Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6024/22.0T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
GRUPO DE EMPRESAS
ACÇÃO DE VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário: I – Apesar de a autoridade de caso julgado funcionar independentemente da tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir inerentes à excepção de caso julgado, não prescinde da identidade subjectiva.
II – Na acção declarativa comum instaurada pelo trabalhador contra a entidade solidariamente responsável com o empregador nos termos do artigo 334.º do CT, não é invocável a força vinculativa da autoridade de caso julgado resultante de sentença proferida em acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao processo de insolvência do empregador, não contestada, em que foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo trabalhador.
III – Afirmar-se a autoridade de caso julgado da sentença proferida na acção de verificação ulterior de  créditos na presente acção, traduziria a vinculação a uma sentença de alguém a quem nunca foi dada a oportunidade de tomar posição quanto à pretensão formulada pelo autor na acção em que a mesma foi proferida, nem de se defender ou de oferecer provas, o que viola os mais elementares princípios de um processo equitativo e afronta o texto constitucional (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
 (sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                                               П
1. Relatório
1.1. Na presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum que
. AA,
intentou contra
. Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal, Lda,
. BB e
. Grey Zone, Lda.,
o A. formulou o seguinte pedido:
A) Serem os Réus BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA., BB e GREY ZONE, LDA. condenados no pagamento solidário ao Autor das seguintes quantias:
1) €30.703,14, a título de indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho;
2) €1.543,94: remanescente do vencimento de janeiro de 2021 [€2.126,83 - €1.200,00 (já pagos)]: €926,83, acrescido o subsídio de alimentação (€85,40) e subsídio de isenção de horário (€531,71);
3) €8.231,82: vencimentos dos meses de fevereiro, março e abril de 2021 (remuneração, subsídio de alimentação e subsídio de isenção de horário);
4) €6.380,49: vencimentos correspondentes aos meses de maio, junho e julho;
5) €5.317,08: férias e subsídio de férias vencidas no ano de 2019 (€2.658,54 + €2.658,54);
6) €5.317,08: férias e subsídio de férias vencidas no ano de 2020 (€2.658,54 + €2.658,54);
7) €874,04: proporcionais das férias relativas ao ano de cessação;
8) €874,04: proporcionais do subsídio de férias relativos ao ano de cessação;
9) €699,23: proporcionais do subsídio de Natal relativos ao ano de cessação;
10) €5.000,00 a título de danos não patrimoniais,
11) Mais deverão ser condenados no pagamento de todas as quantias que compõem o vencimento do Autor e que não foram pagas entre abril de dezembro de 2020.
Todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 %, vencidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta até integral pagamento.
Caso assim não se entenda,
B) Ser a Ré BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA. condenada no pagamento ao Autor de todas as quantias referidas nos pontos 1) a 11) da alínea anterior, acrescidas de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 %, vencidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta até integral pagamento.
Caso assim não se entenda,
C) Serem os Réus BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA., e BB condenados no pagamento ao Autor de todas as quantias referidas nos pontos 1) a 11) da alínea anterior, acrescidas de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, vencidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta até integral pagamento.
D) Serem os Réus condenados no pagamento de custas, procuradoria e demais legal.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que foi trabalhador da 1.ª ré BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.; que resolveu o contrato com justa causa com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição; que  sendo os 2.º e 3.º réus são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos devidos ao autor, que enumera e peticiona, incluindo danos não patrimoniais que alega ter sofrido.
Realizada a audiência de partes, os 2.º e 3.ª réus apresentaram contestação onde alegaram, em síntese: que se verificar a inutilidade superveniente da lide quanto à 1.ª ré Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal, Lda, por força da declaração de insolvência; que a 3.ª ré Grey Zone, Lda., é parte ilegítima na acção; que o 2.º réu BB tudo fez para salvar a Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal, Lda., e que os créditos laborais peticionados não são devidos. Defendem a final a inutilidade superveniente da lide relativamente à 1.ª Ré, atenta a insolvência, a absolvição da instância da 3.ª Ré por ilegitimidade e a absolvição do pedido do 2.º Réu por não se verificarem os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica e pela inexistência dos créditos laborais peticionados pelo Autor, absolvendo-se os RR..
Em despacho pré-saneador foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à 1.ª ré/empregadora Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal, Lda., por ter sido declarada a sua insolvência por sentença proferida no dia 10 de Janeiro de 2022, no âmbito do processo n.º 21032/21.0T8LSB do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sentença essa que transitou em julgado no dia 26 de Agosto de 2022.
Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa em €59.940,86 e saneado o processo, dispensando-se a realização de audiência preliminar.
Fixou-se o objecto do litígio do seguinte modo:
“O objecto do litígio circunscreve-se:
a) à questão de saber se o 2.º réu, BB, é solidariamente responsável pelos créditos laborais reclamados pelo autor, já reconhecidos no processo de insolvência da empregadora BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., pelo montante de €59.940,86, nos termos do artigo 335.º do CT;
b) à questão de saber se a 3.º ré, GREY ZONE, LDA., é solidariamente responsável pelos créditos laborais reclamados pelo autor, já reconhecidos no processo de insolvência da empregadora BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., pelo montante de €59.940,86, nos termos do artigo 334.º do CT.”
Foi dispensada a enunciação dos temas de prova.
O A. reclamou do despacho de identificação do objecto do litígio, pugnando pela inclusão no mesmo do seguinte: “c) saber se, o comportamento assumido pelo 2.º Réu provocou sofrimento e perturbação psicológica ao Autor, causando-lhe danos morais, de valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros)”
Debruçando-se sobre esta reclamação, o Mmo. Juiz a quo indeferiu a mesma através de despacho em que exarou designadamente o seguinte:
“[…]
A responsabilidade solidária dos 2.º e 3.º réus, à luz dos artigos 334.º e 335.º do CT – única questão que subsiste em apreciação nos presentes autos, face à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à 1.ª ré (a empregadora do autor) – circunscreve-se a “crédito emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses”, não se afigurando, salvo melhor apreciação, que a eventual responsabilidade civil decorrente da actuação do 2.º réu se inclua na previsão dessas normas.
Destarte, indefere-se o requerido.
[…]”
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…]
Destarte, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
A) CONDENA-SE a ré GREY ZONE, LDA., nos termos do artigo 334.º do CT [solidariamente com a empregadora BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.], a pagar ao autor AA, a título de créditos laborais (neles se incluindo a indemnização nos termos do artigo 396.º do CT) a quantia de €59.940,86 (cinquenta e nove mil novecentos e quarenta euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;
B) ABSOLVE-SE o réu BB dos pedidos contra si deduzidos pelo autor.
Custas em partes iguais a cargo do autor e da ré GREY ZONE, LDA. – cfr. artigo 527.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT).
 […]»
1.2. A R. Grey Zone, Lda., inconformada, interpôs recurso desta decisão e elencou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da decisão de facto e de direito proferida a 14 de Junho e constante de fls. (...) dos autos, nos termos da qual se condenou a Recorrente nos termos do artigo 334º do Código do Trabalho (solidariamente com a empregadora Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal, Lda.) a pagar ao Recorrido, a título de créditos laborais a quantia de €59.940,86, acrescida de juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%, e absolveu o Réu BB dos pedidos contra si deduzidos pelo Recorrido.
2. Por não se conformar com a sentença proferida, na parte em que condena a Ré e Recorrente nos pedidos a que correspondem os pontos 1) a 9) e 11) de fls. 2 da decisão, vem a mesma dela recorrer quanto à matéria de Facto e de Direito.
3. Quanto à decisão sobre a matéria de facto, foram incorretamente julgados os FACTOS PROVADOS nos pontos 15, 18, 21, 29 e 31.
4. Quanto à matéria de Direito entende a Recorrente que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 334º do Código doTrabalho e 481º e ss doCSC.
5. Sendo o presente recurso interposto, com o devido respeito por melhor opinião, com arguição de nulidades e em errada interpretação e fixação da matéria de facto e direito dada como provada.
Com efeito,
6. O Tribunal a quo deu como provado no ponto 31. Dos Factos Provados que: “No âmbito de acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao aludido processo de insolvência [apenso "E"] foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo autor, no montante de €59.940,86.” Facto este que a Recorrente não contesta nem impugna.
7. Todavia,o MM Juiz a quo dá um salto lógico para o ponto da Fundamentação de Direito referente aos créditos laborais, em que conclui, sem mais:
“Dos créditos laborais devidos ao autor
No que respeita aos créditos laborais devidos ao autor (aqui se incluindo a indemnização pela resolução do contrato com justa causa), e considerando a matéria de facto dada como provada, necessariamente se conclui, sem necessidade de grandes considerações,que ao mesmo são devidos os reclamados créditos laborais - já reconhecidos no processo de insolvência da empregadora BALESKAPRESS - no montante de €59.940,86 (que inclui os créditos laborais emergentes da execução e cessação do contrato e a indemnização prevista no artigo 396.º do CT).
Tal quantia é devida, em primeira linha, pela [ex] empregadora BALESKAPRESS -PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., (e como tal foi já reconhecida no âmbito do processo de insolvência), pretendendo o autor que seja reconhecida a responsabilidade solidária dos réus.”
8. Ou seja, uma vez que os créditos laborais já se encontravam reconhecidos no âmbito do processo de insolvência, entendeu o Tribunal a quo que não haveria nada a apreciar ou a decidir quanto a esta matéria.
9. Ora a questão dos créditos laborais é uma questão primordial colocada pelas Partes e expressamente impugnada em sede de Contestação por todos os três RR. (cfr. artigos 112.º a 142.º da Contestação).
10. Sendo certo que nem o R. BB nem, muito menos, a R. e aqui Recorrente Grey Zone Lda., são ou foram parte no processo de insolvência, ou ouvidas nessa sede (nem tinham como sê-lo) quanto à reclamação de créditos, pelo não tinham aí legitimidade para impugnar os créditos reclamados, incluindo o montante da indemnização pela resolução do contrato com justa causa.
11. Não podia, assim, o Tribunal a quo dar por assente nos presentes autos o valor dos créditos laborais, só porque os mesmos se encontram reconhecidos no processo de insolvência da entidade patronal Baleskapress, que, saliente-se, deixou de ser parte nos presentes autos (cfr. ponto 1.4. da douta sentença).
12. O MM. Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre questões que lhe estavam colocadas nos presentes autos, mormente o montante e critério da indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, sendo, por isso, a sentença nula por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC ex vi artigo 77.º do CPT, nulidade que aqui vai expressamente arguida, a qual deverá ser apreciada e declarada por Vexas., nos termos e com as respetivas consequências legais.
13. Certo é que a R. e aqui Recorrente, em sede de Contestação impugnou, expressamente os Créditos Laborais peticionados na p.i. dos presentes autos, (cfr. artigos 112.º a 142.º da Contestação), mais precisamente:
 Nos artigos 119.º a 131.º (impugnando o pedido resultante do artigo 66. da p.i.) omontantepeticionadoatítulodeindemnizaçãopelaresoluçãocomjustacausa, impugnando a aplicação de 45 dias por cada ano de trabalho, pugnando e fundamento pela aplicação de 15 dias por cada ano de trabalho;
 No artigo 134.º ss, (impugnando o pedido resultante do artigo 67. c. da p.i.) o montante peticionado a título deretribuições pelos meses de maio;junho e julho, quando o contrato de trabalho tinha sido resolvido com efeitos a 30 de abril de 2022;
 Nos artigos 112.º a 118.º (impugnando o pedido resultante do artigo 67. d., e., f. da p.i.) os montantes peticionados a título de férias, porquanto o trabalhador esteve vários meses sem trabalhar.
 No artigo 142.º (impugnando o pedido resultante do artigo 77 da p.i.) o montante peticionado a título de danos não patrimoniais.
14. A matéria dos créditos laborais é, nos presentes autos, matéria controvertida pelo que o MM Juiz a quo não podia deixar de expressamente se pronunciar sobre ela. Ao deixar de se pronunciar sobre as questões supra, que lhe estavam colocadas nos presentes autos,deve asentença ser declarada nula por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC ex vi artigo 77.º do CPT, nulidade que aqui vai expressamente arguida, a qual deverá ser apreciada e declarada por Vexas., nos termos e com as respetivas consequências legais.
