-se a Recorrente contra a decisão proferida que não admitiu o pedido reconvencional por si apresentado, por entender que não obstante se esteja perante um processo especial, tal pedido é admissível à luz da sua regulamentação legal, sendo inconstitucional outra interpretação, por violação do princípio da equidade e igualdade das partes.
A decisão recorrida considerou que o procedimento especial de despejo tem uma regulamentação processual simplificada que não comporta a admissão de pedido reconvencional.
O procedimento especial de despejo, denominado de PED, veio a ser introduzido pela Lei 31/2012 de 14 de agosto que veio alterar o NRAU aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de fevereiro, encontrando-se previsto nos art.º 15.º a 15.º-S do NRAU.
A Lei 31/2012 de 14 de agosto faz parte de um pacote legislativo que visou estabelecer diversas medidas com o objetivo de dinamizar o mercado do arrendamento urbano num contexto de crise, na concretização dos princípios aprovados no denominado Memorando de Entendimento com a Troika assinado a 17 de maio de 2011 e celebrado entre o Estado Português, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, que no seu ponto 6 apresenta o seguinte teor:
“6. Mercado da habitação
Objectivos
Melhorar o acesso das famílias à habitação; promover a mobilidade laboral; melhorar a qualidade das habitações e aproveitar melhor as casas de habitação já existentes; reduzir os incentivos ao endividamento das famílias.
Mercado de arrendamento
6.1. O Governo apresentará medidas para alterar a nova Lei do Arrendamento Urbano, a Lei n.º 6/2006, a fim de garantir obrigações e direitos equilibrados de senhorios e inquilinos, tendo em conta os grupos mais vulneráveis. [T32011] Este plano conduzirá a uma proposta de legislação a ser apresentada à Assembleia da República até ao T42011. Em particular, o plano de reforma introduzirá medidas destinadas a: i) ampliar as condições ao abrigo das quais pode ser efectuada a renegociação de arrendamentos habitacionais sem prazo, incluindo a limitação da possibilidade de transmissão do contrato para familiares em primeiro grau; ii) introduzir um enquadramento para aumentar o acesso das famílias à habitação, eliminando gradualmente os mecanismos de controlo de rendas, tendo em conta os grupos mais vulneráveis; iii) reduzir o préaviso de rescisão de arrendamento para os senhorios; iv) prever um procedimento de despejo extrajudicial por violação de contrato, com o objectivo de encurtar o prazo de despejo para três meses; e v) reforçar a utilização dos processos extrajudiciais existentes para acções de partilha de imóveis herdados.”
O PED corresponde a um procedimento que se quer célere e simplificado, correndo num primeiro momento junto de uma entidade extra judicial - o Balcão Nacional do Arrendamento - sem prejuízo da intervenção judicial num segundo momento, que se prevê para assegurar os direitos dos arrendatários, assim se procurando equilibrar os direitos e obrigações de senhorios e inquilinos.
Com a epígrafe “Procedimento especial de despejo”, estabelece o art.º 15.º n.º 1 do NRAU: “O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.”
Ao avaliarmos os procedimentos de tramitação processual estabelecidos pelo legislador, previstos designadamente nos art.º 15.º-F, 15.º-H e 15.º-I não podemos deixar de constatar que foram estabelecidas um conjunto de normas que se apresentam como especiais face ao processo comum e que no essencial visam alcançar aqueles objetivos de simplificação e celeridade.
Sendo configurado como um processo urgente, as especialidades do PED revelam-se não apenas nos prazos previstos para a prática dos atos pelos vários intervenientes processuais, que são reduzidos, do que são exemplo o n.º 1 do art.º 15.º-F, o n.º 2 do art.º 15.º-H ou o n.º 1 do art.º 15.º-I , mas também na forma dos atos que é simplificada, como acontece para a oposição apresentada que não tem de ser articulada – n.º 2 do art.º 15.º-F - ou para a sentença que deve ser sucintamente fundamentada e ditada para a ata – n.º 10 do art.º 15.º-I. Todos estes elementos que levam-nos a concluir que estamos perante um processo especial caracterizado pela celeridade e simplificação do processado, sem prejuízo do direito de defesa do arrendatário e do contraditório.
