Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25284/21.7T8LSB-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
NRAU
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Há falta do título executivo válido previsto no art. 14.º-A/1 do NRAU quando se prova que a comunicação do montante da dívida foi feita a pessoa que já não era arrendatária, por ter ocorrido (5 meses depois do contrato e 4 anos antes da execução) uma cessão da posição contratual eficaz em relação ao senhorio (por este ter reconhecido o beneficiário da cedência como tal, passando recibos das rendas em nome deste).


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:


HS requereu contra a HV, uma execução para pagamento de 34.320,05€, apresentando como título executivo um contrato de arrendamento para exploração de alojamento local e uma comunicação dos montantes em dívida.

A HV deduziu oposição à execução, por embargos, excepcionando a sua ilegitimidade passiva e inexistência de título executivo, por ter cedido a posição contratual de arrendatária à Hi, autorizada e aceite pelo senhorio/exequente, que passou a emitir os respectivos recibos de renda a favor da Hi; excepcionou também a resolução do contrato, por alteração anormal das circunstâncias; e impugnou a liquidação da obrigação exequenda.

O exequente contestou, impugnando os factos base das excepções deduzidas e também os efeitos jurídicos que a HV pretende retirar deles.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando parcialmente procedentes os embargos: reduziu-se o valor dos juros vencidos para o montante de 1.601,65€, prosseguindo no mais a execução os seus precisos termos, consignando-se que o montante em dívida a título de capital corresponde ao valor de 32.270€.

A HV recorre desta sentença, para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a falta de título executivo e a ilegitimidade passiva invocadas; ou, assim não se entendendo, que declare resolvido o contrato de arrendamento, com efeitos reportados a 18/03/2020, com fundamento na alteração superveniente das circunstâncias, de acordo com o disposto no artigo 437 do CC; ou, assim ainda não se entendendo, que apenas condene a HV no pagamento do proporcional de dias de renda em que não esteve em vigor o estado de emergência, isto é, 342 dias (548-206); ou, ainda subsidiariamente, ser proferida decisão que contemple o diferimento de pagamento das rendas peticionadas e respectivos juros vencidos, nos termos preconizados no artigo 8 da Lei 4-C/2020, de 6/4; impugna ainda parcialmente a decisão da matéria de facto.

O exequente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
*

Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; se não existe título executivo; se a HV é parte ilegítima; se o contrato de arrendamento deve ser declarado resolvido ou alterado.
*

Foram dados como provados os seguintes factos [para já consignam-se apenas os factos que interessam à alteração da decisão da matéria de facto e os relativos às questões da falta de título executivo e da ilegitimidade passiva da HV; se for necessário, depois, consignar-se-ão os factos relativos às questões conexas com a alteração de circunstâncias; alterou-se a ordem dos factos 18 e 23 para os pôr por ordem cronológica]:
1\ O exequente instaurou uma acção executiva contra a HV, apresentando como título executivo um contrato de arrendamento para comércio acompanhado da comunicação dos montantes em dívida, cujas cópias se encontram juntas naquele processo a fls. 6 a 17, respectivamente, e se dão aqui por integralmente reproduzidas.
2\ A HV, na qualidade de arrendatária, celebrou com o exequente, na qualidade de senhorio, em 11/08/2016, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, cuja cópia se encontra junta a fls. 10 a 16 do processo executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3\ A 31/03/2017 a HV, na qualidade de cedente e a Hi, na qualidade de cessionária, subscreveram o documento n.º 1 junto com a petição inicial, intitulado “contrato de cessão de posição contratual de arrendatária”, cujo teor se dá por integralmente dá por integralmente reproduzido.
18\ O exequente aceitou passar a emitir os recibos de renda em nome da Hi a partir de Março de 2017, anulando para o efeito o recibo emitido em 27/03/2017 em nome de HV, respeitante ao período de 12/08/2016 a 11/01/2017, e emitido novo em nome da Hi.
23\ O exequente passou a emitir os recibos à Hi porque lhe foi dada essa indicação, que aceitou.
4\ O exequente, na qualidade de senhorio, passou a emitir os respectivos recibos de renda a favor da Hi – cf. cópia dos recibos de renda electrónicos emitidos a 22/02/2019, 23/09/2019 e 27/02/2020, referentes, respectivamente, aos períodos de 12/08/2018 a 11/02/2019, 12/02/2019 a 11/08/2019 e 12/08/2019 a 11/02/2020.
5\ Alega o exequente no requerimento executivo, além do mais, que:
“Na sequência da celebração de contrato de arrendamento para fins não habitacionais, em 11/08/2016, entre exequente e executada, em que o exequente foi o senhorio e a executada arrendatária, não foram pagas três rendas vencidas desde Fevereiro de 2020 a Agosto de 2021, correspondentes a três semestres.
O exequente interpelou a executada para que realizasse este pagamento, no montante de 32.370€, correspondente aos três semestres em dívida – Fevereiro a Agosto de 2020, Agosto a Fevereiro de 2021 e Fevereiro a Agosto de 2021 –, acrescido dos juros de mora, no montante total de 33.758,22€ por carta registada com aviso de recepção a 25/08/2021. O pagamento devia fazer-se até 10/09/2021. Porém, estas rendas nunca foram pagas.
(…)”.
6\ Considerando a taxa de juros comercial aplicável, os juros vencidos até à data da liquidação vertida no requerimento executivo correspondem aos seguintes valores:
- Renda relativa ao período de 12/02/2020 a 11/08/2020, com vencimento a 11/08/2020, no montante de 10.790€ (capital): juros vencidos entre 11/08/2020 e 25/10/2021 (441 dias), no montante de 912,57€;
- Renda relativa ao período de 12/08/2020 a 11/02/2021, com vencimento a 11/02/2021, no montante de 10.790€ (capital): juros entre 11/02/2021 e 25/10/2021 (257 dias), no montante de 531,81€;
- Renda relativa ao período de 12/02/2021 a 11/08/2021, com vencimento a 11/08/2021, no montante de 10.790€ (capital): juros entre 11/08/2021 e 25/10/2021 (76 dias), no montante de 157,27€; perfazendo até 25/10/2021 a quantia de 1.601,65€.
7\ No requerimento executivo no campo destinado à liquidação da obrigação exequenda, o exequente incluiu os juros de mora (1.830,45€) no “valor líquido” correspondente a capital, tendo indicado neste campo o montante de 34.200,45€, em vez de 32.270€.
8\ A HV detém 100% da Hi.
[…]
16\ A 08/03/2021 foi remetida uma carta por parte do exequente à HV, reclamando o pagamento das rendas devidas, junta como doc. n.º 2 da contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
17\ A HV respondeu à carta referida no facto anterior mediante carta de 16/03/2021, junta com doc. 3 da contestação que aqui se dá por integralmente reproduzida.
*