15. Ora, com o devido respeito, não pode a douta sentença, sem um mínimo de justificação ou fundamentação, apenas com o argumento de que os créditos laborais se encontravam reconhecidos no processo de insolvência, concluir que o respetivo montante aí reclamado era o devido.
16. Impunha-se, no mínimo, que o Tribunal a quo fundamentasse tal decisão, tanto mais que o 2.º e 3.º RR não eram parte no processo de insolvência e a 1.ª R. já não era parte na ação.
17. Consequentemente, também por esta via, deverá ser a sentença declarada nula por falta de fundamentação, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, ex vi do artigo 77.º do CPT, que se argui para os devidos efeitos legais, a qual deverá ser apreciada e declarada por Vexas., nos termos e com as respetivas consequências legais.
Acresce que
18. A decisão ora recorrida padece de nulidades, inconsistência, incoerência e fundamentação válida para o efeito pretendido, violando de forma clara o comando do artigo 607º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
19. In casu, o Mmo Juiz a quo elenca uma lista de argumentos como sendo válidos, suficientes e coerentes para a aplicação do instituto previsto no artigo 334º do CT e 481º e ss do CSC.
20. Os fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz a quo conduziriam, se tivesse sido realizado o devido e adequado juízo lógico-dedutivo, a um resultado oposto ao que foi expresso na decisão.
21. Deverá ser a sentença, também por esta via, declarada nula por falta de fundamentação, nos termos previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, o que se argui para os devidos efeitos legais.
22. Em face do objeto do presente recurso e da fundamentação da sentença, opta a Recorrente por limitar a impugnação da decisão da matéria de facto aos factos supra identificados.
23. O presente recurso, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto centra-se na análise crítica da matéria factual dada como assente em resultado do depoimento de parte prestado pelo também Réu e representante legal da Ré Recorrente, BB, e dos documentos juntos aos autos.
24. Sem embargo do cumprimento da obrigação de indicação das passagens relevantes de cada gravação quanto a cada facto impugnado, será útil e económico para os Venerandos Desembargadores a audição integral do depoimento do Réu BB, porquanto apenas da avaliação global do mesmo resultará uma avaliação cabal da sua valia probatória.
25. O Depoimento de Parte do Réu e Legal Representante da Recorrente - BB foi tomado na 1.ª sessão de julgamento: Depoimento gravado no Sistema Habilus Media Studio - Ficheiro Áudio 20230126102652_20355043_2871080.wma e  Ficheiro Áudio 20230126110624_20355043_2871080.wma.
26. A inquirição da Testemunha – CC foi tomada na 1ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230126112415_20355043_2871080.wma.
27. A inquirição da Testemunha – DD, tomada na 1ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230126114601_20355043_2871080.wma.
28. A inquirição da Testemunha – EE, tomada na 2ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230217110354_20355043_2871080.wma.
29. A inquirição da Testemunha – FF, tomada na 3ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230313095244_20355043_2871080.wma.
30. A inquirição da Testemunha – GG, tomado na 3ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230313100900_20355043_2871080.wma.
31. As Declarações de Parte do Recorrido – AA, tomada na 2ª sessão: o seu depoimento ficou gravado em sistema integrado de gravação digital disponívelna aplicação informática em uso       naquele Tribunal: Ficheiro Áudio 20230217112325_20355043_2871080.wma.
32. Para além da avaliação dos depoimentos referidos, assume especial pertinência a análise crítica dos documentos juntos ao processo.
33. No que se refere à Motivação, e conforme resulta da sentença de que se recorre,o Tribunal a quo formou a sua convicção,relativamente à matéria de facto, numa ilação individualista retirada da prova produzida em sede de audiência de julgamento, de per se, quer do confronto com a prova documental.
34. Conforme resultará da análise dos concretos factos que julgamos incorretamente julgados, que de seguida passaremos a analisar mais em detalhe, sempre se dirá que não se concorda com a apreciação realizada pelo Tribunal a quo.
35. Quanto ao Depoimento de Parte do Representante Legal da Ré Recorrente, BB, importa que Vexas, conforme em cima referido, escutem na íntegra o seu depoimento, com especial enfoque na espontaneidade com que aquele respondeu a todas as questões e que, conforme Assentada lavrada em Ata do dia 26 de Janeiro de 2023, resultou claramente que foram encetadas diversas tentativas de salvaguardar os direitos de todos os trabalhadores, incluindo os do Recorrido.
36. Confrontado este depoimento, com as declarações de parte do Recorrido, das testemunhas que trabalharam na Baleskapress, bem como dos artigos 102. e 103. da petição inicial, resulta que o próprio Recorrido assume que a Baleskapress e Greyzone eram entidades autónomas e totalmente independentes, não subsistindo qualquer confusão sobre as mesmas.
37. Das declarações de parte do Recorrido e das testemunhas DD, HH, II e JJ resulta um discurso decorado e patentemente não espontâneo, perante o M. Juiz a quo e um discurso evasivo,redondo e até receoso,em instâncias da mandatária das entãoRés.
38. A gravação do julgamento permite, segundo as regras da experiência e as práticas judiciárias consolidadas, sustentar a prova de inúmeros factos favoráveis à Recorrente, bem como infirmar muita da matéria que foi dada como provada pelo Mmo. Juiz e que é favorável àquela.
39. É igualmente patente o discurso decorado e adaptado ao depoimento das testemunhas ouvidas anteriormente, da testemunha HH, da testemunha DD e da testemunha JJ, que, nos seus depoimentos remetem uns para os outros a resposta às perguntas que lhes são colocadas, e é notório que, como foram ouvidos depois do Autor e de várias testemunhas, o seu discurso é decorado e adaptado ao depoimento das testemunhas ouvidas em sessão anterior.
40. Entendeu o Tribunal a quo desconsiderar as inquirições de outras testemunhas, como por exemplo da testemunha CC, EE, FF e GG que, contrariamente ao que resulta da sentença, demonstraram um conhecimento profundo do enquadramento fáctico e conjetural dos factos sobre os quais foram inquiridas, pois trabalharam diretamente com o representante legal da Ré.
41. Contra as regras da experiência, foram considerados mais credíveis os depoimentos detestemunhas quetrabalharam paraas Rés eque,todas elas, demonstraram animosidade e parcialidade, por terem ficado sem os seus empregos e, por isso mesmo, têm um interesse pessoal na causa.
42. Do facto provado 15 consta que se terá provado que “Por carta registada com aviso de receção, datada de 30 de abril de 2021, o Autor comunicou à 1.ª Ré a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) aplicável ex vi do n.º 5 do mesmo preceito legal, ambos do Código do Trabalho.”
43. No entanto, da prova documental e da prova produzida em sede de audiência de julgamento, com especial enfoque para o documento 9 junto com a petição inicial, resulta claro que o ali Autor e ora Recorrido enviou uma comunicação à Baleskapress, a qual não foi rececionada.
44. Deve, por isso, ser corrigido o facto 15, eliminando-se a expressão “comunicou” e substituir a mesma por “enviou à 1ª Ré comunicação onde alega ter informado a” e aditado “que não rececionou”,
45. Ficando o seu texto nos seguintes moldes: “Por carta registada com aviso de receção, datada de 30 de abril de 2021, o Autor enviou à 1.ª Ré, que não a rececionou, comunicação onde alega ter informado a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) aplicável ex vi do n.º 5 do mesmo preceito legal, ambos do Código do Trabalho.”
46. Do facto provado 19 consta que se terá provado que “Em 23 de novembro de 2020, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL,LDA.passou a ser titular de umaquota de €4.500,00,e o réu de uma quota de €500,00; em 16 de março de 2021, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. cedeu a sua quota ao réu BB, passando este a ser novamente o sócio único da 3.ª Ré GREY ZONE, LDA.”
47. No entanto, da prova documental junta aos autos, mais concretamente da certidão comercial junto como documento 16 com a petição inicial, resulta claro que foi a 28 de Dezembro de 2016 que a Ré BALESKAPRESS adquiriu participação social respeitante a 89,99% do capital social da Recorrente Grey Zone.
48. Na data aferida pela 1ª parte daquele facto provado 19, 23.11.2020, foi registada uma alteração do contrato de sociedade, através da insc. 5 – AP. 1, apenas quanto à alteração da morada da sede e morada dos sócios.
49. Deve por isso ser eliminada a 1ª parte do facto 19 e substituída por conteúdo que seja fidedigno com a informação comercial registada, nos seguintes moldes: “Em 28 de dezembro de 2016, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de participação social de €44.997,00, e o réu de uma quota de €5.000,00, por força do aumento de capital operado e registado”.
50. Deverá acrescentar-se, consequentemente, o FACTO PROVADO 19-A do qual deve constar: “Em 30 de Abril de 2020, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de uma quota de €4.500,00, e o réu de uma quota de €500,00, por força da redução de capital operada e registada.”
51. Do facto provado 21 consta que se terá provado que “A sede da 1.ª e 3.ª Ré foi sempre a mesma: Av. X Lisboa.”
52. No entanto, da conjugação do teor das certidões comerciais de ambas as sociedades comerciais, juntas como documentos 15 e 16 à petição inicial, constata-se que o teor deste facto provado 21 não tem correspondência com a verdade.
53. Desde logo porque a partilha da mesma morada de sede só ocorreu a partir de 17 de Outubro de 2018, data em que a Recorrente Grey Zone alterou a morada da sua sede para a mesma morada da sede da BALESKAPRESS.
54. Acresce ainda que aquele facto provado 21 padece de outra “maleita”, uma vez que, mesmo após 17.10.2018, as referidas sociedades comerciais partilharam morada da sede, a qual não se fixou apenas na Avenida X, Lisboa, conforme também o atestam as certidões comerciais juntas aos autos.
55. Razão pela qual aquele facto provado 21 deve ser eliminado e substituído por outro com o seguinte teor “A partir de 17 de Outubro de 2018 a 1.ª e 3.ª Rés passaram a partilhar a mesma morada da sede.”
56. Do facto provado 23 consta que “Os trabalhadores afetos ao departamento de moda da revista foram colocados nas lojas de roupa, a trabalhar ao balcão, a dobrar roupa, entre outras funções de lojista, voltando depois para o escritório para concluírem o seu trabalho na revista”
57. Contudo esta versão resulta somente da alegação avançada pelo Recorrido e corroborada pela testemunha DD, sem qualquer demonstração de tal, tendo sido contrariada pelo legal representante da Recorrente. Aliás, mesmo a versão que o Recorrido e testemunha apresentaram não corrobora o alegado do ponto de vista qualitativo e quantitativo afirmando a própria testemunha DD, que o único elemento de conexão que poderia existir entre a atividade da 1.ª e da 3.ª Ré, seria a nível da integração esporádica das peças vendidas na loja, na revista – Cfr. a passagem do depoimento prestado pela testemunha DD: Dos 4 minutos e 30 segundos aos 4 minutos e 58 segundos - Ficheiro Áudio 20230126114601_20355043_2871080.wma.
58. A decisão recorrida não se pronunciou, nem elencou quais os fundamentos para dar prevalência à versão do Recorrido, o que leva a que o facto 23 não pudesse constar nos factos provados,devendodeles ser eliminado,o que se argui.
59. Do facto provado 29 consta “As instalações da empresa ficaram vazias, sem ninguém a laborar.”
60. No entanto da prova produzida em sede de audiência de julgamento provou-se que a partir da Crise Pandémica COVID-19, mais concretamente a partir de Abril de 2020, os trabalhadores de ambas as sociedades comerciais deixaram de trabalhar, não se encontrando ninguém na sede de ambas as sociedades, o que se manteve desde então.
61. No entanto, e em sede de inquirição da testemunha CC, Administrador de Insolvência da Baleskapress, o mesmo referiu que na morada da sede da mesma, se encontravam diversos bens móveis e outros, sendo que 95% do ali depositado pertencia à Recorrente – Cfr. a passagem do depoimento prestado pela testemunha CC: De 1 minuto e 49 segundos aos 2 minutos e 48 segundos - Ficheiro Áudio 20230126112415_20355043_2871080.wma.
