Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA TERESA LOPES CATROLA | ||
Descritores: | CONTRATO DE AGÊNCIA DENÚNCIA PRÉ-AVISO INDEMNIZAÇÃO CLIENTELA PRIVAÇÃO DE ACTIVIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | «1.–O denunciante do contrato de agência que não respeite os prazos previstos no artigo 28º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, fica vinculado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta do pré aviso, em termos de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo lato sensu (artigo 29º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). 2.–O agente tem, porém, a faculdade de exigir do proponente, em vez da mencionada indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta (artigo 29º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). 3.–No caso dos autos, a autora não peticiona indemnização pela falta de cumprimento dos prazos de pré-aviso nem opta pela indemnização a que se refere o artigo 29/2 do RJCA. 4.–Pelo contrário, esta indemnização atem-se a factos bem mais singelos: a privação pela ré de a autora exercer a sua atividade de agente, nomeadamente em virtude de retenção das malas de mostruário em 17/dez/2020, e assim ficar privada de fazer vendas e auferir as respetivas comissões, “desde 18 de dezembro de 2020 até ao final do contrato de agência em 31 de março de 2021”. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.–Relatório “A…, Ldª,” com sede na Rua ….. Valongo, intentou a presente acção declarativa com forma de processo comum contra “B… Ldª”, com sede na Avenida….., Lisboa, peticionando: - Reconhecimento de celebração de contrato de agência verbal entre C… e a ré, em janeiro de 2013, com início a 1 de fevereiro de 2013 e tendo vigorado até 1 de fevereiro de 2021, data de denúncia do mesmo; - Reconhecimento da obrigação da ré, assumida em tal contrato, de pagar à autora a quantia mensal fixa de 2.750,00€ (dois mil setecentos e cinquenta euros), a que acresceriam os pagamentos variáveis de comissões e prémios; - Condenação no pagamento da indemnização 112.610,32€ (cento e doze mil seiscentos e dez euros e trinta e dois cêntimos), a título de clientela, valor acrescido de juros moratórios à taxa legal comercial desde a citação e até efetivo pagamento; - Condenação no pagamento da quantia de 175.850,00€ (cento e setenta e cinco mil oitocentos e cinquenta euros) relativa a falta de cumprimento integral da remuneração fixa acordada entre janeiro de 2014 e 31 de maio de 2021, valor a que acrescem 36.284,11€ (trinta e seis mil duzentos e oitenta e quatro euros e onze cêntimos) a título de juros moratórios vencidos até 31 de maio de 2021 e os vincendos desde 1 de junho de 2021 e até pagamento; -Condenação no pagamento do valor que se apurar correspondente aos pagamentos efetuados pela ré, a título de comissões, prémios e/ou quaisquer outras remunerações ou compensações relativas à venda de artigos da marca Polaroid entre 1 de abril de 2015 e 31 de dezembro de 2017 pagas a agentes ou vendedores que, nesse período, tenham comercializado tais artigos em substituição da Autora nos distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco; - Condenação em indemnização equivalente a 33.337,47€ (trinta e três mil trezentos e trinta e sete euros e quarenta e sete cêntimos) a título de indemnização devida à autora por ter sido privada pela Ré de exercer a sua atividade de agente, nomeadamente em virtude da retenção das malas de mostruário, desde 18 de dezembro de 2020 e até 31 de março de 2021. Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência de todos os pedidos. Foi realizada de audiência prévia, e proferido despacho saneador e despacho que identificou o objeto do litígio e os temas de prova. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, e a final proferiu-se Sentença, onde se decidiu: “VI.–Face ao exposto, decidindo, declara-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, a)-Declara-se improcedente, por não provado, o pedido de reconhecimento de celebração de contrato de agência verbal entre C… e a ré, com início a 1 de fevereiro de 2013; b)-Declara-se improcedente, por não provado, o pedido de reconhecimento da obrigação da ré de pagar à autora a quantia mensal fixa de 2.750,00€ (dois mil setecentos e cinquenta euros) e, por consequência, declara-se também improcedente o pedido de condenação no pagamento de qualquer valor a título de remuneração fixa não paga, e respetivos juros, absolvendo-se do mesmo a ré; c)-Declara-se improcedente, por não provado, o pedido de condenação da ré no pagamento do valor correspondente aos pagamentos por si efetuados a agentes ou vendedores que, entre 1 de abril de 2015 e 31 de dezembro de 2017, tenham vendido artigos da marca Polaroid nos distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco, absolvendo-se do mesmo a ré; d)-Declara-se procedente por provado o pedido indemnizatório deduzido com fundamento em impedimento do exercício da agência, qualificando-o como incumprimento culposo da ré do contrato dos autos, verificado até 3 de fevereiro de 2021 e omissão de pré-aviso, entre 3 de fevereiro e 31 de maio de 2021, quantificando o primeiro fundamento indemnizatório no valor de €7.000 (sete mil) e o segundo quantificando-o no valor de €28.000 (vinte e oito mil); e)-Em consequência do anteriormente decidido e do limite do pedido deduzido, condena-se a autora, com os fundamentos referidos em d), no pagamento de indemnização à autora do valor de 33.337,47€ (trinta e três mil trezentos e trinta e sete euros e quarenta e sete cêntimos), quantia a que acrescem juros moratórios devidos para obrigações comerciais desde a citação e até pagamento; f)-Declara-se parcialmente procedente por provado o pedido de condenação da ré em indemnização de clientela, condenando-a no pagamento da quantia €50.000 (cinquenta mil), a que acrescem juros moratórios devidos para obrigações comerciais, desde a citação e até pagamento. --- Custas por autora e ré, na proporção do decaimento, dispensando-se o pagamento de taxa remanescente ao nível da 1.ª instância”. Inconformada, veio a ré apelar desta decisão, na parte que: i.-Julgou parcialmente procedente o pedido referente à indemnização de clientela, tendo reduzido o valor da mesma e fixando-a na quantia de €50.000,00; ii.-Julgou procedente o pedido de indemnização devido pela privação de exercício da atividade da Recorrida, na peticionada quantia de €33.337,47. iii.-Subsidiariamente, a recorrente recorre dos critérios utilizados para cálculo da indemnização pela privação da actividade. No recurso apresentado a ré pretende também impugnar a decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, com a consequente modificação da sentença final inerente a essa factualidade. A recorrente extraiu das suas alegações as seguintes conclusões: “1.–Em sede de relatório, a sentença a quo julgou como não provados, entre outros, “Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré ou tivessem”; “Que C…, se tenha, de forma continuada e voluntária, abstido de desenvolver qualquer ação de promoção ou venda de produtos de marcas detidas pela ré, Polaroid ou diversas desta, que lhe tenham sido atribuídas pela ré, e/ou desrespeitado instruções ou orientações comerciais, de publicidade ou marketing desenvolvidas”; e “Que C…, a título pessoal ou como representante da autora, tenha demonstrada falta de compreensão e incapacidades de adaptação às alterações do negócio da ré”. 2.–A prova produzida nos autos é clara no sentido de eleger que devia ter sido dado como provado que, efetivamente, a Recorrida, na pessoa do seu legal representante, foi recorrentemente omissa no que diz respeito a promover, as pretendidas iniciativas de venda de outros produtos que eram também vendidos pela “B…, Ldª”. 3.–Tais declarações assumem cabal importância, desde logo, para clarificar que a Recorrida, além de incumbida de agenciar diretamente a venda das marcas que lhe eram especificamente atribuídas, devia também, aquando as visitas comerciais com potenciais clientes, diligenciar por uma prática comercial que sensibilizasse o cliente em questão para a circunstância de que a “B…, Ldª” também comercializava outras marcas para lá daquelas que o próprio agente vendia. 4.–Fica também claro, do depoimento no seu todo, que esta “filosofia comercial” foi implementada já durante a vigência do contrato de agência em apreço mas que não foi devidamente interiorizada ou posta em prática pela Recorrida, que não conseguiu corresponder às expectativas da “B…, Ldª” no que diz respeito a esta prática. 5.–Ao contrário do que ficou fixado em matéria de facto, a Recorrida não se encontrava efetivamente alinhada com as práticas comerciais da Recorrente e insistia constantemente em manter-se cerrada em práticas comerciais que a “B…, Ldª” há muito havia ultrapassada por não serem financeiramente rentáveis. 6.– Reforçando o acima descrito, é igualmente relevante atentar no depoimento prestado pela testemunha D… . 7.–Tais depoimentos, prestados por uma testemunhas com detida e quotidiana razão de ciência, elucidam que o legal representante da Recorrida não se enquadrava nem se adaptava às práticas comerciais que a “B…; Ldª” foi implementando, demonstrando que essa conduta de inadaptação e desorganização assumia um caráter constante e reiterado ao longo do período de vigência da relação contratual em questão. 8.–A análise atenta de todos os elementos de prova nos autos conduz inelutavelmente à conclusão de que, contrariamente ao vertido na decisão a quo, o legal da representante da Recorrida efetivamente não correspondeu às legítimas expectativas da Recorrente. 9.–O Tribunal a quo, em sede de sentença, deveria ter refletido devidamente que a prestação contratual por parte da Recorrida não cumpriu com as expectativas e pretensões sucessivamente transmitidas por parte da Recorrente e, nesse sentido, deveria ter julgado como provados os pontos supra elencados no presente capítulo 2 da presente apelação, alteração essa que deverá ser ordenada por parte do Tribunal ad quem quanto aos seguintes factos: (a)-“Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré ou tivessem” (b)-“Que C…, se tenha, de forma continuada e voluntária, abstido de desenvolver qualquer ação de promoção ou venda de produtos de marcas detidas pela ré, Polaroid ou diversas desta, que lhe tenham sido atribuídas pela ré, e/ou desrespeitado instruções ou orientações comerciais, de publicidade ou marketing desenvolvidas” (c)-“Que C…, a título pessoal ou como representante da autora, tenha demonstrada falta de compreensão e incapacidades de adaptação às alterações do negócio da ré” 10.– Com base no documento junto pela ora Recorrente na data da audiência de julgamento de 26 de Junho de 2023 – cf. ref.ª CITIUS n.º 427006437 –, correspondente a cópia da plataforma LinkedIn do legal da representante da Recorrida “A partir de Março de 2021, C… iniciou o exercício de funções como agente comercial da marca FORA” 11.–Não pode a Recorrente concordar com a fundamentação que levou o Tribunal a quo a condená-la no pagamento do valor de €50.000,00 a título de indemnização de clientela. 12.–No que releva para a presente apelação, não existem elementos que permitam concluir pela verificação do requisito prescrito pelo artigo 33.º, n.º 1, al. b). 13.–Só se justifica que seja atribuída uma compensação ao agente após cessação do contrato caso seja demonstrado, de forma clara, que a respetiva contraparte continuará, no futuro e após a cessação da relação de agência, a retirar vantagens económicas provenientes dos serviços que o agente tenha prestado no passado. 14.–Por outras palavras, exige-se que o agente, ao cessar a sua atividade, deixe uma clientela “fidelizada” à contraparte e, por assim dizer, uma “máquina bem montada” em termos tais que o negócio por si anteriormente angariado posso continuar a trazer frutos à contraparte mesmo sem que o agente continue a levar a cabo a atividade por si antes empreendida. 15.–Trata-se, in fine, de obrigar a entidade beneficiária a repartir com o agente uma parte do benefício que a mesma continue a ter numa fase posterior, assumindo que já não mais precisará de remunerar o agente pelo seu esforço. 16.–Caso não se demonstre a manutenção de tal benefício após a cessação do contrato de agência, não se justificará atribuir ao agente uma qualquer compensação quando o benefício acima referido não venha a manter-se para lá da duração da relação contratual. 17.–A conclusão de que a Recorrente tenha continuado a beneficiar da atividade empreendida pela Recorrida durante a vigência do contrato tampouco encontra respaldo na matéria factual dada como provada, 18.