Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
694/12.4TXEVR-V.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
MEIO DA PENA
CRIME DE HOMICÍDIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:  (da responsabilidade da relatora)
I. A concessão da liberdade condicional ao meio da pena tem que se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
II. Independentemente de ser, ou não, um caso mediático, o crime de homicídio causa alarme social e é expectável que a comunidade onde o condenado se vai inserir (ainda que diversa daquela onde o facto foi praticado), mais tarde ou mais cedo tenha conhecimento do que aconteceu – e não só da condenação como das suas circunstâncias e também das circunstâncias da libertação. 
III. A libertação de um condenado por homicídio qualificado, ao meio da pena, não seria entendida pela comunidade a menos que existissem fortes razões.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do Processo com o nº 694/12.4TXEVR-V que corre termos no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa (Juiz 8), foi ao recluso,
AA, actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Monsanto, recusada a concessão de liberdade condicional.
*
Não se conformando, o recluso interpôs o presente recurso pedindo que se revogue a decisão recorrida e lhe seja concedida a liberdade condicional.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
A. Foram os presentes autos instaurados para a apreciação, em renovação da instância, da eventual concessão de Liberdade Condicional ao ora RECORRENTE.
B. Resulta da douta sentença ora recorrida, que não foi concedida a Liberdade Condicional ao ora RECORRENTE, porquanto no entender do Tribunal a quo pese embora o percurso e evolução do ora RECORRENTE em reclusão, sejam praticamente exemplares, “A libertação antecipada não deixaria de ter reflexos negativos na comunidade, designadamente quanto à confiança na validade das normas da ordem jurídica que pelo recluso foram violadas, além de deixar a protecção dos bens jurídicos a um nível que não é comunitariamente suportável.”
C. Foram elaborados e juntos os relatórios com o conteúdo exigido pelo art. 173º, n. 1 CEPMPL.
D. O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu parecer desfavorável por unanimidade à concessão da Liberdade Condicional (art. 175º do CEPMPL).
E. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável quando à concessão da Liberdade Condicional do ora RECORRENTE.
F. Ouvido o ora RECORRENTE, este deu o seu consentimento quanto a uma eventual concessão à Liberdade Condicional (art. 176º do CEPMPL).
G. O instituto da Liberdade Condicional encontra-se preceituado no art. 61º do CP, quando aos seus pressupostos e duração.
H. Assim, são pressupostos formais da liberdade condicional:
- Consentimento do condenado;
- Cumprimento de metade da pena e no mínimo seis meses.
São pressupostos materiais da concessão da liberdade condicional:
- o julgador elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita à reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena;
- a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
I. No caso concreto o ora RECORRENTE já cumpriu pelo menos seis meses de prisão, também já cumpriu metade da pena, aliás encontra-se a pouco menos de um ano de atingir o marco dos dois terços, e aceitou ser libertado condicionalmente, pelo que, se encontram reunidos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional.
J. Quanto aos pressupostos materiais:
O ora RECORRENTE assume a prática dos crimes, tendo consciência da gravidade do crime que praticou, e expressa sentimentos de arrependimento.
K. Encontra-se no Estabelecimento Prisional de Monsanto desde 23 de fevereiro de 2023, não registando conflitos no dia-a-dia prisional, cumprindo as regras e normas estabelecidas, interagindo com adequação que com os seus pares, quer com funcionários.
L. O ora RECORRENTE é um indivíduo calmo, tímido e reservado que mantém uma postura correta e educada.
M. Em meio prisional frequentou o curso EFA B2 no ano letivo de 2015/2016 no Estabelecimento Prisional de Setúbal.
N. No Estabelecimento Prisional da Carregueira frequentou e concluiu o curso de formação de “Operador de Jardinagem”, em dezembro de 2014.
O. Ainda no Estabelecimento Prisional da Carregueira frequentou a concluiu o Programa GPS, em 2021.
P. Desempenha atividade laboral de forma regular, denotando adaptação ao meio prisional.
Q. Recebe visitas regulares da namorada e de uma amiga.
R. É primário.
S. Encontra-se em RAI desde 05.05.2022, beneficiando de LSJ e SCD, sem registo de incidentes.
T. Assume o crime pelo qual foi condenado, expressando vergonha, verbalizando arrependimento e revelando consciência crítica face à gravidade do crime e do impacto provocado nas vítimas, não conseguindo encontrar uma explicação para o que aconteceu.
