Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE) | ||
Descritores: | RENÚNCIA AO MANDATO NOMEAÇÃO DE DEFENSOR OFICIOSO INÍCIO DO PRAZO DE RECURSO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2024 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PENAL | ||
Decisão: | DEFERIDO À SUBIDA DE RECURSO | ||
Sumário: | I - Dado que o CPP é omisso no que respeita a normas relativas à renúncia do mandato há que aplicar, por força do disposto no art. 4.º, as normas do CPC que se harmonizem com as do processo penal. II - Tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta. III - A falta de despacho a deferir ou indeferir o pedido de alargamento do prazo de recurso pode ter criado no arguido/reclamante a expectativa, legítima, de que o prazo de recurso estaria suspenso ou interrompido até que lhe fosse nomeado defensor oficioso para recorrer. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | L…, arguido nos autos, reclama, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 7/2/2024, que não admitiu, por extemporâneo, o recurso que interpôs do Acórdão proferido nos autos, pedindo que o recurso seja mandado admitir com o fundamento, em resumo, que o mesmo é tempestivo porquanto só foi notificado que lhe tinha sido nomeada defensora oficiosa em 16/1/2024. Conhecendo. Conforme resulta dos autos principais, o Acórdão proferido nos autos foi lido em 24/11/2023, na presença do arguido/reclamante e da sua, à data, mandatária, Sr.ª Dr.ª K …, e depositado nessa mesma data. Em 27/11/2023 a ilustre mandatária do arguido/reclamante veio renunciar ao mandato – fls. 36 destes autos. O arguido/reclamante foi notificado pessoalmente da renúncia ao mandato em 4/12/2023 – fls. 41 destes autos. Em 6/12/2023 o arguido/reclamante veio requerer que lhe fosse concedido prazo mais alargado para interpor recurso da sentença e ainda que lhe fosse nomeado um defensor oficioso com carácter de urgência. Por despacho de 7/12/2023 foi determinado que fosse solicitada a nomeação de defensor oficioso ao arguido, nada tendo sido dito relativamente ao alargamento do prazo de recurso. Em 7/12/2023 foi nomeada pela Ordem dos Advogados como defensora oficiosa ao arguido/reclamante a Sr.ª Dr.ª G…, a qual nessa mesma data foi notificada da nomeação. Em 16/1/2024 foi o arguido notificado de que lhe havia sido nomeada como defensora oficiosa a Sr.ª Dr.ª G…. Em 2/2/2024 o arguido/reclamante veio interpor recurso do Acórdão proferido nos autos – fls. 46 a 57 destes autos. O mandatário do arguido/reclamante veio renunciar ao mandato em 27/11/2023, ou seja, quando se encontrava em curso o prazo de interposição de recurso. Porém, a renúncia ao mandato não opera de imediato e não interrompe ou suspende o decurso do prazo de interposição de recurso. Dado que o CPP é omisso no que respeita a normas relativas à renúncia do mandato há que aplicar, por força do disposto no art. 4.º, as normas do CPC que se harmonizem com as do processo penal. E, tratando-se de uma situação em que o arguido tem de estar obrigatoriamente assistido por advogado, quer constituído, quer nomeado oficiosamente – art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP – o patrocínio mantém-se, apesar da renúncia, até 20 dias após a notificação desta. É o que resulta do disposto no art. 47.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP. Neste mesmo sentido se pronuncia de forma maioritária a jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 12/5/2005 e de 9/11/2016 e da RC de 10/12/2008, proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos 05P1310, 2356/14.9JAPRT.P1.S1 e 637/05.1ITAACB.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt e demais jurisprudência neles referida. Também no mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do TC n.º 671/2017, no qual se refere: “Na verdade, como já antes se afirmara no Acórdão n.º 314/2007, e foi reiterado no citado Acórdão n.º 188/2010, da aplicação do artigo 39.º do CPC resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante, o qual, de resto, tem de ser “pontual e escrupulosamente cumprido”, como impunha o artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e o atual artigo 88.º (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), que reproduz o seu teor. De facto, na confrontação dos interesses aqui em presença – interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça – distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça.” Nele se decidindo “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.” Ainda no mesmo sentido, veja-se o “Código de Processo Civil Anotado” por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Vol. I, em anotação ao art. 47.º. Porém, no presente caso, o arguido/reclamante veio em 6/12/2023, ou seja, ainda dentro do prazo de recurso e do prazo de 20 dias para constituir novo mandatário, solicitar que fosse alargado o prazo de recurso e, ainda, que lhe fosse nomeado defensor oficioso porque pretendia recorrer. Em 7/12/2023 foi-lhe nomeada uma defensora oficiosa, a qual foi notificada nessa mesma data da nomeação. No que respeita ao solicitado alargamento do prazo de recurso no despacho de 7/12/2023 nada foi dito. E o arguido/reclamante só foi notificado de que lhe tinha sido nomeada uma defensora oficiosa em 16/1/2024. Cremos, assim, que o prazo de recurso tem de se considerar como suspenso entre 6/12/2023 – data em que o arguido solicitou que lhe fosse nomeado um defensor oficioso e 16/1/2024 – data em que foi notificado da nomeação de uma defensora oficiosa para interposição de recurso, tanto mais que a falta de despacho a deferir ou indeferir o seu pedido de alargamento do prazo de recurso pode ter criado no arguido/reclamante a expectativa, legítima, de que o prazo de recurso estaria suspenso ou interrompido até que lhe fosse nomeado defensor oficioso para recorrer, não podendo o mesmo ser prejudicado na sua defesa por motivos de ausência de despacho expresso a deferir ou a indeferir o requerido. Assim, temos a considerar que o prazo de recurso se iniciou a 25/11/2023, suspendeu-se com o pedido de nomeação de defensor oficioso, em 6/12/2023, recomeçou a contagem em 17/1/2024, tendo terminado em 5/2/2024. Uma vez que o requerimento de interposição de recurso deu entrada em 2/2/2024, é o mesmo tempestivo. Pelo exposto, defere-se a presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado, o qual deverá ser substituído por outro que admita o recurso interposto pelo arguido/reclamante. Sem custas. Notifique-se. Lisboa, 11 de Março de 2024 Guilhermina Freitas – Presidente |