–O Tribunal a quo, além de não dispor de factualidade suficiente para a prova dos fundamentos acima referidos, procedeu ainda a uma errada interpretação jurídica da teleologia subjacente aos mesmos. 19.–O entendimento do Tribunal a quo consagra uma verdadeira inversão do sentido de uma norma que, na realidade, somente deve conferir ao agente cessante uma compensação precisamente nos casos em que o benefício por si criado se venha a manter (demonstradamente) sem que a entidade contratante necessite, no futuro, de continuar a recorrer a outros serviços semelhantes àqueles que o agente cessante prestava. 20.–O Tribunal a quo vem reconhecer frontalmente que a “B…, Ldª” não manteve e não beneficiou da atividade empreendida pela Recorrida, quer porque os clientes e as vendas angariadas pela Recorrida não se mantiveram após a cessação da atividade da mesma, quer porque o agente sucedâneo da Recorrida tampouco logrou manter sequer o anterior nível de vendas anteriormente verificado. 21.–Inversamente, as considerações que o Tribunal tece são uma evidência de que, após o término do contrato de agência com a Recorrida, a Recorrente não continuou a gozar de qualquer benefício dessa anterior atividade, porquanto esse benefício só se verificaria se a atividade da Recorrida continuasse a dar frutos mesmo após o contrato de agência – o que, conforme o Tribunal a quo expressamente reconhece, não sucedeu. 22.–Aqui chegados, conclui-se que o Tribunal a quo não dispunha de elementos suficientes para julgar verificados os requisitos de indemnização de clientela, que foi, como tal, indevidamente arbitrada à Recorrente e em violação do disposto no artigo 34.º do RJCA. Subsidiariamente, e sem prejuízo do acima exposto, sempre se dirá o seguinte: 23.– Consta da sentença que o ano de 2020 havia sido um ano de natureza absolutamente excecional, consabidamente caracterizado pelos impactos transversais da pandemia COVID-19 e que, por essa razão, não se mostraria idóneo que fossem tidos em conta, para efeitos indemnizatórios, os rendimentos do ano de 2020. 24.–A disposição do artigo 34.º do RJCA é clara ao estabelecer uma base de cálculo indemnizatória que não exceda a média anual de remunerações efetivamente auferidas pelo agente nos cinco anos anteriores, de forma a que tal indemnização seja um reflexo real e fidedigno da atividade e dos rendimentos do agente em tal período temporal. 25.–A sentença recorrida violou, in casu, o artigo 4.º do Código Civil e o artigo 34.º do RJCA, pelo que, com base nos elementos constantes dos autos, deveria ter considerado, para fixação da indemnização de clientela, os valores auferidos pela Recorrida entre os anos de 2016 e 2020. 26.–Quanto à fixação do valor da indemnização de clientela, a sentença é igualmente carecida de fundamento porquanto tem em consideração, como base de cálculos, valores recebidos pela Recorrida que não foram contrapartida de vendas agenciadas pela mesma. 27.–Os montantes deste valor fixo (que foram sendo pagos em valores variáveis ao longo do contrato) não devem ser tidos em conta para efeitos de fixação da base de cálculo da indemnização de clientela. 28.–A indemnização de clientela visa atribuir ao agente uma compensação pelo esforço que por si tenha sido empreendido ao longo da vigência do contrato, sendo certo que o valor dessa compensação deve ser tanto mais elevado quanto maior tenha sido o sucesso do agente em angariar vendas e volume de negócio para quem o contratou. 29.–Essa indemnização não pode, como tal, ter por base de cálculo, in casu, os valores dos quais a Recorrida auferiu de forma “tabelada”, isto é, os valores que lhe foram pagos a título independente de quaisquer vendas da sua parte. 30.–Conforme tem sido entendido de forma unânime na nossa jurisprudência, os valores a ter em conta para a fixação da indemnização de clientela não podem cingir-se ao mero valor bruto recebido pelo agente como contrapartida da sua atividade, antes devendo ser calculados com base no “lucro líquido” do agente. 31.–Uma vez que a Recorrida jamais carreou para os autos quaisquer elementos referentes ao seu lucro líquido, não poderia o Tribunal a quo ter fixado qualquer indemnização de clientela em virtude da ausência dos elementos factuais necessários para tal efeito. 32.–A indemnização fixada pelo Tribunal a quo consiste na atribuição de um valor correspondente a cerca de 58% do valor máximo daquele que poderia ser legalmente arbitrado em tal âmbito. 33.–Não se podia deixar de considerar neste âmbito a inadaptação da Recorrida aos padrões de profissionalismo e organização que lhe eram exigíveis no quadro contratual então em vigor e o incumprimento dos objetivos de vendas acordados entre as partes. 34.–Não se pode considerar que os resultados obtidos pela Recorrida advenham maioritariamente do seu mérito ou do esforço próprio, nem essa asserção factual consta, aliás, da matéria factual dada como provada. 35.–Ao contrário do que a Recorrida faz por transparecer, a sua atuação comercial no âmbito do contrato não foi feita estritamente por sua conta própria nem sem qualquer apoio da Recorrente, que, ao invés, sempre atuou no sentido de munir a Recorrida de um conjunto de informações de mercado, comerciais e estratégicas, que lhe permitissem consolidar uma atuação prospetiva de novo e melhor negócio com atuais e potenciais novos clientes, bem como sempre procurou conciliar estratégias de publicidade e marketing em reuniões conjuntas ou individuais com a Recorrida. 36.–Os resultados das vendas em questão devem-se, preponderantemente, à dimensão da “B…, Ldª” no mercado e, no que concerne especificamente à marca Polaroid, ao considerável investimento que tal marca sempre teve por parte da “B…, Ldª” a nível de marketing e publicidade. 37.–Esta circunstância resulta largamente clarificada no supra referido depoimento, em que o legal representante da ora Recorrente inclusive refere que, não obstante o considerável número de marcas que a “B…, Ldª” vende, a mesma dedica uma considerável parte do seu orçamento de promoção publicitária à Polaroid, marca esta à qual, em conjunto com a marca Carrera, é alocado cerca de 30% do valor dedicado a publicidade. 38.–A Polaroid foi uma marca claramente “privilegiada” no que concerne ao investimento e atenção que teve por parte da “B…, Ldª”, quer a nível logístico, de publicidade e da respetiva dotação orçamental como, igualmente, do investimento que foi feito diretamente através da própria Recorrida e que se revela, em si mesma, no facto de ter sido atribuída à mesma uma remuneração inicial tabelada e independente do valor de vendas, justamente como forma de incentivar e alavancar o início da atividade. 39.–Tal iniciativa, de resto, não teve qualquer paralelo com nenhum outro contrato de agência, tendo sido um verdadeira tratamento de exceção conferido à Recorrida como forma de lhe conferir um especial incentivo, reflexo do investimento particular da Recorrente na marca Polaroid e que não pode ser desconsiderado na fixação do montante indemnizatório. 40.–As vendas agenciadas pela Recorrida jamais assumiram uma preponderância maioritária nas vendas globais da “B…, Ldª” no que diz respeito à marca Polaroid, cuja projeção foi crescendo exponencialmente a nível nacional, e não estritamente na área de vendas da Recorrida. 41.–Ao longo do período contratual, as vendas Polaroid a nível nacional foram sempre aumentando no global, independentemente de as vendas da Recorrida aumentarem ou diminuírem; 42.– No decurso do contrato, a quota de vendas da Recorrida em relação às vendas a nível nacional foi decrescendo, sendo que, entre 2016 e 2020, a média do valor percentual das vendas da Recorrida face às vendas globais da “B…, Ldª” foi de 22%. 43.–Pelo que se conclui que a indemnização fixada pelo Tribunal a quo ultrapassou consideravelmente os padrões de razoabilidade que se impunham perante o circunstancialismo concretamente apurado, tendo violado, também neste âmbito, o artigo 34.º do RJCA. 44.–Face à evidente discrepância entre o pedido formulado pela Recorrida e o conteúdo dispositivo da sentença a quo, a ora Recorrente não se pode conformar com o teor da condenação arbitrada pelo Tribunal pela alegada privação da atividade da Recorrida. 45.–O pedido formulado pela Recorrido é, neste âmbito, expressamente limitado a um âmbito temporal situado entre 18 de Dezembro de 2020 e até ao mês de Março de 2021, e assenta, sem qualquer outra especificação, na responsabilidade civil nos termos gerais 46.–Ao arbitrar a favor da Recorrida uma indemnização correspondente ao período temporal decorrido até ao final de Maio de 2021, o Tribunal ultrapassou manifestamente o âmbito do pedido indemnizatório expressamente formulado pela ora Recorrida, ultrapassando, como tal, o alcance jurídico do mesmo, em violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1 do CPC. 47.–O Tribunal a quo, por sua iniciativa hermenêutica e sem apoio no pedido formulado, decidiu arbitrar a antedita indemnização em dois fundamentos diversos: • Quanto à condenação pelo montante de €28.000,00 (computada, sponte sua, para um período de 4 meses, de 2 de Fevereiro de 2021 a 31 de Março de 2021), sustentou a mesma ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 2 do RJCA, ao arrepio de qualquer fundamentação por parte da Recorrida nesse sentido; • Quanto à condenação pelo montante de €7.000,00 (computada para o período de Janeiro de 2021), baseou-se no incumprimento por parte da Recorrente, em termos gerais, da relação contratual de agência. 48.–Apesar de a Recorrida dele não se socorrer, o Tribunal a quo sustenta a sua decisão na norma contida no artigo 29.º do RJCA. 49.–A norma em questão atribui ao agente a faculdade de fundar a sua pretensão por duas formas alternativas – (i) como regra geral, com recurso às regras gerais da responsabilidade civil, isto, incumbindo-lhe o ónus de alegar, comprovar e quantificar os danos concretamente sofridos em virtude da conduta da contraparte (n.º 1); ou (ii) em alternativa, optando pela utilização de uma fórmula de cálculo de fácil apreensão – proceder ao cálculo da média da remuneração mensal do ano antecedente e multiplicá-la pelo período remanescente do pré-aviso (n.º 2). 50.–A Recorrida, em sede de petição inicial, não optou por acionar a indemnização prevista no n.º 2 do artigo 29.º do RJCA, nem fez, em momento algum da sua peça processual, qualquer alusão a tal norma. 51.–A Recorrida (cf. artigos 165. a 179. da petição inicial) sustentou a sua pretensão indemnizatória única e exclusivamente com base no regime geral da responsabilidade contratual, sem alguma vez optar, expressa ou tacitamente, pelo cálculo previsto no artigo 29.º, n.º 2 do RJCA - tanto assim é que, para cálculo do montante dos danos por si peticionados, a Recorrida fez uso de uma fórmula estimativa por si aventada e sem recurso a qualquer sede normativa vigente. 52.–Não tendo a Recorrida optado pela fórmula ou mecanismo previsto na antedita norma, certo é que lhe cumpria ter alegado e demonstrado, de forma concreta e nos termos gerais, os danos pretensamente reportados ao período temporal por si peticionado. 53.–Não o tendo feito, conforme se demonstrou, tampouco podia o Tribunal a quo ter “transfigurado” a formulação do seu pedido através de um fundamento que extravasa não só fundamento legal contido na petição como, igualmente, o âmbito temporal nela contido. 54.–Não tendo a Recorrida, em sede de petição inicial, optado pela fórmula indemnizatória prescrita pelo artigo 29.º, n.º 2 do RJCA, restava-lhe ter procedido, como efetivamente o fez, a um pedido indemnizatório fundado na responsabilidade civil contratual nos termos gerais, em cujo âmbito lhe incumbia alegar e provar a existência de factos e de danos concretos suscetíveis de fundamentar uma indemnização daí decorrente. 55.–O próprio Tribunal a quo expressamente reconhece, na sentença, que “Não foram alegados danos específicos decorrentes da falta de pré-aviso”. 56.–A Recorrida não se socorreu, expressa ou tacitamente, do mecanismo legal do artigo 29.º, n.º 2 do RJCA, nem alegou quaisquer prejuízos concretos em sede da pretendida indemnização pela “privação de atividade”. 57.–Com base neste pressuposto, o Tribunal a quo não tinha qualquer fundamento para ter fixado tal indemnização nos termos em que o fez. 58.–Cumpre ainda rejeitar o apelo do Tribunal recorrido à disciplina do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, porquanto o mecanismo de equidade nele previsto somente pode ser aplicado em caso de dificuldade no cálculo concreto de danos, mas não pode suprir a falta de prova de tais danos. 