62. Ou seja, tal referência realizada por aquela testemunha, cujo conhecimento é de relevar, infirma o teor deste facto provado 29, devendo o mesmo ser corrigido no seguinte sentido: “A partir de Abril de 2020, as instalações da Baleskapress deixarem de ter trabalhadores a laborar.”
63. Salvo melhor opinião, e sem prejuízo do que infra se aferirá sobre a desconsideração da personalidade jurídica, apesar dos inúmeros factos carreados para os autos, o Mmo. Juiz a quo relevou somente aqueles (os 31 que constam da matéria de facto provada) que, na sua visão, poderiam fundar um juízo de responsabilização da Recorrente, omitindo totalmente a pronúncia sobre os demais factos carreados pelas partes, concretamente quanto à requerida desconsideração da personalidade jurídica, cuja apreciação se impunha e de forma especificada, nos termos e para os efeitos de cumprimento do disposto no comando do artigo 607º, nº 3 do CPC, razão pela qual, encontra-se eivada do vício de nulidade a decisão ora recorrida, nos termos e para os efeitos da alínea d) do artigo 615º do CPC, a qual deverá ser apreciada e declarada por Vexas., nos termos e com as respetivas consequências legais.
64. Todavia, quanto ao facto provado 31, donde consta: “No âmbito de acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao aludido processo de insolvência [apenso "E"] foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo autor, no montante de €59.940,86.”, como já referido supra nas invocadas nulidades (pontos 6 a 17), é verdade que os créditos laborais foram reconhecidos no âmbito do referido processo de insolvência, todavia a Recorrente impugnou-nos em sede de Contestação nos presentes autos (cfr. artigos 112.º a 142.º da Contestação), pelo que deve o mesmo ser corrigido no seguinte sentido:
“No âmbito de acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao aludido processo de insolvência [apenso "E"] foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo autor, no montante de €59.940,86, todavia os mesmos são matéria controvertida nos presentes autos.”
65. Consequentemente deve ser aditado o Facto Provado 32, com o seguinte teor: “São os seguintes os créditos laborais do Autor:
1) €10.234,38 a título deindemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho (€70,89 x 15 dias x 9 anos+ €664,23 de proporcionais);
2) € 1.543,94: remanescente do vencimento de janeiro de 2021;
3) €8.231,82: vencimentos dos meses de fevereiro, março e abril de 2021 (remuneração, subsídio de alimentação e subsídio de isenção de horário);
4) €2.658,54: subsídio de férias vencidas no ano de 2019;
5) €2.658,54: subsídio de férias vencidas no ano de 2020;
6) €874,04: proporcionais do subsídio deférias relativos ao ano de cessação;
7) €699,23: proporcionais do subsídio de Natal relativos ao ano de cessação;
No total de €26.900,49 (vinte e seis mil e novecentos euros e quarenta e nove cêntimos).
66. No que respeita à alegada responsabilização solidária da ré Grey Zone nos termos do artigo 334º do CT e do DIREITO a decisão recorrida refere:
“Temos, pois, que a ré GREY ZONE, através do seu único sócio e gerente BB, enquanto único sócio e gerente da BALESKA, podia por e dispor da BALESKAPRESS PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., como entendesse, o que aliás resulta demonstrado à saciedade da matéria de facto dada como provada.
(…)
Em suma, e reportando-nos agora ao caso em apreço, abandonando uma noção puramente formalista de relação de domínio, não poderá deixar de concluir-se à luz da matéria de facto apurada que a ré GREY ZONE, LDA., pode exercer - e exercia - uma influência dominante sobre a BALESKAPRESS, sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.º 1 e 2, do CSC).
Conclui-se, por tudo o exposto, que a ré GREY ZONE, LDA., responde solidariamente pelos créditos do autor, tal como se mostram reconhecidos no âmbito do referido processo de insolvência.”
67. Não deixa de ser curioso que na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo afirme que  a  Grey Zone exercia  uma    influência        dominante   sobre   a BALESKAPRESS, quando, na realidade foi a Baleskapress quem deteve, até 16 de Março de 2021, 90% do capital social da Grey Zone.
68. Da prova carreada para os autos, quer documental, quer testemunhal, quer por via do depoimento e declarações de parte, não resultou provado, nem sequer de forma indiciária, que a Grey Zone tivesse qualquer domínio sobre a Baleskapress.
69. Ora, não sendo a Grey Zone que controlava a entidade empregadora Baleskapress, apesar do sócio em comum, que era (é) uma pessoa singular e não coletiva, não é de aplicar o disposto no artigo 334.º do CT, tanto mais que este comando, ao contrário do 335.º do CT, só se aplica a pessoas coletivas, ou, quanto muito, a pessoas singulares que estejam a agir por conta de uma sociedade.
70. É reconhecido que não existe um preceito que tutele a desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico português2, de tal modo que a determinação das circunstâncias que suscitam a sua aplicação é fundamentalmente casuística, devendo a aplicação da figura ser sempre ponderadadeacordocom as circunstâncias concretas decadacaso,embora a sua configuração não possa deixar de ser apoiada em princípios gerais positivamente consagrados, doutrinariamente estudados e jurisprudencialmente aplicados.
71. Genericamente, são exigidos três requisitos cumulativos para que se considere o levantamento da personalidade jurídica, desde logo para efeitos de responsabilidade:
   Comportamento ilícito e culposo dos sócios (ou acionistas);
   Prejuízo para terceiros; e
   Nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e culposo e os prejuízos causados.
72. Aprofundando, repetimos que o que está aqui em causa é a correção de comportamentos ilícitos, fraudulentos, abusivos e de utilização da personalidade coletiva, com prejuízo para terceiros.
73. O ponto de partida, sendo esse o caso, será sempre a constatação de que certa personalidade coletiva foi abusivamente utilizada, mediante comportamento ilícito e culposo, por sócio(s) ou acionista(s).
74. Tendo em conta que o objetivo do disposto no artigo 334.º do CT, consiste em intensificar a garantia patrimonial de tais créditos laborais, obviando a que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação intersocietária redunde em prejuízo dos seus trabalhadores, e sendo certo que a Ré Grey Zone é que foi incluída numa relação de grupo com a Baleskapress (e não o contrário), tendo sido esta a deter 90% do capital social da Grey Zone;
75. E não esquecendo ainda que na verdade, era o sócio BB e a Ré Grey Zone que injetavam capital na Baleskapress, para esta suprir as suas dificuldades de tesouraria, e não o contrário, ou seja, a Grey Zone, como sociedade dominada que era, é que se descapitalizou para capitalizar a Baleskapress.
76. Não parecem, assim, verificarem-se os pressupostos da aplicação do artigo 334.º do CT ao caso dos presentes autos, porquanto:
 Não existe relação de participações recíprocas entre a Baleskapress e a Grey Zone;
 Não existe relação de domínio entre a Grey Zone e a Baleskapress,antes pelo contrário;
 Não há relação de Grupo, uma vez que o sócio pessoa singular não é titular de participações, em nenhuma delas, por conta de qualquer uma delas ou de outras sociedades. (cfr. artigos 483.º n.º 2 e 489.º n.º 1 do CSC).
77. Tanto mais que, salvo melhor entendimento, a ratio legis do dispositivo do 334.º do CT dirige-se, sempre, à sociedade que dirige e controla a entidade empregadora e não o contrário.
78. Não podendo se afastar os princípios que regem o disposto nos artigos 501.º a 503.º do CSC, em que é a sociedade mãe (dominadora) quem responde pelas dívidas da sociedade filha (dominada) e não o inverso.
79. Referindo alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o tema, tem-se considerado que esse comportamento ilícito poderá ter por base:
. Uma atuação em abuso de direito, fraude à lei ou violando a boa-fé – Acórdão de 26 de Junho de 2007: “«Por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros».”
. Uma actuação contra os bons costumes – Acórdão de 19 de Fevereiro de 2013: “tal responsabilidade pode fundamentar-se no artigo 334.º do Código Civil, sobre o abuso de direito, entendendo que a generalidade das pessoas tem direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, mas que esse direito tem limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
. Uma actuação contrária à ética dos negócios – Acórdão de 7 de Novembro de 2017: “também as relações têm usado considerandos de idêntico pendor para fundamentar as suas decisões, como sucedeu no acórdão da RC de 3-07-2013: «(…) Em todas estas situações verifica-se que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito.»”.
80. Essencial é, também, a efetiva existência de um prejuízo para terceiros.
81. A desconsideração da personalidade é, em si mesma, uma forte agressão e desvio aos vetores fundamentais do direito das sociedades, motivo pelo qual a sua promoção apenas fará sentido quando da sua não aplicação, resultem danos superiores aos que resultariam da sua utilização.
82. Se tal prejuízo não o correr, a desconsideração não deve ser promovida.
83. É ainda necessário, como requisito para o recurso a este instituto, a existência e comprovação de um nexo de causalidade entre o comportamento abusivo e o dano a terceiros,como se salienta,por exemplo, no Acórdão do STJ de 19.6.20185, relativamente a um caso de confusão de património: “para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade colectiva não basta a existência de uma situação de confusão de esferas patrimoniais entre o sócio e a sociedade (…). Mostra-se indispensável para tal efeito a demonstração do prejuízo e, concomitantemente, do nexo de causalidade entre este e a conduta desrespeitosa da autonomia patrimonial”.
84. O ónus da prova desses elementos ou pressupostos da desconsideração da personalidade coletiva, caberá ao credor que pretende fazer uso do levantamento – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Abril de 2022.
85. Cumpre ainda ressalvar que a mera verificação dos requisitos ou dos casos típicos atrás enunciados não significa, sem mais, que se possa recorrer à figura da desconsideração da personalidade jurídica e que se consiga acionar, com sucesso, um levantamento da personalidade.
86. Como tem já sido amplamente entendido pela jurisprudência “a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem caráter subsidiário, pois só deverá ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar”. – Acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2009.
87. O levantamento da personalidade tem, assim, carácter verdadeiramente excecional, depende de prévia prolação de sentença judicial e a sua aplicação apenas se justificará como forma de evitar um resultado injusto e iníquo a que o direito positivo não permitiria dar uma outra solução justa ou adequada – Acórdão do STJ de 3 de Maio de 2018
88. Existe um conjunto de princípios fundamentais, de necessidade, de adequação, de subsidiariedade e de excecionalidade, na figura do levantamento da personalidade que obrigará a que, como o refere MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, op. cit., p. 25, se as pretensões dos credores sociais puderem ser satisfeitas com recursos a outros institutos jurídicos legalmente consagrados, não se recorra a este mecanismo de contornos vagos e de alcance impreciso, fruto da elaboração ainda algo errática da doutrina e da jurisprudência, e propiciador de algum casuísmo e insegurança jurídica.
89. In casu, conforme supra aludido, da prova carreada para os autos não resultou provado ou sequer indiciadoum único pressuposto da aplicabilidade do instituto excecional da desconsideração da personalidade jurídica.
90. Basta atentar à matéria de facto provada, mesmo com os vícios acima identificados, para se perceber que inexiste matéria de facto que pudesse subsumir-se à desconsideração da personalidade jurídica.
91. Face ao supra exposto, andou mal a decisão recorrida quando condenou a Recorrente devendo ser revogada e, consequentemente, ser a Recorrente absolvida, in totum, do pedido, nomeadamente no que respeita a matéria de custas, tudo nos termos e com as respetivas consequências legais.”
1.2.  O A. apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo:
“A) DA NULIDADE DA SENTENÇA:
A) Pugna a Recorrente pela nulidade da Sentença porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo não deveria ter dado por assente o valor dos créditos laborais em virtude de se encontrarem reconhecidos no processo de Insolvência da entidade patronal BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.
B) Tal entendimento será sempre de rejeitar, pois,
C) Na Sentença de verificação de créditos em causa, proferida no processo 21032/21.0T8LSB-E (Ação de Verificação Ulterior de Créditos) e já transitada em julgado, foram reconhecidos os créditos laborais do Autor.