Da impugnação da decisão da matéria de facto
O tribunal recorrido não considerou provadas duas afirmações de facto conexas.
Uma delas feita pela HV no artigo 4 da petição de embargos:
A aludida cessão de posição contratual [aludida no facto provado 3] foi autorizada pelo senhorio/exequente.
Outra feita pelo exequente, no artigo 26 da contestação:
O exequente passou a emitir os recibos à Hi pensando que se trataria de um pagamento a terceiro.
E, recorde-se, tinha dado como provado que:
18\ O exequente aceitou passar a emitir os recibos de renda em nome da Hi a partir de Março de 2017, anulando para o efeito o recibo emitido em 27/03/2017 em nome de HV, respeitante ao período de 12/08/2016 a 11/01/2017, e emitido novo em nome da Hi.
23\ O exequente passou a emitir os recibos à Hi porque lhe foi dada essa indicação, que aceitou.

Para fundamentar todas estas decisões, o tribunal recorrido disse o seguinte:
[…O]s factos provados 18 e 23 assentaram no teor dos documentos nº 2 a 4 da PI (fls. 17 a 20) e juntos na audiência (fls. 330 a 334), que constituem a totalidade dos recibos de renda, emitidos entre 27/03/2017 e 27/02/2020, resultando dos mesmos que o primeiro foi emitido inicialmente com o nome da HV como arrendatária, foi depois anulado e emitido um novo já com o nome da Hi como locatária/inquilina, conjugado com o depoimento da testemunha JR, que trabalha no departamento financeiro do Grupo H, tratando, entre outras funções, de efectuar os lançamentos, e que confirmou que aquando do recebimento do 1º recibo, porque tinha conhecimento da cessão de posição contratual, alertou para a necessidade de emitir novo recibo, tendo sido uma colega que tratava do alojamento local (JC), quem falou com o representante do senhorio (AR), para que o recibo fosse cancelado e emitido novo, o que permite confirmar que foi pedido a quem representava o exequente que os recibos passassem a ser emitidos em nome da Hi e que estes passaram, efectivamente, a ser emitidos em nome desta.
O teor do contrato de arrendamento, do qual resulta que as comunicações dirigidas ao senhorio seriam efectuadas na pessoa de AR, e do documento 1 do requerimento de 21/03/2023 (de fls. 304 e ss.) – e-mail do exequente de 23/03/2020 em que informa que a firma EL já não o representa nos seus assuntos legais -, corroboram aquele depoimento quanto à existência de representante do exequente em Portugal, interlocutor para efeitos de comunicações, sendo que deles se extrai que os assuntos do exequente em Portugal eram, com a sua indicação e assentimento, tratados por terceiros que o representavam naquela data (2017 e seguintes), depoimento aquele e documentos estes que não se mostram postos em causa pelas declarações do exequente já que, nesta parte, ao afirmar que todos os assuntos do contrato eram por si tratados directamente, não mereceu credibilidade quando reportado às datas anteriores à pandemia, por estar negado pelos documentos apontados, contemporâneos dos factos.
[…]