59.–Face a todos os argumentos supra expostos, resta concluir, inelutavelmente, que não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de um qualquer valor a título indemnizatório neste âmbito concreto, atenta a integral ausência de fundamento factual ou jurídico para o efeito. Subsidiariamente, e sem prejuízo do acima exposto, sempre se dirá o seguinte: 60.–Sem conceder quanto aos argumentos supra expostos, cumpre à Recorrente, a título de mera cautela, elencar as razões pelas quais uma tal hipotética indemnização jamais poderia ser norteada pelos critérios adotados na sentença recorrida. 61.–Contrariamente ao que vem referido na sentença, existem nos autos elementos que comprovam os rendimentos (totais) de Ré no período de 2020 – cf. Doc. n.º 34 (Junto aos autos pela Recorrida em 24.01.2023 – cfr. requerimento com ref.ª CITIUS 34844364) , donde resulta que a Recorrida auferiu, em 2020, rendimentos de €36.205,69, sendo estes os que deveriam ter sido considerados para efeitos de fixação de uma hipotética indemnização nos termos do artigo 29.º, n.º 2 do RJCA. 62.–No que diz respeito à indemnização por privação de atividade, o Tribunal a quo tampouco poderia ter excluído a consideração dos resultados da Recorrida no ano de 2020, nem podia ter tido em conta os respetivos rendimentos brutos, senão antes o lucro líquido. 63.–Ainda que existisse fundamento para a condenação da Recorrente ao abrigo do disposto nos artigos 28.º e 29.º do RJCA, o próprio valor indemnizatório arbitrado na sentença a quo extravasa o próprio âmbito de tutela do referido artigo 28.º, que visa conceder ao agente uma proteção jurídica equivalente, in casu, a um período de 3 meses, 64.–Circunstância essa que é manifestamente obnubilada pelo Tribunal recorrido ao estipular, em concreto, uma indemnização a tal título e por um período equivalente a 4 meses, sem base legal para tal efeito. 65.–Mesmo que hipoteticamente se entendesse ser devida à Recorrida uma qualquer indemnização por falta de pré-aviso (artigo 29.º, n.º 2 do RJCA), essa eventual indemnização deveria ser calculada tendo por base a remuneração média mensal auferida no ano antecedente à cessação do contrato, no valor de € 3.017,14 (i.e., €36.205,69 /12). 66.–Face a tal valor mensal, e tendo em conta o prazo de pré-aviso constante do artigo 28.º, n.º 1, al. c), a respetiva indemnização jamais poderia ultrapassar o valor de máximo de € 9.051,42, ao invés do montante indemnizatório indevidamente arbitrado pelo Tribunal a quo ao completo arrepio do que dispõe o RJCA em tal âmbito. 67.–Face ao supra exposto, a sentença a quo violou, globalmente, o disposto nos artigos 4.º e 566.º do Código Civil, o artigo 609.º, n.º 1 do CPC e os artigos 28.º, 29.º, 33.º e 34.º do RJCA. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser recebido nos termos supra formulados e, a final, ser julgado totalmente procedente, com a integral revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo”. A recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: “A)– Não se conformando a Recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, veio da mesma interpor recurso, o qual versa sobre matéria de facto e matéria de direito; B)–Não assiste razão à Ré/Recorrente em nenhum dos fundamentos invocados para sustentar as suas alegações de recurso, pelo que deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo manter-se nos seus precisos termos; C)–Com a alteração à matéria de facto defendida, pretende a Ré demonstrar que a decisão de fazer cessar o contrato de agência que vinculava a Autora à Ré se ficou a dever a falhas profissionais imputáveis à Autora; D)–O depoimento do legal representante da Ré e da testemunha … não merece credibilidade porquanto, segundo o Tribunal quo “Ficou clara alguma antipatia, para não dizer animosidade pessoal, entre C… e…, como ficou patente antipatia de … para com C…”; E)–A prova testemunhal produzida nos autos aponta no sentido de uma correta decisão quanto à matéria de facto por parte do Tribunal a quo, devendo a mesma manter-se, sem alterações; F)– Atente-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas Rui…, Raul… e Rute…, os quais confirmam, de forma inequívoca, que o comportamento e desempenho profissional da Autora e do seu legal representante não merecia qualquer censura; G)–Como bem decidiu o Tribunal a quo, a decisão da Ré de fazer cessar o contrato de agência nada teve a ver com o comportamento da Autora e do seu legal representante, concluindo-se nos precisos termos em que o Tribunal a quo o fez que: Não se terá tratado, ao contrário do que sustenta a ré, de uma cessação devida a falhas profissionais ou, como declarou …, uma decisão assente na simples análise de incumprimento de objetivos definidos”; H)– Não merece a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto qualquer reparo, devendo manter-se sem quaisquer alterações, com as devidas consequências; I)–No caso sub judice, não existem dúvidas quanto à verificação dos requisitos elencados nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA; J)–Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA que, para que o agente tenha direito à indemnização de clientela, é necessário que: “a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente”; K)–Da matéria de facto julgada provado (62. e 63) resulta que após a cessação do contrato de agência, a Ré vendeu € 1.219.183,00 de artigos da marca POLAROID, o que é suficiente para demonstrar que a Ré continuou a beneficiar da atividade desenvolvida pela Autora na vigência do contrato de agência; L)– Resulta evidente da matéria de facto assente nos autos é que a Autora construiu, entre 2013 e 2020, uma carteira de clientes sólida para as marcas que representava, não tendo ficado provado que tivesse desenvolvido qualquer tentativa de desviar tais clientes ou sequer de pôr em risco a relação da Recorrente com tais clientes após a cessação do contrato de agência; M)–A Autora criou todas as condições para que a Recorrente beneficiasse da sua atividade mesmo após a cessação do contrato de agência, sendo que a Recorrente só por razões que só a si são imputáveis não o logrou fazer; N)–A incapacidade desta em assegurar a manutenção do mercado que a Autora construiu, apesar desta ter criado todas as condições para que tal benefício se verificasse, não é de todo irrevelevante, sob pena de estar encontrada a válvula de escape que permitiria ao agente afastar, em qualquer caso, a obrigação de pagar uma indemnização de clientela; O)–A decisão do Tribunal a quo de julgar verificados os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 33.º do RJCA não merece censura, devendo manter-se inalterada. P)–O Tribunal a quo fundamenta a decisão de afastar o ano de 2020 no cálculo da indemnização de clientela no juízo de equidade que o artigo 34.º do RJCA impõe, já que se tratou de um ano absolutamente excecional face às consequências económicas que resultaram da pandemia de covid-19, argumento este que se acolhe e se reproduz; Q)–O artigo 34.º do RJCA dispõe que “a indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor.”; R)–Da norma transcrita resulta que o legislador se refere de forma clara ao termo “remunerações, independentemente da natureza e origem das mesmas; S)–A indemnização de clientela calculada com base no “lucro líquido” recebido pelo agente e não pelo efetivo valor das remunerações auferidas aplica-se aos contratos de concessão comercial e não aos contratos de agência, como aquele a que se referem os presentes autos; T)–In casu estamos perante um verdadeiro contrato de agência, pelo que o disposto no artigo 34.º do RJCA aplica-se sem necessidade de qualquer adaptação, sendo que no cálculo do valor da indemnização de clientela deverá ser considerado o valor das remunerações auferidas pela Autora, como efetivamente sucedeu; U)–A opção da Autora pela fórmula de cálculo da indemnização prevista no n.º 2 do artigo 29.ª do RJCA resulta, à saciedade, da petição inicial, desde logo tacitamente por não terem sido deliberadamente alegados danos específicos, como constatou o Tribunal a quo; V)–Não devem proceder as alegações deduzidas pela recorrente, mantendo-se sem alterações a decisão recorrida. Nestes termos, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se, sem alterações, a decisão recorrida”. O recurso foi admitido e mostrando-se cumpridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. * II.–Âmbito do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da Recorrente, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil. Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir são as seguintes: A–da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e B–do mérito da acção: b.1.- a indemnização de clientela; b.2.-a indemnização devida pela privação de exercício da atividade da recorrida. b.3.-Subsidiariamente, os critérios utilizados para apuramento da indemnização pela privação da atividade. III.–Fundamentação de Facto A fundamentação de facto a considerar é a constante da decisão recorrida, que aqui se reproduz: “III.I.- São os seguintes os factos provados e não provados com relevo na decisão a proferir: -- Partes: 1.–A Ré é uma sociedade portuguesa integrada num grupo empresarial multinacional de fabrico, distribuição e comercialização de armações para óculos, óculos de sol e outros acessórios óticos, conhecido como Grupo Sáfilo, um dos maiores a nível mundial no ramo da ótica, com origem em Itália; 2.–A ré dedica-se em Portugal, designadamente, ao comércio, importação, exportação e distribuição de armações para óculos, óculos de sol, óculos pré-graduados e outros acessórios óticos; 3.–C…, conhecido no mercado da ótica como …, exerce desde 2004, na zona norte de Portugal, atividade como agente-vendedor na área da ótica; 4.–Nessa atividade, foi vendedor de óculos das marcas “Try Change” e “Sisley”, sendo agente exclusivo de outra multinacional sediada em Itália – “…S.P.A.; 5.–Vítor R., enquanto agente da “…., S.P.A.”, auferia, além de comissões pelas vendas, 1.250,00€ (mil duzentos e cinquenta euros) a título de remuneração fixa mensal; -- Introdução da marca Polaroid em Portugal: 6.–No ano de 2012, a Ré, sua detentora, introduziu a marca de óculos Polaroid em Portugal, passando a vender óculos da mesma; 7.–As vendas de óculos Polaroid em Portugal no ano 2012 foram de valor reduzido, não concretamente apurado; 8.–Os óculos Polaroid situam-se numa gama de preço média-baixa, por comparação com outras marcas de óculos disponíveis no mercado; -- Contactos iniciais da ré com C….: 9.–Em data não concretamente apurada, situada entre os últimos dias de 2012 e os primeiros de 2013, …, em nome da ré, contactou C… no sentido de marcar uma reunião com o Diretor-Geral e representante da empresa no país, à data, - Miguel…; 10.–Miguel… exercia, de facto, a gestão da ré em Portugal, sendo também seu mandatário desde, pelo menos, 22/5/2012; 11.–Miguel…., em representação da Ré, e C… reuniram-se no Porto, em janeiro de 2013, e nessa ocasião foi proposto a C… que trabalhasse como agente da B…, Ldª” com intuito específico de comercializar óculos da marca Polaroid na zona norte do país; 12.–Nessa altura, Miguel… tinha boas referências do desempenho e imagem profissionais de C…, designadamente como vendedor de óculos marca Try Change, sendo conhecido como tendo uma boa carteira de clientes e capacidade de angariar novos; 13.–Na reunião mantida, Miguel … apresentou uma proposta a C… no sentido de comercializar, com exclusividade, óculos da marca Polaroid na zona norte de Portugal, ficando o país dividido em duas zonas (norte e sul), auferindo uma comissão que, em regra, corresponderia a 15% do valor da venda, exceto nas óticas franqueadas do grupo Grandvision (em que a comissão seria de 9%) e excluindo comércio junto dos retalhistas El Corte Inglés, Auchan e Sonae; 14.–Mais foi proposto a C… Reis um pagamento fixo mensal de 2.750,00€ e ainda prémios por objetivos fixados por referência às vendas realizadas; 15.–C… declarou então, verbalmente, aceitar trabalhar como agente da ré; 16.–Foram elementos essenciais para formação da vontade de C… de aceitar ser agente da “B…, Ldª”, deixando de ser agente da “…, SPA” além do prestígio comercial do grupo económico, o valor de remuneração fixa proposto, a exclusividade de venda na zona norte e a perspetiva de comercializar um artigo recém introduzido no mercado, com uma marca vista como tendo potencial de crescimento; -- Início de atividade de C…. como agente da ré – contrato de agência: 17.