Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
90941/18.0YPRT.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA DE CONSUMO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO
PRESUNÇÃO DE CULPA
EXCEPÇÃO DE INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–A atender ao preceituado nos artigos 478º e 480º, do Código de Processo Civil, haverá de se considerar garantido o contraditório com a notificação da nomeação do perito e do prazo fixado, permitindo, que as partes contactem o perito, referindo o seu interesse em estar presentes no acto de observação e fazerem-se acompanhar/representar por técnico da especialidade (nº3 e nº4 do artigo 480º), na prossecução do dever de colaboração das partes neste domínio.

2.–A existência comprovada de irregularidades -espaços vazios no assentamento da argamassa e cola das pedras da bordadura e falhas nas junções- que são causais da “fuga” de água na piscina, conduz à conclusão de que a obra executada apresenta “falta de conformidade” nos termos do artigo 2.º do DL 67/2003 de 8 de abril, relativo à empreitada de consumo, e bem assim, preenche o conceito de “defeito”, segundo a previsão dos artigos 1208º e 1218º, nº1, do Código Civil.

3.–Ainda que o dono da obra interfira na escolha do material, compete ao empreiteiro o domínio da actividade de execução, segundo os procedimentos da arte e os conhecimentos técnicos, prevendo e antecipando anomalias associadas, e, recusando a aplicação, se necessário.

4.–Em ordem a afastar a presunção de culpa estabelecida no artigo 799º do Código Civil, e, a responsabilidade (objectiva) do empreiteiro pela falta de conformidade da obra, definida no artigo 3º, nº1 do DL 67/2003, de 8 de abril, não basta provar que cumpriu com diligência as regras da arte, sendo ainda necessário demonstrar- dado que tem o domínio do processo de execução da prestação- que a causa do defeito lhe é estranha, ou que não a poderia evitar.

5.–Tendo o Réu denunciado a fuga de água na piscina e não tendo a Autora procedido à reparação da obra, afigura-se proporcional e consentâneo com a boa-fé, a recusa do pagamento de metade do valor remanescente do preço, até que aquela satisfaça a obrigação de eliminação da deficiência.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO


1.–Da Acção(1)

A…, Lda. intentou requerimento de injunção contra, L…, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 8.342,20 (oito mil trezentos e quarenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 9.06.2016, no valor de € 651,20 (seiscentos e cinquenta e um euros e vinte cêntimos), calculados à taxa legal, e dos juros de mora que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, e em suma, alegou a Autora que, no âmbito da sua actividade profissional celebrou com o Réu um contrato de empreitada, no qual se obrigou a executar trabalhos de construção de uma piscina, mediante o pagamento por parte do Réu do valor de € 17.589,00, a pagar após a conclusão da obra. Mais alegou que o trabalho contratado foi realizado e o Réu apenas pagou por conta daquela obra, o valor de € 10.000,00, encontrando-se o remanescente em dívida.

Citado, o Réu deduziu oposição, defendendo-se por excepção, nomeadamente invocando a prescrição do crédito e a excepção de não cumprimento e/ou redução do preço da empreitada.

Concretamente alude que a quantia remanescente, no valor de 4.300,00 acrescido de IVA não foi pago na data da conclusão da obra, porquanto verificou a existência de defeitos, que consistiam em o nível da água da piscina descer abaixo do nível da pedra do chão, perdendo água, tendo comunicado verbal e imediatamente, tais defeitos ao representante da Autora. Apesar da Autora ter referido ao Réu que iria proceder à reparação da piscina, a verdade é que a mesma nunca ocorreu, apesar das insistências por parte do Réu. Peticiona, a final, que seja declarada a prescrição do crédito peticionado pela Requerente, absolvendo-se em consequência o Réu do pedido e, caso assim não se entender, seja a Requerente condenada a eliminar os defeitos da empreitada contratada, ou, em alternativa, ser reduzido o preço da empreitada para o valor que o Réu tiver de despender para eliminação dos defeitos invocados.

A acção prosseguiu então a forma de acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

Notificada para o efeito, a Autora apresentou resposta às excepções, pugnando pela improcedência da prescrição e da excepção de não cumprimento, uma vez que a obra não tem qualquer defeito porquanto a pedra do transbordo da piscina foi escolhida pelo Réu, contra as indicações da Autora, não existindo qualquer problema de estanquicidade e continuando o Réu a usar a mesma.

Mais requereu a condenação do Réu como litigante de má fé e peticionou ainda a intervenção principal da esposa do Réu.

Em sede de saneamento, foi o incidente de intervenção de terceiros indeferido, e bem assim, indeferido o pedido reconvencional do Réu na eliminação dos defeitos da empreitada ou na redução do preço da empreitada; foi ainda julgada improcedente a excepção de prescrição.

Realizada a audiência de discussão e julgamento o Tribunal a quo proferiu sentença que culminou no seguinte dispositivo:
« Pelo exposto, decide-se:
i)-Julgar parcialmente procedente, por provada, a excepção de não cumprimento deduzida pelo Réu;
ii)-Reduzir face aos ditames da boa-fé, tal excepção de não cumprimento ao montante de € 3.794,50 (três mil setecentos e noventa e quatro Euros e cinquenta cêntimos) até que a Autora proceda á eliminação dos problemas de execução da obra, mormente, através da reparação do assentamento da pedra transbordante e colmatação da ligação das juntas da mencionada pedra;
iii)-Condenar o Réu no pagamento á Autora da quantia de € 3.794,50 (três mil setecentos e noventa e quatro Euros e cinquenta cêntimos) acrescida de juros de mora á taxa legal – civil, desde a data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento.
iv)Absolver o Réu do pedido de condenação em litigância de má fé.»