Quantos aos factos não provados, não logrou a parte que tinha o ónus da respectiva alegação e demonstração convencer o tribunal da sua verificação:
- art. 4 [da PI de embargos] – embora a testemunha BL tenha referido que foi enviada comunicação da cessão por carta registada com aviso de recepção, inexiste qualquer documento que o comprove, sendo que a sua obtenção e junção aos autos se afigura de fácil cumprimento, já que, atenta a sua relevância, não podia deixar de estar arquivado; a contextualização da emissão, cancelamento e emissão de novo recibo para a 1.º renda do contrato em causa (referida na fundamentação da resposta os n.ºs 18 e 23) põe em causa que tenha existido o envio de tal carta; nenhuma das demais testemunhas demonstrou ter conhecimento directo deste facto (envio da aludida carta de comunicação), pelo que na dúvida respondeu-se contra a parte onerada com a prova desse facto – artigos 346 do CC e 414 do CPC;
[…]
- art. 26 [da contestação] – as declarações do exequente não foram de molde a convencer: embora tenha afirmado que a gestão do seu apartamento era feita directamente por si, as suas declarações são contrariadas pelo contrato de arrendamento, no qual consta que as comunicações ao senhorio são efectuadas na pessoa de AR, e pelo documento 1 do requerimento de 21/03/2023 – e-mail do exequente de 23/03/2020 em que informa que a firma EL já não o representa nos seus assuntos legais, documentos contemporâneos dos factos e dos quais se extrai precisamente o inverso; embora tenha afirmado que lhe era indiferente quem pagava as rendas, tal não explica a razão para que os recibos tivessem passado a ser emitidos (pelo seu contabilista em Portugal) em nome de terceiro, tanto mais que, sendo o exequente advogado e estando a emissão dos recibos a cargo do seu contabilista, não é plausível que neles fizessem constar entidade que não era a arrendatária no contrato, devedora em nome de quem deve ser emitida a quitação.

A HV entende que o facto que tinha alegado no artigo 4 dos embargos devia ter sido dado como provado e para o efeito diz que na fundamentação de direito da sentença recorrida se escreve o seguinte:
“Ora, a respeito de tal consentimento, provou-se que o exequente, na qualidade de senhorio, aceitou passar a emitir os recibos de renda em nome da Hi a partir de Março de 2017, anulando para o efeito o recibo emitido em 27/03/2017 em nome da HV, respeitante ao período de 12/08/2016 a 11/01/2017, e emitido um novo, agora em nome da Hi e fê-lo porque lhe foi dada essa indicação, que aceitou, o que permite confirmar a certeza desse reconhecimento.
Na verdade, a emissão de recibos de renda pelo exequente em nome da Hi não só afasta um cenário de silêncio do exequente sobre a cessão, como trata-se de um comportamento do qual se pode deduzir, com toda a probabilidade, ter este anuído na transmissão da posição de arrendatária para aquela empresa (pessoa colectiva distinta da arrendatária originária, ainda que por ela detida totalmente).
É que naqueles recibos, que os titulares de rendimentos prediais são obrigados a emitir, consta obrigatoriamente a identificação do arrendatário/inquilino, estando o seu emitente, neste caso o exequente, a reconhecer expressamente, na pessoa da cessionária, ali identificada como arrendatária nos recibos, a sua contraparte no contrato de arrendamento, com o que se impõe concluir estarmos perante um comportamento do exequente revelador do seu reconhecimento (aceitação) da cedência pela HV da sua posição contratual no contrato de arrendamento para outra entidade.
Em suma, ainda que não tenha havido notificação da cedente ao cedido, é manifesto que o exequente reconheceu efectivamente a cessionária Hi como a arrendatária, produzindo a cessão efeitos em relação a ele.”

E a HV continua:
Em face desta fundamentação, e tendo ainda em consideração os factos provados 18 e 23, errou a Srª juiz a quo ao não ter considerado provado que o exequente autorizou a cessão da posição contratual em questão.
Tal erro mais se assemelha a um verdadeiro lapso, porquanto o próprio tribunal a quo refere expressamente, nas passagens acima transcritas, que o exequente aceitou, reconheceu e anuiu a cessão da posição contratual em causa.
Pelo que deve ser aditado aos factos provados o seguinte facto: “A aludida cessão da posição contratual foi autorizada e aceite pelo senhorio/exequente.”

Nas contra-alegações o exequente começa por lembrar qual foi a fundamentação da sentença recorrida para decidir que o referido facto devia ser considerado como não provado.