–Na sequência da referida reunião e da decisão que tomou, C… comunicou à “…SPA” que deixaria de ser seu agente e, a 1 de fevereiro de 2013, começou a contactar clientes informando que iria começar a vender óculos da marca Polaroid; 18.–Nessa altura C… não tinha assinado qualquer contrato com a ré; 19.–No dia 7 de fevereiro de 2013 realizou-se reunião que incluiu diversos agentes/vendedores e responsáveis da ré, tendo estado presentes, além de outras pessoas, Miguel … e C…; 20.–Nessa reunião foi apresentado a C… documento escrito intitulado contrato de agência, cuja cópia se mostra junta como documento n.º 2 da petição inicial, dada por integralmente reproduzida; 21.–Nesse escrito consta, designadamente: Cláusula Primeira (Objecto, Território, Produtos) (…) O Principal poderá alterar o Território alocado ao Agente, desde que exista um motivo sério e atendível nesse sentido. Cláusula Décima Terceira (…) As disposições contempladas no presente contrato não são cumuláveis com as de qualquer outro celebrado entre as partes. Qualquer acordo anterior verbal e/ou escrito existente entre o Agente e o Principal deve ser considerado substituído pelo presente acordo. 22.–Do escrito em causa não consta qualquer referência a um valor fixo a pagar mensalmente ao agente; 23.–Na ocasião, à margem da reunião, C… declarou a Miguel… que o escrito apresentado não correspondia ao que havia sido falado entre eles e que, nessa altura, já tinha deixado de trabalhar com a “…SPA” e que, naqueles termos, não assinaria o contrato; 24.–Como desconformidades com o acordado, C… declarou nesse momento a Miguel… a omissão de referência no contrato a um pagamento fixo mensal e a cláusula que prevê possibilidade de alteração da área territorial afeta ao agente; 25.–Nesse momento, Miguel… declarou verbalmente a C… que o pagamento do valor fixo de €2750 estava assegurado, mas não poderia figurar no contrato, e que a exclusividade de venda na zona norte estava também garantida, sendo essa zona a correspondente aos dez distritos indicados no escrito em causa; 26.–Considerando o declarado por Miguel… nesse momento, C… acedeu a assinar o escrito apresentado e fê-lo nessa mesma data (7 de fevereiro de 2013); -- Evolução da situação da ré “B…, Ldª”: 27.–Em data não concretamente apurada, situada entre fevereiro de 2013 e o final desse ano, Miguel… cessou funções na ré assumindo funções de direção na congénere espanhola do grupo “B…, Ldª”; 28.–Em 18/9/2014 a ré passou a ter, como Diretor e gerente de facto, …, cidadão italiano; 29.–Pedro… assumiu nesse período funções de gestão de vendas e coordenação dos agentes da ré, ganhando uma influência crescente na atividade da sociedade até ter sido constituído como seu gerente; -- Remunerações fixas pagas pela agência a C… ou à autora: 30.–No mês de fevereiro de 2013, e em todos os seguintes desse ano, a ré pagou a C…, além de comissões pelas vendas, um valor fixo mensal de remuneração pela sua função de agente equivalente ao valor líquido mensal de 2.750€ (dois mil setecentos e cinquenta euros); 31.–Em reunião mantida em data não apurada de janeiro do ano de 2014 a ré, por meio de Pedro…, comunicou a C… que a retribuição fixa a pagar pela agência seria reduzida para o valor mensal de 2.000€ (dois mil euros); 32.–C… declarou verbalmente manifestar a Pedro… desagrado e discordância com tal alteração; 33.–Foi-lhe então sido dito por Pedro… que, caso não aceitasse essa redução, o seu contrato cessaria; 34.–Na sequência, C… declarou aceitar continuar a exercer funções de agente de ré no ano 2014, o que fez; 35.–De forma equivalente à anteriormente referida (seja quanto a forma de comunicação, seja quanto à resposta de C…), em janeiro de 2015, o valor de retribuição fixa foi alterado para 1.000€ mensais (mil euros); 36.–E em 2016 para 1.500€ (mil e quinhentos euros) mensais; 37.–Em 2017 novamente para o valor 1.000€ (mil euros) mensais; 38.–Em janeiro de 2018 para o valor de 500€ (quinhentos euros) mensais, pagos até ao mês de junho; 39.–Desde julho de 2018 não mais a ré pagou a C…, ou à autora, qualquer valor fixo de retribuição pela sua atividade como agente. -- Pagamentos globais a C… ou à autora: 40.–Incluindo os valores fixos antes referidos, no ano de 2015 a ré pagou a C… a quantia global de 95.811,50€, sendo os seguintes os valores pagos mensalmente: - Janeiro: - 4.913,10€ - Fevereiro: - 5.567,41€ - Março: - 9.636,04€ - Abril: - 14.345,72€ - Maio: - 10.308,31€ - Junho: - 15.376,96€ - Julho: - 7.734,25€ - Agosto: - 4.156,30€ - Setembro: - 8.406,13€ - Outubro: - 8.667,53€ - Novembro: - 4.098,24€ - Dezembro: - 2.601,51€; 41.–Incluindo os valores fixos acima referidos, no ano de 2016 a Ré pagou à Autora a quantia global de 82.218,36€, sendo os seguintes os valores pagos mensalmente: - Janeiro: - 4.115,08€ - Fevereiro: - 6.447,25€ - Março : - 6.647,42€ - Abril: - 7.427,50€ - Maio: - 8.852,83€ - Junho: - 9.164,64€ - Julho: - 9.570,05€ - Agosto: - 6.625,61€ - Setembro: - 7.285,74€ - Outubro: - 6.725,25€ - Novembro: - 4.874,33€ - Dezembro: - 4.482,65€; 42.–Incluindo os valores fixos acima referidos, no ano de 2017 a Ré pagou à autora a quantia global de 80.339,67€, sendo os seguintes os valores pagos mensalmente: - Janeiro: - 2.301,59€ - Fevereiro: - 5.998,19€ - Março : - 5.535,00€ - Abril: - 8.610,00€ - Maio: - 14.241,90€ - 4Junho: - 7.440,2€ - Julho: - 7.428,04€ - Agosto: - 6.172,33€ - Setembro: - 6.691,43€ - Outubro: - 6.832,16€ - Novembro: - 3.654,75€ - Dezembro: - 5.434,04€; 43.–Incluindo os valores fixos acima referidos (pagos no 1.º semestre), no ano de 2018 a ré pagou à Autora a quantia global de 96.501,78€, sendo os seguintes os valores pagos mensalmente: - Janeiro: - 4.391,57€ - Fevereiro; - 13.860,50€ - Março: - 11.532,30€ - Abril: - 4.934,22€ - Maio: - 17.656,26€ - Junho: - 8.985,94€ - Julho: - 8.555,90€ - Agosto: - 5.670,73€ - Setembro: - 3.846,44€ - Outubro: - 7.134,92€ - Novembro: - 6.042,47€ - Dezembro: - 3.890,53€; 44.–Sem computar qualquer valor fixo, no ano de 2019 a ré pagou à Autora a quantia global de 88.180,27€, sendo os seguintes os valores pagos mensalmente: - Janeiro: - 16.612,08€ - Fevereiro: - 4.305,00€ - Março: - 4.461,44€ - Abril: - 8.800,51€ - Maio: - 11.196,91€ - Junho: - 15.157,79€ - Julho - 9.186,00€ - Agosto: - 0 (sem comissões) - Setembro - 6.664,18€ - Outubro - 7.615,68€ - Novembro - 2.964,60€ - Dezembro - 1.216,08€. --- Evolução das vendas Polaroid da ré – constituição da autora: 45.–No ano de 2013 as vendas de óculos Polaroid na zona norte tiveram um aumento, de um valor reduzido, não concretamente apurado, para o valor abaixo indicado; 46.–A partir do ano 2013 a marca de óculos Polaroid passou a ser reconhecida no mercado, incluindo a zona norte do país; 47.–Na sequência do desenvolvimento das vendas, C… constituiu a sociedade autora (A…, Ldª”), com objeto de prosseguir o negócio como agente da ré na zona norte, sendo C… o seu único sócio e único gerente; 48.–Na sequência da constituição da autora, esta prosseguiu, a partir de janeiro de 2020, o negócio como agente da ré iniciado pela pessoa de C…, designadamente de venda de artigos da marca Polaroid na zona norte; -- Atividade desenvolvida por C… ou pela autora como agente da ré: 49.–C… e a autora, ao longo do tempo, receberam instruções e orientações da ré, por escrito ou em reuniões presenciais, designadamente relativas a política e objetivos comerciais; 50.–C… e a autora forneceram à ré, ao longo do tempo, as informações que foram sendo solicitadas, designadamente quanto à evolução do negócio, previsão de volumes de encomendas e situação financeira dos clientes, apresentando comentários e sugestões relativas a objetivos comerciais a atingir; 51.–Ao longo dos anos, C… e a autora angariaram novos clientes de óculos Polaroid para a ré, em número não concretamente apurado, vendendo tais artigos, entre 2013 e 2020, a um total de 478 (quatrocentos e setenta e oito) clientes; 52.–Em data não concretamente apurada, C… elaborou uma proposta comercial de criação de um sistema de descontos no preço em função da quantidade de unidades vendidas, que a ré aceitou; 53.–Tal desconto de quantidade aumentou, no período em que vigorou (não concretamente apurado), o número de unidades vendidas de óculos Polaroid; 54.–C… manteve sempre uma boa relação com os seus clientes; 55.–Nesse contexto, C…, além de assegurar concretização de encomendas, diligenciou junto de clientes não apurados, número de vezes também não apurado, pela cobrança de valores em dívida à ré; 56.–Entre abril de 2015 e o final de 2017, a ré alterou a divisão do território nacional, estabelecendo uma divisão em três zonas para efeito de vendas dos óculos da marca Polaroid; criando uma zona centro, que atribuiu a um terceiro agente ou vendedor, que passou a atuar nessa área; 57.–Nesse período, por consequência dessa decisão da ré, C… deixou de poder vender, no período em causa (de abril de 2015 a final de 2017), artigos de ótica nos distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco; 58.–Em início de 2018 a ré restabeleceu uma divisão do território nacional em duas zonas, voltando a autora a vender artigos de ótica em nome da ré nos distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco; 59.–Em data não apurada situada entre os anos 2016 e 2017, a ré solicitou a C… que iniciasse a venda de outras marcas de ótica do seu portfolio, o que este acedeu, designadamente passando a vender óculos da marca MMission, Havaianas e Seven Street; 60.–A maioria das vendas de C… ou da autora continuou a ser de óculos da marca Polaroid; 61.–No período de pandemia de Covid-19, a ré determinou que os seus agentes ficassem a operar na modalidade mista de teletrabalho, o que ocorreu desde março de 2020, levando a uma redução dos contactos dos agentes com os clientes; 62.–Os valores totais de vendas de artigos Polaroid comercializados pela ré em Portugal foram os seguintes(em euros): - 2013 – 794.852; - 2014 – 1.357.876; - 2015 – 1.390.304; - 2016 – 1.410.528; - 2017 – 1.547.121; - 2018 – 1.584.572; - 2019 – 1.355.671; - 2020 – 943.310; 63.–O valor de vendas do ano de 2021, após cessação da agência com a autora, atingiu o valor de €1.219.183; 64.–O valor total de faturação da ré em Portugal entre 2013 e 2021 foi o seguinte (em euros): - 2013 – 10.852.402; - 2014 – 12.616.402; - 2015 – 12.918.357; - 2016 – 13.217.879; - 2017 – 10.829.865; - 2018 – 10.437.598; - 2019 – 9.197.840; - 2020 – 6.712.515; - 2021 – 8.268.909; 65.–O volume de vendas de artigos Polaroid diretamente concretizado por C… ou pela autora foi o seguinte (em euros): - 2013 – 196.864,75; - 2014 – 470.194,08; - 2015 – 419.712,28; - 2016 – 320.483,50; - 2017 – 310.822,13; - 2018 – 451.017,81; - 2019 – 308.608,23; - 2020 – 153.610,51. 66.–Face ao referido, a proporção de vendas de artigos Polaroid no total das vendas da ré em Portugal foi a seguinte (valores arredondados à décima): - 2013 – 7,3%; - 2014 – 9,3%; - 2015 – 10,8%; - 2016 – 10,7%; - 2017 – 14,3%; - 2018 – 15,2%; - 2019 – 14,7%; - 2020 - 14,1%; 67.–E a percentagem do valor de vendas de artigos Polaroid efetuadas por C…. ou pela autora no valor total de vendas de artigos Polaroid em Portugal foi a seguinte (valores arredondados à décima): - 2013 – 24,8%; - 2014 – 34,6%; - 2015 – 30,1%; - 2016 – 22,7%; - 2017 – 21,3%; - 2018 – 28,5%; - 2019 – 22,8%; - 2020 – 16,3%; 68.–Com a pandemia, as vendas do grupo “B…, Ldª” no ano 2020, a nível global, sofreram uma queda acentuada, em proporção não concretamente apurada, situando-se tal queda em Portugal em 27% face ao ano de 2019 (de €9.197.840 em 2019 para €6.712.515 em 2020); 69.–No período de pandemia, a ré avançou aos seus agentes valores de comissões a pagar por forma a assegurar-lhes meios de sustento financeiro pessoal e familiar; 70.–Ao longo do tempo, os objetivos de vendas foram fixados por decisão da ré, recebendo sugestões ou comentários dos seus agentes, incluindo C…. ou a autora; 71.–Para a autora foram fixados os seguintes objetivos de vendas (faturação): - Ano 2018 - €790.100 (setecentos e noventa mil e cem euros); - Ano de 2019 - €705.859 (setecentos e cinco mil e oitocentos e cinquenta e nove euros); - Ano de 2020 - €446.388 (quatrocentos e quarenta e seis mil trezentos e oitenta e oito euros); 72.–No ano de 2018 as vendas realizadas pela autora, em nome da ré, foram do valor total de €661.577,21 (seiscentos e sessenta e um mil quinhentos e setenta e sete euros e vinte e um cêntimos) – valor que incluem vendas de todas as marcas comercializadas, incluindo Polaroid; 73.