2.–Do Recurso
Inconformada, a Autora interpôs recurso que finalizou nas conclusões que se transcrevem:
«1–O presente recurso é interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a exceção de não cumprimento deduzida pelo Réu e como consequência reduziu no montante de 3.794,50€ (três mil setecentos e noventa e quatro euros e cinquenta cêntimos) até que a autora proceda á eliminação dos problemas de execução da obra, mormente, através da reparação do assentamento da pedra transbordante e colmatação da ligação das juntas da mencionada pedra; Limitou a condenação no pagamento de juros apenas à data da sentença e não da factura, até efetivo e integral pagamento. Absolver o réu do pedido de condenação em litigância de má-fé, por fim decidiu condenar a Autora e Réu no pagamento das custas processuais, de acordo com o decaimento, na proporção de 50 %, cada um.
2–A douta sentença fundamenta-se no primeiro relatório de peritagem, relatório este que violou as mais elementares regras processuais, o que foi reconhecido pelo julgador que ordenou a realização de uma segunda peritagem. Estando o primeiro relatório ferido de morte, não pode o mesmo ser valorizado como meio de prova, sob pena de termos um meio de prova obtido de forma ilegal, pelo que o mesmo é nulo.
3–Nos termos do artigo 195º do CPC “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Ora deve a primeira perícia ser considerada nula na medida em que com a omissão do ato de peritagem, há uma clara violação do princípio da igualdade processual entre as partes (art 4º CPC), suscetível de influir no exame e na decisão da causa.
4–A segunda perícia, que no que importa aos autos, não foi conclusiva, não indicando uma causa para a existência da fuga da água até ao limite inferior da pedra de bordadura. Temos apenas uma certeza do relatório pericial: A pedra escolhida pelo Réu não é a pedra adequada para o tipo de piscina de transbordo. Temos também uma certeza da prova produzida em audiência: A pedra aplicada foi escolhida pelo Réu e a Autora desde logo alertou o Réu, antes do assentamento, que a pedra escolhida não era a indicada para o transbordo por se tratar de uma pedra porosa.
5–Esta é a pedra de toque do problema jurídico: Saber se o Réu ao escolher uma pedra para o rebordo da piscina que foi desaconselhado pelo empreiteiro e que ainda assim este quis manter a sua escolha, existindo um problema com a aplicação da pedra, deve ou não ser responsabilizado o empreiteiro que alertou o dono da obra para uma escolha errada da pedra, atenta a natureza da mesma.
6–Atente-se que a objecção do empreiteiro não era ao nível estético, não era por a pedra escolhida ser bonita ou feia, era precisamente pelas características da pedra e disso deu conta ao dono da obra. O dono da obra manteve a sua pretensão e como manda quem pode, o empreiteiro acedeu à sua colocação.
7–A recorrente pretender colocar em crise a matéria de facto dada como provada e como não provada. (..). Neste particular merecem destaque os testemunhos de JR..., cujas declarações se encontram gravadas (…)
8–A apelante considera assim que o facto 17 da matéria assente devia ter sido dado como não provado e que a alínea d) e e) dos factos não provados devia ter sido dado como provado.
9–O Tribunal a quo deu como provado o facto 17 da matéria assente com base no primeiro relatório pericial (junto a fls. 22103855), elaborado pelo perito……, que na convicção do recorrente não pode ser considerado, não só por não se terem cumprindo as formalidades exigidas por lei, como por demonstrar uma notável ausência de imparcialidade e de rigor técnico.
10–O tribunal fundamentou também a sua decisão com base no segundo relatório pericial, que apesar de não ser conclusivo, constando nele meras especulações, tem de ser lido de forma cuidadosa e atenta, na medida em que: é nos dito pelo perito no segundo relatório pericial (junto a referência 24375213 e respetivo complemento ref 25426662) que a fuga de água poderá ter origem: i)no facto de as juntas de ligação entre as peças não se encontrarem colmatadas e/ou ii)na ligação entre a parte inferior da pedra de capeamento e base de suporto desta mesma pedra.
11–Poderá ter. Mas também poderá não ter. Poderá ser da pedra de transbordo que não é a aconselhável. Não sendo conclusivo o relatório pericial e sendo a prova testemunhal no sentido oposto, não pode o tribunal dar tal facto como provado.
12–Depoimento da testemunha (...), que trabalha com a recorrente (…)
13–Entende-se assim que o facto 17 deve ser dado como não provado, pois não foi feita nenhuma prova conclusiva sobre este facto, antes pelo contrário.
14–Entende ainda o recorrente que resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa, pelo que devem os mesmos ser considerados nos factos provados, a saber: Alínea d). A perda de água da piscina até ao limite da bordadura advém da inadequação do tipo de pedra escolhida pelo Réu Alínea e). O réu foi interpolado pela Autora, para proceder ao pagamento da quantia de 7.589,00€ (sete mil quinhentos e oitenta e nove euros),
15–Para tal merecem destaque os depoimentos das testemunhas, (…)e mesmo as declarações de parte do recorrido .
16–Dúvidas não existem, pelo depoimento de todas as testemunhas acima referidas, que a pedra que se encontra aplicada na piscina foi escolhida pelo recorrido e que a recorrente sempre o aconselhou no sentido de que não era uma escolha adequada, devendo optar por pedras naturais designadamente o granito ou a mármore.
17–O próprio recorrido em sede de audiência e discussão de julgamento confessou ter-lhe sido aconselhada outra pedra e ainda outro revestimento (gravação (...)
18–Ao tribunal as testemunhas arroladas pela recorrente, todas elas com experiência na área de construção de piscinas, explicaram num discurso claro, coerente e assertivo que a pedra escolhida pelo réu (pedra macel) é uma pedra permeável, com porosidade e de textura irregular. Assim atendendo ás suas características não era adequada para o efeito que o réu pretendia, uma piscina transbordante.
19–O depoimento da testemunha, (…)
20–O depoimento da testemunha(…)
22–Também neste sentido temos o segundo relatório pericial, elaborado pelo perito (..)a 2 de fevereiro de 2020, no qual este descreve no quesito 4 “ na sequência do contacto que efetuamos com o referido fabricante este teve oportunidade de informar este perito que este material não é adequado para este tipo de piscina de transbordo que foi construída”.
23–A perda de água da piscina até ao limite da bordadura advém da inadequação do tipo de pedra escolhida pelo recorrido, que apesar de várias vezes avisado que a aplicação da pedra por si escolhida poderia trazer problemas, desconsiderou os alertas e manteve a sua decisão.
24– Aliás em declarações de parte, afirmou (…).
25–O réu foi interpelado pela Autora, para proceder ao pagamento da quantia de 7.589,00€ (sete mil quinhentos e oitenta e nove euros). Não compreende o recorrente como pode o tribunal a quo considerar como não provado este facto, pois para além de não constar nos temas de prova (questões a decidir), deve este facto considerar-se admitido por acordo, na medida em que foi alegado pelo recorrente na petição inicial (injunção – artigo 7º) e não foi impugnado pelo recorrido.
26–Ora nos termos do artigo 574 nº2 do CPC “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados”. “Quanto aos factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, o juiz está sujeito a essa prova vinculada- art1 6071, n1 4, NCPC“ – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.11.2017 (proc nº 3811/13.3TBPRD.P1) em que foi relator Madeira Pinto, consultado em www.dgsi.pt.
27–Em resumo entende a Recorrente que o facto 17 dos factos provados deve ser retirado e dado como não provado e que as alíneas d) e e) dos factos não provados devem ser dados como provados, assim se fazendo uma correcta interpretação dos factos provados e não provados.
28– Nos termos do art 3 nº2 do DL 67/2003, de 8 de Abril, “não se considera existir falta de conformidade na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor”. Assim não concorda o requerente com a douta sentença, que considera que “não se poderá afirmar que o réu tivesse conhecimento dessa desconformidade – até porque a mesma só se verificou após a conclusão da obra” pois o recorrido sabia da existência dessa falta de conformidade, tinha conhecimento que a pedra não era a adequada para piscinas de transbordo e quais as consequências normais e previsíveis da aplicação da pedra, atendendo as suas caraterísticas.
29–A testemunha (…)
30–Não assiste razão ao recorrido para não pagar o preço. De acordo com o princípio pacta sunt servanda, previsto no artigo 406º CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos devendo atuar as partes de acordo com o princípio da boa fé.
31–Ao não cumprir com a sua obrigação quando entregue a obra, o recorrido encontra-se em mora (art 804º CC) quanto ao pagamento do remanescente acrescido dos juros legais devidos desde a emissão da factura (art 806º CC), não havendo fundamento na opinião do recorrente para a aplicação do regime de exceção de não cumprimento, face ao disposto ao longo das suas alegações.
32–Aliás o exercício da exceção de não cumprimento só é legítimo se não contrariar os ditames da boa-fé, o que foram claramente violados pelo recorrido, que tinha conhecimento face às caraterísticas da pedra que a existência de uma fuga de água era normal e previsível. E que não só aceitou como foi o próprio que exigiu que a recorrente aplica-se aquela pedra.
32–O Réu, porque são factos pessoais, não pode desconhecer que foi ele que escolheu a pedra do rebordo da piscina e de que foi avisado dos riscos que corria ao escolher uma pedra que não era indicada para o efeito; Na sua defesa omitiu estes factos e ainda invocou a existência de defeito na construção numa clara tentativa de se escapulir ao pagamento do preço da empreitada.
33–Aliás a sua má-fé é percetível e demonstrada em audiência de julgamento quando no seu próprio depoimento (acima transcrito) afirma que foi ele quem escolheu a pedra e decidiu aplicar a mesma, apesar de ter sido aconselhado a não fazê-lo. Este comportamento é censurável e é manifesto que o réu invoca e omite factos que sabem ser verdadeiros para dai tentar retirar um proveito que sabe não ser legitimo, deve assim o mesmo ser condenado em litigante de má fé.
34– O Tribunal a quo não procedeu a uma correta aplicação das normas legais, designadamente o artigo 2º do Decreto-lei nº 67/2003 de 8 de abril, o artigo 428º CC e 542º CPC. 35 - Termos em que deve ser revogada a douta decisão, devendo o Réu ser condenado nos precisos termos em que foi peticionado, assim se fazendo Justiça!»

