Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18/10.5TTCLD.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Em processo de contra ordenação laboral a nova lei que encurta o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso de impugnação , que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa , tem que ser encarada como agravando sensivelmente de forma evitável a respectiva situação processual , pelo que cumpre aplicar a tal título , nos termos do disposto no artigo 5º , nº 2º al a) do CPP - aplicável por força do nº 1º do artigo 41º do RGCO , para o qual remete também o disposto no artigo 60º da Lei nº 107/2009, de 14/09 – a Lei anterior.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Em processo Contra - ordenacional , iniciado em 28.7.2009, veio a arguida “A..., recorrer do despacho que considerou intempestiva a impugnação da decisão da autoridade administrativa de fls. 98 que a condenou no pagamento de uma coima no montante de € 1. 200, 00 pela prática de uma contra – ordenação prevista e punida nos termos do disposto nos artigos 403, nº 2º, 616º e 681º , nº 1º alínea d) todos do CT/2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto .
A decisão recorrida teve o seguinte teor:
Notificada, a 23/11/2009 [cfr. A/Rs de fls. 100 e 102], da decisão da
autoridade administrativa de fls. 98 que a condenou no pagamento de uma
coima do montante de 1200 €, a arguida “A... veio impugnar judicialmente a mesma, dela interpondo recurso para o presente tribunal, por requerimento dado entrada via fax em 21/12/2009, sendo o original respectivo remetido via postal em 23/12/2009 [cfr. fax de fls. 10 3 segs.e envelope de fls. 127].
Todavia, dispõe o artº 33º nº 2 da Lei nº 107/2009, de 14/09, aplicável “ex
vi” do artº 65º nº 1 da mesma lei [e, para além disso, em regra, a lei processual é de aplicação imediata], que “A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima no prazo de 20 dias após a sua notificação”.( itálico nosso ).
Por outro lado, dispõe o artº 6º da mesma Lei nº 197/2009, de 14/09, que à
contagem dos prazos para a prática dos actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal (portanto, os prazos não se suspendem aos Sábados, Domingos e feriados – cfr. artº. 104 nº 1 do CPP e 144º nº 1 do CPC), sendo que, nos termos do disposto no nº 2 do citado preceito legal, tal contagem de prazo não se suspende durante as férias judiciais.
Daqui resulta que, à data em que o arguido remeteu via fax o recurso de
impugnação da decisão administrativa ( 21/12/2009) há muito havia já expirado o prazo legal de 20 dias para a prática de tal acto ( sendo que, ao contrário do que sucedia no regime anterior, o aludido prazo não se suspende aos Sábados, Domingos e feriados).
Em face do exposto, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artºs. 104º nº 1 do CPP e 144º nº 1 do CPC, aplicáveis “ex vi” do artº 6º da Lei nº 107/2009, de 14/09, e nos termos dos artºs. 6º nº 2, 33º nº 2 e 38º nº 1, e 65º nº 1, todos da dita Lei nº 107/2009, de 14/09, com fundamento na sua extemporaneidade, rejeito o recurso interposto a fls. 103 e segs. da decisão administrativa de fls. 98.
Custas a cargo da arguida.
Deposite.
Notifique, sendo a arguida para, no prazo de 10 dias, comprovar nos autos o pagamento, por autoliquidação, da taxa de justiça devida, do montante de 1 UC [artºs. 8º nº 4 e 13º nº 1 do RCP e artº 13º nºs 1, 2 e 3 da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04].” fim de transcrição.
Apresentou as seguintes conclusões:
“1. No decurso do processo de contra-ordenação intentado contra o Arguido foi publicada a Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a qual veio estabelecer o novo regime jurídico do procedimento aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social.
2. A qual veio dispor que ao prazo de impugnação judicial são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
3. Considerando que o prazo não se suspende aos sábados, domingos e feriados.
4. No entanto, nos termos do art. 5º do CPP estabelece que o acto processual é regido pela lei processual em vigor no momento em que o acto foi praticado.
5. O artigo 29º, nº 4, da CRP não só proíbe que se aplique retroactivamente normas processuais materiais menos favoráveis ao arguido, como impõe que se aplique retroactivamente as normas processuais materiais mais favoráveis (ou menos desfavoráveis) ao arguido.
6. A Mma. Juiz “a quo” fez uma incorrecta aplicação da lei ao considerar de aplicação imediata, sem mais, a lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, não tendo em conta as disposições supra transcritas e as orientações
jurisprudenciais.
7. No regime vigente, à data da prática dos factos (16 de Julho de 2008), ou até mesmo na data em que foi elaborado o auto de notícia (28 de Julho de 2009), a contagem de prazo suspendia-se aos sábados, domingos e feriados, com dispõe o nº 1, do artigo 60º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
8. A nova lei veio limitar o direito de defesa do arguido, ao reduzir o prazo para este impugnar judicialmente a decisão administrativa.
A decisão proferida pela Mma. Juiz “a quo” violou as disposições contidas no artigo 3º do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, art. 5º do Código de Processo Penal e artigo 29º, nº 4, da CRP.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer a V. Exas. que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, seja
proferido acórdão a revogar a douta decisão recorrida, substituindo por outro que determine a admissão do recurso da decisão administrativa.
Julgando como agora se pede, Vossas Excelências farão como
sempre JUSTIÇA!” – fim de transcrição.
O MºPº contra alegou sustentando a bondade da decisão recorrida ( vide fls. 155 a 157).
O recurso veio a ser admitido, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos ( vide fls. 158).
Na Relação de Lisboa o Exmº Procurador Geral Adjunto consignou a sua concordância com a 1ª instância ( vide fls. 163).
A arguida respondeu, mantendo a sua posição ( vide fls. 165/166)
Efectuado exame preliminar vieram os autos a ser remetidos para conferência.
Foram colhidos os vistos legais.
****
Na presente decisão ter-se-ão em conta s seguintes factos:
1 - Por decisão datada de 13.11.2009 , a ACT das Caldas da Rainha condenou a recorrente no pagamento de uma coima no montante de 1200 € pela prática de uma contra – ordenação prevista e punida nos termos do disposto nos artigos 403, nº 2º, 616º e 681º , nº 1º alínea d) todos do CT/2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto .
2 - A recorrente foi notificada da decisão mencionada em 1) por carta registada com aviso de recepção, em 23.11.2009.
3 - O recorrente apresentou impugnação judicial da decisão mencionada em 1 ) no ACT das Caldas da Rainha em 21.12.2009.
4- O auto de notícia do presente processo data de 28 de Julho de 2009.
5 - A arguida foi notificada , nos termos dos artigos 635º e 636º do CT/2003 , por carta datada de 4.9.2009.
6 - E apresentou a sua defesa escrita em 7.9.2009.