D) Créditos esses que correspondem aos peticionados nos presentes autos e em cujo pagamento ao Autor a Recorrente – solidariamente com a Ré BALESKAPRESS – foi condenada.
E) Andou bem o Tribunal a quo ao dar por assentes os créditos laborais reconhecidos no âmbito do processo 21032/21.0T8LSB-E pois, caso contrariasse aquela decisão, estaria a violar o caso julgado material.
F) Releva aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/09/2022, Proc. 5138/05.5YXLSB-F.L1.S1, onde se sumaria:“I. A sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em apenso do processo de insolvência, é apta a adquirir e a produzir força de caso julgado material quanto aos créditos aí reconhecidos”.
G) Veio ainda a Recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, porém, não justificou minimamente a sua pretensão, limitando-se a alegar que os factos carreados nos autos deveriam ter levado a um resultado distinto do expresso na decisão proferida.
H) Em bom rigor, a discordância da Recorrente assenta na valoração da prova efetuada pelo tribunal a quo, a qual, livremente formada e fundamentada, resulta da convicção lógica em face da prova produzida e à luz das regras da experiência comum, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
I) À luz do princípio da livre apreciação da prova, na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o Tribunal é livre de formar a sua convicção.
B) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO:
FACTO PROVADO 15:
J) Deu o Tribunal a quo como provado que, por carta registada com aviso de receção, datada de 30-04-2021, o Autor comunicou à BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa.
K) A missiva, enviada para a sede da BALESKAPRESS, foi devolvida ao remetente, por não reclamada.
L) Defende a Recorrente que da Sentença recorrida deveria constar expressamente que a Ré BALESKAPRESS não rececionou a aludida comunicação.
M) Todavia tal alteração em nada iria relevar para a boa decisão da causa, já que, a comunicação do Recorrido, enviada para a morada da sede da empresa foi devolvida ao remetente por não reclamada pelo destinatário junto dos CTT, sendo certo que, terá sido deixado um aviso para levantamento da mesma.
N) Como tal, a comunicação não foi recebida por culpa exclusiva da empregadora.
O) Donde, dá-se por recebida, independentemente de ter sido ou não rececionada, devendo, consequentemente, manter-se a redação dada pelo Tribunal a quo ao facto provado constante do ponto 15.
FACTO PROVADO 19:
P) Entende ainda a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma leitura incorreta da certidão comercial, alegando que a aquisição da quota de €4.500,00 pela Ré BALESKAPRESS ocorreu em 30/04/2020 e não em 23/11/2020.
Q) Ainda que estivesse correta, em NADA iria mudar aquilo que se pretende provar com este facto que é, por um lado, a relação de domínio entre a Ré e Recorrente GREY ZONE, LDA. e a Ré BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., por outro lado, o facto de, em 16 de março de 2021, a Ré BALESKAPRESS ter cedido a totalidade da sua quota ao Ré BB, passando este a ser novamente o único sócio da GREY ZONE, LDA.
FACTO PROVADO 21:
R) Diz também a Recorrente que a coincidência da morada da sede da BALESKAPRESS e da GREY ZONE, LDA. apenas ocorreu a partir de 17 de outubro de 2018.
S) Todavia, tal será um mero preciosismo que não tem qualquer impacto na decisão quanto à matéria de facto e de direito, nem tão pouco altera a substância da decisão.
T) Pois, ao invocar a correspondência entre as sedes, o Autor apenas quis demonstrar a relação de domínio existente entre as duas sociedades.
U) Sendo certo que, para a decisão proferida, o Tribunal a quo teve em conta não só a correspondência entre a sede das duas empresas, mas todas as outras evidências, tais como: titularidade das quotas da Recorrente GREY ZONE, LDA. pela Ré BALESKAPRESS; movimentações entre as contas bancárias das duas empresas; afetação dos trabalhadores do departamento de moda da BALESKAPRESS para as lojas de roupa da GREY ZONE, entre outras.
FACTO PROVADO 23:
V) Pugna a Recorrente pela exclusão do ponto 23 da matéria de facto provada, afirmando, para tanto, que a mesma apenas foi corroborada pelo depoimento do Recorrido e da testemunha DD, tendo sido contrariada pelo Réu BB.
W) Esclareceu a testemunha DD que: todo o trabalho que executou para a GREY ZONE em nada tinha que ver com o trabalho que fazia para a BALESKAPRESS.
X) Enquanto trabalhadora da BALESKAPRESS, a testemunha trabalhava na produção da revista “HAPPY WOMAN” (departamento de moda), a GREY ZONE tinha (e tem) uma loja de venda de roupa, aberta ao público, designada “NEW BLACK URBAN CONCEPT STORE”.
Y) A partir do momento em que a referida loja abriu portas, a testemunha DD passou a desempenhar funções relacionadas com aquele estabelecimento, designadamente, a recolha de peças de roupa da loja para posteriormente fotografar na sede da BALESKAPRESS.
Z) Mais esclareceu a testemunha DD que, apesar de prestar serviço para a GREY ZONE, foi sempre paga pela BALESKAPRESS.
AA) Também a testemunha II, ex-trabalhador da BALESKAPRESS afirmou que vários colegas dos departamentos de Marketing e Moda da BALESKAPRESS foram para a loja “NEW BLACK URBAN CONCEPT STORE”, deixando o seu trabalho na produção da revista.
BB) Ainda, a Testemunha HH esclareceu que, a partir de determinado momento, 90% do trabalho que fazia era para a GREY ZONE.
FACTO PROVADO 29:
CC) O Recorrido não consegue alcançar o propósito do peticionado pela Recorrente ao criticar o facto provado 29, nem tão pouco de que forma é que tal alteração poderia modificar a decisão proferida.
DD) Sendo certo que, após abril de 2020, o Recorrido e outros trabalhadores continuaram a laborar para a Ré BALESKAPRESS,
EE) Quando no artigo 117.º da Petição inicial o Recorrido afirma que as instalações estão vazias, reporta-se à data da entrada da ação que deu origem aos presentes autos, ou seja, 07 de março de 2022.
FACTOS PROVADOS 31 E 32:
FF) Remete-se aqui integralmente para tudo quanto ficou dito supra acerca do reconhecimento dos créditos do Autor/Recorrido no âmbito do processo 21032/21.0T8LSB-E, por sentença transitada em julgado,
GG)     Pelo que, a Sentença proferida não merece qualquer reparo nos pontos 31. e 32. da matéria dada como provada.
C) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE DIREITO – A RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DA RÉ GREY ZONE NOS TERMOS DO ARTIGO 334.º DO CÓDIGO DO TRABALHO:
HH)     Concluiu o Tribunal a quo pela condenação da Recorrente GREY ZONE, LDA., nos termos do artigo 334.º do CT – solidariamente com a empregadora BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. –, a pagar ao Recorrido o montante de €59.940,86, acrescido de juros, a título de créditos laborais.
II) A Recorrente entende não estarem preenchidos os requisitos do aludido preceito legal. Importa, todavia, atender aos seguintes factos, dados como provados:
JJ) A titularidade, pela BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA., de uma quota de €4.500,00 na GREY ZONE, LDA., a qual foi posteriormente cedida;
KK)Pouco tempo após a sua constituição, a GREY ZONE, LDA. passou a ter a mesma sede da BALESKAPRESS;
LL) A GREY ZONE, através do seu único sócio e gerente BB, enquanto único sócio e gerente da BALESKA, podia por e dispor da BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., como entendesse.
MM) Prova disso são as transferências bancárias, efetuadas da BALESKAPRESS para a GREY ZONE e vice-versa;
NN) Os trabalhadores da BALESKAPRESS, cujo trabalho estava ligado à edição da revista “HAPPY WOMAN”, começaram a exercer funções para a GREY ZONE, em especial, na loja “NEW BLACK URBAN CONCEPT STORE”, por esta titulada.
OO) Subsumindo estes factos ao direito, é manifesta a relação de domínio entre as duas sociedades.”
1.3. O recurso foi admitido com efeito devolutivo.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu douto Parecer no sentido de ser negada a apelação.
Foi cumprido o contraditório.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
*
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da nulidade da sentença;
2.ª – da impugnação da decisão de facto;
3.ª – saber se é necessária a ampliação da matéria de facto no que concerne à existência e montante dos créditos laborais peticionados, o que implica a análise da questão, prévia, de saber se a sentença proferida nos autos apensos ao processo de insolvência Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal Lda. faz caso julgado relativamente à recorrente, Grey Zone, Lda.; 4.ª – em caso negativo, aferir dos créditos – e respectiva medida – pelos quais poderá vir a ser considerada solidariamente responsável;
5.ª – saber se a recorrente, Grey Zone, Lda., deve ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos do recorrido emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses, o que suscita a sub-questão de saber se a mesma é susceptível de se enquadrar no âmbito subjectivo do artigo 334.º do Código do Trabalho;
Mostra-se neste momento assente nos autos, por não questionado por qualquer das partes em via de recurso, o segmento da sentença que absolveu do pedido o 2.º R. BB, na sua qualidade de gerente, por considerar a factualidade provada insuficiente para o preenchimento dos pressupostos de que depende a sua responsabilização solidária nos termos do artigo 335.º do Código do Trabalho pelos créditos reclamados pelo A.
Igualmente se mostra assente a questão dos danos não patrimoniais na medida em que o  2.º R. BB foi absolvido do inerente pedido e o A. não reagiu em via de recurso contra esta decisão constante da sentença, nem arguiu a respectiva nulidade no que concerne à 3.ª R. Grey Zone, Lda., a qual restringe a apelação à parte em que a sentença a condena “nos pedidos a que correspondem os pontos 1) a 9) e 11) de fls. 2 da decisão” (não abordando, porque nisso naturalmente não tem interesse, a questão do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais).
Persiste, pois, em discussão, apenas, a responsabilização da 3.ª R. Grey Zone, Lda., em regime de solidariedade com a empregadora, pelo pagamento dos demais créditos peticionados.
*
3. Da nulidade da sentença
*
A recorrente argui a nulidade da sentença por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, por não se ter o tribunal da 1ª instância se pronunciado sobre questões que lhe estavam colocadas nos presentes autos, mormente o montante e critério da indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa e demais créditos laborais, que a R. impugnou na contestação, aí alegando matéria controvertida sobre a qual o tribunal não se pronunciou. Invoca, também que não pode a sentença, sem um mínimo de justificação ou fundamentação, apenas com o argumento de que os créditos laborais se encontravam reconhecidos no processo de insolvência, concluir que o respetivo montante aí reclamado era o devido, invoca também a respectiva nulidade por falta de fundamentação, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 615º. Finalmente, alega que a decisão ora recorrida padece de nulidades, inconsistência, incoerência e fundamentação válida para o efeito pretendido, violando de forma clara o comando do artigo 607º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes e in casu o Mmo Juiz a quo elenca uma lista de argumentos como sendo válidos, suficientes e coerentes para a aplicação do instituto previsto no artigo 334º do CT e 481º e ss do CSC, os quais, se tivesse sido realizado o devido e adequado juízo lógico-dedutivo, conduziriam a um resultado oposto ao que foi expresso na decisão, pelo que a sentença será, também por esta via, nula nos termos previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC (conclusões 12.ª a 21.ª).
Vejamos, seguindo a ordem da recorrente, se assim é.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.ºs 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, é nula a sentença quando:
 “(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…).”
A nulidade por omissão de pronúncia prevenida na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil relaciona-se com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e “[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
O juiz mostra-se assim obrigado, por um lado, a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro lado, está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.
Sobre o que se deve entender por questões, para efeitos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tem-se considerado que, “questões”, para aquele efeito, são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções por elas assumidas[1].
Como observa o Prof. Alberto dos Reis, não enferma de nulidade por omissão de pronúncia a sentença “que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão[2].
Além disso, tal vício só existe quando a decisão omite qualquer pronúncia sobre determinada questão que deva conhecer e, não, quando o tribunal, invocando determinadas razões, deixa de conhecer da questão. Como diz o Prof. José Alberto dos Reis, “realmente uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção"[3].