E depois diz:
A HV confunde a questão e o fundamento que está por detrás da decisão do tribunal a quo.
A fundamentação do tribunal a quo para considerar o referido facto como não provado é absolutamente clara, com base nos meios de prova que se encontram nos autos.
Tal como é referido pelo tribunal a quo, ficou claro pela ausência de prova testemunhal e documental que não existiu qualquer comunicação, nem autorização da alegada cessão da posição contratual da HV para a Hi.
Aliás, a HV, ao invés de proceder à impugnação da matéria de facto, por não concordar com a mesma, utiliza um putativo lapso da sentença recorrida para tentar modificar o facto não provado em causa.
Nesta sequência, a fundamentação da sentença recorrida que a HV utiliza para basear o putativo lapso do tribunal a quo, é apenas uma consequência/conclusão jurídica que o tribunal a quo retira de um determinado facto.
Isto é, e como podemos concluir pela análise do referido excerto da sentença recorrida [transcrito acima], o tribunal a quo através dos factos provados 18 e 23, extrapola uma conclusão jurídica no sentido de a emissão de tais recibos em nome da Hi ser considerado um comportamento do qual se retira, na óptica do tribunal a quo, a eficácia jurídica da cessão da posição contratual.
Não significando isto que houve uma aceitação per se da cessão da posição contratual.
Note-se que a própria fundamentação da decisão aponta para esse mesmo sentido quando refere: “a contextualização da emissão, cancelamento e emissão de novo recibo para a 1ª renda do contrato em causa (referida na fundamentação da resposta os n.ºs 18 e 23) põe em causa que tenha existido tal carta.”
O tribunal a quo apenas considerou que a cessão da posição contratual é juridicamente eficaz, com base nos factos 18 e 23 e não com base na comunicação e aceitação por parte do exequente da cessão da posição contratual, que, como vimos, não ocorreu.
Autorização é diferente de reconhecimento, sendo que a sentença recorrida utiliza o verbo reconhecer.
A sentença recorrida refere que existiu reconhecimento da eficácia da cessão da posição contratual, em traços gerais, pelo facto de o exequente ter aceitado passar a emitir recibos de renda à Hi, por lhe ter sido dada essa indicação que aceitou, sendo que nesses recibos tem de constar obrigatoriamente a identificação do arrendatário, e, como tal, o reconhecimento desta ser a contraparte no contrato de arrendamento.
Ora, reconhece-se que tais argumentos apresentados pelo tribunal a quo são convincentes, não colocando em causa, porém, que não existiu conhecimento e autorização e apenas um reconhecimento, o que é distinto a nível factual, e através do qual se pode extrair uma conclusão jurídica de eficácia da cessão da posição contratual.
Pelo exposto resulta, que a fundamentação transcrita, através da qual [a HV] baseia o alegado lapso, é uma mera conclusão jurídica extraída de outros factos e, como tal, a decisão sobre o referido facto não provado foi correcta – visto que a HV não o impugnou - e, portanto, não deve ser alterada, pois não existiu qualquer lapso.

Apreciação:

Antes de mais, vê-se que há discrepância entre o facto dado como não provado (o senhorio aceitou a cessão) e a fundamentação dessa decisão (não se provou o envio de uma carta a comunicar a cessão).
Quanto ao facto não provado (o senhorio autorizou a cessão), a nível do Direito a sentença recorrida chegou à conclusão, com base em factos provados e raciocínios, de que tinha havido “reconhecimento (aceitação)” da cessão.
Mas as conclusões que se tiram de factos provados, não são prova de factos, pelo que não há que considerar provado, com base nelas, o facto em causa.
Como a HV não indica outro modo de prova de tal alegação não há meio de dar como provado o facto natural que também se pode ler na alegação que ela tinha feito no artigo 4 da PI, sendo que é apenas esse facto natural (não o facto jurídico ou conclusão de Direito) que se dá como não provado.
Quanto ao não envio, por carta, da comunicação da cessão, trata-se de um facto que não foi alegado, pelo que não tem de haver pronúncia sobre ele.
A nível do Direito, depois, discutir-se-á se, com base noutros factos dados como provados, se podia chegar à conclusão de que a cessão tinha sido “reconhecida (aceite)”.
Em suma: a impugnação não procede.
*

Do recurso sobre matéria de direito

Cessão da posição contratual – quem é a arrendatária
Já foi visto que a sentença recorrida considera que o senhorio reconheceu (aceitou) a cessão da posição contratual.
Quer a HV, quer agora o exequente/senhorio, aceitam a conclusão de Direito a que o tribunal chegou.
Apesar disso, sendo ela uma questão essencial da decisão recorrida, não a própria decisão recorrida, nem uma questão com autonomia que pudesse transitar em julgado por si mesma, há que ver se ela foi bem resolvida ou não.
A cessão da posição contratual num contrato de arrendamento é regulada pelos artigos 1059/2, 424 a 427, 1038/f-g, 1049 e 1083/2-e do CC.
Resulta destas normas a necessidade da autorização ou consentimento do senhorio da cessão da posição contratual e a necessidade da comunicação da cessão se esta for posterior à autorização ou ao consentimento, mas, se tal não ocorrer, basta, para a eficácia da cessão, o reconhecimento pelo senhorio do beneficiário da cedência como tal.
Ora, como reconhecimento vale o facto de o senhorio receber rendas do beneficiário da cedência (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 387) e esse recebimento revela-se quando o senhorio emite recibos da renda em nome deste.
Pelo que, face aos factos provados 3, 4, 18 e 23, tem que se aceitar que o arrendatário passou a ser a Hi, ou seja, que a HV já não é arrendatária.
*