A questão que se põe é então a de saber se no âmbito deste processo especial é admissível que o arrendatário venha apresentar pedido reconvencional. A resposta a esta pergunta não tem vindo a revelar-se pacífica.
A controvérsia verifica-se desde logo ao nível da jurisprudência onde encontramos decisões quer no sentido de admitir a reconvenção, como é o caso dos Acórdãos do TRL de 06/03/2104 no proc. 2389/13.2YLPRT.L1-2 e de 27/04/2017 no proc. 3222/16.YLPRT-2 que dão ênfase ao princípio da economia processual, bem como decisões que entendem que tal não é possível, como acontece no Acórdão do TRP de 30/06/2014 no proc. 1572/13.5YLPRT.P1 e no Acórdão do TRE de 20/11/2014 no proc. 3588/13.2YLPRT.E1 todos disponíveis in www.dgsi.pt evidenciado as características especialíssimas deste processo.
Desde já adiantamos que propendemos para o entendimento de que não é admissível a reconvenção no âmbito do PED.
Supondo o pedido reconvencional um outro pedido formulado pelo R. contra o A., nos termos do art.º 266.º n.º 1 do CPC, a sua admissibilidade vai sempre introduzir a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, que no âmbito do contrato de arrendamento é previsível que em muitos casos sejam mais complexas, designadamente quando esteja em causa o direito a indemnização por benfeitorias, o que se nos afigura que vai contender com as referidas características de celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador na agilização deste procedimento de despejo.
Concordamos assim com o Acórdão do TRE de 20/11/2014 no proc. 3588/13.2YLPRT.E1 in www.dgsi.pt quando refere, na sequência da apreciação da regulamentação processual do PED: “Ora, da natureza célere e urgente do procedimento em apreço, com prazos apertados de tramitação e decisão, que apenas comporta dois articulados (ou novo articulado apenas para garantir o contraditório, designadamente, a excepções ou nulidades que tenham sido invocadas) resulta, desde logo, que tal procedimento não se compadece com acções cruzadas, como é o caso da reconvenção (cfr. A. Varela e outros “Manual de P.C.”, 2ª ed. p. 313/314), de instrução morosa que dificulte aquele objectivo de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, concretizados mediante a agilização do procedimento de despejo.”
Afigura-se que admitir a possibilidade do arrendatário deduzir pedido reconvencional neste processo especial será ir contra a intenção do legislador, ao permitir a introdução de fatores de complexidade e morosidade, no âmbito de um processo que se quis simples e expedito.
Não se vê por isso como é que o entendimento dirigido para a inadmissibilidade do pedido reconvencional pode ir contra a ratio da Lei 31/2012 de 14 de agosto, como defende a Recorrente. Naturalmente que o regime legal do PED contempla diversas normas que visam acautelar os direitos do arrendatário, articulando-os com o direito do senhorio, numa preocupação de alcançar a justa composição do litígio. Tal não podia deixar de verificar-se, tendo em conta a relevância dos direitos em discussão que têm a sua origem num contrato de arrendamento seja habitacional ou não.
Mas não só da ratio deste procedimento simplificado e urgente decorre a nosso ver a impossibilidade do pedido reconvencional. Tal resulta também da tramitação processual prevista para o mesmo. O legislador instituiu no PED um procedimento com a existência de um requerimento inicial e de uma oposição que nem sequer tem de ser articulada, sem prever expressamente e de forma automática a possibilidade de um terceiro articulado de resposta à oposição, ficando isso apenas dependente da decisão do juiz nesse sentido e só na medida em que tal seja tido como necessário para assegurar o contraditório nos termos do art.º 15.º-H n.º 2 do NRAU que nos diz: “2 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais, ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório.”
É essencialmente na existência desta norma que aqueles que admitem a reconvenção no PED fundamentam a sua posição. A nosso ver, tal não é determinante para esse entendimento, já que a necessidade de assegurar o contraditório existirá sempre no caso do R. deduzir alguma exceção. A garantia do contraditório prevista nesta norma não tem subjacente a eventual possibilidade de resposta a um pedido reconvencional, mas apenas a resposta a exceções ou nulidades que o arrendatário possa suscitar na oposição que apresenta. O terceiro articulado de resposta, que apenas tem lugar se o juiz o tiver por conveniente, permite ao A. antecipar uma posição que pode sempre tomar em audiência de julgamento, facilitando o decorrer da mesma para todos os intervenientes.