*

O Réu apresentou contra-alegações, refutando o argumentário da Apelante e concluiu pela subsistência do julgado.

*

Corridos os vistos, cumpre decidir.

3.–Objecto do recurso

São as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº3 a 5 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas; o tribunal de recurso não está igualmente adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas os que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada – artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Sob estas coordenadas, importa decidir, se a rutura de água na piscina tem como causa a deficiente execução da obra, deferindo-se a liquidação de metade da quantia reclamada até à conclusão da reparação pela Autora, ou, se, conforma sustenta a apelante, a ocorrência advém das características da pedra aplicada, por escolha do Réu, apesar de alertado pela Autora, e assim exigível o pagamento imediato do total em dívida.

Desiderato que suscita a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:
·Nulidade da perícia;
·Impugnação da matéria de facto;
·Empreitada de consumo; falta de conformidade; defeito;
·Excepção do não cumprimento e os limites da boa-fé;
·Litigância de má-fé do Réu.

II.–FUNDAMENTAÇÃO

A.–Os Factos

O Tribunal a quo deu por provados:
1.-A Autora(..). exerce a sua actividade no fornecimento e montagem de piscinas.
2.-As partes acordaram na construção de uma piscina no terreno junto à moradia do Réu, tendo a Autora apresentado o orçamento de fls. 11 a 12 verso, e cujo teor se dá por reproduzido.
3.-Antes do início dos trabalhos foram solicitadas alterações pelo Réu ao inicialmente orçamentado, no sentido de a piscina ser transbordante com caleira finlandesa e com tanque de compensação.
4.-As partes acordaram o preço de € 17.589,00 (dezassete mil quinhentos e oitenta e nove Euros), com IVA incluído.
5.-Assim, ficou acordado que a piscina teria as seguintes caraterísticas: transbordante, com caleira finlandesa e tanque de compensação, tendo ao longo de todo o transbordo da piscina uma pedra, fazendo uma caleira em toda a sua volta, entre a pedra de transbordo.
6.-A piscina ficaria com a água ao nível superior da piscina, passando por cima da pedra de transbordo com a caleira.
7.-Por conta do preço identificado em 4), o Réu pagou à Autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
8.-Ficou ainda acordado que o valor remanescente, no montante de € 7.589,00 (sete mil quinhentos e oitenta e nove euros), seria pago por este àquela, aquando da conclusão da execução do trabalho mencionado.
9.-A pedra de transbordo que foi aplicada na piscina do Réu, é do tipo “Macel” e foi escolhida por este.
10.-“O Réu” (2) durante o decurso dos trabalhos quis alterar a pedra de transbordo da piscina, alegando que tinha visto uma piscina igual.
11.-A Autora desde logo alertou o Réu, antes do assentamento, que a pedra escolhida (macel) não era a indicada para o transbordo da piscina, por se tratar de uma pedra porosa.
12.-Todavia, o Réu manteve a pretensão de aplicar a mesma pedra, pelo que a Autora acedeu na sua colocação.
13.-Os trabalhos de construção da piscina foram concluídos no início do mês de Maio de 2016.
14.-Após a conclusão do trabalho o Réu constatou que o nível da água da piscina descia até ao nível inferior da pedra de transbordo.
15.-O Réu comunicou verbalmente a situação á Autora, tendo representantes da Autora se deslocado à piscina para aferir a situação, no mês de Maio de 2016.
16.-A Autora comunicou ao Réu que o desnível de água verificado tinha que ver com a pedra escolhida pelo Réu e aplicada no transbordo da piscina, tal como lhe havia comunicado no início da sua colocação.
17.-A pedra de transbordo não se encontra devidamente assente, e contém falhas: ficaram chochos (vazios) na argamassa que permitem a aderência das pedras à base de assentamento, bem como nas juntas de separação entre elas que não se encontram devidamente colmatadas.
18.-A pedra massel, que foi escolhida pelo Réu não é aconselhada para a bordadura de uma piscina de transbordo finlandesa.
19.-A Autora emitiu a factura com o n.º 1600/000016, de 9.06.2016, no montante de € 17.589,00, e vencimento na mesma data.
20.-O Réu devido à situação de descida do nível da piscina e não resolução por parte da Autora não procedeu ao pagamento do remanescente em dívida, referenciado em 15).
21.-O elencado em 14) não impede o Réu de utilizar a piscina.

E, Não Provado que:
a.-Devido á perda de água e descida do seu nível, o Réu vê-se forçado a recolocar água na piscina. b. Após a visita ficou acordado entre Autora e Réu que este iria reduzir a escrito um acordo no qual aquela se comprometia a reparar os problemas de execução do trabalho constatados e este pagaria o restante valor em dívida após tal reparação. c. Mais ficou acordado que a reparação da piscina por parte da Autora ocorreria no início do ano de 2017, de forma a não impedir o uso da piscina pelo Réu, durante o período de Verão. d. A perda de água da piscina até ao limite da bordadura advém da inadequação do tipo de pedra escolhida pelo Réu. e.O Réu foi interpelado pela Autora, para proceder ao pagamento da quantia de € 7.589,00 (sete mil quinhentos e oitenta e nove Euros).

B.– Enquadramento Jurídico

1.–Nulidade da perícia
Sustenta a apelante que a primeira perícia, cujo relatório alicerçou a decisão da matéria de facto, padece de nulidade, uma vez que na sua realização não foram observadas as regras processuais, arguindo o vício nos termos do disposto no artigo 195º, do Código de Processo Civil.

