Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO INDEMNIZAÇÃO PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I. O art.º 71º, n.º 2, da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009 de 4/09, LAT) adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no art.º 258º do CT, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias que correspondam a uma vantagem económica do trabalhador. II. Não tendo a trabalhadora no ano que precedeu o acidente prestado a sua atividade, nos termos dos n.º 5 e 1 do art.º 71 da LAT, e portanto sendo indeterminada a retribuição global do ano anterior, a indemnização, seja decorrente de incapacidade temporária, seja de incapacidade permanente, absoluta ou parcial, é calculada segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. III. Não merece censura a sentença que, em tal caso, para apurar a retribuição devida, lançou mão dos valores auferidos por duas colegas da trabalhadora com a mesma categoria profissional e antiguidade. (sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Sinistrada (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.): AA Responsável seguradora: Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. Empregadora: TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A. A sinistrada demandou as rés alegando que teve um acidente de trabalho em 28/06/2014 que lhe determinou ITA, ITP e uma IPP; auferia a retribuição anual de 46.211,43€ e estava abrangida por contrato de seguro de acidente de trabalho firmado entre a empregadora e a R., por um valor inferior àquele; a A. ficou afectada de IPP de 30%, com IPATH; porque o período de ITA excedeu os 18 meses posteriores ao acidente, a ITA converteu-se em incapacidade permanente com IPATH desde 29/12/2015; com as deslocações ao tribunal e ao INML na fase de conciliação teve a A. uma despesa de que deve ser ressarcida nos termos legais. Com estes fundamentos pediu que se: - Determine a IPP em 30%, conforme exame médico realizado no INML; - Considere como alta clínica a data de 09/03/2017; - Considere como retribuição global anual o montante de 46.211,43€; - Condene as RR., em função da responsabilidade transmitida, no pagamento à A. de pensão anual vitalícia, com início a 29/12/2015; - Condene as RR., em função da responsabilidade transmitida, no pagamento à A. de pensão anual e vitalícia por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com início a 29/12/2015; - Condene as RR., em função da responsabilidade transmitida, ao pagamento de um subsídio de elevada incapacidade permanente, nos termos do art.º 67º, da Lei nº 98/2009 de 04/09; - Condene as RR. ao pagamento de 51,00€ a título de despesas de transportes pelas deslocações do INML e ao Tribunal em fase de conciliação; - Condene as RR. nos juros de mora à taxa legal. * A empregadora TAP contestou, alegando que a A. não ficou afectada de IPP, com IPATH, nos termos requeridos; pôs em causa que várias prestações tenham natureza retributiva, não devendo a seu ver se consideradas para o cálculo da pensão devida; o subsídio de férias não tem carácter regular e também não deve ser considerado para este efeito; a responsabilidade transferida para a seguradora estava limitada ao valor da retribuição global de 30.666,00€; a A. não aufere retribuição anual global superior a este valor e não pode ser assacada à empregadora qualquer responsabilidade na regularização deste sinistro, pelo qual responderá apenas e só a seguradora. Pede a final a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. A Companhia de Seguros acompanhou a posição da R. TAP quanto à retribuição global da A., devendo a responsabilidade na regularização do sinistro ter por base aquela retribuição global de 30.666,00€, conforme contrato de seguro emergente de acidentes de trabalho. A acção deve ser julgada parcialmente procedente, sendo a R. seguradora condenada na parte do pedido formulado na petição inicial que lhe couber em função da incapacidade que for determinada pela junta médica. * Saneados os autos e efetuado o julgamento o tribunal julgou a ação parcialmente procedente e condenou: a) a Fidelidade (68,73%) e a TAP (31,27%), a pagarem à sinistrada AA, na proporção da quota parte de responsabilidade de cada uma: 1. a pensão anual e vitalícia de 22.710,04€, acrescida dos juros de mora contados, à taxa supletiva legal, desde 10/06/2016, e até integral e efectivo pagamento; 2. o subsídio de elevada incapacidade no valor de 3.948,30€, acrescida dos juros de mora contados, à taxa supletiva legal, desde 10/06/2016, e até integral e efectivo pagamento; b) a TAP a pagar à sinistrada 19.292,10€, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, acrescidos dos juros de mora devidos desde cada um dos dias de vencimento da referida indemnização e até integral e efectivo pagamento; c) a Fidelidade a pagar à sinistrada 51,00€ de despesas de transporte, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento. No mais absolveu as rés. * Inconformada, a ré TAP recorreu, concluindo: 1. O recurso vem interposto da sentença que condenou a Recorrente a pagar à TAP €19.292,10, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, acrescidos dos juros de mora devidos desde cada um dos dias de vencimento da referida indemnização e até integral e efetivo pagamento. 