U. Em liberdade, o ora RECORRENTE integrar o agregado familiar de uma prima, contanto com o apoio incondicional desta, bem como de uma tia e da sua namorada de há 5 anos.
V. No local onde se situa a habitação da prima, não há registo de qualquer situação anómala, em termos de incumprimentos ou de reações de rejeição ou hostilidade por parte de elementos residentes nessa zona.
W. No futuro, o ora RECORRENTE pretende retomar a sua atividade laboral no ramo da …, e eventualmente deslocar-se para o estrangeiro com a sua namorada.
X. Tendo em conta os factos dados como provados, dúvidas não restam de que todo o percurso prisional do ora RECORRENTE, tem de ser visto de uma forma positiva, bem assim como a evolução da sua personalidade, como aliás decorre da douta sentença ora recorrida, que inclusivamente o classifica como “praticamente exemplar”.
Y. Tendo o percurso de vida do ora RECORRENTE, tem-se pautado por ser conforme o direito e esta situação poderá, e deverá, ser vista como um episódio isolado da sua vida, e irrepetível.
Z. Por fim, e no que se refere às necessidades de prevenção geral, nomeadamente ao facto de não terem sido ainda atingidos os dois terços da pena, há que ter em conta o espírito da lei.
AA. Ao contrário do que acontecia antigamente, a Liberdade Condicional pode ser concedida, em todos os casos, quando o condenado tiver cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses, desde que verificados, nos termos gerais, o disposto no art. 61º, n.º 2, a) e b) do CP, ou seja, se for possível formular um juízo de prognose favorável.
BB. Pelo que, em nosso modesto entendimento, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo viola o espírito da lei, nomeadamente no que se refere ao art. 61º, n.º 3, omitindo a aplicação do art. 62º, ambos do CP, ignorando a filosofia dos entendimentos sobre os critérios da Liberdade Condicional.
CC. Ignorando ainda, a evolução e o comportamento prisional do ora RECORRENTE, que tem sido irrepreensível desde 2019, bem assim como o ponto 27 dos factos dados como provados de acordo com o qual e tendo em conta as LSJ, bem como as SCD, para além de não existir qualquer registo de incidentes, também não se verificou qualquer reação de rejeição ou hostilidade por parte de elementos residentes nessa zona.
DD. Veja-se que não estamos perante uma situação de um caso dito mediático, e em liberdade, o ora RECORRENTE não será certamente reconhecido, nem apontado na rua como um homicida a quem foi concedida a Liberdade Condicional cerca de um ano antes de cumprir os dois terços da pena em que foi condenado.
EE. Somos, assim, do entender que ao ser concedida a Liberdade Condicional ao ora RECORRENTE, quando este se encontra a menos de um ano de atingir o cumprimento dos dois terços da sua pena, não será perturbada a paz social, nem se colocará em causa as expetativas comunitárias na validade da norma violada, nem tão pouco reflexos negativos na comunidade.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância propugnou porque o recurso fosse julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida alegando, em conclusão, que:
1. A decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional, em renovação da instância, ao ora recorrente, por referência ao meio da pena, que totaliza 19 anos e 6 meses de prisão, atingido em 22-08-2021, os dois terços ocorrerão em 21-11-2024, os cinco sextos em 22-02-2028 e o termo em 22-05-2031, estando em causa a prática de um crime de homicídio qualificado e um crime de detenção de arma proibida.
2. Há que considerar as exigências de prevenção especial, porquanto o condenado deve consolidar a evolução positiva que já apresenta de forma a melhor avaliar da efetiva motivação para a mudança comportamental, sendo insuficiente a testagem em meio livre até agora efetuada, face à extensão da pena e gravidade da atuação criminosa.
3. O recorrente está a cumprir pena pela prática de crimes muito graves, pelo que deve demonstrar um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário.
4. As necessidades de prevenção geral são elevadas e imperiosas, atenta a natureza dos crimes em causa, a frequência da sua prática e as suas repercussões ao nível da comunidade em geral, tornando-se necessário dissuadir a prática deste tipo de condutas e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas.
5. A continuação da execução da pena impõe-se para que haja consolidação do efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral, iniciada com a imposição de sanção adequada.