1.1.–Os fundamentos da nulidade
No que se prende com a aludida primeira perícia, compulsados os autos importa reter o que se segue.
Notificado do relatório pericial em epígrafe, a Autora impetrou requerimento, solicitando a realização de segunda perícia, alegando em síntese ,que a perícia foi «realizada sem a sua presença,(..) evidencia parcialidade e a conclusão retirada é errada e meramente especulativa»(3).
Na apreciação do requerimento, o Tribunal a quo, tendo em consideração, designadamente o alegado desconhecimento da Autora da data de deslocação do perito, deferiu a realização de segunda perícia, ao abrigo do disposto no artigo 487º, do Código de Processo Civil.(4)
Da motivação da matéria de facto consta da sentença - «(…) para prova do elencado de 17) e 18), referente ao que causa a “fuga” em apreço, foi, desde logo, essencial a análise dos dois relatórios periciais elaborados por dois peritos diferentes(..) Na verdade, não resultou de nenhum dos relatórios a conclusão ou verificação de que a “fuga” advinha da porosidade ou não estanquicidade do tipo de pedra (no caso, fabricada e não natural) e que a mesma de alguma forma contribuísse para a verificação da “fuga”. Note-se que os dois relatórios apontam para a mesma causa e que corresponde ao deficiente assentamento da pedra da bordadura e nas juntas entre as peças da bordadura que não se encontram adequadamente colmatadas.»

*

A sequência de actos enunciada, prenuncia a improcedência ad substanciam da nulidade.
Primo, a ora apelante invocou a sua ausência no acto de peritagem como (um) dos fundamentos para requerer a segunda perícia, circunstância que veio a ser contemplada pelo Tribunal a quo no deferimento da pretensão.
Estipula o artigo 487º, nº1, do Código de Processo Civil, que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado; providência que a Autora logrou encetar e deferida por decisão que não impugnou.
Apelando à lição de Anselmo de Castro - «Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se.
A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…)».(5)
Em igual sentido, Antunes Varela J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, referem que, «Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão(..)».(6)
Donde, nesse conspecto, a ora alegada preterição dos requisitos legais da primeira perícia foi oportunamente sanada e, a Autora não recorreu de tal decisão interlocutória.
Secundo, o sobredito relatório não figura como o único instrumento probatório em que assentou a convicção sobre a matéria de facto em apreço, que resultou da análise crítica dos diversos elementos, maxime na convergência das conclusões extraídas em ambos os laudos periciais acerca do tópico questionado.

1.2.–O princípio do contraditório e o dever de colaboração
Por último, não menos relevante, a Autora invocando o desconhecimento da realização da diligência, deixou, contudo, de demonstrar que a circunstância não lhe era imputável.
Ainda assim, admitindo por hipótese, que por motivo alheio à Autora não lhe foi dado conhecimento da deslocação do perito ao local, entende-se, s.d.r., que não ocorre violação do princípio do contraditório.

Senão vejamos.

Dispõe o artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório.
No que respeita à instrução do processo, o artigo 415º do mesmo diploma legal consagra o princípio da audiência contraditória, precisando que, salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas (n.º 1), e que, quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os actos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses actos nos termos da lei, e relativamente às provas pré-constituídas deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória (n.º 2).
No quadro da realização da perícia em apreço - inspecção/observação do perito nomeado ao local/ obra objecto a peritagem - o contraditório fica assegurado, desde que a parte saiba da nomeação do perito, o que lhe permite ser ela própria a contactá-lo, referindo interesse em estar presente no acto, e fazer-se acompanhar, se o entender, por assessor técnico.
Com efeito, a atender ao preceituado nos artigos 478º e 480º, do Código de Processo Civil, haverá de se considerar garantido o contraditório com a notificação da nomeação do perito. Competindo, por seu turno, às partes, após terem conhecimento da nomeação e fixação do prazo, tomarem as diligências que entenderem a fim de exercerem os direitos concedidos, designadamente, estarem presentes no acto de observação pelo perito e fazerem-se acompanhar/representar por técnico da especialidade (nº3 e nº4 do artigo 480º). Se porventura fosse outro o objectivo do legislador, os preceitos em questão conteriam alusão expressa à notificação do dia e hora para a efectivação dos actos de inspecção pelos peritos, que não são em regra técnicos de direito.
O dever de colaboração das partes neste domínio revela-se, portanto, incisivo, como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa em anotação ao artigo 480º do Código do Processo Civil :« Esta norma institui um direito das partes fiscalizarem a diligência, assistindo, e /ou fazendo-se representar por assessor técnico, tendo tal direito como reverso o dever de colaboração, na medida em que o mesmo for accionado pelos peritos(art.417, nº1 do CPC.»(7)
Donde pelas razões expostas, sempre soçobraria a nulidade da perícia invocada pela apelante.

1.3.–Nulidade secundária – arguição extemporânea
A alegada falta de conhecimento do dia e hora da inspecção no local pelo perito, que na tese da Apelante, traduz omissão de formalidade legal, enquadra-se por definição na categoria de nulidade secundária,(8) pelo que é extemporânea a sua arguição nesta sede.
A lei e a doutrina distinguem entre duas modalidades de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e, as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas); as primeiras, configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC.
No que respeita às nulidades secundárias, serão todas aquelas que se reconduzem à formulação genérica prevista no artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Estabelece o artigo 199º, nº1, do Código de Processo Civil, “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência
A verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo ser atacada por via de recurso.(9)
A Apelante, como acima enunciado, acompanhou e interveio no desenvolvimento ulterior da instância sem que em qualquer momento tivesse arguido a nulidade da referida primeira perícia.(10)
Sendo este o regime aplicável, ainda que se pudesse dizer que ocorreu – o que se afasta como atrás exposto - o certo é que, há muito foi ultrapassado o prazo legal de arguição da nulidade.
Resta concluir ex abundanti pela intempestiva arguição da sobredita nulidade.

2.–Erro de julgamento da matéria de facto
A apelante observou em regularidade os requisitos da impugnação da matéria de facto, no alinhamento do que se encontra estabelecido nos artigos 639º, nº1 e 640º, nº1 e nº2, do Código de Processo Civil.
Identificou os pontos de facto da decisão recorrida, alegadamente afastada da apreciação dos elementos probatórios que aponta, incluindo a passagem do registo sonoro e transcrição parcial dos depoimentos das testemunhas, e que no seu entender, justificam a alteração da decisão recorrida.