2. A A. esteve ausente do serviço a partir de 20/11/2012 e apenas retomou o serviço a 12/06/2014, tendo sofrido o acidente de trabalho no dia 28/06/2014, i.e., 16 dias após a retoma do serviço. 3. O Tribunal considerou que “não pode qualificar-se como “normal” em termos retributivos o período, no ano imediatamente anterior ao sinistro, em que o sinistrado esteve impedido de exercer as suas funções laborais por doença” (v. Ac. da Relação do Porto, de 03/10/2022, a que é feita menção na decisão recorrida). 4. Contudo, a A. não alegou a retribuição por si auferida no último ano dito “normal” prévio ao início da sua ausência, estando em causa elementos essenciais para o apuramento da indemnização que lhe seria devida na sequência do acidente de trabalho sofrido, 5. Nem foi a TAP em momento algum notificada pelo Tribunal a quo para proceder à junção das folhas de férias referentes ao ano “normal” anterior ao início da sua ausência, 6. Pelo que nos autos não existia informação sobre a retribuição da A. no ano “normal” anterior ao início da sua ausência – contrariamente ao que sucedeu no caso dos acórdãos parcialmente transcritos na sentença recorrida (casos em que os A. já haviam providenciado – e bem – os autos com esses elementos) –, e essa falta apenas pode ser imputável à Recorrida. 7. A situação dos autos em nada se equipara à daquele trabalhador que sofre o acidente de trabalho poucos dias após o início do seu contrato de trabalho. 8. Se nesse caso não existem elementos para efeitos de cálculo da indemnização, porquanto o sinistrado, que sofreu o acidente de trabalho poucos dias após o início do seu contrato de trabalho, não prestou trabalho nos doze meses anteriores àquele em que ocorreu ao acidente, 9. no caso os elementos existem, mas não foram juntos aos autos por incumprimento parcial do ónus de alegação que impedia sobre a A., motivo pelo qual – sem prejuízo de melhor opinião - não pode o Tribunal a quo chamar à colação o art.º 71.º, n.º 5, da LAT. 10. Assim, não deveria o Tribunal a quo considerar qualquer valor referente aos complementos retributivos cujo montante não resultou provado, mais concretamente as parcelas “Ajuda de Custo Operacional” e “Ajuda de Custo Complementar anual”. 11. Termos em que a retribuição anual global da A., a ser considerada para efeitos de determinação da pensão a que tem direito, como forma de indemnização da incapacidade sofrida em consequência do acidente de trabalho, perfaz o valor de €26.054,98. 12. Atentando que a Recorrida tem direito à indemnização global de €36.816,05 e a percentagem de responsabilidade de cada uma das Rés, por conta daquela indemnização a título de ITA, devia a TAP ter pago à A. a quantia global de €11.512,38, ao invés de €19.713,99, conforme decide (incorretamente) a decisão recorrida. 13. Nestes termos, a decisão recorrida que condenou a pagar à A. €19.292,10, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, acrescidos dos juros de mora devidos desde cada um dos dias de vencimento da referida indemnização e até integral e efetivo pagamento, com os fundamentos referidos, padece de erro de julgamento da matéria de direito, 14. e deve ser revogada e substituída por outra que, na apreciação da prova carreadas para os autos e do seu confronto, conclua – como não deve deixar de ser – pela desconsideração das parcelas “Ajuda de Custo Operacional” e “Ajuda de Custo Complementar anual”, para efeitos de determinação da pensão a que tem direito, como forma de indemnização da incapacidade sofrida em consequência do acidente de trabalho, além da retribuição fixa, por não ser aplicável o disposto no art.º 71.º, n.º 5, da LAV, e, consequentemente, pela condenação da TAP a pagar € 11.512,38 à A., ao invés de € 19.713,99, a título de indemnização, nos termos e com os fundamentos suprarreferidos. Remata pedindo que seja concedido integral provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra nos termos constantes neste recurso. * A A contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo: 1 – O único objeto do recurso diz respeito à condenação no pagamento à recorrida da quantia de 19.292,10 Euros, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, acrescida de juros de mora devidos desde cada um dos dias de vencimento da referida indemnização e até integral e efetivo pagamento. 