–No ano de 2019, as vendas realizadas pela autora, em nome da ré, foram do valor total de €346.292,64 (trezentos e quarenta e seis mil duzentos e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) – valor que incluem vendas de todas as marcas comercializadas pela autora, incluindo Polaroid; 74.–No ano de 2020, as vendas realizadas pela autora, em nome da ré, foram do valor total de €210.119 (duzentos e dez mil cento e dezanove euros) – valor que incluem vendas de todas as marcas comercializadas pela autora, incluindo Polaroid; -- Cessação da relação de agência entre autora e ré: 75.–C… foi convocado pela ré para uma reunião na sua sede, em Lisboa, no dia 17 de dezembro de 2020; 76.–É habitual a ré determinar realização de uma reunião no final do ano com os seus agentes, designadamente para proceder ao inventário dos artigos na posse dos vendedores; 77.–Nessa data, C… deslocou-se à sede da ré tendo na sua posse malas de mostruário das coleções de óculos das marcas Polaroid e MMission, as que vendia nesse momento; 78.–Após realização do inventário, a ré reteve as malas de mostruário, não mais as entregando a C…; 79.–Nesse dia, após conclusão da verificação do inventário, efetuado com a presença de C… pela funcionária Paula…, aquele foi convocado verbalmente, na qualidade de representante da autora, para uma reunião, que veio a ocorrer de seguida; 80.–Nessa ocasião, estando a ré representada pelo gerente Pedro … e pela Diretora Financeira …, foi, designadamente, comunicado a C… a intenção de fazer cessar o contrato de agência entre autora e ré; 81.–Nessa ocasião foi dito a C… que tal decisão era devida a uma nova filosofia da empresa, na qual C… não se enquadrava; 82.–Mais foi declarado por Pedro… e reiterado por … que a decisão nada tinha que ver com o seu profissionalismo; 83.–Foi apresentada a C…, nessa ocasião, uma proposta indemnizatória, não concretamente apurada, que este recusou, em nome da autora; 84.–A reunião terminou sem que tivesse sido assinado qualquer documento relativo a cessação da agência; 85.–C… declarou a Pedro…, no final da reunião, que ficaria a aguardar a carta, com esta expressão se referindo a uma missiva a ser-lhe enviada pela autora com a finalidade de formalizar a cessação do contrato de agência; 86.–No dia 23 de dezembro de 2020 a ré retirou à autora e ao seu gerente C… acesso às ferramentas eletrónicas de trabalho e representação da ré, designadamente o grupo da plataforma WhatsApp da empresa e o seu correio eletrónico profissional; 87.–Tais canais eletrónicos, facultados pela ré a todos os seus agentes, são essenciais para que possam desenvolver a sua atividade, designadamente para concretizar as encomendas dos clientes; 88.–No dia 6 de janeiro de 2021, a ré realizou a habitual reunião de início de ano com os seus agentes, não tendo convocado C… ou a autora para a mesma; 89.–Na sequência de tal reunião, a ré encarregou a André… as tarefas de atuar como seu novo vendedor das marcas Polaroid e MMission para a zona norte do país, entregando-lhe malas-mostruário das coleções de óculos Polaroid e MMission para o efeito; 90.–Por carta datada de 29 de janeiro de 2021, que a autora recebeu no dia 2 de fevereiro seguinte, a ré declarou, além do mais que consta do documento n.º 15 anexo à petição inicial, dado por reproduzido, denunciar o contrato de agência celebrado, com efeito na data de receção da missiva; -- Situação das vendas de artigos Polaroid da ré após janeiro de 2021: 91.–André … manteve-se como vendedor de artigos Polaroid a ré na zona norte por período não apurado do ano 2021, tendo deixado tais funções na sequência de conclusão, da ré e do próprio, de não estarem as vendas a atingir valores perspetivados, não concretamente apurados. – -- III.II. Factos não provados: - Que Miguel …, aquando das reuniões de dezembro de 2013 e janeiro de 2014, em algum momento, tenha declarado verbalmente a C… que o valor fixo de €2750 mensais seria pago enquanto C… se mantivesse como vendedor da “B…, Ldª”; - Que Miguel…, aquando das reuniões de dezembro de 2013 e janeiro de 2014, tenha dito a C… que o valor fixo seria pago apenas num momento inicial, como forma de assegurar o sustento da atividade profissional da Autora enquanto o valor de vendas ainda fosse reduzido e que tal valor seria retirado mais tarde; - Que tenha sido declarado a C…, por Miguel… ou qualquer outro representante da ré, que teria direito a receber prémios de desempenho caso as vendas se aproximassem dos objetivos (sem os atingir); - Que, após a reunião de janeiro de 2013 entre Miguel… e C… e antes da assinatura do contrato (em 7 de fevereiro desse ano), tenham sido entregues a C… malas de mostruário de produtos óticos da ré, designadamente óculos da marca Polaroid; este tenha começado a apresentar aos seus clientes os produtos desta marca polaroid e tenha começado a receber encomendas; - Que C…, antes de dezembro de 2020, tenha recebido convites para representar empresas concorrentes da autora; - Que o valor económico das vendas de artigos Polaroid tenha aumentado em resultado da proposta comercial de descontos de quantidade apresentada por C…; - Que, aquando da criação da zona territorial do centro, retirando os distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco ao comércio de C…, tal lhe tenha sido previamente explicado e tenha sido por este aceite; - Que C… tenha recebido prémio pelas vendas no ano 2018; - A quantidade ou o valor das vendas de artigos da marca Polaroid nos distritos de Coimbra, Viseu, Bragança, Guarda e Castelo Branco entre 2015 e 2017; - Que a Polaroid tenha passado a ser a marca vendida pela ré com maior número de clientes na zona norte de Portugal; - Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré ou tivessem; - Que C…, se tenha, de forma continuada e voluntária, abstido de desenvolver qualquer ação de promoção ou venda de produtos de marcas detidas pela ré, Polaroid ou diversas desta, que lhe tenham sido atribuídas pela ré, e/ou desrespeitado instruções ou orientações comerciais, de publicidade ou marketing desenvolvidas; - Que C…, a título pessoal ou como representante da autora, tenha demonstrado falta de compreensão e incapacidade de adaptação às alterações do negócio da ré”. * IV.–Fundamentação de Direito 4.1.-Admissibilidade do recurso da impugnação da matéria de facto O actual Código de Processo Civil introduziu um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, sujeitando a sua admissão aos requisitos previstos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil. Embora tal reapreciação tenha alcançado contornos mais abrangentes, não pretendeu o Legislador que se procedesse, no Tribunal Superior, a um novo Julgamento, com a repetição da prova já produzida nem com o mesmo limitar de alguma forma o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção acerca de cada facto controvertido. Apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o Tribunal de recurso não pode já recorrer. Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada convicção, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes. Posto isto, para que o Tribunal Superior assim se possa pronunciar sobre a prova produzida e reapreciar e decidir sobre a matéria de facto, sem que tal acarrete na verdade todo um novo julgamento e repetição da prova produzida, impõe-se à parte que assim pretende recorrer que cumpra determinados requisitos, previstos no citado art.º 640º do Código de Processo Civil. Lidas a motivação e as conclusões de recurso, verifica-se que a recorrente cumpriu com o ónus que se lhe impunha, nomeadamente, indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente não provados, e qual o facto cujo aditamento aos factos provados pretende; especificou relativamente a cada facto qual os meios de prova (testemunhal no primeiro caso e documental no segundo) que, em seu entender, fundamentariam decisão diversa; formulou a decisão que, em seu entender, seria ser aquela que o Tribunal deveria ter tomado em relação aos concretos pontos de facto sobre os quais discorda. Na reapreciação da matéria de facto há ainda que levar em consideração o que dispõe o art.º 662º do Código de Processo Civil, tendo a Relação autonomia decisória “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com a observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (conf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pg. 287). 4.2.-Impugnação da matéria de facto - Da correcção da redação do facto não provado “Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré ou tivessem”. Sem dúvida que a frase não está terminada, embora se retire da mesma, nitidamente negativa, a ideia de que não resultou provado que “C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré”. Assim, e para cabal compreensão deste facto, deverá ser corrigida a sua redacção, devida certamente a lapso de escrita, e por isso tal facto deverá ficar com a seguinte redacção: “Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré”. A recorrente pretende que sejam considerados provados alguns factos não provados, que abaixo elencamos. Indica, para sustentar a sua posição, os depoimentos de duas testemunhas- Pedro … e Paula …, e refere, genericamente, a prova documental (apenas concretiza o documento n.º 3 junto com a contestação). Ora, antes de mais, cumpre dizer, e no que respeita aos factos referidos, que o Tribunal não considerará a indicação feita pelo recorrente “a prova documental” (com excepção do referido documento n.º 3), atenta a referência genérica à mesma. A referência genérica nas alegações à prova documental obviamente não satisfaz o ónus legal de especificação: remete para o tribunal a tarefa de escolher qual os quais os documentos de onde a recorrente pretende extrair a conclusão desejada. Esta é tarefa da recorrente: indicar o ou os documentos em que se funda para pretender que um ou mais factos sejam considerados provados. Neste sentido cfr. Acordão da Relação de Évora de 9 de junho de 2022, disponível em: “Não constitui impugnação do julgamento da matéria de facto nos termos legais a discordância com o julgado, quanto a factos provados e não provados, acompanhada da indicação também genérica e global de um acervo probatório disponível que deveria levar diferente julgamento”. Assim, resta apreciar se os depoimentos das testemunhas Pedro … e Paula… e o documento n.º 3 junto com a contestação são bastantes para conduzir a uma alteração da decisão da matéria de facto. Para apreciação desta matéria este Tribunal ouviu a prova pessoal produzida na audiência final e referida pela recorrente nas suas alegações. Antes de entrar na avaliação crítica da prova produzida, tendo em consta a matéria impugnada pela recorrente, enunciemos os traços essenciais da prova pessoal produzida em audiência final, e referida pela recorrente nas suas alegações: - declarações de parte e depoimento de parte de Pedro …, legal representante da recorrente “B…, Ldª”: apresentou-se como Director-Geral da “B…, Ldª” em Portugal. Trabalha para a “B…, Ldª” desde 2018, mas desde 2002 que trabalha como independente para esta – comercial, agente, em 2012 assumiu funções como Sales Manager em prestação de serviços, apenas tendo ingressado nos quadros da empresa em julho de 2018. O percurso de trabalho em empresas desde tipo é como descreve: agenciamento puro, contrato, comissões em funções das vendas efectuadas. Faz a gestão de todo o negócio no mercado português. No final de 2012, com a entrada de um novo Diretor-Geral para a “B…, Ldª”, Dr. Miguel…, havia novos projetos na empresa, nomeadamente a entrada no portfólio da empresa da marca Polaroid, o que originou uma mudança de estratégia a nível da equipa de vendas, de modo a levar esta marca ao mercado, e garantir que os agentes estariam na rua de modo efectivo e forte, sendo que um dos vendedores contactado foi o C… Entre 2013 a 2019 poucos foram os semestres em que C… atingiu os objetivos. No final de 2020, por este não atingir os objetivos, e por a empresa pretender outro tipo de agenciamento e perfil de vendedor, prescindiu dos serviços do C… . Esta decisão baseou-se apenas numa questão comercial, nada mais. Contudo, o depoimento desta testemunha fez este tribunal concluir que há algo mais. Pedro … referiu-se a C…, notando-se nas suas palavras o incómodo pelo trabalho e presença daquele. - depoimento da testemunha Paula…, que se referiu a C…, mais do que uma vez, como sendo uma “pessoa muito difícil”, com quem lidava com frequência, e a quem não gostava de ver os mostruários desorganizados, e pouco atento às campanhas promocionais da ré, tendo um modo de trabalhar muito próprio. A testemunha pareceu algo melindrada por a estratégia de trabalho de C… não passar por si, falando daquele com acrimónia. O documento n.