2.1.–Os Factos impugnados
No dizer da apelante, o facto Provado e vertido no Ponto 17. deverá ser dado como Não Provado, e, a matéria constante das alíneas d) e e) dos factos Não Provados, deverá ser considerada provada.
“17.A pedra de transbordo não se encontra devidamente assente, e contém falhas: ficaram chochos (vazios) na argamassa que permitem a aderência das pedras à base de assentamento, bem como nas juntas de separação entre elas que não se encontram devidamente colmatadas.”
“dada perda de água da piscina até ao limite da bordadura advém da inadequação do tipo de pedra escolhida pelo Réu. e. O Réu foi interpelado pela Autora, para proceder ao pagamento da quantia de € 7.589,00 (sete mil quinhentos e oitenta e nove Euros).”
No essencial, argumenta a apelante que a fundamentação da decisão de facto do ponto 17. não pode colher.
Isto porque, o primeiro relatório pericial é nulo e parcial, e, o segundo relatório não formula qualquer conclusão quanto à causa da rutura de água na piscina.
Devendo atender-se, aos depoimentos claros e esclarecedores das testemunhas (…), e as declarações de parte do recorrido corroboram, para concluir no sentido, de que a pedra Macel escolhida pelo Réu para aplicação na bordadura não é a adequada à obra, dada a sua porosidade, sendo esta a causa da fuga de água.
A questão fulcral da indagação probatória nos autos e sobre a qual versa a impugnação suscitada, prende-se com a causa da “fuga” de água na piscina, cuja verificação se revela consensual.
A versão de cada uma das partes a este propósito é diametralmente oposta.
Na resposta à oposição, a Autora e ora apelante alega que, a obra foi bem executada, sendo a fuga derivada da porosidade da pedra aplicada na bordadura da piscina, a qual foi escolhida pelo Réu, apesar de devidamente alertado da sua desadequação, pela falta de estanquicidade do material; declina assim a sua responsabilidade na situação, pretendendo que o Réu pague o valor total do remanescente do preço, que até à data não satisfez.
O Réu, sustentou em adverso que, existem defeitos na obra, que consistem em o nível da água da piscina descer abaixo do nível da pedra do chão, cuja reparação a Autora não efectuou, pelo que recusou pagar o valor total do preço.
O Tribunal a quo veio a considerar provado, que a origem da fuga de água se situa na bordadura da piscina, sendo consequência do deficiente assentamento da pedra da bordadura e das juntas entre as peças daquela, que não se encontram adequadamente colmatadas. (Cfr. matéria de facto Provada nos pontos 17. e 18. e Não provada sob a alínea d)).
Na motivação do sentido probatório, o Tribunal a quo evidencia: «Na verdade, não resultou de nenhum dos relatórios a conclusão ou verificação de que a “fuga” advinha da porosidade ou não estanquicidade do tipo de pedra (no caso, fabricada e não natural) e que a mesma de alguma forma contribuísse para a verificação da “fuga”. Note-se que os dois relatórios apontam para a mesma causa e que corresponde ao deficiente assentamento da pedra da bordadura e nas juntas entre as peças da bordadura que não se encontram adequadamente colmatadas. (…) assim, ao nível do ponto da origem da sua fuga, os relatórios periciais foram coincidentes. Para além disso, a desadequação da pedra escolhida pelo Réu, para uma piscina de transbordo poderá ter em si, uma panóplia de justificativos, entre outros motivos que não propriamente a de fuga ou perda de água, o que, aliás, não resultou provado por qualquer via. (..)»

2.2.–Reapreciação
A modificação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal da Relação concretiza-se, na situação em que os meios de prova, sob a ponderação de todas as circunstâncias, presente o princípio da livre apreciação da prova, a par das regras legais da prova tarifada quanto a certos factos, conduzem a um resultado explicável e diferente do atingido pelo julgador de primeira instância.(11)
Percorridas as razões que, segundo o entendimento da Apelante, ditam a alteração da decisão de facto, analisaram-se os laudos periciais e procedeu-se à audição dos depoimentos destacados, em interface com a motivação da sentença, habilitando-nos à reapreciação da factualidade em equação.

Vejamos.
a)-A fuga de água na piscina; localização do ponto de origem e causa
Efectuaram-se duas perícias, por perito único, sob nomeação do tribunal e formulados os quesitos relativos ao dissídio factual.
A invocada nulidade do primeiro relatório pericial foi julgada improcedente como resulta do apartado 1, inexistindo constrangimento para que dele nos socorramos; também, não estão em crise os padrões técnicos prosseguidos pelos peritos, bem como a sua objectividade e isenção.

A análise dos laudos periciais revela com pertinência:
·Ambos os peritos constataram através da inspecção à piscina que existia uma fuga de água ao nível do transbordo /bordadura . (12).
·Ambos os peritos registaram, sem hesitação ou reserva, que existem irregularidades no assentamento da argamassa e cola das pedras da bordadura e de falhas nas respectivas junções.
Assim, no 1º relatório lê-se - observou-se um defeito de execução, porquanto o processo de assentamento das pedras não tenha sido rigoroso, tendo ficado chochos (vazios) nas argamassas (...), que permitem a aderência das pedras á base do assentamento, inclusivamente nas juntas de separação entre elas. (..) “existem partes sem qualquer argamassa (…) as juntas inferiores dos dois lados das pedras não foram convenientemente fechadas”.
No 2º relatório consta - “(..)estado deficitário da colmatação das juntas entre as várias peças de fabrico Macel e que constituem a bordadura da piscina. (..) as duas peças consecutivas de pedra de bordadura”, as quais “não se encontram devidamente colmatadas.”
·Em ambos os relatórios os peritos concluem que as aludidas deficiências de assentamento e junção das pedras da bordadura permitem a fuga de água.
Assim, do 1º relatório resulta - “(…) esses vazios que ficaram e que numa piscina não pode de todo acontecer permitem a fuga de água do interior da piscina directamente para a caleira (…).”
No 2º relatório consta- “esta fuga de água poderá ter origem, 1º deficiente ligação /colagem do inferior da pedra de bordadura ao paramento vertical da piscina; 2º deficiente colmatação das juntas entre as próprias peças de bordadura que se apresentam conforme visível na foto acima, num estado deficiente. A origem da fuga poderá ainda ocorrer através das peças de revestimento cerâmicas.”
Quanto aos restantes instrumentos de prova.
A testemunha (…), empreiteiro que trabalha com a Autora, colocou o enfoque na inadequação teórica da pedra macel para a bordadura da piscina, sem que esclareça e explique qual a razão da fuga de água no trabalho realizado; de igual sorte, a testemunha (…), trabalhador da Autora, confinou o depoimento à questão do tipo de pedra aplicada, por não ser a usual, mas o granito e mármore, que usam aplicar nas piscinas semelhantes.
A factualidade sujeita à nossa reapreciação atina à causa da perda de água na piscina edificada pela Autora na casa do Réu, convocando as legis artis da actividade de construção civil.
A aquisição da prova pericial neste âmbito foi determinada em consequência do objecto factual convocar especiais conhecimentos técnicos e os quais escapam ao tribunal.
Consabido que a prova pericial assume particular ênfase sobre a matéria em litígio, as conclusões dos peritos que acima destacámos, na ausência de outra prova contrária, permite-nos, em segurança, acompanhar e corroborar a convicção alcançada pelo julgador de primeira instância sob os pontos 17. Dos Factos Provados e d. dos Factos Não Provados.
As fotografias da obra edificada e juntas em cada um dos relatórios exibem, à observação do leigo, o estado deficitário do assentamento da pedra da bordadura da piscina, que assume importância predominante na “piscina transbordante”, melhor descrita nos pontos 5. e 6. dos factos provados.
Tal como se infere das regras da experiência comum, e, a propriedade da capilaridade confirma, uma construção que apresente pontos de escape/hiatos nos materiais incorporados, sujeita à acção da água, que numa piscina é o seu elemento próprio, apresenta probabilidade natural e física de infiltração/fuga através deles, surgindo acima ou abaixo do nível, mesmo contra a força da gravidade.
Sublinhe-se que, o perito da segunda peritagem concluiu, a título de “1ª e 2ª causas da fuga de água” - as deficiências encontradas no assentamento da pedra e das juntas! Porventura, partindo dessa ilação, também a maior ou menor porosidade do material aplicado poderia detonar infiltração de água, pelo que nesse contexto se compreende a referência no seu relatório, ao revestimento cerâmico das pedras da bordadura causal em grau de probabilidade residual.
De todo em todo, verificando-se que a perda de água ocorreu, logo após a entrada em funcionamento da piscina (maio de 2016), não se mostra verosímil que a “fuga” derive da porosidade da pedra, cuja infiltração teria necessariamente que decorrer por período prolongado.
Convirá ainda relembrar, que na situação de resultado inconclusivo do relatório pericial, o tribunal não fica manietado por “uma dúvida insanável”, devendo acolher-se na análise dos demais elementos de prova.
Explica neste contexto Luís Filipe Pires de Sousa- «Quando é ordenada a realização de uma perícia e o resultado da mesma é inconclusivo, tal situação não conduz necessariamente a uma dúvida insanável. Como o resultado em causa não integra um verdadeiro juízo pericial, mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão sobre a matéria de facto de modo a superar, se possível, aquela dúvida.»(13)
Em outra vertente, a apreciação da prova vincula o tribunal a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference- segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, ou seja, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis.
Plano de sustentação que se perpetua na dogmática e prática judiciária actuais ; citando Lebre de Freitas,«(…) ao julgador basta, na apreciação da prova, assentar a sua convicção num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança”, não sendo exigível, “que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano.»(14)
Isto para concluir, que a versão veiculada pela Apelante, segundo a qual a fuga de água se deve à porosidade da pedra inadequada e escolhida pelo Réu, perante as constatadas, unânimes e visíveis deficiências do assentamento da pedra da bordadura, não apresenta credibilidade sustentada nos juízos de verosimilhança e prudência exigidos, não se acolhe na prova pericial realizada ou em depoimento testemunhal convincente.
b)-Quanto à factualidade NP e) “o Réu foi interpelado pela Autora, para proceder ao pagamento da quantia de € 7.589,00.”