Ou seja, se o tribunal invoca um fundamento, procedente, ou improcedente, para justificar a sua abstenção, poderá haver erro de julgamento que contende com o mérito da decisão – e não com a sua estrutura formal – e é sindicável em via de recurso, podendo a parte prejudicada questionar essa opção decisória.
A questão a decidir, neste aspecto apontado pela recorrente, era a da existência e valor dos créditos da empregadora por que a ora recorrente seria responsável, e sobre ela o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se, afirmando que “no que respeita aos créditos laborais devidos ao autor (aqui se incluindo a indemnização pela resolução do contrato com justa causa), e considerando a matéria de facto dada como provada, necessariamente se conclui, sem necessidade de grandes considerações, que ao mesmo são devidos os reclamados créditos laborais - já reconhecidos no processo de insolvência da empregadora BALESKAPRESS - no montante de €59.940,86 (que inclui os créditos laborais emergentes da execução e cessação do contrato e a indemnização prevista no artigo 396.º do CT).Tal quantia é devida, em primeira linha, pela [ex] empregadora BALESKAPRESS - PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., (e como tal foi já reconhecida no âmbito do processo de insolvência), pretendendo o autor que seja reconhecida a responsabilidade solidária dos réus”. Ou seja, o tribunal a quo considerou que, uma vez que os créditos laborais já se encontravam reconhecidos e fixados no âmbito do processo de insolvência por sentença transitada em julgado, tal era bastante para serem igualmente considerados na presente acção, restando apenas aferir se os RR. se enquadravam nas hipóteses dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho, tal como se infere das ulteriores considerações expressas na sentença.
Assim, não pode dizer-se que o tribunal da 1.ª instância omitiu pronúncia sobre a questão da existência e valor dos créditos laborais peticionados.
Numa outra vertente, o recorrente diz também ser nula a sentença per ter ele alegado na sua contestação matéria controvertida sobre a qual o tribunal não se pronunciou, a propósito desta mesma questão
Se há factos alegados e controvertidos com relevância para a decisão que não foram submetidos a instrução ou que, tendo-o sido, não foram objecto de decisão judicial e não ficaram a constar do elenco dos factos “provados” ou “não provados”, não se verifica a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas uma eventual insuficiência da decisão de facto, a determinar a anulação da sentença com vista à sua ampliação, caso esta seja imprescindível, nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma, o que constitui realidade distinta.
Poderá a mesma ser apreciada, sendo caso disso, caso venha este tribunal a reputar como deficiente a decisão de facto, e venha a considerar ser indispensável apurar factos alegados na contestação da ora recorrente, designadamente a alegação constante dos artigos 119.º e ss., avaliação a que se procederá após o conhecimento da impugnação deduzida quanto ao veredicto de facto do tribunal a quo.
Improcede a arguição de nulidade nesta vertente.
Quanto à assacada falta de fundamentação da sentença, também carece de razão a recorrente.
A explicitação dos fundamentos de facto e de direito que conduzem à decisão constitui uma das principais garantias dos cidadãos relativamente ao controle das decisões dos tribunais, ao mesmo tempo que é instrumento da legitimação da respectiva actividade, e encontra apoio constitucional no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Mas no caso vertente, afigura-se-nos evidente que a decisão sob recurso explicitou de modo suficiente a razão – o fundamento – por que, na sua perspectiva, o montante reclamado na sentença proferida na acção de verificação ulterior de créditos apensa ao processo em que foi declarada a insolvência da 1.ª R.  era o devido: o facto de os créditos laborais aí se encontrarem reconhecidos por sentença transitada em julgado.
Pode entender-se que o Mmo. Juiz a quo devia ter encarado tal questão noutra perspectiva, ou que devia atender a outras particularidades do caso, vg. à circunstância os 2. e 3.º RR. não serem parte no processo de insolvência, e às eventuais implicações de tal circunstância – o que poderá eventualmente acarretar erro de julgamento –, mas não pode afirmar-se que a decisão padece do vício de falta de fundamentação que lhe foi assacado pela recorrente.
Quanto à alegação de ser a sentença nula por “inconsistência, incoerência e fundamentação válida para o efeito pretendido, violando de forma clara o comando do artigo 607º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” e por os fundamentos invocados na sentença deverem conduzir a um resultado oposto ao expresso na decisão, vício que a recorrente enquadra no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), não se alcança também que o mesmo se verifique no caso sub judice.
O artigo 615.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho corresponde ao artigo 668º do Código de Processo Civil revogado, tendo inovado justamente na alínea c), do nº 1, ao prever a ambiguidade ou a obscuridade que torne a decisão ininteligível [para além da supressão da alínea f) do mesmo nº 1, cuja previsão que agora está em parte contemplada no nº 1 do artigo que antecede]. Os vícios aqui previstos, que anteriormente constituíam fundamento para pedido de aclaração da sentença ou acórdão, só têm cabimento quando algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos)[4].
Tal só tem razão de ser quando não seja possível apreender o sentido da decisão, ou de alguma das suas passagens, ou quando delas se alcance mais do que um sentido: só nestas situações haverá nulidade, devendo as partes, nesse caso, indicar as passagens da sentença (ou do acórdão) que reputam de obscuras ou ambíguas e as razões porque tal acontece[5].
Ora resulta das alegações da recorrente que esta compreendeu perfeitamente a sentença que decidiu a acção e o sentido da decisão que da mesma consta, não se vendo por que razão diz não se mostrar observado o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, já que a na sentença se mostram discriminados os factos que o Mmo. Juiz da 1.ª instância considerou provados, bem como indicadas, interpretadas e aplicadas as normas jurídicas correspondentes.
Não se detecta, por outro lado, qualquer contradição no juízo lógico-dedutivo expresso pelo Mmo. Juiz a quo, contradição que, diga-se, a recorrente também não explicita limitando-se a afirmá-la conclusivamente.
Em suma, e na esteira do propugnado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, consideramos que não ocorre qualquer vício processual que deva ser declarado, julgando improcedente a arguida nulidade.
*
4. A decisão de facto do tribunal a quo
*
O tribunal a quo emitiu a seguinte decisão de facto:
«II.1.a) FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, e com pertinência, mostram-se provados os seguintes factos:
1. Em 13-09-2011, o autor celebrou com a [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.] um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, renovável [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
2. O autor começou por exercer as funções de Diretor da Delegação Norte, depois Diretor de Publicidade, e, findo um ano e meio de relação laboral, o contrato de trabalho converteu-se em sem termo e o autor passou a assumir as funções de Diretor Comercial [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
3. As funções desempenhadas pelo autor consistiam, em suma, no seguinte [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES]:
- gestão do departamento comercial;
- gestão do departamento de distribuição da empresa;
- gestão das comunicações com a gráfica no processo de produção das revistas;
- auxílio na gestão do departamento financeiro;
- gestão do processo de assinaturas mensais da revista “HAPPY WOMAN”;
- visita a clientes (para angariação de espaços publicitários na revista, para compra de revistas);
- contactos com agências de publicidade para gestão dos contratos de publicidade existentes;
- controle e preenchimento dos boletins de controlo de vendas e circulação (APCT);
- gestão de toda a estrutura da empresa nas ausências do diretor geral.
4. À data da cessação do contrato de trabalho, o autor auferia um vencimento mensal ilíquido de € 2.126,83, acrescido de subsídio de alimentação e um subsídio de isenção de horário [artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
5. Em 06-12-2018 o autor sofreu um acidente de trabalho, tendo estado numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho até 15-02-2020 [artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
6. Por carta datada de 08 de abril de 2020, remetida pela [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.] – e assinada pelo seu representante legal, o réu BB –, cuja cópia faz fls. 18v. e 19 dos autos, foi comunicado ao autor que a empresa se encontrava em situação de crise empresarial decorrente da pandemia provocada pela doença COVID-19, donde, iria proceder à suspensão dos contratos de trabalho no âmbito do regime simplificado de Lay-off [artigo x.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
7. Todos os trabalhadores receberam uma comunicação de igual teor [artigo 11.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
8. De acordo com a aludida comunicação, a suspensão de todos os contratos de trabalho, motivada por uma quebra de 48% da faturação, tinha a previsão inicial de um mês, podendo ser renovada por mais dois meses [artigo 12.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
9. A partir de abril de 2020, inclusive, o autor passou a receber o vencimento não por inteiro, mas apenas parte do salário, alegadamente resultante da aplicação do regime de Lay-Off [artigo 13.º da PETIÇÃO INICIAL].
10. Após agosto de 2020, o autor deixou de receber mensalmente os seus recibos de vencimento [artigo 15.º da PETIÇÃO INICIAL].
11. No recibo de vencimento relativo ao mês de agosto de 2020 verifica-se um desconto indevido sob a rúbrica “Falta Lay off - Covid 19 - 1,00 Dias”, não tendo o autor faltado [artigo 16.º da PETIÇÃO INICIAL].
12. Quando em setembro de 2020 o autor contactou os serviços da Segurança Social, foi informado que, de acordo com os registos daquele Instituto, durante o ano de 2020, a [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. não havia beneficiado da aplicação do regime do Lay-off [artigo 18.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
13. Desde abril de 2020 e até à cessação do contrato – com efeitos a 30 de abril de 2021 – o autor nunca mais recebeu o vencimento por inteiro [artigo 19.º da PETIÇÃO INICIAL].
14. Em janeiro de 2021, o autor não recebeu o salário por inteiro, e, desde fevereiro de 2021 até à data da propositura da acção, nada mais lhe foi pago [artigo 22.º da PETIÇÃO INICIAL].
15. Por carta registada com aviso de receção, datada de 30-04-2021, cuja cópia faz fls. 23 e 23v. dos autos, o autor comunicou à BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) aplicável ex vi do n.º 5 do mesmo preceito legal, ambos do Código do Trabalho [artigo 33.º da PETIÇÃO INICIAL].
16. A BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA., foi constituída em 14 de outubro de 2005, com o capital social de €5.000,00, integralmente realizado, representado por duas quotas: uma quota no valor nominal de €4.900,00, detida por BB, e outra quota no valor nominal de €100,00, detida por KK. Em julho de 2014, o réu BB passou a ser titular da totalidade do capital social, situação que se mantém até à presente data [artigo 94.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
17. A BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL LDA., tinha como objeto social: impressão, publicação e distribuição de livros, revistas, jornais e brochuras e qualquer outra edição tipográfica, o comércio dos bens atrás descritos, incluindo a exploração e gestão de postos de venda, bem como a importação e exportação de quaisquer bens ou serviços bem como a angariação de publicidade e realização de eventos, concursos, passatempos publicitários ou promocionais [artigo 95.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
18. A ré GREY ZONE, LDA., foi constituída em 16 de abril de 2015, com o capital social de €5.000,00, integralmente realizado, representado uma quota no valor nominal de €5.000,00, detida pelo réu BB [artigo 96.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
19. Em 23 de novembro de 2020, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., passou a ser titular de uma quota de € 4.500,00, e o réu de uma quota de € 500,00; em 16 de março de 2021, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., cedeu a sua quota ao réu BB, passando este a ser novamente o sócio único da ré GREY ZONE, LDA. [artigo 97.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
20. A ré GREY ZONE, LDA. tem como objeto social: comércio a retalho por correspondência ou via internet de bens no domínio da moda, calçado, acessórios, cosmética, perfumaria, maquilhagem, beleza, decoração, gadgets, livros, revistas e outras publicações periódicas, bem como importação e exportação de bens nestes domínios. Comércio a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria, em estabelecimentos especializados. Fabrico de bens na área da moda, vestuário, perfumaria, maquilhagem, entre outros produtos de beleza e acessórios. Atividades de design no domínio da criação de projetos específicos, consultadoria, marketing e publicidade. Atividades de exploração de instalações de espetáculos e de organização de eventos [artigo 98.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
21. A sede da BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. e da ré GREY ZONE, LDA., foi sempre a mesma: Av. X Lisboa [artigo 99.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
22. A constituição da GREY ZONE teve por base a intenção de abertura de lojas de roupa, tendo sido abertas, pelo menos, duas lojas de roupa: uma no Saldanha, e outra no Y, Lisboa [artigos 100.º e 101.º da PETIÇÃO INICIAL].