6. Assim, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico impedem para já a liberdade, ainda que condicionada, a qual seria mal tolerada pela comunidade globalmente considerada.
7. A concessão da medida, antecipando a liberdade quando ainda faltam mais de 6 anos para o termo global da pena não seria compreendida pelo cidadão comum e afrontaria, sem dúvida, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos.
8. A decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61º n.ºs 2 als. a) e b) do Código Penal, pelo que deve ser mantida.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
* * *
Fundamentação
A decisão impugnada é a seguinte:
Os presentes autos foram instaurados para a apreciação, em renovação da instância, da eventual concessão da liberdade condicional, a AA afecto ao Estabelecimento Prisional do Monsanto.
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Foram juntos aos autos relatórios com o conteúdo exigido pelo artº 173º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
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O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu por unanimidade, parecer desfavorável.
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O Ministério Público lavrou parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O condenado foi ouvido, dando a sua anuência à concessão do instituto em questão (art. 61º, nº 1, do Código Penal) e pronunciando-se sobre o circunstancialismo do caso e as suas perspectivas e projectos de futuro.
(…)
II – Pressupostos da concessão da liberdade condicional
1. O instituto da liberdade condicional assume o carácter de “última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade.
O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições (…) que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528.
2. São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal, doravante CP);
b) O cumprimento de pelo menos 1/2 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
3. São requisitos de ordem material:
a) O já referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), assente, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
III – Os Factos
1. O recluso cumpre a pena de 19 anos e 6 meses de prisão, aplicada no processo nº 1279/11.8GCALM, pela prática de um crime de homicídio qualificado e um crime de detenção de arma proibida.
2. Atingiu metade da pena em 22-08-2021, os dois terços ocorrerão em 22-11-2024, os cinco sextos em 22/02/2028 e o termo em 22-05-2031 [mostram-se, assim, reunidos os referidos pressupostos formais, uma vez que o recluso já ultrapassou o meio da pena, e declarou a sua anuência, à liberdade condicional].
*
3. Estamos perante um recluso com 42 anos de idade, habilitado com o 4º ano de escolaridade.
4. O recluso encontra-se no EP do Monsanto, desde 23-02-2023.
5. Durante a sua permanência não regista conflitos no dia-a-dia prisional, cumprindo as regras e normas estabelecidas, interagindo com adequação quer com os seus pares quer com funcionários.
6. Trata-se de um indivíduo que revela alguma dificuldade emocional na forma como expressa os seus sentimentos, nomeadamente no que respeita ao crime praticado.
7. Não denota sentimento de hostilidade perante terceiros.
8. AA é um indivíduo calmo, tímido e reservado que mantém uma postura correcta e educada, sem registo de atitudes litigantes no dia a dia prisional.
9. Revela sentido de responsabilidade no cumprimento das medidas de flexibilização de pena que tem vindo a beneficiar.
10. Em meio prisional chegou a frequentar o curso EFA B2 no ano lectivo de 2015/2016 no EP Setúbal que não concluiu.
11. No EP Carregueira, frequentou e concluiu em Dezembro de 2014, o curso de formação de “Operador de Jardinagem”.
12. Refere que sempre trabalhou na área da …, tendo ainda trabalhado alguns anos no estrangeiro nomeadamente em ... e ....
13. No EP do Monsanto, tem mantido actividade laboral no desempenho de tarefas no sector das obras, sempre com empenho na execução das mesmas.
14. No ano de 2021, frequentou e concluiu no EP Carregueira o Programa GPS.
15. Desempenha actividade laboral de forma regular, denotando adaptação ao meio prisional.
16. Revela interesse por actividades desportivas, procurando ocupar o tempo livre praticando exercício físico.
17. Do exterior recebe visitas regulares da namorada e de uma amiga.
18. É primário.
19. Desde Dezembro de 2019 que não averba registos disciplinares, adoptando conduta em conformidade com as normas e regras instituídas.
20. Foi colocado em Regime Aberto no Interior em 05-05-2022 e tem beneficiado de Licenças de Saída Jurisdicionais e de Saídas de Curta Duração, sem registo de incidentes.