As testemunhas indicadas nada adiantam que elucide o desfecho das conversações entre as partes, desconhecendo-se o que resultou após a denúncia pelo Réu da fuga de água e a deslocação ao local dos responsáveis da Autora.
Constituindo a factura junta a fls. 36, no valor total do preço, um mero documento emitido pela Autora, dela não se retira que tenha reclamado então o pagamento do remanescente do preço (7.589,00), designadamente pelo meio habitual, como seja o envio de carta admonitória.

*

Em conclusão, não constatamos erro de julgamento dos pontos de facto impugnados, posto que a matéria se encontra suportada nos elementos de prova adequadamente valorizados.

Improcede o recurso quanto à alteração da matéria de facto.

3.–Erro na aplicação do Direito
Estabilizada a factualidade relevante, haverá que aferir do acerto da solução jurídica.
A sentença recorrida, assentando na responsabilidade contratual da Autora emergente de cumprimento defeituoso da obra, julgou parcialmente procedente a exceptio do contrato não cumprido invocada pelo Réu.
A apelante, na sequência do invocado erro de julgamento quanto à causa da fuga de água, defende que se revela contrário aos princípios da boa-fé, a excepção do incumprimento, tendo sido o Réu que escolheu uma pedra desadequada, apesar de avisado pela Autora, pelo que não existe “falta de conformidade” da obra, nos termos do artigo 3 nº2, do DL 67/2003, de 8 de abril.

3.1.–Contrato de empreitada de consumo
Estão as partes de acordo que está em causa um contrato de empreitada e não dissentiram da sentença recorrida ao qualificar a empreitada em litígio como uma empreitada de consumo sujeita ao regime legal constante do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
Considerando a natureza jurídica dos intervenientes e a finalidade da obra, actuando numa relação de consumo, secundamos a aplicação ao contrato de empreitada ajuizado do regime especial consagrado no Decreto Lei n.° 67/2003, de 08.04 (que transpôs para o direito interno a Directiva 1999/44/CE, de 25.05.1999, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas) e, as supervenientes alterações introduzidas.
Em particular, através da alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, (15) e do nº 2 do Artigo 1ºA, que expressamente determina a sua aplicação “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada.”(16)
Escreve Cura Mariano a propósito - «(..) o critério de definição legal de uma relação de consumo, no domínio dos contratos de empreitada, encontra-se, pois, na identificação dos dois polos de uma relação contratual subjetivamente desequilibrada. Num lado, posiciona-se o dono da obra consumidor, como a parte contratual mais débil, identificado pela intenção a que destina a obra encomendada, e, no outro, o empreiteiro empresário, identificado pela veste profissional que assume.»(17)

3.2.–Cumprimento Defeituoso do contrato de empreitada; conceito de defeito /anomalia
Procurando obviar às distorções que o regime civil tradicional acarreta em casos de cumprimento defeituoso no âmbito dos contratos de consumo, paradigma da desigualdade das partes no tocante à experiência, informação e organização, o legislador incrementou especificidades de tutela e garantia dos consumidores, alinhado com o desiderato definido no artigo 60º da Constituição da República.(18)
Destacam-se assim no que se refere à garantia da tutela do direito dos consumidores, à qualidade dos bens e serviços consumidos, bem como, à respectiva reparação dos danos, a Lei n.º 24/96 de 31 de Julho -Lei de Defesa do Consumidor (LDC), alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, cuja primeira alteração decorre do Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, (19) seguindo-se as alterações à Lei da Defesa do Consumidor, provenientes da Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro e da Lei n.º 47/2014, de 28 de julho.
O regime legal vertido nos assinalados diplomas consagra uma manifesta protecção do consumidor.
Desde logo, ao acolher um critério objectivo quanto à definição da coisa vendida para ser isenta de “defeito”, deve ter aptidão, idoneidade, e as qualidades intrínsecas hábeis a satisfazer os fins e os efeitos a que se destinam, segundo as normas legalmente estabelecidas - e, também, um critério subjectivo, atribuindo relevância às expectativas legítimas do consumidor.
Atenta a qualidade dos intervenientes no contrato de empreitada de consumo, a aplicação desse regime especial é equacionada para proteger a parte considerada mais débil – o dono da obra.
Deverá então prevalecer o regime especial estabelecido na Lei do Consumidor, salvo se a regulação do contrato de empreitada de coisa defeituosa positivada no Código Civil, se manifeste no caso mais favorável para o consumidor.
Doravante, temos que reconhecer que na situação judicanda, a deficiência/defeito da obra, subsumida ao regime do Código Civil, ou, do previsto na Lei do Consumidor, conduzem a efeitos jurídicos equivalentes.
Isto é, a presunção de não conformidade do produto, constante do artigo 2.º, nº 2, do Decreto- Lei 67/2003,(20) abarca genericamente as situações de “vícios” e “desconformidades” da obra, a que aludem os artigos 1208º e 1218º, nº1 do Código Civil , nos quais se subdivide o conceito mais amplo de “defeito”. Preenchidos tais conceitos – a “falta de conformidade” e o “defeito” – também os direitos do dono da obra, seja no contrato de empreitada de consumo ou, na empreitada geral, convergem. (21).
Na lei especial, de acordo com o artigo 4º, nº1 do DL 67/2003, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da obra, o direito à redução adequada do preço e o direito à resolução do contrato , igualmente previstos nos artigos 1221º e 1222º do Código Civil. (22)
Em relação ao que se encontra definido como a responsabilidade objectiva do empreiteiro pela falta de conformidade da obra - artigo 3º, nº1, haverá que contrapor, no regime civil, a presunção de culpa constante do artigo 799º, nº 1; pelo que, cremos que também este distinguo não assume significado prático. (23).
Aqui chegados.
Obra defeituosa é aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado.
Salienta Luís Menezes Leitão neste domínio, que mesmo na situação em que os bens de consumo apresentem todas as características elencadas no artigo 2º, nº2, do Decreto Lei 67/2003 , tal funcionará apenas como presunção de conformidade com o contrato, aligeirando o ónus da prova que recai sobre o vendedor /fornecedor de cumprimento da obrigação de conformidade, sendo suficiente que se verifique algum dos factos negativos ali previstos , para que se presuma a desconformidade, podendo ainda o consumidor demonstrar a verificação de alguma falta de conformidade não prevista nesta norma.(24).
Retomando os factos provados, supomos que não se sobrepõe complexidade ou restrição para concluir que, a obra executada não está conforme o contratado, e o defeito- vício no transbordo compromete a virtualidade da caleira finlandesa e do tanque de compensação (cfr. Factos 5. e 6).
Em reforço, partindo da finalidade base de uma piscina, independe das suas características específicas, e, da efectiva deficiência da execução da obra, rectius, permitindo a fuga de água, prejudicando o sistema de reaproveitamento e o incremento do consumo, não satisfaz a função normal e desvia-se do objectivo contratual negociado.(25)