23. Os trabalhadores afetos ao departamento de moda da revista foram colocados nas lojas de roupa, a trabalhar ao balcão, a dobrar roupa, entre outras funções de lojista, voltando depois para o escritório para concluírem o seu trabalho na revista [artigos 104.º e 105.º da PETIÇÃO INICIAL].
24. Entre 01-01-2017 e 30-01-2021 foram efectuadas as transferências bancárias – a débito e a crédito – entre a [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.], o réu BB e a ré GREY ZONE, LDA., que se mostram espelhadas nos extratos da conta n.º …, titulada pela BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., no BANKINTER, cujas cópias fazem fls. 120 a 253 dos autos, e que aqui se dão por reproduzidos [artigo 106.º da PETIÇÃO INICIAL].
25. O réu BB possuiu diversos carros adquiridos em nome da BALESKAPRESS [artigo 108.º da PETIÇÃO INICIAL].
26. Para aquisição da mais recente viatura, um TESLA, matrícula…, o réu BB contraiu um crédito de aproximadamente € 77.000,00 em nome da [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.], tendo o montante da entrada inicial sido previamente transferido para a conta da BALESKAPRESS pela ré GREY ZONE, LDA., e várias mensalidades foram pagas pelo réu BB [artigo 109.º da PETIÇÃO INICIAL].
27. Foi ainda contratado em nome da [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.] um leasing referente a uma viatura marca AUDI, modelo A1, matrícula…, o qual era utilizado pela enteada do réu BB, com uma prestação mensal, a cargo da BALESKAPRESS, de aproximadamente €300,00 [artigo 110.º da PETIÇÃO INICIAL].
28. Foram ainda celebrados em nome da [primitiva 1.ª ré] BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA.], outros dois contratos de crédito automóvel, para aquisição de duas viaturas marca MERCEDES-BENZ, uma que era utilizada pelo irmão do réu BB e outra mais antiga que, tendo sido inicialmente utilizada pelo réu BB, era atualmente utilizada pelos pais deste [artigo 111.º da PETIÇÃO INICIAL].
29. As instalações da Basleskapress ficaram vazias, sem ninguém a laborar [artigo 117º da PETIÇÃO INICIAL].
30. A BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA., foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 10-01-2022, no âmbito do processo n.º 21032/21.0T8LSB do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, transitada em julgado no dia 26-08-2022.
31. No âmbito de acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao aludido processo de insolvência [apenso “E”] foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo autor, no montante de €59.940,86.
**
II.1.b) FACTOS NÃO PROVADOS
Com pertinência [e atenta a repartição do ónus da prova], inexistem factos por provar.
**
A circunstância de a demais matéria constante dos articulados não ter sido elencada supra resulta de o Tribunal a ter considerado não pertinente para a decisão da causa – atentas as regras de repartição do ónus da prova – e/ou matéria de direito ou conclusiva.»
*
5. A impugnação da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão de facto constante da sentença, para o que cumpre de modo suficiente os ónus legais previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Vejamos.
*
5.1. Quanto ao ponto 15. dos factos provados
Ficou provado neste ponto da decisão que:
 “Por carta registada com aviso de receção, datada de 30 de abril de 2021, o Autor comunicou à 1.ª Ré a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) aplicável ex vi do n.º 5 do mesmo preceito legal, ambos do Código do Trabalho.”
Alega a recorrente que da prova documental e da prova produzida em sede de audiência de julgamento, com especial enfoque para o documento 9 junto com a petição inicial, resulta claro que o ali Autor enviou uma comunicação à Baleskapress, a qual não foi rececionada.
Defende, por isso, que seja corrigido o facto 15, eliminando-se a expressão “comunicou” e substituindo a mesma por “enviou à 1ª Ré comunicação onde alega ter informado a” e aditado “que não rececionou”, ficando o seu texto nos seguintes moldes: “Por carta registada com aviso de receção, datada de 30 de abril de 2021, o Autor enviou à 1.ª Ré, que não a rececionou, comunicação onde alega ter informado a suspensão do contrato de trabalho, e, em simultâneo, a resolução do mesmo, com justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) aplicável ex vi do n.º 5 do mesmo preceito legal, ambos do Código do Trabalho.”
O Mmo. Juiz a quo alicerçou a prova deste facto do seguinte modo: “A resposta ao artigo 33.º da PETIÇÃO INICIAL fundou-se no teor dos documentos de fls. 23 a 25v., em conjugação com as declarações de parte do autor”.
Compulsados os indicados documentos e ouvidas as declarações de parte do A., bem como analisada a contestação da recorrente – na qual é alegado que as comunicações não foram recebidas em virtude de a sede da empresa não se encontrar em funcionamento (artigo 105.º) e que em Julho tomou conhecimento da resolução e terminou o envio das declarações de remuneração, o que denota ter aceite a sua eficácia (artigo 109.º) – cremos que deverá fazer-se constar da decisão de facto que a missiva foi remetida para a sede da R. e devolvida, por não reclamada, no dia 13 de Maio de 2021, tal como os documentos de fls. 23 a 25 verso evidenciam.
Quanto a saber se este envio, no condicionalismo apurado, equivale a uma comunicação que logo deve ter-se por recepcionada pelo destinatário, e qual a data em que a mesma produz efeitos é questão jurídica que não atine já à decisão de facto.
Assim, mantém-se o facto 15. e adita-se à decisão o facto 15-A., ficando o mesmo com a seguinte redacção:
“15-A. A carta referida no ponto 15. foi remetida para a sede da 1.ª e foi tentada a sua entrega pelos serviços dos correios no dia 3 de Maio de 2021, bem como deixado aviso à destinatária, sendo devolvida ao remetente, por não reclamada, no dia 13 de Maio de 2021.”
*
5.2. Quanto ao ponto 19. dos factos provados
Ficou provado neste ponto da decisão que:
 “19. Em 23 de novembro de 2020, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL,LDA. passou a ser titular de uma quota de €4.500,00,e o réu de uma quota de €500,00; em 16 de março de 2021, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. cedeu a sua quota ao réu BB, passando este a ser novamente o sócio único da 3.ª Ré GREY ZONE, LDA.”
Alega a recorrente que da prova documental junta aos autos, mais concretamente da certidão comercial junto como documento 16 com a petição inicial, resulta claro que foi a 28 de Dezembro de 2016 que a Ré BALESKAPRESS adquiriu participação social respeitante a 89,99% do capital social da Recorrente Grey Zone e que na data de 23 de Novembro de 2020, foi registada uma alteração do contrato de sociedade, através da insc.5 – AP.1, apenas quanto à alteração da morada da sede e morada dos sócios.
E sustenta que seja eliminada a 1ª parte do facto 19 e substituída por conteúdo que seja fidedigno com a informação comercial registada, nos seguintes moldes: “Em 28 de dezembro de 2016, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de participação social de €44.997,00, e o réu de uma quota de €5.000,00, por força do aumento de capital operado e registado” e se acrescente uma facto 19-A do qual conste que “Em 30 de Abril de 2020, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de uma quota de €4.500,00, e o réu de uma quota de €500,00, por força da redução de capital operada e registada.”
O facto 19. corresponde à alegação do A. constante do artigo 97.º da petição inicial e ficou exarado na sentença que o mesmo se provou por documento.
Compulsado o documento de fls. 37 e ss. relativo à inscrição registral da Grey Zone, Lda., verifica-se que, efectivamente, o facto provado 19. não constitui expressão fiel do que o documento revela, cumprindo por isso adequar os factos provados ao que emerge do registo documentado nos autos – cfr. o artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Assim, altera-se o facto 19. e aditam-se à decisão os factos 19.º-A e 19.º-B, ficando tais pontos da decisão com o seguinte teor:
“19. Em 28 de Dezembro de 2016, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de participação social de €44.997,00, e o réu BB de uma quota de €5.000,00, por força do aumento de capital operado e registado, sendo a GREY ZONE transformada em sociedade anónima.
19-A. Em 30 de Abril de 2020, a GREY ZONE foi de novo transformada em sociedade por quotas, e a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. passou a ser titular de uma quota de €4.500,00, e o réu BB de uma quota de €500,00, por força da redução de capital operada e registada.
19-B. Em 16 de março de 2021, a BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. cedeu a sua quota ao réu BB, passando este a ser novamente o sócio único da 3.ª Ré GREY ZONE, LDA.”
*
5.3. Quanto ao ponto 21. dos factos provados
Ficou provado neste ponto da decisão que:
“21. A sede da BALESKAPRESS – PUBLICAÇÕES E MARKETING, UNIPESSOAL, LDA. e da ré GREY ZONE, LDA., foi sempre a mesma: Av. X Lisboa.”
O Mmo. Juiz da 1.ª instância considerou este facto, que corresponde à alegação do artigo 99.º da petição inicial, provado por documento.
Na sua impugnação a recorrente socorre-se novamente da prova documental, concretamente das certidões comerciais de ambas as sociedades comerciais, juntas como documentos 15 e 16 à petição inicial.
Ora conjugando estas duas certidões comerciais de ambas as sociedades comerciais, que constam de fls. 31 verso e ss. e 37 e ss., não vemos como não acolher a tese da recorrente.
Na verdade, da conjugação do seu teor constata-se que a partilha da mesma morada de sede só ocorreu a partir de 17 de Janeiro (não Outubro, como diz a recorrente) de 2018, data em que a recorrente Grey Zone alterou a morada da sua sede para a mesma morada da sede da BALESKAPRESS, que era então, e já desde 2016, a Av. X Lisboa.
Além disso, as certidões comerciais juntas aos autos evidenciam que, mesmo após Janeiro de 2018, as referidas sociedades comerciais partilharam morada da sede, é certo, mas ambas mudaram em 23 de Novembro de 2020 para a R. Professor Aires de Sousa.
Em conformidade, e visto o preceituado nos artigos 607.º, n.º 4, 2.ª parte e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, altera-se o facto 21., passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
 “21. A partir de 17 de Janeiro de 2018 a 1.ª e 3.ª RR. passaram a ter a mesma morada da sede.”
*
5.4. Quanto ao ponto 23. dos factos provados
Ficou provado neste ponto da decisão que:
 “23. Os trabalhadores afetos ao departamento de moda da revista foram colocados nas lojas de roupa, a trabalhar ao balcão, a dobrar roupa, entre outras funções de lojista, voltando depois para o escritório para concluírem o seu trabalho na revista [artigos 104.º e 105.º da PETIÇÃO INICIAL].”
O Mmo. Juiz da 1.ª instância fundou a sua convicção quanto a este facto nos depoimentos de DD e HH, em conjugação com as declarações de parte do autor.
E exarou, quando relatou o modo como ponderou criticamente estes meios de prova à luz das regras da experiência, o seguinte:
“[…]
▪ declarações de parte do autor AA, que no essencial corroborou os factos alegados na Petição Inicial; dado o seu evidente interesse no desfecho da causa, as suas declarações foram valoradas essencialmente na medida em que foram corroboradas pelos demais meios de prova.
(…)
▪ depoimento de DD; técnica contabilidade; esteve com contrato um ano e meio na BALESKAPRESS e também fazia alguns serviços na GREY ZONE; era do departamento de moda; fazia recolhas de peças nas lojas que eram integradas nas edições de editoriais de moda e nas páginas de shopping. Esclareceu que a GREY ZONE começou mais ou menos em 2018; a dada altura o réu BB deu-lhe instruções para passar a fazer serviço também na loja de roupa da Grey Zone (a “New Black concept store”). Em determinados momentos trabalhava na Grey Zone (etiquetar roupas que chegavam, cobrir faltas de colegas, etc.), depois voltava para a revista. A partir de determinada altura as únicas peças apresentadas na revista eram peças da “New Black” e o único anunciante que tinham na revista era a “New Black”; foi quando a testemunha saiu, porque percebeu que não era possível a revisa aguentar-se apenas com um anunciante.