Da legitimidade da HV como executada ou da inexistência de titulo executivo

A fundamentação da sentença recorrida, nesta parte, é a seguinte, em síntese
Dispõe o art. 703/-d do CPC que “à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
Entre estes documentos poderá figurar o previsto no 14.º-A/1, da Lei 6/2006, de 27/02 (NRAU), introduzido pela Lei 31/2012, de 14/08 e na redacção das Leis 79/2014 de 19/12, e 13/2019, de 12/02, segundo o qual: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.” [este TRL corrigiu a fonte da norma e o seu teor, alterações sem relevo para discussão].

Reportando-nos à acção executiva, a base legal do conceito de legitimidade reside no art. 53/1 do CPC, segundo o qual “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”
Estamos, aqui, perante um critério formal; na verdade, “não se diz no preceito em causa que são partes legítimas, como exequente e executado, o credor e o devedor, respectivamente, mas aqueles que no título figurem nessas qualidades.” (F. A. Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12ª edição, Almedina, p.75).
Ou seja, a aferição da legitimidade é inequivocamente feita em função da posição que as partes ocupam no título dado à execução.
Logo, a legitimidade do executado só está assegurada se no título constar o seu nome, na qualidade de devedor.
[…]
Concretizando, no caso dos autos verifica-se ter sido apresentado, como título executivo, um contrato de arrendamento […] e comunicação à HV dos montantes em dívida a título de rendas vencidas.
E não está posto em causa que mediante escrito datado de 11/08/2016, o exequente, na qualidade de senhorio, celebrou com a HV, na qualidade de arrendatária, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
Provou-se, igualmente, que a 31/03/2017 a HV celebrou, na qualidade de cedente, com a Hi, na qualidade de cessionária, um contrato de cessão de posição contratual de arrendatária.
[…]
[…C]onforme pretendido pela HV, a posição contratual de arrendatária no contrato de arrendamento, que serve de fonte da obrigação de pagamento das rendas vencidas durante a respectiva pendência, foi transmitida para terceiro, abrangendo, então, as obrigações de pagamento das rendas vencidas após a celebração do contrato de cessão da posição contratual, ocorrida em 31/03/2017.
Mas significa isto que a HV é parte ilegítima [ilegitimidade substantiva] para figurar na execução na qualidade de devedora, por ter cedido a sua posição contratual de arrendatária no contrato em causa?
Entendemos que não, pois que neste caso a cessionária – Hi é totalmente controlada pela HV cedente.
É que, “sendo uma sociedade integralmente controlada por outra, em virtude de… participação totalitária (artigos 488 e 489 [do CSC]), a sociedade… totalmente dominante responde, pura e simplesmente, pelas dívidas da subordinada ou dependente, seja qual for a sua fonte (501.º/1). Tal responsabilidade é exigível decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.”
[…]
De acordo com o preceituado no 501/3 do CSC não pode mover-se acção executiva contra a sociedade dominante com base em título executivo exequível exclusivamente contra a sociedade subordinada, mas tal obstáculo não existe no caso vertente pois a carta de comunicação das rendas em dívida foi, efectivamente, remetida à HV, podendo então servir de título contra esta sociedade, que, como se disse, é totalmente dominante da cessionária Hi.
Ora, à luz do artigo 501/3 do CSC, a comunicação para valer como título executivo terá de conter o nome da sociedade totalmente dominante, o que sucede no caso vertente, assim ficando satisfeita a exigência contida neste preceito legal, bem como no art. 14.º-A do NRAU, de comunicação do montante em dívida, tanto mais que a resposta de 16/03/2021 à referida carta [redigida pelo director jurídico do Grupo H, optando por uma ambígua referência a “H” sem alertar/esclarecer que a destinatária HV tinha cedido a posição contratual para a Hi e na qual se invoca o instituto da alteração das circunstâncias com vista a recusar o pagamento das rendas e a pôr em causa a manutenção do contrato], leva a concluir que aquela comunicação foi aceite como validamente feita para accionamento do art. 14.º- A do NRAU, assegurando todo o complexo documental a eficácia como título executivo contra as sociedades, sob pena de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Note-se que o art. 14-ºA do NRAU “não enuncia, em termos excludentes, o sujeito em relação ao qual o título executivo pode ser feito valer, antes definindo a estrutura constitutiva do mesmo (integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação do montante em dívida), e delimitando ainda o tipo de créditos que o integram (rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário)” (ac. do TRL de 27/02/2022, proc. 13610/21.3T8SNT-A.L1-7), sendo de considerar que o título executivo, que é integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação dos montantes em dívida, ao respectivo devedor, pode operar contra a sociedade cedente da posição contratual, posto que seja totalmente dominante da cessionária e que lhe tenha sido enviada a comunicação das rendas em dívida, podendo o senhorio dela (qual fiadora legal) reclamar o pagamento das rendas.
Assim, conclui-se que o exequente apresentou nos autos de execução título que lhe permitia demandar a HV, cuja legitimidade (formal e substancial) está assegurada na comunicação das rendas em dívida, nas quais consta o seu nome, conjugada com a norma legal constante da lei societária, que a responsabiliza, solidariamente, enquanto sociedade totalmente dominante da arrendatária, pelas dívidas desta última […] improcedendo o presente fundamento de embargos à execução.