3.3.– O material escolhido pelo dono da obra; a actuação do empreiteiro
Conforme se provou, a Autora desaconselhou a colocação da pedra escolhida pelo Réu para a bordadura dada a sua porosidade, tendo aquele persistido na aplicação do material da sua eleição (pontos 9. A 12. dos factos Provados).
A situação configura um mero alerta ou opinião do empreiteiro/Autora.
Por um lado, não se apurou que a Autora tenha afirmado a consequente e provável fuga de água com a aplicação daquela pedra, e por outro, também não se regista prova da eventual imposição do Réu na aplicação daquela pedra, ou subordinação da Autora na sua efectiva colocação.
Do que se infere e conclui, que tal factualidade é insuficiente para excluir a responsabilidade da Autora pela deficiência advinda, ficando demonstrado que a fuga de água provém da deficiente técnica e execução no assentamento da pedra na bordadura, i.e, da execução do trabalho.
Neste pressuposto de facto, não tem aplicação na situação sub judice o disposto no artigo 3º, nº2, do DL 67/2003, de 8 de Abril, que exclui a “falta de conformidade” do produto nos casos em que a mesma deficiência/defeito provenha ou seja causada por material fornecido pelo consumidor. (26)
Na verdade, na hipótese de concorrência da atitude do Réu para a anomalia verificada, não pode deixar-se de exigir do empreiteiro, pelos conhecimentos técnicos que detém, que tivesse atentado e previsto que a piscina apresentasse estanquicidade com a aplicação daquela pedra em particular.
Note-se que, por definição e o disposto no artigo 1208º do Código Civil, no contrato de empreitada o empreiteiro vincula-se a alcançar o resultado ajustado com o dono da obra, e sem defeitos.
Competindo em exclusivo ao empreiteiro o domínio da sua actividade, segundo os procedimentos da arte e conhecimentos técnicos, ocorrendo defeitos oriundos da má execução dos trabalhos, por via de regra, não pode eximir-se da responsabilidade contratual em função daquele tipo de conselho opinativo veiculado perante o dono da obra.
Ao empreiteiro cabe executar a obra pretendida, e escolher a forma mais adequada para a sua realização sem defeitos, tendo em vista a satisfação das finalidades ou funções da construção a edificar.
Daí que, nos parece inverosímil e temerário, que nas circunstâncias em apreço, tendo a Autora por objecto a construção de piscinas, caso estivesse ciente da relação causa e efeito entre a pedra escolhida/macel e, a inevitável fuga de água, que ora vem defender, ainda assim anuísse e concordasse com a sua aplicação na bordadura. ´
O vício que afecta a piscina implica uma apreciação negativa da obra, em temos de valor e da afectação da respectiva funcionalidade normal.
Nesta conformidade, se afirma ser a Autora/apelante a única responsável pela deficiente e tosca execução do assentamento e junção das pedras na bordadura da piscina, deixando notórios espaços vazios, por onde se escapa água em caudal moderado.

Finalmente, estando em apreciação o cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada, o empreiteiro está à partida onerado com uma presunção de culpa relativamente ao comprovado defeito, i.e, presume-se que o mesmo procede de culpa sua –artigo 799 nº 1 do Código Civil.(27)
Com efeito, ao dono da obra compete provar a existência do defeito - mas não a sua origem - e a afectação do uso ou desvalorização da coisa.
Será, portanto, à luz do fim visado pelas partes com a obra – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício.(28)
Ao empreiteiro, para afastar essa presunção de culpa, não basta provar que cumpriu com diligência as regras da arte, sendo ainda necessário demonstrar- dado que tem o domínio do processo de execução da prestação- que a causa do defeito lhe é estranha, ou que não a poderia evitar.
Referem Pedro de Albuquerque//M. Assis Raimundo - «(…) o empreiteiro poderá ilidir a presunção de culpa prevista no artigo 799º do Código Civil demonstrando ter o defeito origem numa causa a ele absolutamente estranha e insusceptível de ser evitada. Tem razão a Doutrina ao afirmar não bastar ao empreiteiro provar ter exercido ou realizado uma atividade diligente de execução da obra, se não se apurar claramente: - a causa do defeito, - a não imputação dessa causa ao empreiteiro, pois, nessa hipótese, funciona a presunção de culpa e o empreiteiro é responsável.» (29)
Tal não sucede na situação sub judice, pois a argumentação não viabiliza, de igual sorte, a inversão do sentido decisório adquirido, uma vez que ficou apurado que a deficiência patenteada provém da inexecução culposa dos trabalhos da empreitada pela apelante.
3.4.–A excepção do incumprimento; requisitos; redução
A empreitada é um contrato sinalagmático, porquanto dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes- a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, a obrigação de pagar o preço, sendo esta, a obrigação principal que recai sobre o dono da obra.
Salienta neste domínio, João José Abrantes- «(..)a moderna configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes. O respeito pela intenção destas no momento da sua celebração, pretendendo efectuar uma troca de prestações, e a justiça comutativa supõem que o devedor de cada uma dessas obrigações só possa ser compulsa a executá-la se o devedor da outra também cumprir. Por isso, a lei cria um vínculo de interdependência entre tais obrigações, tendo em vista precisamente a realização daquela ideia de justiça comutativa. Cada uma delas é contrapartida da outra, uma não nasce sem a outra e nenhum dos devedores tem de cumprir sem que o outro cumpra igualmente.»(30)
Estabelece o artigo 8º da citada Diretiva que “o exercício dos direitos resultantes da presente Diretiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual”.(31)
Inexistindo, por conseguinte, obstáculo a que o consumidor se socorra da excepção de não cumprimento/defeituoso do contrato, enquanto faculdade prevista no regime geral, recusando o pagamento do preço/o remanescente, enquanto o vendedor não lhe entregue o bem em conformidade com o convencionado.
A exceptio é, como se sabe, a faculdade que nos contratos bilaterais cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar, ou não oferecer a realização simultânea da contraprestação, sendo que o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser feito em conformidade com o princípio da boa fé, aferindo-se da legitimidade da suspensão da prestação por contraprestação, atendendo à proporcionalidade que a situação concreta mereça.(32)
Estatuiu o artigo 428º, do Código Civil que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, enquanto não corrigir o defeito da sua prestação, justificando-se a invocação da excepção de não cumprimento pelo outro contraente por razões de boa fé, de moralidade, de equidade, de justiça comutativa; condição indispensável para tal é que tenha denunciado os defeitos e exigido a sua reparação.
Assim, de acordo com o estabelecido nos artigos 428º a 431º, do Código Civil mostra-se legítima a defesa pelo Réu da excepção do não cumprimento, posto que resultou provado, que apesar de fazer saber à Autora que a piscina apresentava fuga de água, não procedeu à exigida reparação.
De notar, por último, que a fixação da excepção em metade do valor reclamado pela Autora, até ao cumprimento da obrigação de reparação, afigura –se em medida equitativa e consentânea com os ditames da boa-fé, tendo em conta a natureza e proporção da deficiência registada no preço da obra e, do valor ainda não liquidado, visto o disposto nos artigos 428º e 762º, nº2, do Código Civil.