(…)
▪ depoimento de HH; trabalhador da construção; também tem uma acção pendente contra os réus; trabalhou para a BALESKAPRESS desde 2008 (com uma interrupção, depois regressou). Fazia um pouco de tudo, incluindo assuntos particulares do réu BB e da sua ex-mulher. Distribuía as sobras das revistas nos Spas, ia aos bancos e correios, etc. Era mais ou menos paquete. Manteve-se sempre como funcionário da BALESKAPRESS mas a partir de certa altura passava 90% do tempo a fazer serviços para a GREY ZONE, a transportar roupas de um lado para o outro, entre outras coisas (assim como também na abertura da loja). Andava com caixas de roupas de um lado para o outro, incluindo para a BALESKAPRESS. Referiu ainda que existiam vários carros (Tesla, Audi, Mercedes) que não eram usados para a revista. O único carro necessário era a carrinha que ele usava para distribuir revistas.
[…]”
Alega a recorrente que o descrito no facto 23. resulta somente da alegação do recorrido e do depoimento da testemunha DD, tendo sido contrariado pelo legal representante da recorrente. Alega, também, que mesmo a versão que o recorrido e testemunha apresentaram não corrobora o alegado do ponto de vista qualitativo e quantitativo afirmando a própria testemunha DD, que o único elemento de conexão que poderia existir entre a atividade da 1.ª e da 3.ª Ré, seria a nível da integração esporádica das peças vendidas na loja, na revista. E defende que seja eliminado este facto, aduzindo ainda que a sentença não elencou quais os fundamentos para dar prevalência à versão do recorrido.
Uma vez ouvidos os indicados depoimentos e declarações, que constatámos terem o conteúdo que lhes assinalou o Mmo. Juiz a quo, não vemos razões para divergir da convicção pelo mesmo firmada.
Deve dizer-se que a recorrente invoca genericamente que o seu representante legal contrariou  a alegação do recorrido, corroborada pela testemunha DD, sem indicar as passagens da gravação do seu representante legal em que se funda, sem transcrever qualquer excerto do seu depoimento e sem indicar, sequer, o sentido do mesmo – o que naturalmente seria em si insuficiente, à luz do artigo 640.º do Código de Processo Civil –, limitando-se a invocar um excerto do depoimento da testemunha DD em que a mesma particulariza um elemento de conexão entre as actividades das 1.ª e 3.ª RR., mas não põe em causa tudo o mais que concomitantemente esta testemunha relatou quanto aos serviços que fez a partir de certa altura na loja de roupa da Grey Zone (a “New Black concept store”), tais como etiquetar roupas que chegavam e cobrir faltas de colegas, sob instruções do 2.ª R.
Acresce que também a testemunha II, designer que exerceu funções para a 1.ª R. até Setembro de 2019,fazendo a concepção gráfica da revista, afirmou que tomou conhecimento da Grey Zone, Lda., quando o réu BB lhe pediu um nome “New Black” para a nova marca e relatou que também criou depois a imagem gráfica da marca e a imagem institucional e fez outros trabalhos de publicidade, trabalho que não lhe foi pago pela 3.ª R., mas pela 1.ª R. sua empregadora. Afirmou também que réu BB lhe dava ordens indistintamente da 1.ª e da 3.ª RR., o que também aconteceu com outros colegas de outras áreas, relatando especificamente que algumas colegas do marketing chegaram a ter que abandonar as suas funções e ir trabalhar para a loja porque era preciso alguém na loja.
Perante estes depoimentos, que foram prestados de forma coerente e que se nos afigurou sincera, apesar de se intuir algum desagrado das testemunhas que foram trabalhadores da 1.ª R. e ficaram sem o seu emprego, e sem que haja meios de prova susceptíveis de os colocar em causa, entendemos que não se vislumbra qualquer erro de julgamento na decisão de facto que ficou a constar do ponto 23. e que os meios de prova disponíveis, uma vez reponderados, não impõem uma decisão diversa da recorrida, tal como exige o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para que se altere a decisão de facto pelo Tribunal da Relação.
*
5.5. Quanto ao ponto 29. dos factos provados
Ficou provado neste ponto da decisão que:
 “29. As instalações da Basleskapress ficaram vazias, sem ninguém a laborar [artigo 117º da PETIÇÃO INICIAL].”
O Mmo. Juiz da 1.ª instância fundou-se no depoimento de CC, em conjugação com as declarações de parte do autor.
Alega a recorrente que a “testemunha” CC referiu que na morada da sede da mesma, se encontravam diversos bens móveis e outros, sendo que 95% do ali depositado pertencia à 3.ª R. e defende se altere este facto para o seguinte: “A partir de Abril de 2020, as instalações da Baleskapress deixarem de ter trabalhadores a laborar.”
Analisada a petição inicial, verifica-se que na mesma o A. alega que as instalações da 1.ª R. “estão vazias, sem ninguém laborar”, pelo que a sua alegação se reporta a 7 de Março de 2022, data da petição inicial.
O pretendido pela recorrente vai bem além desta alegação, em termos temporais, recuando o facto a 2020.
Por outro lado, confirmando-se que o depoimento de CC administrador judicial da insolvência da 1.ª R., foi no sentido de ter encontrado bens na sede da 1.ª R., sendo 95% era material da loja do Saldanha, pertença da 3.ª R., havendo apenas 4 secretárias da 1.ª R., não pode afirmar-se com segurança quando ocorreu este acto, não abalando o mesmo que em Março de 2022 as instalações da 1.ª R. estivessem efectivamente vazias e sem ninguém a laborar, pelo que também quanto a este facto as provas indicadas, uma vez reapreciadas, não impõem uma decisão diversa da recorrida.
*
5.6. Quanto ao ponto 31. dos factos provados e ao facto que se pretende aditar
Ficou provado no ponto 31. da sentença que:
 “No âmbito de acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao aludido processo de insolvência [apenso "E"] foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo autor, no montante de €59.940,86.”
 Alega a recorrente ser verdade que os créditos laborais foram reconhecidos no âmbito do referido processo de insolvência, todavia a Recorrente impugnou-nos em sede de Contestação nos presentes autos (cfr. artigos 112.º a 142.º da Contestação), pelo que deve o facto 31. ser corrigido acrescentando-se ao mesmo que “todavia os mesmos são matéria controvertida nos presentes autos”.
E defende se adite um facto provado 32. com o seguinte teor:
“São os seguintes os créditos laborais do Autor:
1) €10.234,38 a título de indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho (€70,89 x 15 dias x9 anos+ €664,23 de proporcionais);
2) €1.543,94: remanescente do vencimento de janeiro de 2021;
3) €8.231,82: vencimentos dos meses de fevereiro, março e abril de 2021 (remuneração, subsídio de alimentação e subsídio de isenção de horário);
4) €2.658,54: subsídio de férias vencidas no ano de 2019;
5) €2.658,54: subsídio de férias vencidas no ano de 2020;
6) €874,04: proporcionais do subsídio deférias relativos aoanodecessação;
7) €699,23: proporcionais do subsídio de Natal relativos aoanodecessação;
No total de €26.900,49 (vinte e seis mil e novecentos euros e quarenta e nove cêntimos).
Não tem qualquer viabilidade a pretensão que deduz a este propósito.
Com efeito, não há qualquer divergência quanto ao teor dos factos 30. e 31., que o Mmo. Juiz a quo averiguou através da consulta do processo de insolvência cujo acompanhamento através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais lhe foi autorizado. Aliás a recorrente afirma expressamente que não contesta nem impugna o facto 31. (conclusão 6.ª) e que o mesmo é verdade (conclusão 64.ª).
Deve, pois, manter-se na medida em que o mesmo corresponde à descrição exacta e objectiva de um acto decisório emitido num processo distinto do presente.
De modo algum se justifica que passe a constar do acervo fáctico qual a posição que a ora recorrente assumiu na contestação apresentada na presente acção, pois que tal posição não constitui um facto a atender para a decisão da causa, a elencar como provado ou “não provado”.
 Naturalmente que os termos da sua defesa relevam e a vinculam, nos termos do regime adjectivo laboral em vigor – cfr. os artigos 54.º e ss. do Código de Processo do Trabalho e os artigos 569.º e ss. do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 49.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho – mas não constituem eles mesmos factos a submeter a prova no processo civil – cfr. o artigo 341.º do Código Civil.
Quanto ao facto que pretende ver aditado sob o n.º 32., não se vislumbra qualquer fundamento para o seu aditamento, nem a recorrente o alega, consubstanciando, quando muito, uma confissão sua dos valores que reputa serem os “créditos laborais do Autor”.
Improcede a impugnação da decisão de facto também nestes aspectos.
*
6. A ampliação da matéria de facto
*
6.1. Coloca-se a este passo a questão de aferir se é necessária a ampliação da matéria de facto no que concerne à existência e montante dos créditos laborais peticionados, o que implica a análise da questão, prévia, de saber se a sentença proferida nos autos apensos ao processo de insolvência Baleskapress – Publicações e Marketing, Unipessoal Lda. faz caso julgado relativamente à recorrente, Grey Zone, Lda.[6]
Com efeito, a recorrente questionou, ainda que sob as vestes de arguição de nulidade da sentença, a decisão do Mmo. Juiz a quo de entender que, uma vez que os créditos laborais já se encontravam reconhecidos no âmbito do processo de insolvência, não haveria nada a apreciar ou a decidir quanto a esta matéria.
Segundo alega, nem o R. BB nem a ora recorrente são ou foram parte no processo de insolvência, ou ouvidos nessa sede (nem tinham como sê-lo) quanto à reclamação de créditos, incluindo o montante da indemnização pela resolução do contrato com justa causa, pelo que não podia o tribunal a quo dar por assente nos presentes autos o valor dos créditos laborais, só porque os mesmos se encontram reconhecidos no processo de insolvência da Baleskapress, que foi declarada insolvente e deixou de ser parte nos presentes autos, antes devendo apurar o que os RR. alegaram a propósito na contestação e que é matéria controvertida.
Cabe apreciar esta questão, apesar do desacerto do enquadramento jurídico, uma vez que o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes quanto às questões que suscitam[7].
Resulta dos autos que
- o ora recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea b) do CIRE, apresentou acção para verificação ulterior de créditos, a qual deu origem ao processo 21032/21.0T8LSB-E, apenso ao processo em que foi declarada a insolvência da 1.ª R;
- nessa acção, a insolvente, a massa insolvente e os credores não contestaram, nem intervieram de qualquer outro modo;
- por sentença de 07 de Março de 2023, a aludida acção foi declarada procedente, por provada, e em consequência, reconhecida a totalidade dos créditos reclamados pelo ora recorrido, no montante de €59.940,86 (que corresponde exactamente ao pedido formulado nestes autos, com excepção do pedido por danos não patrimoniais).
O tribunal a quo concluiu que estes créditos devem considerar-se “devidos” na presente acção, pela simples razão de estarem reconhecidos no processo de insolvência da empregadora, ou seja, entendeu que basta tal reconhecimento na indicada sentença de 07 de Março de 2023 para que se conclua nesta acção pela existência e montante dos indicados créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, sem maior averiguação, restando apenas aferir se se verificam os pressupostos da responsabilidade solidária da recorrente pelo seu pagamento.
Ora, sendo pacífico que a ora recorrente não foi parte na acção para verificação ulterior de créditos com o n.º 21032/21.0T8LSB-E, entendemos que o reconhecimento do crédito do trabalhador sobre o empregador naquela sentença proferida no apenso para verificação ulterior de créditos não basta para concluir nesta acção que os mesmos são “devidos”, na medida em que a indicada sentença não faz caso julgado em relação à aqui recorrente.
Senão vejamos.
Têm assinalado a doutrina e a jurisprudência que na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a excepção de caso julgado (a vertente “negativa” do caso julgado) e a autoridade de caso julgado (a vertente “positiva” do caso julgado). Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2017[8] “[i]mporta ter presente que, no que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito que tanto a doutrina, como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais”.
O efeito “negativo” do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do Código de Processo Civil. A excepção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior e compreende limites (subjectivos e objectivos). Pressupõe uma repetição de causas, nos termos do artigo 380.º do Código de Processo Civil, repetição que se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. A repetição de uma causa nos termos do artigo 581.º do mesmo Código de Processo Civil, pressupõe uma tríplice identidade: dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
Já a autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a vertente “positiva” do caso julgado. Consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Como ensina Rui Pinto, “se o efeito negativo do caso julgado (exceção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão[9].