Contra isto, a HV diz o seguinte:
Na verdade, o tribunal a quo aplicou as citadas disposições legais sem qualquer princípio lógico condutor e alterando a realidade fáctica dada como provada.
Admitindo-se que a responsabilidade da sociedade-filha (cessionária Hi) se possa transmitir de forma directa à sociedade-mãe (cedente / embargante HV), tal não significa que esta última pudesse ser demandada na presente acção executiva.
Com efeito, não existe título executivo, nem quanto à sociedade-filha nem quanto à sociedade-mãe.
Não existe título executivo quanto à Hi na medida em que, apesar de esta figurar como inquilina no contrato de arrendamento, por força da cessão da posição contratual operada, a comunicação dos alegados montantes em dívida não foi efectuada àquela que era, à data, a arrendatária, mas sim à anterior arrendatária (HV).
Se, provado como está, que o exequente havia anuído à dita cessão da posição contratual, era, pois, a este obviamente exigível que notificasse a Hi e não a HV.
Mas tal não sucedeu, a ponto de o próprio exequente / senhorio ter sempre afirmado – nos articulados e até ao encerramento da audiência de julgamento - que nunca lhe havia sido comunicada a cessão da posição contratual e, por isso, esta não lhe seria oponível.
É, pois, o exequente / senhorio que reconhece nunca ter notificado (e nem sequer ter tido a intenção de o fazer) a Hi dos montantes alegadamente em dívida e referentes ao contrato de arrendamento.
Conclui-se, assim, que inexiste título executivo contra a Hi, pois apesar de existir o contrato de arrendamento, a esta nunca o senhorio comunicou, nos termos legalmente previstos, os alegados montantes em dívida no âmbito do mesmo.
Acresce que, ainda que existisse título executivo contra a Hi – o que se equaciona, mas sem conceder –, não podia a HV ser executada nos presentes autos, por força da já mencionada disposição legal contida no artigo 501/3 do CSC.
Mas também não existe título executivo contra a HV.
Com efeito, apesar de à HV ter sido comunicado pelo senhorio os montantes alegadamente em dívida e referentes ao contrato de arrendamento, a mesma já não era parte na relação locatícia que pressupunha tal comunicação, i.e., já não era a arrendatária no contrato de arrendamento com as pretensas rendas em dívida.
Dito isto, também não procede o argumento invocado pelo Tribunal a quo de que a comunicação das rendas “foi aceite como validamente feita para accionamento do art. 14º-A do NRAU (…), sob pena de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Desde logo, porque à HV não competiria “alertar/esclarecer” (na expressão utilizada pelo tribunal a quo) o senhorio de algo que ele já deveria saber e que ficou provado ter anuído, i.e., que a HV já não era a inquilina no contrato de arrendamento visado, por força da cessão de posição contratual operada.
[…A] regra geral em matéria de legitimidade processual no domínio da acção executiva mostra-se plasmada no artigo 53 do CPC, em cujo nº 1 é referido que “[a] execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Porém, algumas excepções existem, contando-se entre elas, a situação em que ocorra um fenómeno sucessório, inter vivos ou mortis causa, na posição jurídica do primitivo credor ou devedor.
Nessa hipótese rege o artigo 54/1 do CPC, nos termos do qual “[t]endo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”.
Ou seja, se o disposto no artigo 53 do CPC constitui a regra a observar para determinação da legitimidade activa e passiva na acção executiva, o artigo 54º do mesmo código consagra excepções.
Conforme enunciado no acórdão do TRL de 09/12/2010, proc. 1999/2001.L1-8): “O termo “sucessão”, utilizado no atrás transcrito artigo 54/1 do CPC “é empregado em sentido lato e abrange todos os modos de transmissão das obrigações previstos no Código Civil, isto é, tanto mortis causa como entre vivos”, compreendendo, portanto, “não só a «sucessão» assim denominada pelo CC, mas também a sub-rogação e a cessão” (Eurico Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, págs. 27 a 35, Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra Ed., 1970, pág. 73 a 76, e Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 87, anotação 2 ao art. 45)”.
Ora, com a cessão da posição contratual ocorrida, regulada no art. 424 e seguintes do CC, transmitiu-se para a Hi todo o complexo de posições jurídicas activas e passivas que para o transmitente decorriam do contrato de arrendamento. Por força da cessão, consentida pelo senhorio, a primitiva arrendatária foi, assim, substituída pela cessionária Hi.
Tinha, pois, o senhorio, dada a anterioridade da cessão face à instauração da acção executiva, de ter cumprido o ónus que lhe é imposto no art. 54/1 do CPC, fazendo assim referência à cessão de créditos ocorrida, com a consequente modificação subjectiva da primitiva relação contratual de arrendamento, e indicando a cessionária Hi para ser demandada no âmbito da execução, o que não fez.
É, assim, a HV parte ilegítima na execução.
Sendo que, pelas razões atrás expostas, também nunca se formou qualquer título executivo quer contra a HV quer contra a Hi.
Por fim, não pode deixar de referir-se que o normativo contido no art. 501/3 do CSC não tem, in casu, aplicabilidade.
O normativo em causa estipula que “[n]ão pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em título exequível contra a sociedade subordinada”.
Ora, não existe qualquer título executivo contra a Hi (escapando-se, assim, à previsão da norma) e, mesmo que existisse (o que equaciona, sem conceder), a norma em questão sempre vedaria “estender” tal exequibilidade da sociedade-filha para a sociedade-mãe.
A referida norma tem o significado, pois, de obrigar à existência de uma prévia acção declarativa contra a sociedade-mãe quando o credor disponha de título executivo contra a sociedade-filha.
O que não sucede no presente caso.
Acontece que, o tribunal a quo acaba por dar por certa a existência de um título executivo contra a sociedade-mãe, na medida em que entendeu que “(…) a carta de comunicação das rendas em dívida foi, efectivamente, remetida à HV, podendo então servir de título executivo contra esta sociedade, que, como se disse, é totalmente dominante da cessionária Hi.
Dá, pois, o tribunal a quo um salto na lógica quanto à previsibilidade desta norma, contrariando depois e inclusive a sua finalidade.
Com efeito, o tribunal a quo justifica a dívida da sociedade-mãe por esta ter o domínio sobre a sociedade-filha. Na lógica de tal entendimento – e nesta parte concorda-se – a dívida decorrente de eventuais rendas em atraso será da sociedade-filha, i.é, da Hi.
Em termos sumários, da filha passa para a mãe.
Contudo, só é responsabilidade da sociedade-filha porque, prévia e logicamente, se reconheceu a cessão da posição contratual no contrato de arrendamento (da mãe para a filha).
Pelo que, voltamos à mesma questão de sempre: não se formou título executivo quanto à sociedade-mãe porque no dito contrato de arrendamento esta deixou de ser a arrendatária, passando a ser a sociedade-filha.
É, assim, a HV parte ilegítima na presente execução para pagamento de quantia certa.
Sempre estará em falta, pois, tal elemento para a formação de título executivo (o contrato de arrendamento), exigido pelas normas constantes dos artigos 54/1 e 703/-d do CPC e 14º-A do NRAU, nunca ultrapassável por recurso ao artigo 501/3 do CSC.