º 3 junto com a contestação: a este documento já se referiu a decisão recorrida, salientando que o mail que o consubstancia foi enviado não só a C… mas a também a outros vendedores da “B…, Ldª”, num contexto de abertura de uma nova optica. Deste documento não se extrai o pretendido pela recorrente: que C… se absteve de forma voluntária e sistemática de diligenciar ou promover as vendas de produtos da recorrente ou tenha demonstrado incapacidade para se adaptar às alterações propostas pela recorrente. 4.2.1.-Os três últimos factos dados como não provados na sentença recorrida devem passar a ser considerados como provados? Estes factos têm a seguinte redacção: - Que C… ou a autora não tivessem diligenciado pela venda de artigos da ré; - Que C…, se tenha, de forma continuada e voluntária, abstido de desenvolver qualquer ação de promoção ou venda de produtos de marcas detidas pela ré, Polaroid ou diversas desta, que lhe tenham sido atribuídas pela ré, e/ou desrespeitado instruções ou orientações comerciais, de publicidade ou marketing desenvolvidas; - Que C…, a título pessoal ou como representante da autora, tenha demonstrado falta de compreensão e incapacidade de adaptação às alterações do negócio da ré”. A recorrente, apoiando-se nas declarações de parte de Pedro… e de Paula…, defende que tais factos deverão ser considerados provados, pois resulta da prova produzida que C… foi recorrentemente omisso no que respeita a promover junto de clientes as pretendidas iniciativas de vende de outros produtos de outras marcas, que também eram vendidos pela “B…, Ldª”. O tribunal recorrido, assumindo a “completa disparidade de posições assumidas” motivou a sua decisão de facto, na parte impugnada pela recorrente, da forma que segue: “(…) Pedro… e Paula…, como antes referido, no campo de defesa da ré, apresentaram pontuais insuficiências de desempenho de C…, corroboradas documentalmente por elementos relativos a faltas apontadas, ainda que, globalmente, nem um nem outro se possa dizer, em verdade, que tenham apresentado deste uma imagem de “mau profissional”. Pedro… enfatizou o não cumprimento de objetivos, não deixando de ficar claro que estes são definidos a partir da sede da empresa em Itália e, como também declarou C…, ainda que exista algum debate sobre os mesmos, em última instância do que se trata é de uma imposição unilateral de vontade. Paula…, por seu lado, enfatizou alguma desorganização dos mostruários e algum desconhecimento de C… das campanhas/ações comerciais promovidas pela ré, o que, não só não constituiria falta profissional de grande monta como até, quanto a este último ponto, não deixa de ser coerente com declarações do próprio C… no sentido da sua iniciativa pessoal e espírito comercial inovador – será natural, à luz da experiência comum, que alguém com esse perfil esteja muito mais focado no desenvolvimento de estratégias comerciais criativas e individualizadas, dirigidas aos seus contactos (atuais e potenciais), que preocupado em acompanhar as políticas comerciais transversais e anónimas desenvolvidas pela empresa a nível central. Também alguma falta de aprumo nas malas de mostruário será algo de perfeitamente compatível com um bom desempenho profissional (salvo situações anormais, que não foram declaradas), considerando que esses instrumentos de trabalho eram transportados diariamente em deslocações de automóvel por toda a região norte do país. Os documentos indicativos de “falhas”, abaixo mais detidamente analisados, no máximo permitem atestar faltas ou dificuldades pontuais, sem particular gravidade e naturais numa relação comercial que se prolongou por oito anos. O que o tribunal concluiu, neste quadro probatório, quanto à cessação do contrato de agência? Ficou clara alguma antipatia, para não dizer animosidade pessoal, entre C… e Pedro…, como ficou patente antipatia de Paula… para com C… . As restantes testemunhas, incluindo Rute…, ex-funcionária da ré, depuseram expressamente no sentido do empenho e profissionalismo de C… Por outro lado, não deixou de se extrair dos depoimentos de agentes e da ex-funcionária da ré Rute… a existência de litígios abertos com a empresa que, não se podendo dizer que puseram em causa a coerência ou a verdade do testemunho, não podem deixar de ser tidas em conta. A propósito, existem cópias de comunicações de Rute… com C…, infra referidas, quando esta era ainda funcionária da ré, instando-o à realização de tarefas, permitindo perceber que, como será natural numa relação prolongada no tempo, nem sempre houve total coincidência de visões, como pareceu resultar do seu testemunho. Em todo o caso, ficou claro que a única verdadeira dissensão passada de C… foi com Pedro… . Essa falta de proximidade, que pode ser referida genericamente como antipatia, que C… atribui a causa espúrias (até a pequenas invejas pelos resultados que apresentava), poderá ter sido um elemento para a decisão de cessação da agência, mas, em termos de juízo conclusivo, o que se conclui é que não foi o único e não terá sido sequer o determinante. Não se terá tratado, ao contrário do que sustenta a ré, de uma cessação devida a falhas profissionais ou, como declarou Pedro…s, uma decisão assente na simples análise de incumprimento de objetivos definidos (ainda que este tenha sido também um elemento certamente levado em conta, para os últimos anos, i.e., pós-2018). O que se terá tratado, em primeiro lugar, terá sido uma reação da empresa à grande quebra económica decorrente da pandemia que, como declararam, credivelmente, Pedro… e Carmen…, terá levado a uma necessidade de reavaliação do negócio a nível global, numa esfera decisória muito superior até à dos responsáveis nacionais. Esse processo de decisão terá conduzido a uma política de renovação do quadro de comerciais-vendedores a nível supranacional, procurando, como se diria em linguagem coloquial, introduzir “sangue novo” na empresa (“sangue novo” que, no caso dos produtos Polaroid na região norte de Portugal, terá sido André…, o que, como decorre da sua rápida cessação de funções, não terá resultado). Esta vontade de mudança não pode ser depois, no nível de decisão individual, ser desligada da referida falta de proximidade pessoal do gestor Pedro… para com C… e, os dois fatores conjugados, levaram a que a posição deste na empresa ficasse em crise. Também neste ponto o tribunal tomou em linha de conta a supra referida assimetria de capacidade económica, que foi bem patente no depoimento de outras testemunhas com relações com a ré (seja antigos agentes, como foi o caso de Raul… ou Luís…, ou antigos funcionários, como a referida Rute…). Percebe-se claramente que os comportamentos da ré para com os seus agentes não se situam no âmbito da extrema proteção profissional, mas num âmbito, comum em áreas comerciais de competição agressiva, de submissão dos contraentes mais fracos, seja funcionários ou agentes, cujo campo limitado de autonomia e a sua sujeição económica os colocam em dificuldades quando a sua atividade é vista, por qualquer razão, como desalinhada do caminho da empresa. Neste quadro, desalinhando-se os agentes de alguma estratégia, critério ou objetivo, ou até, simplesmente, deixando de estar nas boas graças de quem tenha, momentaneamente, o poder decisório na companhia, enquanto contraentes mais fracos, ficam com a sua situação contratual em perigo (diga-se que esta ilação não sai prejudicada pelo pagamento feito aos agentes no período da pandemia, algo que, na excecionalidade do tempo, não permite extrapolação). Foi esta a conclusão que o tribunal retirou, em conclusão, da intenção da ré de fazer cessar a agência. Em simples: - quis renovar o seu quadro de vendedores e C… não era, no momento, uma pessoa bem-querida por quem tinha o poder de decisão e não conseguira cumprir os objetivos traçados pela empresa desde 2018. Outras avaliações de facto enformaram esta conclusão. Assim, verifica-se dos dados de vendas da autora uma estabilização de valor e até uma relativa redução na proporção nas vendas. As próprias vendas da ré a nível nacional, ainda antes da pandemia, vinham sofrendo redução. Tal induziu, naturalmente, pressão nos agentes, incluindo C…, que não ia conseguindo atingir os objetivos definidos. Desconhece-se a causa exata de tal estagnação no negócio da ré a nível nacional, sendo certo que, não se pode referir a uma falta de C… uma vez que é transversal a todo o negócio e refere-se a uma escala económica muito superior à deste (além de não se ter provado qualquer falta concreta de empenho ou diligência). Poderá ter-se tratado da entrada de novos concorrentes no mercado que retiraram quota à ré, ou de falta de dinâmica comercial da própria ré na introdução ou promoção de novos produtos ou até, ainda mais basicamente, na própria situação económica geral (do país ou dos mercados de produtos óticos). Como quer que seja, uma pressão crescente ao nível do estabelecimento de objetivos e uma pressão crescente pela dificuldade do seu cumprimento (como declarou C…, plausivelmente, fixados acima do limite do humanamente realizável) permitem também enquadrar a decisão de cessação da agência. -- Vertendo estas conclusões aos temas da prova, como individualizados nos autos (e, consequentemente, aos factos atomísticos que os integram, nos termos dados por provados e não provados), a convicção do tribunal, naquilo em que a prova foi efetivamente divergente, assentou: (…) c)-Quanto aos temas 4 e 6, genericamente referidos ao desempenho profissional da autora (aumento de clientela da ré em virtude da atuação comercial da autora; vendas realizadas em resultado do trabalho do agente nos anos 2018 a 2020 e objetivos comerciais definidos), também a prova se pode considerar, como acima referido, globalmente confluente, incluindo as declarações de C… e Pedro… e da testemunha Paula… (com base nos juízos acima enunciados). C… sublinhou o seu empenho e competência, no que foi corroborado por todas as testemunhas. Os seus colegas agentes Raúl… e Luís…, a despeito de reconhecerem terem, eles próprios, litígios com a ré, depuseram de forma que aparentou sinceridade e se mostrou credível. O mesmo se pode dizer da antiga funcionária da ré Rute… Num plano de afastamento relativamente às partes, depuseram no mesmo sentido os empresários do ramo da ótica Rui… e Miguel…, permitindo estabelecer o quadro geral de dinamismo e iniciativa de C…, declarado pelo próprio e apenas marginalmente questionado por Pedro… e Paula… . Quanto ao incumprimento de objetivos fixados, é o próprio C… que, nas suas declarações, o reconhece, não deixando de ficar provado, de forma unânime (incluindo testemunho de Pedro…), que estes eram definidos unilateralmente pela empresa. Estas conclusões foram também retiradas, a nível de quantificação concreta, da documentação apresentada, especialmente dos quadros de vendas e proveitos trazidos aos autos pela ré, confrontados com as suas declarações de rendimentos. Foi também considerada a documentação relativa a comunicações da autora (ou de C…) com a ré, particularmente Pedro…., Paula… e Rute…, da forma abaixo mais detidamente apresentada. d)- Quanto aos factos integrados no tema 5 (cumprimento da autora das suas obrigações de agente, designadamente de promoção de produtos que não de marca Polaroid no ano de 2019), o tribunal deu por não provada esta matéria, por ausência de prova concreta, que não umas alusões muito genéricas feitas por Pedro… e Paula… a uma falta de iniciativa na venda de artigos diferentes de Polaroid (sendo que o próprio C… reconhece que foi incumbida da venda de outras marcas e que o seu grande foco sempre foi a venda de artigos Polaroid). Estes elementos, conjugados, de forma crítica, permitem admitir alguma diferença no comportamento de C… na promoção das diferentes linhas (Polaroid, de um lado, as outras, de outro), sem qualquer consistência palpável e apurada com relação a atos e comportamentos concretos (sobretudo de desrespeito de instruções ou orientações da ré). O documento n.