2 - Retira-se das conclusões de recurso apresentadas que a recorrente conforma-se com a pensão atribuída à trabalhadora recorrida, mas discorda da indemnização concedida a título de incapacidades temporárias, o que é um contra senso, assim como, não indica as normas jurídicas violadas, o que qualifica as conclusões de deficientes, nos termos do artigo 639, nº3 do CPC. 3 - Na falta de elementos referentes ao período normal de um ano anterior ao início da situação de ausência justificada da trabalhadora ao trabalho, por facto que lhe não é imputável, a solução não passa por desconsiderar qualquer valor referente àqueles complementos retributivos, mas antes por efetuar o cálculo “segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, categoria profissional do sinistrado e os usos”, conforme impõe o art.º 71º, nº 5, da LAT. 4 – E segundo o prudente arbítrio do juiz, na douta sentença recorrida olhou-se para a situação paralela das colegas da Autora, BB e CC, que, com a mesma antiguidade e categoria, durante aquele período de 12 meses anterior ao acidente desenvolveram uma atividade laborativa normal e aufeririam, nessa conformidade, uma retribuição “média normal”. 5 - O sinistro ocorreu em 28/6/2014, e a trabalhadora esteve sem trabalhar entre 20/11/2012 a 11/6/2014, ou seja, o seu último ano dito “normal” em termos retributivos distava 2 anos em relação à data do sinistro, não cumprindo com o carácter de atualidade que a lei quer ver refletida no cálculo da indemnização. 6 - O Mmo Juiz a quo, assentando o seu cálculo nos elementos retributivos dados como provados, referentes às colegas da sinistrada já identificadas, usou bem o seu livre arbítrio, cumprindo plenamente o estabelecido no artigo 71º, nº5 da LAT. 7 - Nada impede ou inibe o julgador de usar os elementos disponíveis nos autos, e dados como provados, para assim chegar à retribuição normal a que a sinistrada tinha direito à data do acidente. * O Ministério Público teve vista e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Não houve resposta ao parecer. Os autos foram aos vistos. * * Fundamentação As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, a questão a decidir consiste em saber se as designadas “Ajuda de Custo Operacional” e “Ajuda de Custo Complementar anual” não deviam ter sido tidas em conta para o apuramento dos valores devidos à sinistrada a título de indemnização por ITA. * Factos provados relevantes: A. A A. nasceu a 19/03/1981. B. A A. era, à data de 28/06/2014, trabalhadora da 2.ª R., TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S.A., com a categoria profissional de Assistente de Bordo. C. A 2ª R. tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho de que a autora fosse vítima transferida para a 1ª R., Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., mediante contrato de seguro, com base na retribuição anual de 30.666,00€. D. No dia 28/06/2014 a A. executava a actividade profissional para a qual foi contratada, sob a autoridade e fiscalização da 2ª R., no voo TP22, quando, pelas 03h45m, durante o serviço de refeição, ao passar a cortina escorregou, rodou o joelho direito e caiu, batendo com o mesmo joelho direito no chão. E. A A. esteve com ITA de 28/06/2014 até 28/12/2015. F. A 1ª R. deu-lhe alta clínica a 09/06/2016. G. Em virtude do evento referido em D), foi comunicado à autora pela 2ª R. que a junta médica de avaliação de aptidão para o voo, reunida a 10/08/2017 na UCS, deliberou a inaptidão para o serviço de voo, sendo-lhe retiradas “as asas”, deixando a A. de exercer a actividade para a qual foi contratada e passando a desempenhar novas funções em terra. H. A A. despendeu o montante de €51,00 a título de despesas de transporte para deslocação ao tribunal (fase de conciliação) e ao INML. I. Em consequência do facto descrito em D) e sequelas decorrentes a das lesões a que o mesmo deu causa, AA ficou afectada de Incapacidade Parcial Permanente (IPP) de 4,5%, desde 09/06/2016, com IPATH. J. Em consequência do facto descrito em D) e lesões dele decorrentes, AA ficou afectada de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de 29/06/2014 a 09/06/2016. L. Por conta da ITA referida em J), a R. seguradora pagou à A. a quantia global de 43.752,31 €. M. A A. recebeu as seguintes quantias no período de Junho de 2013 a Junho de 2014.