No caso em análise, estaria em causa a autoridade do caso julgado, pois que manifestamente não se verifica a tríplice identidade exigida na excepção de caso julgado.
Contudo, apesar de a autoridade de caso julgado funcionar independentemente daqueles estritos requisitos da excepção de caso julgado, não prescinde da identidade subjectiva. O efeito positivo do caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão.[10]
Assim, o exige o direito previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa a um processo equitativo, que postula a efectividade do direito de defesa no processo, bem como os princípios do contraditório e da igualdade de armas[11]. Com efeito, em regra, apenas pode ser beneficiado ou prejudicado por uma decisão judicial quem teve a possibilidade de participar, de modo contraditório, no procedimento que conduziu à sua produção. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa.[12]
Mesmo considerando que, à semelhança do que sucede com o efeito negativo, também o efeito positivo abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (ou seja, as que efetivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos “sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” nos termos do artigo 581.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não pode defender-se a extensão do caso julgado a terceiros, ou seja, a todos aqueles que não sejam os mesmos que os destinatários sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
É o que, a nosso ver, sucede com a entidade que seja responsável solidária nos termos do artigo 334.º do Código do Trabalho.
Na verdade, estão fora do perímetro dos efeitos (quer negativos, quer positivos) do caso julgado os cocredores e os codevedores — parciários ou solidários —, os devedores subsidiários e, em geral, os sujeitos que poderiam participar em litisconsórcio voluntário na causa e não o fizeram, pois eles não têm efectivamente a mesma qualidade jurídica. A excepção do caso julgado não pode ser oposta a esses sujeitos que não estiveram na causa (ainda que pudessem estar), mas apenas àqueles que foram efetivamente litisconsortes e o mesmo sucede com a autoridade de caso julgado, que não pode ser invocada contra o sujeito que podia ter estado em litisconsórcio voluntário, pois não é o mesmo do ponto da sua qualidade jurídica no processo, dada a divisibilidade de efeitos materiais do litisconsórcio voluntário[13].
Esta é, a nosso ver, a solução que se impõe, em conformidade com a norma substantiva do artigo 522.º, do Código Civil, segundo o qual “[o] caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor”.
Deve notar-se que no caso sobre que versou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2022, processo n.º 5138/05.5YXLSB-F.L1.S1, citado pelo recorrido, foi decidido que a sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em apenso do processo de insolvência, é apta a adquirir e a produzir força de caso julgado material quanto aos créditos aí reconhecidos, é certo, mas foi igualmente decidido que a autoridade de caso julgado “não prescinde da identidade de partes, pressupondo que as partes no processo em que foi proferida a decisão a impor sejam as mesmas do processo em que se pretende que seja imposta aquela decisão”. No mesmo aresto admite-se ainda que o caso julgado se estenda aos chamados “terceiros juridicamente indiferentes”, ou seja, a todos os sujeitos a quem a sentença não causa prejuízo jurídico, causando ou não prejuízo (ou benefício) de facto[14].
Ora no caso vertente, nem pode considerar-se que a ora recorrente tem a mesma “qualidade jurídica” de qualquer das partes que foram ouvidas na acção de verificação ulterior de créditos referida no facto 31., nem pode dizer-se que a recorrente seja um “terceiro juridicamente indiferente” face ao que foi decidido naquela sentença.
Nestas condições, afirmar-se a autoridade de caso julgado na presente acção da sentença proferida na acção de verificação ulterior de  créditos, traduziria a vinculação à mesma de alguém a quem nunca foi dada a oportunidade de tomar posição quanto à pretensão formulada pelo autor naquela acção, nem de se defender ou de oferecer provas, o que violaria os mais elementares princípios de um processo equitativo e afrontaria o texto constitucional (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
Pelo que concluímos não ser invocável nesta acção a força vinculativa da autoridade de caso julgado resultante da sentença proferida acção de verificação ulterior de créditos, instaurada por apenso ao processo de insolvência [apenso “E”], não contestada, em que foram reconhecidos os créditos laborais reclamados pelo A., no montante de €59.940,86.
*
6.2. Aqui chegados, e permanecendo por definir judicialmente na presente acção a existência e montante dos créditos laborais que o recorrido pretende nela fazer valer, constata-se que a factualidade apurada é insuficiente para que se possa apreciar e decidir essa questão,  tendo em consideração os factos alegados nos autos – na petição inicial e na contestação –, que não foram cabalmente objecto de instrução.
Depara-se este tribunal de recurso, antes ainda de poder apreciar se a ora recorrente deve ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos do recorrido emergentes do contrato de trabalho celebrado com a 1.ª R. e da sua violação ou cessação vencidos há mais de três meses, com uma patente insuficiência da decisão de facto para a própria definição da existência e montante de tais créditos.
Na verdade, a existência (quanto a uns) ou simplesmente do montante (quanto a outros) dos créditos laborais peticionados pelo recorrido no termo do seu articulado inicial, foi objecto da contestação que a recorrente apresentou a fls. 72 e ss., particularmente nos respectivos artigos 112.º a 142.º da Contestação. Como a própria indica:
- nos artigos 119.º a 131.º - impugnou o montante pedido a título de indemnização pela resolução com justa causa, refutando a aplicação de 45 dias por cada ano de trabalho e defendendo a aplicação de 15 dias por cada ano de trabalho face aos factos que ali alega e que considera diminuírem o grau de ilicitude da sua conduta;
- nos artigo 134.º ss. – refutou o pedido do A. de pagamento de retribuições vencidas em Maio, Junho e Julho, após a data em que resolveu o contrato de trabalho, o que pressupõe se afira esta data;
- nos artigos 112.º a 118.º - impugnou os montantes peticionados a título de férias, porquanto o trabalhador esteve vários meses sem trabalhar, como ali alega, o que também deve ser apurado tendo em atenção as várias soluções plausíveis da questão de direito.
A matéria dos créditos laborais é em parte, nos presentes autos, matéria controvertida, sendo certo que a instrução a que se procedeu não incidiu sobre alguns destes factos alegados pela ora recorrente na sua contestação com relevo para a afirmação dos créditos peticionados e do seu montante, maxime os que podem influenciar a parametrização da indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho. Note-se que que o recorrido viu fixada esta indemnização na acção de verificação de créditos, sem contestação, no parâmetro mais elevado previsto no artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho (45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade) e que a recorrente defende na presente acção dever a mesma ser fixada no parâmetro mais baixo (15 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade), face aos factos que alega e que não resulta da decisão de facto terem sido submetidos a instrução, pois que inexiste na mesma qualquer referência aos supra indicados artigos da contestação.
Não tinha, pois, o tribunal da 1.ª instância – e não tem este tribunal – base factual suficiente de apoio para apreciar a existência e montante dos créditos laborais peticionados tendo em consideração, também, a matéria de facto alegada pela ora recorrente na sua contestação, por esta não ter sido submetida a prova.
O que implica a anulação oficiosa da sentença nos termos prescritos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, de acordo com o qual a Relação tem o dever oficioso de “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
No caso vertente, há matéria de facto alegada pela recorrente que foi omitida da instrução e se revela essencial para a resolução do litígio tendo em atenção os contornos deste que resultam dos articulados das partes.
E é, por isso, indispensável a ampliação da matéria de facto para se apurarem os factos alegados pela R. nos indicados artigos da contestação (excluindo as considerações de direito e conclusões dos mesmos constantes) pelo que terá o julgamento de ser anulado, a fim de ser colmatada a deficiência apontada no que concerne ao apuramento da matéria de facto em falta e que tem interesse para a decisão da causa, realizando-se novo julgamento restrito a esta matéria e concedendo-se previamente às partes a possibilidade de indicar prova sobre a mesma.
A repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, como expressamente é dito na alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do mesmo Código de Processo Civil, sendo dirimida a matéria de facto após produzida a prova e realizados os debates e, ulteriormente, proferida nova sentença que decida a causa, incluindo o reconhecimento e quantificação dos créditos peticionados (com excepção da pedida indemnização por danos não patrimoniais, que não está já em discussão) em conformidade com os factos entretanto apurados.
*                                                                                                                                           
6.3. Em consequência da solução dada à insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso – cfr o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 663.º do mesmo diploma e este ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
*
6.4. Uma vez que o recorrente obteve vencimento, pois vê o processo prosseguir para apurar factualidade por si alegada, e o recorrido sai vencido no recurso, pois a decisão de anular a sentença acaba por objectivamente o desfavorecer, as custas recaem sobre este (vide o artigo 527.º do Código de Processo Civil). Não havendo lugar a encargos no recurso, a sua condenação é restrita às custas de parte que haja.
*
7. Decisão
*
Em face do exposto, decide-se:
7.1. julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, e, consequentemente: alterar os factos 19. e 21. da sentença, nos termos sobreditos e aditar à mesma sentença os acima descritos factos 15-A., 19-A. e 19-B.;
7.2. anular a sentença proferida em 1.ª instância e determinar a ampliação da matéria de facto, sendo submetidos a instrução os factos alegados pela ora recorrente na sua contestação susceptíveis de influir no reconhecimento e quantificação dos créditos laborais peticionados, devendo o Tribunal de 1ª instância pronunciar-se concretamente sobre a factualidade alegada na contestação com interesse para a decisão, fundamentando a sua decisão de facto, após o que será proferida nova sentença.
Condena-se o recorrido nas custas de parte que haja.
*
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 20 de Março de 2024
Maria José Costa Pinto
Alda Martins
Leopoldo Soares
_______________________________________________________
[1] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.07.01, proferido no processo n.º 3445/08, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt, à luz do idêntico artigo 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, Coimbra, p. 143.
[4] Vide o Prof. Alberto dos Reis, In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p., 151.
[5] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.10.19, ainda atinente ao pedido de aclaração de sentença ou acórdão, proferido na Revista n.º 1047/05, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt..
[6] Não aludimos ao R. BB, uma vez que a sua absolvição dos pedidos formulados na presente acção transitou em julgado.
[7] Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 2023.03.29, Processo 15165/19.0T8LSB.L1.S1, “se, sob a roupagem de nulidade, a parte impugnante vier suscitar questão que, verdadeiramente, não é nulidade, mas sim outro vício (verbi gratia erro de julgamento), o Tribunal ad quem – que não está impedido de conferir adequada qualificação ao equacionado vício –, não ficará adstrito ao não conhecimento do mesmo só pela razão de, por falha qualificativa da parte, ela o ter rotulado de nulidade e não ter, cabalmente, redigido o requerimento de interposição de recurso”.
[8] Proc. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Vide Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – Algumas notas provisórias”, in: Julgar Online, Novembro de 2018, p. 28.
[10] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2018.06.19, processo n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2, de 2019.03.28, processo n.º6659/08.3TBCSC.L1.S1, de 2020.04.30, processo n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1, e de 2021.12.09, processo n.º 5712/17.7T8ALM.L1.S1, todos sumariados in www,stj.pt..
[11] Vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pp. 192-193.
[12] Rui Pinto, in estudo citado, p. 28.
[13] Vide Rui Pinto, in estudo citado, pp. 11 quanto à excepção e p. 30 quanto à autoridade do caso julgado.
[14] O mesmo sucede com o Acórdão do STJ, de 27 de Set. de 2018, Proc. 10248/16.0T8PRT.P1.S1, também citado pelo recorrido, que decidiu ter a sentença de verificação de créditos no âmbito da insolvência eficácia de caso julgado material relativamente a todos os credores concorrentes do insolvente, nos termos gerais consagrados nos arts. 619.º e 621.º do CPC, no plano dos direitos à execução patrimonial ali reconhecidos e definidos em relação àqueles credores. E decidiu assim por considerar que não seria lógico que, visando o processo de insolvência a liquidação total do património do devedor a favor de todos os seus credores, segundo o princípio do tratamento igual, se permitisse que qualquer deles viesse discutir “de novo, nomeadamente em ação autónoma, a inexistência ou invalidade de crédito já reconhecido no processo de insolvência.”