21. AA sempre assumiu o crime pelo qual cumpre pena, referindo que até hoje não encontra explicação para justificar o que aconteceu, expressando vergonha pelo acto praticado e verbalizando arrependimento, revelando consciência critica face à gravidade do seu crime e do impacto provocado nas vítimas.
22. Mantém uma atitude de externalização das causas que originaram os factos do crime, nomeadamente os desentendimentos havidos, aquando da sua separação da vítima, no decurso da partilha de bens do casal.
23. Os factos praticados são reconhecidos como de extrema gravidade, apresentando assim maior desenvolvimento a nível introspectivo, com capacidade de análise dos factores pessoais que o levaram à presente condenação.
24. Na eventual situação de liberdade, AA tenciona, pelo menos numa primeira fase, integrar o agregado de prima sua.
25. AA conta com o apoio incondicional da sua prima, tia, e da sua namorada de há já cinco anos, relacionamento que teve o seu início quando já se encontrava em cumprimento de pena.
26. Numa fase posterior e após alguma reorganização pessoal e financeira, AA tenciona manter uma vivência em comum com a namorada.
27. No local em que se situa a habitação da prima, não há registo de qualquer situação anómala, em termos de incumprimentos ou de reacções de rejeição ou hostilidade por parte de elementos residentes nessa zona.
28. Como perspectivas futuras AA refere a intenção de retomar o desempenho no ramo da construção civil, ainda que na eventualidade de dificuldades, perspective deslocar-se para o estrageiro com a namorada.
29. Tenciona retomar o mercado de trabalho logo após a sua liberdade, contando com ofertas no ramo da construção civil, onde adquiriu larga experiência profissional.
30. A concretizar-se a sua inserção laboral, terá condições de manter a sua autonomia financeira embora conte com o apoio incondicional da prima e outros familiares do núcleo familiar alargado, bem como da namorada que se disponibiliza para o apoiar no que for necessário.
IV – Fundamentação
(…)
V – Os Factos, e o Direito
Considerando os factos relevantes “supra” descritos e os pareceres desfavoráveis do Conselho Técnico e do Ministério Público, conclui-se que, pese embora a normatividade do comportamento do recluso, não se mostram verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional.
Com efeito, pese embora o seu percurso reclusivo e a sua evolução sejam, praticamente, exemplares (apenas militando contra o mesmo, a circunstância de ainda externalizar as causas do crime, apontando desentendimentos com a vítima, aquando da respectiva separação, relacionados com a partilha de bens – contudo, assumindo por inteiro a gravidade do mesmo, expressando vergonha pelo acto praticado, verbalizando arrependimento, revelando consciência crítica face ao acto praticado, e ao impacto provocado), a realidade é que um dos crimes pelos quais cumpre pena, é um homicídio qualificado.
E que, estando em causa a apreciação da liberdade condicional, em renovação da instância, numa altura em que, tendo sido já ultrapassado o meio da pena, ainda não se atingiram os dois terços da dita, subsiste a relevância da apreciação das necessidades de prevenção geral, havendo que atender, no juízo de prognose a efectuar, o reflexo da libertação do condenado na sociedade, e o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Considerando-se nesse conspecto, que um dos crimes pelos quais cumpre pena, é nada mais, nada menos, que o crime mais grave do ordenamento jurídico português.
Por isso que, apontar o enormíssimo alarme social que se lhe encontra agregado, é exercício quase ocioso.
Por essa razão, do ponto de vista das expectativas sociais, escassamente se entenderia que o recluso beneficiasse desde já da liberdade condicional, sem demonstração da existência de fortes razões para isso.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (obra citada), o reingresso do condenado no seu meio social, apenas cumprida metade da pena a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Libertando-se neste momento o recluso, face à gravidade dos actos praticados, ficariam frustradas as expectativas da comunidade.
A libertação antecipada não deixaria de ter reflexos negativos na comunidade, designadamente quanto à confiança na validade das normas da ordem jurídica que pelo recluso foram violadas, além de deixar a protecção dos bens jurídicos a um nível que não é comunitariamente suportável.
A não concessão da liberdade condicional, nesta fase, não deverá ser entendida pelo recluso como razão para a sua desmotivação em termos de consolidação do seu percurso prisional, mas como o reconhecimento de que o recluso tem ainda um caminho a consolidar, no qual deve investir, para que, um dia, a sua reintegração em meio livre possa ser um êxito.