N. A ajuda de custo operacional é abonada tendo em conta a actividade mensal planeada, sendo posteriormente efectuado o acerto definitivo, mediante acréscimo ou desconto, face à actividade efectivamente realizada em cada mês. O. O respectivo montante da ajuda de custo operacional difere conforme o destino voado pelo tripulante, os horários de serviço de voo e a duração da estadia/deslocação. P. Esta ajuda de custo operacional é abonada tendo em conta a actividade mensal planeada, sendo posteriormente efectuado o acerto definitivo, mediante acréscimo ou desconto, face à actividade efectivamente realizada em cada mês. Q. A ajuda de custo operacional destina-se a compensar despesas com refeições e outras do tripulante fora da base, e para além daquelas que já estão previamente pagas. R. E a Prestação Retributiva Especial varia conforme o vencimento base de cada tripulante. S. A Prestação Retributiva Especial é devida por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado pela empresa, até ao limite de 15 dias. T. A R. TAP procedeu ao pagamento às trabalhadoras CC e BB, com a mesma categoria profissional e antiguidade da A., das seguintes quantias a título de Ajuda de Custo PN: BB:
CC:
U. A Ajuda de Custo Complementar destina-se a compensar os tripulantes pelas despesas diversas decorrentes das deslocações em serviço de voo, para além das derivadas da alimentação. V. São quantias pagas independentemente da realização de uma concreta despesa realizada no tempo de ausência fora da base. X. São quantias correspondentes a um valor previamente fixado em função da categoria/posição salarial (de CAB Início a S/C II). Z. A Ajuda de Custo Complementar está relacionada com eventuais gastos induzidos pelo serviço de voo, pelo que não há pagamento das mesmas se não há serviço de voo planeado e atribuído ao tripulante. AA. A A. entre 20/11/2012 e 11/06/2014 encontrava-se nas seguintes situações: - 20/11/2012 a 12/7/2013: gravidez de risco clínico específico; - 13/7/2013 a 30/11/2013: licença parental; - 1/12/2013 a 9/12/2013: doença (com baixa não subsidiada); - 10/12/2013 a 9/3/2014: licença parental alargada; - 10/3/2014 a 28/5/2014: férias/folgas; - 29/5/2014 a 30/5/2014: incapacidade temporária PN; - 10/6/2014 a 11/6/2014, incapacidade temporária PN. * * De Direito Dispõe o art.º 71 da Lei n.º 98/2009, de 4.9, (LAT, Lei dos Acidentes de Trabalho), referente ao cálculo da indemnização devida por acidente de trabalho, que 1 — A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 — Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 — Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. 4 — Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. 5 — Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. 6 a 11 (…). A Lei consagra, neste normativo, para efeitos de reparação de infortúnios laborais, uma noção de retribuição mais ampla do que a vulgarmente prevista no Código do Trabalho (por todos, cfr. ac. do STJ de 24.05.23, proc. 617/20.7T8PNF-B.P1.S1, rlt Azevedo Mendes: “I- O art.º 71. da LAT estabelece um conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidente de trabalho mais abrangente e amplo do que o contemplado no Código do Trabalho. II- Por conseguinte, os efeitos jurídicos pretendidos com a discussão do valor da retribuição tendem a divergir no processo especial emergente de acidente de trabalho e no processo comum em que se discutem diferendos contratuais laborais”; e da RL de 24.3.2021, Proc.º 4286/15.8T8LSB, relat.ª Manuela Fialho, onde em sede de fundamentação se exarou que “o conceito de retribuição aqui adotado, mais lato do que o do CT, integra nele todas as prestações que assumam caráter de regularidade. Dele se excluem apenas e tão só as que se caracterizem por remunerar custos aleatórios. Essencial é, pois, o preenchimento do conceito de regularidade, pois em matéria de acidentes de trabalho procura-se compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade de ganho, pelo que o conceito há-de abranger todos os valores que o empregador satisfazia regularmente e em função do que o trabalhador programava a sua vida. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2010, proc. n.º 436/09.1YFLIS: "No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao "salário médio", onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.” (in www.dgsi.pt"). Deste modo, o conceito apenas não abarca prestações que têm uma causa específica e individualizável, distinta da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho e aquelas que não assumam regularidade". O STJ decidiu "em Ac. de 31.10.2018 (Proc.º n.º 359/15.5T8STR) que o conceito de regularidade não pode obter-se por equivalência àquele a que se recorre para efeitos de determinação da dimensão dos rendimentos. Ali se ponderou que “o conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado. Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado”). Mas há casos em que não é possível apurar essa regularidade, como quando o acidente ocorre pouco depois do trabalhador iniciar a sua atividade (tal como refere a sentença recorrida). E este é um deles, não obstante a ré defender o contrário: tendo a autora estado ausente do serviço entre 20/11/2012 e de 12 de junho de 2014, e tendo acidente ocorrido em 28/06/2014, é claro que não é possível lançar mão do critério previsto no n.º 4 do art.º 71, a saber, “a média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente”, já que no ano anterior a sinistrada não prestou atividade (e acrescente-se que não prestou atividade por motivos não despiciendos, que se prendem com uma gravidez de risco clínico específico, licenças parentais, doença e incapacidade temporária e ainda férias). Importa, pois, lançar mão do disposto no art.º 71, n.º 5, da LAT, ou seja, o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. Com efeito, as aludidas ajudas de custo não são meras compensações de custos aleatórios, tendo lugar a sua atribuição sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Como decidiu o STJ no ac. de 17.03.2010, no proc. n.º 436/09.1YFLIS, "No domínio da sinistralidade laboral o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao "salário médio", onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.” Ou seja, estão incluídas muitas prestações que podem ter a natureza de ajudas de custo, desde logo o conhecido subsídio de refeição (ou em alternativa o valor das refeições quando fornecidas em espécie), desde que o seu pagamento tenha carácter de regularidade. E como referiu ainda o mais Alto Tribunal, ac. 12.1.23, proc. 4286/15.8T8LSB.L1.S1, rlt. Ramalho Pinto, “I- Da redacção do art.º 71º , nº 2, da LAT (Lei 98/2009 de 4/09) é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 258º do CT de 2009, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.). Têm é de corresponder a uma vantagem económica do trabalhador. II- Os valores pagos a título de “ajudas de custo operacionais”, que o eram regular e periodicamente e independentemente de o trabalhador ter ou não realizado uma qualquer despesa, maior ou menor, de alimentação, desde logo, num restaurante, não lhe sendo exigido qualquer prova da realização da despesa e mesmo do respectivo montante, integram o cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, por não se destinarem a suportar custos aleatórios”. É ao empregador que cabe o ónus da prova dos factos integrantes da excepção enunciada na parte final do artigo 71.º, n.º 3, da LAT, nos termos prescritos no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, ou seja, o ónus de provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos (cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa 2014.03.26, Processo n.º 1837/12.3TTLSB.L1-4 e da Relação do Porto de 2014.12.01, processo n.º 166/09.4TTOAZ.P1, ambos in www.dgsi.pt, o da Relação de Lisboa de 2016.12.15, Processo n.º 220/14.0TTTVD.L1, inédito, ao que supomos e o do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2010, Recurso n.º 436/09.1YFLSB- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt). No caso apenas é discutível a metodologia empregue pela sentença recorrida para apurar o montante devido. De resto, a ré deixa claro que o que pretende é, afinal, que a indemnização devida redunde em 11512,38€ e não nos apurados 19713,99€. Cabe notar, aliás, que não colhe a argumentação no sentido de que teria de se ter em conta os últimos valores auferidos pela autora e não aquilo que, entretanto, tenha passado a ser pago. A tal opõe-se o disposto no art.º 74 do CPT e o referido n.º 5 do art.º 71 da LAT. Atenta a natureza pública da reparação dos acidentes de trabalho o trabalhador não pode ficar prejudicado por qualquer impedimento ou dificuldade na obtenção de dados que lhe seja alheia. Simplesmente, em tal situação proceder-se-á nos termos do n.º 5. Pois bem. Neste caso o que é razoável é que o juiz tenha em atenção o que hipoteticamente a trabalhadora teria auferido se tivesse prestado a atividade nos 12 meses anteriores ao acidente. A sentença recorrida fê-lo lançando mão dos elementos obtidos a partir da situação de duas colegas da autora com a mesma categoria profissional de antiguidade e adotou como válido o montante percebido por aquela que recebeu menos, BB. Esta bitola satisfaz de forma prudente e equilibrada os filtros previstos no art.º 71, n.º 5, da LAT, em termos que não merecem censura. Pelo que se julga improcedente o recurso. * * Termos em que se julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida. Custas do recurso pela recorrente TAP. Lisboa, 10.04.2024 Sérgio Almeida Manuela Fialho Francisca Mendes |