*****

O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (vide artigos 403º nº 1º e 412º nº1 do CPP ex vi do art 41º nº 1º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, que se passa a denominar de RGO).
A única questão a dilucidar é a de saber se o recurso da decisão proferida pelo ACT das Caldas da Rainha interposto pela arguida se deve considerar tempestivo.
E afigura-se que o recurso procede.
Segundo o nº 2º do artigo 33º da Lei nº 107/2009, de 14/09, aplicável “ex vi” do artº 65º nº 1 do mesmo diploma :
“A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima no prazo de 20 dias após a sua notificação”.
Por sua vez, o artigo 6º do mesmo diploma regula que:
“1 – Á contagem dos prazos para a prática dos actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal .
2 – A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais”.
Ou seja os prazos em apreço não se suspendem aos Sábados, Domingos e feriados – cfr. artº. 104 nº 1 do CPP Que estatui:
Contagem dos prazos de actos processuais
1 – Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.
2 – Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo anterior.
Por sua vez, o artigo 103º do CPP estatui:
Quando se praticam os actos
1 – Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
b) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações. c) Os actos de mero expediente, bem como as decisões das autoridades judiciárias, sempre que necessário.
3 – O interrogatório do arguido não pode, sob pena de nulidade, ser efectuado entre as 0 e as 6 horas, salvo em acto seguido à detenção.
e 144º nº 1 do CPC Esta norma regula (Regra da continuidade dos prazos):
1 – O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 – Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 – Os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
,
Constata-se, assim , que aplicando tal diploma ao caso em análise o recurso ( apresentado em 21.12.2009 ) tem que ser reputado intempestivo como se considerou na decisão recorrida, sendo que o prazo para a sua interposição, atenta a data da notificação da decisão administrativa à arguida (23.11.2009) havia terminado em 14.12.2009.
Todavia pelo regime aplicável anteriormente tem que se reputar a interposição como tempestiva , sendo que o prazo para a apresentação do recurso apenas terminava em 23.12.2009
É que se considerava que no recurso da decisão de aplicação de coima deduzido num processo contra-ordenacional , uma vez que este tem natureza administrativa , a contagem do respectivo prazo de interposição - que não é um prazo judicial – se efectuava de acordo com as regras estabelecidas no artigo 72º do C. Processo Administrativo
Tal como se refere em aresto da Rel do Porto de 16.12.2009 , proferido no processo nº 243/09 ( acessível em www.dgsi.pt) :
A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, devendo o recurso ser feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões. - art. 59º nº 1 e 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC),instituído pelo DL n.º 433/82 de 27-10, alterado pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e Lei nº 109/2001, de 24-12.
O prazo previsto nesta norma tem natureza administrativa e não judicial, não se aplicando, por isso, as especificas regras processuais.
A este propósito veja-se a jurisprudência maioritária citada por Oliveira Mendes e Santos Cabral em Notas ao Regime Geral das Contra- Ordenações e Coimas, 3.ª ed., Almedina, a fls. 213 e ss. e Manuel Ferreira Antunes, Contra-ordenações e Coimas, anotado e comentado, Livraria Petrony editores, pp. 385 e ss ..
Com efeito, conforme se elucida o sumário do ACRE de 10/01/2006:
"I - O recurso de impugnação faz parte da fase administrativa do processo, não da fase judicial, pelo que nunca a interposição de um tal recurso pode ser considerado, seja para que efeito for, como acto praticado em juízo.
II - Com efeito, tal recurso é deduzido num processo contra-ordenacional e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (d. Art. 62, nº. 2 do RGCO)."
Também o ACRC de 16-01-2008 afirma que:
"III - Não colide com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. (...)"
Assim acontecendo é aplicável o disposto no art. 72º do Código de Procedimento Administrativo, a que se soma a regra do art. 60º do RGCOC, não se incluindo na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; começando o prazo a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados e, finalmente, se o termo do prazo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Para a contagem do prazo é irrelevante o decurso de férias judiciais, não há dilação, nem tão pouco justificação da intempestividade por um justo impedimento” fim de transcrição.
Constata-se, assim, que a aplicação deste regime é mais favorável à arguida.
Ora o artigo 5º do CPP - aplicável por força do nº 1º do artigo 41º do RGCO , para o qual remete também o disposto no artigo 60º da Lei nº Lei nº 107/2009, de 14/09 - preceitua ( sob a epígrafe - aplicação da lei processual penal no tempo):
1 – A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 – A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo”.
Ora afigura-se evidente que a aplicação imediata da nova lei aos presentes autos agrava sensivelmente de forma evitável a situação processual da arguida, uma vez que limita o seu direito de defesa, in casu , encurtando sensivelmente o prazo de que dispunha para interpor o recurso de impugnação que se afigura ser uma das formas do exercício do mencionado direito de defesa.
E nem se argumente que quando o recurso foi apresentado já vigorava a Lei nº 107/2009, de 14/09.
É que o processo contra - ordenacional em questão iniciou-se em Julho de 2009 ( cabe recordar que o auto que o originou data de 28 de Julho de 2009, , constatando-se que a resposta escrita da arguida foi apresentada em 7.9.2009….) e não após a entrada em vigor da Lei nº 107/2009, de 14/09.
Procede, pois, o presente recurso.

***

Em face do exposto, concede-se provimento ao presente recurso e consequentemente ordena-se a substituição do despacho recorrido por outro que repute atempado o recurso interposto pela recorrente.
Sem custas.
DN.
(processado e revisto pelo relator - nº 5º do art 138º do CPC).

Lisboa, 30 de Junho de 2010

Leopoldo Soares
Ferreira Marques