º 3 anexo à contestação não permite também estabelecer esta conclusão, ainda que se trate de uma reprimenda forte de Pedro…, enviada por correio eletrónico, num contexto de abertura de uma nova ótica. O aviso em causa, em primeiro lugar, foi enviado a um conjunto de vendedores e não apenas a C…, sendo que se se percebe do seu teor que este ter-se-ia deslocado ao tal novo estabelecimento e teria apresentado unicamente produtos da marca Polaroid. Refira-se que as restantes marcas referidas no mail (Carrera; THF; Dior e Boss) não eram ou alguma foram vez comercializadas pela autora e, nessa medida, a falta apontada não pode ser-lhe imputada. Percebeu-se das declarações de C…, bem como dos agentes ouvidos como testemunhas, que na estratégia comercial da companhia ré, e na ética profissional entre agentes vendedores, cada um deverá promover a venda das “suas” marcas e, na medida do possível, abrir caminho para a venda de outras marcas do portfolio da ré exploradas por outros agentes (dando contactos, informando campanhas e promoções, etc.). Tal terá que ser entendido, do que infere o tribunal com base na experiência comum, numa lógica que compatibilize com a prioridade do agente na defesa dos seus próprios interesses e, nesse quadro, esta comunicação traduz, não apenas um natural “puxão de orelhas” dirigido a todos os agentes (no sentido de promoverem e facilitarem a venda de produtos uns dos outros), como também uma comunicação que não traduz nada de especialmente grave ou especificamente atribuível à autora (pelo contrário, num certo sentido até atesta que C… foi o mais diligente dos vendedores por ter sido o único que se deslocou ao estabelecimento que iria abrir proximamente). Nesse quadro, não permite dar por provada a existência de concretos, graves e específicos comportamentos desconformes com instruções ou diretrizes, como alegado pela ré. O mesmo se dirá de outros documentos apresentados pela ré pretendendo atestar falta de diligência de C…, sendo o n.º 2 da contestação relativo a insistência para deslocação a um cliente e tratando-se de comunicações trocadas com a funcionária Rute… e que, além do seu teor não resultar nada de especialmente relevante, a própria atestou em juízo pela competência de C… . O documento 3, relativo a comunicação de Pedro… com C…, mais que documentar uma grande falta profissional de C…, atesta sobretudo da degradação da sua relação profissional e (sendo de maio de 2020), também permite inferir que as exigências da companhia aos seus vendedores no período pandémico foram elevadas, certamente associadas a uma diminuição abrupta de vendas. Quanto ao documento n.º 5 da contestação, relativo aos objetivos comerciais fixados à autora entre 2018 e 2020, o seu teor não se pode considerar infirmado e pode considerar-se até reconhecido pelas declarações de C… quanto aos dados dele constantes” Analisemos a prova produzida: - as declarações de parte de Pedro… e o depoimento de Paula..., que se pautaram por um antagonismo e antipatia para com C…, sentimentos que foram notados pelo Mmº Juiz a quo, e que perpassaram também na audição feita pelo tribunal de recurso . As afirmações relativas à cessação de funções de C… que referiam ou a não concretização de objetivos da empresa por parte deste ou a necessidade de redirecionar as vendas num período pós-pandemia com recurso a novos vendedores, mais empreendedores e expeditos. O certo é que, como refere a recorrida nas suas alegações, também testemunhas houve que depuseram sobre o profissionalismo e empenho de C…: Raúl…, Luís… e Rute … e os empresários do ramo da ótica Rui… e Miguel… . No quadro probatório que se acaba de enunciar, que dizer? Sobre a problemática do padrão probatório exigível em matéria civil tem-se vindo a sustentar que o limiar relevante da prova requer a denominada probabilidade prevalecente; isto é, sempre que se defrontem hipóteses contraditórias relativamente à realidade de um certo facto, a decisão do tribunal deve apoiar-se na hipótese que se apresente com uma probabilidade mais forte (Acerca desta temática, na doutrina, vejam-se: La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, Michele Taruffo, páginas 298 a 303; La Prueba, Marcial Pons 2008, Michele Taruffo, páginas 137 a 139 e 272 a 276; Simplemente la Verdad, Marcial Pons 2010, Michele Taruffo, páginas 246 a 252; na jurisprudência veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06 de Março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Teles Pereira no processo nº 1994/09.6TBVIS.C1, acessível no site da DGSI). Por outro lado, a livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se tal livre apreciação numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objetivos existentes, quando se trate de questão em que tais dados existam (Nos termos do disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, na redação anteriormente vigente e a que corresponde, atualmente, a primeira parte do nº 5, do presente artigo 607º, o “tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” Nas magistrais palavras do Professor Castanheira Neves, escritas nos seus Sumários de Processo Criminal (A obra intitula-se Sumários de Processo Criminal, (1967-1968) e foi editada, dactilografada, em Coimbra, em 1968), mas inteiramente transponíveis para o Processo Civil, a “liberdade de que aqui se fala não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionisto-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros – que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito” (fls. 50 da obra identificada). Mais adiante, na mesma obra, acrescenta o referido Professor, “Quanto à “verdade” que aqui se trata, devemos ter em conta que ela tem a ver com a realidade da vida, com a acção humana e as circunstâncias do mundo humano, pois a verdade que importa ao direito (e, assim, ao processo) não poderá ser outra senão a que traduza uma determinação humanamente objectiva de uma realidade humana. É ela, pois, uma verdade histórico-prática. A sua modalidade não é a de um juízo teorético, mas a daquela vivência em que na existência, na vida, se afirma a realidade das situações, com tudo o que nestas de material e de espiritual participa. Quer dizer, será errado identificarmos a ideia de objectividade, que aqui levamos referida, com a pura objectividade científica (sistemático-conceitual e abstracto-generalizante) – pois isso seria esquecer, por um lado, que a intenção teorético-científica é o resultado de uma modificação específica, e metodologicamente deliberada, na intenção e modos originários da experiência fundamental em que se nos dá a realidade, e, por outro lado, ignorar que o “facto” da ciência (os factos para a ciência), longe de ser o facto absoluto, é antes e apenas o facto ou o “dado” correlativo das específicas intenções científicas, e que, portanto, haverá sempre de distinguir-se, pelo menos, dos factos da experiência humano-natural e histórica, do que se trata aqui é antes daquela particular objectividade da vida, a exprimir sempre uma “indissolúvel unidade do conhecimento e do agir”, um prático experimentar-compreender teoricamente irredutível. O que não é, todavia, contraditório com a pretensão de uma racionalização. Só que não deve esquecer-se que se trata de uma racionalização de índole prática-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal) – já por isso a racionalização toma no nosso caso muito justamente o nome de motivação e não o de demonstração” (págs. 51 a 53 da obra identificada). Nos casos, frequentes na prática judicial, em que os resultados da prova são contraditórios, a fim de que o julgamento da matéria de facto não se converta num aleatório exercício irracional de adivinhação, muitas vezes com uma errada compreensão do princípio da livre apreciação das provas que o identifica com uma incontrolável e infundamentada íntima convicção, em que o “feeling” ou uma espécie de xamanismo judicial substitui as razões auto e heteroconvincentes, importa sobretudo que a prova pessoal seja corroborada por elementos dela independentes e não falsificáveis pela mesma. Deste modo se poderá afirmar que o tribunal formou uma prudente convicção quanto à realidade dos diversos factos controvertidos porque fundamentada racionalmente, raciocínio expresso e passível de reprodução e comunicação (veja-se a primeira parte do nº 5, do artigo 607º do Código de Processo Civil). No caso em apreço, como decorre do que se expôs em sede de apreciação da prova pessoal, é ostensivo que a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido é corretíssima, não enfermando de qualquer erro. Na verdade, o antagonismo e antipatia para com C… demonstrado por Pedro… e Paula… impediu o tribunal recorrido, e agora impede o tribunal de recurso, de, sem mais, credibilizar as suas palavras. Ainda para mais porque há prova testemunhal em sentido contrário, que reforça o profissionalismo e o empenho de C… . Por isso, a única decisão aceitável em sede de julgamento da matéria de facto é a que resulta da decisão recorrida, que considerou não provados os factos acima identificados. Nenhuma razão se divisa para que sejam julgados provados os factos não provados acima referidos, que assim deverão manter-se. Improcede nesta parte o recurso interposto. 4.2.2.-Deve ser aditada à matéria de facto provada o facto com a seguinte redação: “A partir de março de 2021, C… iniciou o exercício de funções como agente comercial da marca FORA”? Alega a recorrente que o tribunal a quo não teve em consideração o documento junto pela recorrente na data da audiência final de 26 de junho de 2023, correspondente a cópia da plataforma Linkdin do legal representante da recorrida e que atesta que em março de 2021 a recorrente já havia iniciado atividade como agente comercial da marca FORA. Entende que este facto é relevante para a decisão atinente à fixação (ou anulação da mesma) da pretensa indemnização da recorrida pela privação da respetiva atividade. Apreciemos. Na ata de audiência final de 26 de junho de 2023 não existe qualquer referência à apresentação deste documento nem despacho a pronunciar-se sobre a sua admissão. Só ouvindo a gravação dessa audiência é que se descortina o requerimento a requerer a junção aos autos desde documento, o contraditório concedido, e o despacho proferido no sentido da sua admissão (ata da sessão de julgamento de 26 de junho de 2023, minuto 14:57). Ora, para além do conteúdo deste documento ter sido impugnado pela autora, não logrou a ré fazer prova de que C… a partir de Março de 2021 iniciou efectivamente funções em outra empresa, com remuneração já recebida nesse mês. No momento em que prestou declarações, C… também não soube esclarecer com precisão a data em que iniciou efectivamente funções, tendo referido o mês de março como aquele em que se iniciaram contatos com vista a trabalhar como vendedor da marca FORA. E a este documento refere-se a decisão recorrida ao nela consignar: “Foi também considerado o documento apresentado pela autora (existe aqui um lapso de escrita, pois foi a ré quem requereu a junção do documento em audiência)- impressão de dados de C… em rede social vocacionada para contatos profissionais”. Acresce ainda que tal facto não foi alegado nos articulados e, não sendo o mesmo instrumental, também não pode agora, e por esta via, ser introduzido na decisão da matéria de facto. Por tudo isto, não pode o facto pretendido ser considerado pelo tribunal como provado, assim se rejeitando o pretendido aditamento. Improcede também nesta parte o recurso apresentado. B–Da reapreciação do mérito da ação - O contrato de agência O contrato de agência é regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de abril. A referida alteração é aplicável a partir de 1 de janeiro de 1994 aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma, como ocorre no caso vertente (artigo 2º do Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de abril). A lei expressa, por um lado, que a agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes (artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). E, por outro, que o agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes (artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho). São, pois, elementos essenciais do contrato de agência, a obrigação de o agente promover a realização de contratos por conta do principal, com estabilidade e autonomia, e de o segundo pagar ao primeiro determinada remuneração, designada comissão. Dir-se-á que contrato de agência é o negócio oneroso em que uma das partes - o agente -, atuando por conta e em nome da outra - o proponente -, em regime de colaboração estável, não necessariamente exclusiva, desenvolve autonomamente em determinadas zonas ou no quadro de determinado círculo de clientes, uma atividade de prospeção do mercado, conquistando clientela, promovendo os produtos e celebrando eventualmente contratos quando para tal se sejam concedidos especiais poderes (Manuel Januário Gomes, "Da Qualidade de Comerciante do Agente Comercial", BMJ, n.