*

A terminar, a pretendia condenação do Réu por litigância de má-fé, não pode colher, em observância ao estabelecido no artigo 542º do Código de Processo Civil.
Prevalece actualmente o entendimento na jurisprudência que a condenação por litigância de má fé deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo trazido a juízo.(33)
Na tese da oposição apresentada pelo Réu, a pedra aplicada no rebordo da piscina não era a causa da fuga de água, como se provou, pelo que, apesar de provado que o Réu escolheu a pedra e que a Autora o alertou para a “porosidade da mesma”, não há que retirar, a omissão culposa de factos do conhecimento pessoal ou outro comportamento processual que radique na violação dos deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes litigantes estão adstritas.
Improcedem as conclusões da apelante.

III.–DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.


Lisboa, 27 de Abril de 2021



ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO


(1)-Com aproveitamento do relatório da sentença recorrida.
(2)-No texto da sentença consta “O Autor”, que se deve a manifesto lapso de escrita que assim se rectifica.
(3)-Despacho datado de 27.03.2019, com a referência Citius 31985912 e junto a fls.55 e 56.
(4)- A qual se veio a concretizar com a junção do laudo de outubro de 2019 e junto a fls.89 a 109 dos autos.
(5)- In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134.
(6)- In Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393.
(7)- In CPC anotado, I, 2ª edição, pág.562.
(8)- Ou seja, na óptica da argumentação recursiva, constituindo um desvio entre o formalismo prescrito na lei para a realização da perícia e o formalismo efetivamente seguido no processo.
(9)- Excepto, se o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo da respectiva arguição.
(10)- Alegou o desconhecimento do acto de peritagem, enquanto um dos fundamentos para requerer a segunda perícia; no prazo e momento previstos na lei, em ordem a tutelar o que considerou omissão de acto processual lesivo dos seus interesses, o que foi deferido pelo tribunal.
(11)- Cfr., exemplificadamente Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 155 a 159.
(12)- Embora no 2º relatório o perito refira, que não sabe se a recolha de água é total na caleira ou existe outra perda de água além da evaporação e tenha procedido a diligências que se afiguram desnecessárias e pouco objectivas.
(13)- In Prova Testemunhal, 2016 – reimpressão, pág. 355/6
(14)- In A acção declarativa, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, ponto 14.4, nota 32.
(15)- Cujo âmbito de aplicação da garantia contratual de bens de consumo se encontra indicado no artigo 1º do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de abril.
(16)- Ultrapassando-se alguma querela doutrinária que subsistia sobre a extensão do regime à empreitada.
(17)- In Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 3.ª ed., pág.258.
(18)- Cfr. na jurisprudência, entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, Proc 1066/14.1T8PDL.L1. S
(19)- Como se lê no respetivo preâmbulo com o objetivo de «introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação [do Decreto-Lei n.º 67/2003] revelou».
(20)- Preceitua o artº 2º “:1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
(21)- Sem prejuízo da sua exclusão nos casos de intolerável desequilíbrio na composição dos direitos e interesses em presença e, bem assim, os casos de atuação com má fé, ou com abuso de direito -cfr. João Calvão da Silva in Vendas de Bens de Consumo, 4ª edição, página 110.
(22)- Com a diferença de designação, sendo os dois primeiros indicados como direito à eliminação dos defeitos e à realização de obra nova.
(23)- Salvaguardada, porém, a diferença do regime especial e do regime geral, no qual vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem relações de subsidiariedade e de alternatividade entre os direitos do consumidor, enquanto no âmbito do DL 67/2003, os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, não s estabelecendo hierarquia na opção, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito, conforme previsto no artigo 4.º, nº5 do DL 67/2003-cfr. a propósito Jorge Morais Carvalho in obra já citada, pág.283.
(24)- In Direito das Obrigações, Volume III, 11.ª ed., pág.141/2, e 149.
(25)- Cfr. A propósito Paulo Mota Pinto in Conformidade e Garantias na Venda de Bens de Consumo, a Directiva 1999/44/CE e o Direito Português, in EDC, n.º 2, 2000, pág.197; e Pedro Martinez in Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 2001, pág.33.
(26)- Cfr. sobre a matéria Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em Especial ma Compra e Venda e na Empreitada”, pág. 163.
(27)- Cfr. neste sentido, entre outros, Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, p. 64, 68 e. 76, e Antunes Varela e outros in Código Civil anotado, anotação ao artigo 1208º.
(28)- Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335/6.
(29)- In Direito das Obrigações – Contratos em Especial – Contrato de Empreitada”, II volume, 2013, 2ª edição Revista, pág. 395.
(30)- In Excepção do Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português”, pág. 39.
(31)- Cfr. a propósito exemplificadamente João Calvão da Silva, “Venda de coisa defeituosa, pág. 114; e, Pedro Romano Martinez in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, pág.360.
(32)-Cfr. entre outros José João Abrantes in Excepção De Não Cumprimento Do Contrato: Conceito E Fundamento,2ªed, Coimbra, Almedina, 2012, pág.107.
(33)- Perfilhando-se a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório inerente ao Estado de Direito; cfr. entre outros, os Acórdãos do STJ de 21/04/2018, proc. nº. 487/ 17. 5T8PNF.S; de 26/01/2017, proc. nº. 402/10.4TTLSB.L1. S1; e, de 02/06/2016, proc. nº. 1116/11.3TBVVD.G2. S1.