Mas por ora, atendendo ao acima foi dito, não é de concluir que a sua libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social [mostrando-se inverificado um dos pressupostos materiais, acima referidos].
Não se lhe podendo, por isso, conceder a liberdade condicional.
VI – Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, não se concede a liberdade condicional ao recluso.
(…)
* * *
Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em causa está a verificação, em concreto, dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional.
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Alega o recorrente que o Tribunal a quo fez um juízo favorável sobre o seu percurso prisional, bem como da evolução da sua personalidade, referindo que o seu comportamento tem sido irrepreensível desde 2019 e que beneficiou de LSJ e de SCD sem qualquer registo de incidentes e sem verificação de qualquer reação de rejeição ou hostilidade por parte de elementos residentes nessa zona.
Mais alega que não se trata de um caso mediático e que ser-lhe concedida a liberdade condicional quando se encontra a cerca de um ano de atingir o cumprimento dos dois terços da sua pena, não perturbará a paz social, nem colocará em causa as expetativas comunitárias na validade da norma violada, nem terá reflexos negativos na comunidade.
A decisão da concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos formais e materiais, tal como estipula o art. 61º do Cód. Penal.
Os pressupostos formais exigem que:
- o recluso tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses;
- o recluso aceite ser libertado condicionalmente.
Os pressupostos materiais exigem que:
- seja fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o recluso, uma vez em liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes;
- a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social – pressuposto apenas aplicável às situações em que a apreciação da liberdade condicional ocorra antes de o condenado ter cumprido 2/3 da pena.
Que, no caso, estão preenchidos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, expressos no nº 1 e no corpo do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal, é ponto assente, pois que isso mesmo reconheceu a decisão recorrida. Com efeito, o recluso recorrente neste momento já cumpriu metade da pena e mais que o mínimo de seis meses, e aceitou ser libertado condicionalmente.
A questão coloca-se ao nível dos pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional expressos nas alíneas do nº 2 daquele art. 61º que, como já dissemos, estabelecem que o Tribunal coloca o condenado em liberdade condicional se:
a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes; e
b) se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
A decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao recorrente com base na não verificação da exigência contida na alínea b) referida [não tendo chegado a pronunciar-se em concreto sobre a exigência contida na alínea a)].
Assim, e em análise agora, estão apenas exigências de prevenção geral, também especialmente relevantes em face do disposto no nº 1 do art. 42º do Cód. Penal, que preceitua que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, (…)”.
E estando em causa apenas exigências de prevenção geral, não cabe pronúncia sobre o percurso prisional do recorrente, embora não possamos deixar de lembrar que a concessão da liberdade condicional não é um prémio por bom comportamento.
Quanto ao mais…
Como bem afirma a decisão recorrida, um dos crimes pelos quais o recorrente cumpre pena, é um homicídio qualificado – o crime mais grave do ordenamento jurídico português.
Independentemente de ser, ou não, uma caso mediático, trata-se de um crime que causa alarme social e é expectável que a comunidade onde o condenado se vai inserir (ainda que diversa daquela onde o facto foi praticado), mais tarde ou mais cedo tenha conhecimento do que aconteceu – e não só da condenação como das suas circunstâncias e também das circunstâncias da libertação.
A libertação de um condenado por homicídio qualificado, ao meio da pena, não seria entendida pela comunidade a menos que existissem fortes razões. Que no caso não se perfilam.
Citando a decisão recorrida, com que plenamente se concorda:
“(…) o reingresso do condenado no seu meio social, apenas cumprida metade da pena a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Libertando-se neste momento o recluso, face à gravidade dos actos praticados, ficariam frustradas as expectativas da comunidade.
A libertação antecipada não deixaria de ter reflexos negativos na comunidade, designadamente quanto à confiança na validade das normas da ordem jurídica que pelo recluso foram violadas, além de deixar a protecção dos bens jurídicos a um nível que não é comunitariamente suportável.”
Termos em que o juízo desfavorável à concessão da liberdade condicional feito pelo Tribunal recorrido é inteiramente justificado e em consonância com a unanimidade do parecer desfavorável do Conselho Técnico.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) UCs.

Em 19.03.2024
Alda Tomé Casimiro
Luísa Oliveira Alvoeiro
Sara Reis Marques