º 313, pág. 47). O agente age, em regra, em nome próprio e por conta do principal na angariação de contratos e na sua celebração se o último lhe concedeu poderes para os outorgar, traduzindo-se a remuneração do agente na retribuição pela atividade desenvolvida no interesse do principal. Perante os factos disponíveis e as mencionadas considerações de ordem jurídica, a conclusão é a de que o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida se configura como de agência. b.1.-A indemnização de clientela. Insurge-se a recorrente com a sentença proferida na parte em que a condenou a pagar à recorrida a quantia de €50.000,00 a título de indemnização por clientela. Sustenta que os requisitos do direito de indemnização de clientela a que alude o artigo 34/1 são cumulativos, sendo que nos autos a recorrida não logrou fazer prova do requisito plasmado na alínea b)- a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente- e por isso o tribunal a quo não dispunha de fundamento para alcançar tal conclusão. A recorrida contra-alega sustentando que resulta provado que após a cessação do contrato de agência, a ré vendeu €1.219,183 de artigos da marca Polaroid, o que, por si só, é demonstrativo que a ré continuou a beneficiar da atividade desenvolvida pela autora na vigência do referido contrato. Apreciemos. Dispõe o artigo 33 do Decreto-Lei 178/96, de 3 de julho, alterado pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de abril, sob a epígrafe “indemnização de clientela” que: “1- Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes: a)-O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b)-A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente; c)- O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). 2- Em caso de morte do agente, a indemnização de clientela pode ser exigida pelos herdeiros. 3- Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual. 4- Extingue-se o direito à indemnização se o agente ou seus herdeiros não comunicarem ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretendem recebê-la, devendo a ação judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação. Dispõe o artigo 34 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de julho, alterado pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de abril, sob a epígrafe “Cálculo da indemnização de clientela” que: “A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor”. A lei consagra no âmbito do contrato de agência, que o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com os já existentes, a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente ou este deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com aqueles clientes (artigo 33º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). Não é, em rigor indemnização, porque não depende da alegação e prova pelo agente dos danos por ele sofridos, antes se tratando, grosso modo, de uma compensação a favor do agente após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela pelo primeiro angariada ou desenvolvida, benefício que durante a vigência do contrato era comum a ambos e após a sua cessação só aproveita ao principal. A ideia é a de que só é razoável compensar o agente pelo que fez no passado na medida em que isso venha a repercutir-se diretamente em benefício principal ou seja, quando este tenha efetivo acesso à clientela angariada pelo primeiro no quadro de uma continuidade. Dir-se-á que o direito à indemnização de clientela se traduz-se em remover um ganho obtido pelo principal por virtude do incremento de clientela proporcionado pelo agente, e que a este se destinava, a título remuneratório, na vigência do contrato. O ónus de alegação e de prova dos factos integrantes dos pressupostos da compensação de clientela a que se reporta o artigo clientes 33º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, incumbe, como é natural, ao agente, porque constitutivos do seu direito (artigo 342º, n.º 1, do Código Civil). Sabe-se que ao longo dos anos (facto provado n.º 50), C… e a autora angariaram novos clientes de óculos Polaroid para a ré, em número não concretamente apurado, vendendo tais artigos, entre 2013 a 2030, a um total de 478 clientes. Não se apurou, e também não foi alegado pela autora quantos novos clientes foram angariados pela autora e em que medida é que o número de vendas aumentou com esta angariação. Por responder ficou a questão de saber quantos, de entre os 478 clientes, já eram clientes da ré antes de C… iniciar funções na empresa, e quantos foram por este angariados e qual o impacto das vendas no total das vendas da ré. Sabe-se também qual o volume total das vendas de artigos Polaroid comercializados pela ré em Portugal entre os anos de 2013 a 2020 (facto provado n.º 62) e 2021 (facto provado n.º 63). Mas C… não era o único vendedor de artigos Polaroid e tinha uma região de venda definida no país. Portanto, tal facto respeita aos artigos vendidos de uma marca específica e não a quem os vendeu. Sabe-se também qual o volume de vendas de artigos Polaroid diretamente concretizado por C… (facto provado n.º 65) no período compreendido entre 2013 e 2020, e quais vendas realizadas pela autora, em nome da ré, nos anos de 2018, 2019, e 2020 (factos provados n.ºs 72, 73 e 74). Contudo, não se apurou, nem a recorrida o alega, que mesmo após a cessação do contrato de agência, a recorrente beneficiou consideravelmente da atividade desenvolvida por C… (mais uma vez se salienta que o facto provado n.º 63 respeita ao valor de vendas no país, o que não tem relação direta com a atividade até então desenvolvida por C… numa região do país). O advérbio “consideravelmente” baliza o momento a partir do qual a compensação é devida à autora. Não pode existir apenas um benefício; este existe e tem de ser considerável. Ora, não só a autora não alegou o benefício como não alegou que este foi considerável e que se deveu à atividade desenvolvida por C… A recorrente não provou haver angariado para a recorrida um número concreto de clientes, nem que tenha aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela que era daquela. Sabe-se que a recorrida continua a beneficiar da atividade desenvolvida pela recorrente, mas ignora-se em que se traduz esse benefício, ou seja, não dispomos de factos que nos permitam concluir no sentido de um benefício considerável. Em consequência do exposto não se pode concluir pela verificação no caso vertente dos factos que constituem o pressuposto de compensação de clientela a que se reporta o artigo 33º, n.º 1, do Decreto-Lei 178/86, de 3 de julho. Procede, nesta parte, o recurso interposto. b.2.-A indemnização devida pela privação de exercício da atividade da recorrida. Apela a recorrente também da parte da sentença que a condenou no pagamento do valor de €28.000,00, correspondente ao período de 4 meses (até maio de 2021), pela falta de aviso prévio na denúncia do contrato, nos termos do artigo 29 do RJCA e no pagamento de €7.000,00 a título de indemnização por incumprimento de obrigações da recorrente na execução do contrato no período correspondente a janeiro de 2021. Entende a recorrente que o tribunal a quo, com este juízo condenatório, excedeu o âmbito factual do pedido indemnizatório da recorrida, interpretou erroneamente os próprios termos jurídicos do pedido indemnizatório deduzido pela recorrida, condenou a recorrente ao pagamento de uma indemnização sem base factual que sustentasse a verificação de quaisquer danos e procedeu a um errado cálculo da indemnização que hipoteticamente caberia à recorrida. Apreciemos. Nesta matéria, a recorrida deduziu o seguinte pedido na petição inicial: “a condenação da ré no pagamento do montante de €33.337,47 a título de indemnização devida à autora por ter sido privada pela ré de exercer a sua actividade de agente, nomeadamente em virtude de retenção das malas de mostruário em 17/dez/2020, e assim privada de fazer vendas e auferir as respetivas comissões, desde 18 de dezembro de 2020 até ao final do contrato de agência em 31 de março de 2021”. A sentença recorrida, nesta parte, decidiu pela condenação da ré nos seguintes termos: a)-no pagamento do valor de €28.000,00, correspondente ao período de 4 meses (até maio de 2021, pela falta do pré-aviso na denúncia do contrato, nos termos do artigo 29 do RJCA; b)-no pagamento de €7.000,00 a título de indemnização por incumprimento de obrigações da recorrente na execução do contrato no período correspondente a janeiro de 2021. A denúncia consubstancia-se essencialmente na forma autónoma de extinção dos contratos, através da declaração de uma das partes à outra, a comunicar-lhe não pretender a continuação da relação contratual em causa, independentemente de justa causa, e cuja eficácia opera ex nunc. Conforme resulta da matéria de facto provada (facto n.º 90) a denuncia do contrato de agência operou efeitos no dia 3 de fevereiro de 2021. De harmonia com o disposto no artigo 28º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, na redação operada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, aplicável ao caso vertente, a denúncia do contrato de agência celebrado por tempo indeterminado e que tenha durado mais de dois anos depende de comunicação escrita ao outro contraente com a antecedência mínima de três meses. Tendo em conta que, ao tempo da denúncia, o contrato de agência celebrado entre a recorrente e a recorrida já vigorava há mais de três anos, o prazo de pré aviso respetivo era de três meses (artigo 28º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). O desrespeito do prazo de pré aviso é suscetível de causar a alguma das partes danos por via da extinção inesperada da relação contratual e que, por isso, lhe tenha afetado as perspetivas da sua atividade. Nessa perspetiva, expressa a lei que o denunciante do contrato de agência que não respeite os prazos previstos no artigo 28º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, fica vinculado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta do pré aviso, em termos de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo lato sensu (artigo 29º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). O agente tem, porém, a faculdade de exigir do principal, em vez da mencionada indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta (artigo 29º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho). Sucede que no caso dos autos a indemnização peticionada pela recorrida em nada tem a ver com a falta do pré-aviso ou não cumprimento do prazo de pré-aviso. E esta indemnização também não resulta da opção pela recorrida da quantia calculada nos termos do n.º 2 do artigo 29 do RJCA. Pelo contrário, esta indemnização atem-se a factos bem mais singelos: a privação pela ré de a autora exercer a sua atividade de agente, nomeadamente em virtude de retenção das malas de mostruário em 17/dez/2020, e assim ficar esta última privada de fazer vendas e auferir as respetivas comissões, desde 18 de dezembro de 2020 até ao final do contrato de agência em 31 de março de 2021”. A autora não peticiona indemnização pela falta de cumprimento dos prazos de pré-aviso nem opta pela indemnização a que se refere o artigo 29/2 do RJCA. A autora não peticiona qualquer indemnização cujo âmbito se estenda a maio de 2021. A autora é clara na definição do período temporal- “desde 18 de dezembro de 2020 até ao final do contrato de agência em 31 de março de 2021”. Logo, o tribunal recorrido também não poderia ter arbitrado uma indemnização com quer com base no artigo 29 do RJCA quer estendendo a sua abrangência temporal até maio de 2021, ultrapassando em muito o peticionado pela autora. Significa tal conclusão que para apreciação deste pedido teria o tribunal de se socorrer das regras da responsabilidade civil, considerando o ónus da prova que sobre a autora recai. Tem esta de alegar e provar os danos sofridos, imputando-os à ré. Ora, no cômputo da matéria de facto provada não consta tal factualidade nem a mesma foi alegada pela autora; não alegou esta quais os danos ou prejuízos concretos sofridos com a privação da atividade. Por isso, o pedido formulado merece um juízo de improcedência. Procede, nesta parte, o recurso interposto. b.3.-Subsidiariamente, os critérios utilizados para apuramento da indemnização pela privação da atividade. Perante a procedência da questão principal constante do recurso interposto pela autora, o tribunal de recurso não aprecia, por inútil, esta questão. VI.–Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, no que respeita ao nela decidido sob as alíneas d) a f) do respetivo dispositivo, absolvendo-se a ré dos correspondentes pedidos formulados pela autora. Mantendo-se, no mais, a decisão recorrida. Custas pela recorrida. Escrito e revisto pela relatora. Notifique e registe. Lisboa, 4 de abril de 2024 Maria Teresa Lopes Catrola Carla Mendes Rui Manuel Oliveira |