O exequente contra-alegou, no essencial aderindo à fundamentação da sentença recorrida, reforçando que:
Ao contrário do que é argumentado pela HV, o que interessa para aferir se o título executivo é válido não se prende com o facto de ser ou não arrendatária, mas com o facto de ser ou não devedor dos montantes peticionados.
O artigo 14.º-A do NRAU deverá ser interpretado amplamente, podendo a referida comunicação ser enviada para quem é responsável pelo pagamento das rendas em dívida, valendo como título executivo contra quem é enviado, desde que, naturalmente, seja responsável pelo pagamento da quantia em dívida, seja a que título for.
Veja-se em sentido similar o acórdão do STJ de 21/06/2022, proc. 9443/20.2T8SNT-A.L1.S1: “Porém, em rigor, o referido art, 14º-A não enuncia, em termos excludentes, o sujeito em relação ao qual o título executivo pode ser feito valer. Essa norma define a estrutura constitutiva do título (integrado por dois documentos: contrato de arrendamento e comunicação do montante em dívida) e delimita a tipologia de débitos relativamente aos quais tal título de torna normativamente operativo (rendas, encargos, despesas que corram por conta do arrendatário).
No presente caso, a HV é responsável, a par da Hi, pelo pagamento das rendas em causa, porquanto a mesma tem uma posição de domínio total sobre a Hi, ou seja, detém uma participação de 100% sobre a mesma (cf. facto provado 8), nos termos do art. 501/1 do CSC. Tal responsabilidade já não advém do facto de ser arrendatária, pelo que a cessão da posição contratual que foi realizada, e que o tribunal a quo considerou eficaz, não exime a sociedade mãe, isto é, a HV de responsabilidade pela dívida.
Responsabilidade essa que é, inclusivamente, admitida pela HV, nas suas alegações de recurso.
Conclusão em sentido contrário ao da sentença recorrida atentaria contra a justiça material do presente caso, e seria um caso de abuso de direito por parte da HV, pois na resposta às várias interpelações para pagamento por parte do exequente, onde se incluí a comunicação que constitui título executivo, a HV nunca alertou que não seria a HV a responsável pelos montantes em dívida, mas sim a Hi, criando a convicção que o título executivo se encontrava bem formado.
O argumento da HV, no sentido que estamos perante uma excepção ao artigo 53/1 do CPC, em concreto, numa situação em que o artigo 54/1 do CPC é aplicável, é desprovido de sentido, visto que a cessão da posição contratual realizada não coloca em causa a responsabilidade da HV que passou a ter como fonte de responsabilidade o facto de dominar totalmente a Hi.
O artigo 501/3 do CSC apenas impede que se possa instaurar acção executiva contra a sociedade dominante com base em título executivo contra a sociedade dominada. No presente caso, existe título executivo válido contra a sociedade dominante.