De considerar ainda, que o art.º 266.º n.º 2 do CPC estabelece a inadmissibilidade da reconvenção quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A., ainda que preveja que o juiz o possa autorizar nos termos do art.º 37.º n.º 2 e 3 do CPC, adaptando o processo a tal pedido. A regra é porém a da inadmissibilidade da reconvenção nos processos especiais.
Diz-nos Laurinda Gemas in Algumas questões controversas no novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento, Revista do CEJ n.º 1, 2013, pág. 23 ss.: “parece que dificilmente será admissível a defesa por reconvenção atento o disposto no art.º 266.º n.º 3 do CPC, já que ao pedido reconvencional corresponderá a forma de processo comum declarativo, manifestamente incompatível com o processo especial de uma acção no âmbito do PED, em particular face à urgência que os actos a praticar pelo juiz aqui assumem (art.º 15.º-S n.º 8) ao oferecimento de provas na audiência (art.º 15.º-I n.º 6) e à inexistência de audiência prévia.
Por tudo o exposto, concluímos que, em regra, o PED não admite que o arrendatário na oposição que apresenta formule pedido reconvencional contra o A. tal como foi entendimento da decisão recorrida.
Avaliando o caso em presença verifica-se, no entanto, que o que a arrendatária visa é a extinção parcial do crédito de rendas reclamado pelos AA., invocando para o efeito um crédito sobre eles que pretende ver reconhecido e que resulta no seu entender do incumprimento do contrato de arrendamento por parte dos senhorios, socorrendo-se para o efeito da compensação.
A compensação de créditos, prevista no art.º 847.º do C.Civil constitui uma causa extintiva das obrigações como decorre do n.º 1 deste artigo e do art.º 395.º do C.Civil que alude aos factos extintivos da obrigação.
Como tal, o devedor demandado numa ação pode pretender invocar a compensação, com vista a determinar a extinção total ou parcial da dívida reclamada.
Como resulta dos art.º 571.º n.º 2 e 576.º n.º 3 do CPC a defesa do R. pode ser deduzida por impugnação ou por exceção, designadamente por exceção perentória quando o R. alega factos que servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor e que determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
De acordo com o disposto no art.º 266.º n.º 2 al. c) do CPC quando o R. pretenda o reconhecimento de um crédito, seja para obter compensação, seja para obter o pagamento do mesmo na medida em que excede o crédito invocado pelo A. deve deduzir pedido reconvencional contra o mesmo.
Uma interpretação meramente literal desta norma podia levar-nos a considerar que tendo a compensação de ser deduzida por via de reconvenção e não sendo admissível a dedução de reconvenção em processo especial, designadamente no PED, o R. estaria impedido dessa forma de invocar a compensação de créditos, o que sempre significaria que ficaria coartado nos seus direitos de defesa.
Afigura-se, no entanto, que esta norma tem de ser conjugada com o direito de defesa do R. designadamente a fazer extinguir o direito que contra ele é deduzido, havendo assim que distinguir as duas situações previstas no art.º 266.º n.º 2 al. c) do C.P.C., na medida em que o reconhecimento de um crédito para obter a compensação (e já não para obter a condenação do A.) configura uma causa extintiva do direito do A.
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/2015 no proc. 95961/13.8YIPRT.P1 in www.dgsi.pt : “Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de, como a presente Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contra-crédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1 do NCPCivil), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos. Efectivamente, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CCivil), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida. (…) Parece-nos, assim, que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa. É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção. Diante do exposto, cremos que, efectivamente, o requerido podia, por via da excepção, invocar a compensação, além de que o crédito invocado era de valor inferior ao da requerente apelante.”