Apreciação:

O título executivo dos autos é o previsto no art. 14.º-A/1 do NRAU. Ele tem de resultar da conjugação do contrato do arrendamento com a comunicação ao arrendatário, como se diz expressamente na norma em causa. Arrendatária, no caso dos autos, é a Hi. A comunicação com que o exequente completou o contrato foi uma comunicação a um terceiro, não à arrendatária. Logo, não há título executivo válido ao abrigo do art. 14.º-A/1 do NRAU. Isso por desconformidade do título (que diz respeito à HV) e a obrigação exequenda (que diz respeito à Hi).
Isto mesmo é reconhecido pelo exequente, quando defende que o título é válido contra a HV não por ela ser arrendatária, mas por ser a sociedade dominante da sociedade arrendatária (art. 501/1 do CSC). Ou seja, não está em causa um título a coberto do art. 14.º-A/1 do NRAU.
Ora, se um título formado nos termos do art. 14.º-A/1 do NRA tem força executiva por força do art. 703/1-d do CPC, já um título formado com base numa comunicação à sociedade dominante para os efeitos do art. 501/1 do CSC não teria qualquer norma legal que lhe atribuísse força executiva. Ou seja, como diz a HV, para que o senhorio conseguisse obter um título executivo contra a HV, como sociedade dominante e responsável legal (não contratual), teria de intentar uma acção declarativa contra ela.
De resto, a HV não foi notificada na qualidade de sociedade dominante da sociedade arrendatária, para accionar a responsabilidade legal decorrente do art. 501/1 do CSC, mas sim como sociedade arrendatária (que já há muito tinha deixado de ser).
Os dois acórdãos invocados – um pela sentença, outro pelo exequente – para tentar incluir um obrigado legal no âmbito dos destinatários da comunicação prevista no art. 14.º-A/1 do NRAU, não podem ter esse alcance, pois que eles estão a referir-se a uma parte que também fazia parte do contrato de arrendamento com fiança, isto é, a um fiador obrigado também por esse contrato, não a um terceiro a esse contrato (neste sentido, a contrario, o ac. do TRL de 24/02/2022, proc. 358/21.8T8LSB-A.L1-2, num caso em que o fiador não era parte no contrato). Para além disso, tal interpretação, com este alcance, poria em causa o preenchimento de um elemento da previsão da norma legal em causa: o art. 14.º-A do NRAU exige que o título seja composto pelo “comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida” e tal interpretação estaria a afastar a necessidade de assim ser. Lembre-se que no caso dos autos não foi feita a comunicação do montante em dívida à arrendatária (a Hi).

A sentença recorrida diz que o facto de o terceiro (a HV) não ter esclarecido o exequente de que ele, terceiro, não era o arrendatário, torna a comunicação a que ele estava a responder válida para os efeitos do art. 14.º-A/1 do NRAU sob pena de abuso de direito (art. 334 do CC), na modalidade do venire, por parte da HV. Mas não há nenhuma razão para dizer que com aquela resposta a HV estivesse a criar no senhorio a expectativa de que podia propor uma execução contra ela, em vez de a propor contra a arrendatária, e que, se o senhorio assim o fizesse, ela não viria aproveitar os meios de defesa que o erro do senhorio lhe proporcionavam.

A procedência da questão da falta de título executivo válido, que leva à extinção da execução, prejudica o conhecimento das demais questões que o recurso ainda levantava. 
*

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, julga-se agora procedente os embargos de executado, por falta de título executivo válido e, em consequência,  declara--se a extinção da execução.
Custas de parte, do recurso, dos embargos e da execução, pelo exequente.


Lisboa, 21/03/2024


Pedro Martins
Paulo Fernandes da Silva
Arlindo Crua