No sentido deste entendimento e concluindo que o processo civil tem sempre de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, evidenciado a instrumentalidade do processo civil face ao direito material, pronuncia-se Rui Pinto, in A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013, onde nos ensina a pág. 15 - 18: “O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória.  Em qualquer caso, o que nenhum processo – e muito menos os processos especiais - tem de assegurar é que o réu devedor possa obter a condenação do autor credor na parte do crédito não compensada. (…)  Ora, é bom de ver que a circunstância de o senhorio usar do PED e não da ação de despejo, não deve tolher o inquilino do direito à compensação de créditos, apesar de a oposição ao PED abrir um procedimento de duas peças processuais. Como se lê no artigo 15º-F nº 1, o objeto dessa oposição do requerido é “a pretensão” do senhorio; ora, esta será a “normal” pretensão de despejo, caso em que não lhe pode ser oposto o direito do inquilino a contravalores, pois não há compensabilidade 59. Mas já se, em cumulação com o pedido de despejo, o senhorio tiver pedido a cobrança de rendas e encargos em mora, à pretensão de cobrança há de o réu opor todas as suas exceções cabíveis.  Assim, na oposição ao pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, deduzido em PED, pode o inquilino opor a exceção perentória da compensação por benfeitorias e despesas. Pelas razões já atrás fundadas, não será necessário um articulado de resposta à exceção da compensação: o artigo 3º nº 4 garante o ulterior contraditório do senhorio em audiência, com eventual cominação da ausência de defesa, prevista no artigo 587º nº1.”
Identificando-nos com este entendimento, resta concluir que quando o processo não admite reconvenção, a compensação invocada pelo R., desde que contida no pedido formulado pelo A. deve ser tratada como exceção perentória, só assim sendo assegurado o direito de defesa do R. e os princípios constitucionais de acesso ao direito, direito a um processo equitativo e tutela jurisdicional efetiva previstos no art.º 20.º da CRP.
Neste sentido também se pronunciou Gabriela Cunha Rodrigues, in O Novo Processo Civil – Contributos da doutrina para a compensação do novo Código de Processo Civil, Caderno I do C.E.J., 2ª ed. disponível em www.cej.mj.pt defendendo que ainda que se entenda que, invocada a compensação, o R. tem o ónus de reconvir quando o processo o admitir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da exceção perentória nos processos em que não é admissível a sua dedução.
No caso em presença a R. reclama um direito de crédito sobre os senhorios e a compensação parcial do direito reclamado pelos AA. ao pagamento das rendas, o que deve ser visto como defesa por exceção, nos termos previstos no art.º 571.º n.º 2 do CPC por se destinar a extinguir parcialmente o direito de crédito reclamado quanto ao valor total das rendas em dívida.
A arrendatária invoca um crédito de € 124.042,00 que entende deter sobre os AA. que encontra o seu fundamento na circunstância da mesma considerar que não foi por eles cumprido o contrato de arrendamento, contabilizando um dano de € 5.393,15 mensais que calcula com recurso ao valor da renda que considera estar a pagar em excesso, reduzindo o valor da mesma em 36% por força do incumprimento contratual dos senhorios, rendas essas que admite não ter pago e que lhe são reclamadas nestes autos.
Este crédito configurado pela R. surge como causa extintiva de uma parte do crédito de rendas que lhe é peticionado pelos AA., devendo por isso ser tratado como defesa por exceção à luz do art.º 571.º n.º 2 do CPC.
Nesta medida, embora se considere que, em regra, o PED não admite a formulação de pedido reconvencional pelo arrendatário, é forçoso reconhecer que, no caso, os factos invocados pela arrendatária devem ser levados em conta nos autos – não podendo ser tidos como não escritos – por configurarem defesa por exceção admitida, que como tal deve ser apreciada e conhecida.
Procede por isso o recurso, impondo-se a alteração da decisão recorrida em conformidade, devendo ser admitida nos autos a matéria invocada pela arrendatária que deve ser tratada como defesa por exceção na alegação de factos extintivos do direito dos AA.

IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela R. e altera-se a decisão recorrida em conformidade com o exposto.
Custas pela Recorrida.
Notifique.
Lisboa, 26 de setembro de 2019
Inês Moura (relatora)
Laurinda Gemas (1ª adjunta)
Gabriela Cunha Rodrigues (2ª adjunta)
(assinado electronicamente)