Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26691/21.0T8LSB-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
COMUNICAÇÃO
CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO
BANCO DE PORTUGAL
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PEDIDO GENÉRICO
LIQUIDAÇÃO
INCIDENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I - Na presente ação fundada em responsabilidade civil por (alegadamente) ter sido indevida e abusivamente comunicada pela instituição bancária Ré, à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, a existência de uma dívida (de valor insignificante, no quadro contratual então vigente) da sociedade Autora como sua cliente, tendo sido formulados pela Autora e pelo seu gerente (Autor) pedidos (distintos) de indemnização a título de danos não patrimoniais, bem como um único pedido genérico/ilíquido por danos patrimoniais, enquadra-se este último na previsão do art. 556.º do CPC.
II - Tendo sido apresentado, após o despacho que designou data para audiência de julgamento, Requerimento, que os Autores intitularam de “ampliação do pedido”, em que foi peticionada a condenação da Ré no pagamento da quantia indemnizatória de 317.830,82 € relativa a danos patrimoniais/lucros cessantes decorrentes de factos (em parte já alegados na PI) de a Autora ter perdido a oportunidade de adquirir fundos no montante de 2.150.000,00 €, numa altura em que tinha investimentos em curso de vários milhões de euros e carecia de financiamento junto da banca, alegando só agora se encontrar munida dos elementos que lhe permitiam quantificar com exatidão os danos patrimoniais que teve, não é de considerar que se esteja perante uma mera ampliação do pedido nos termos do art. 265.º, n.º 2, do CPC, nem perante um articulado superveniente sujeito ao disposto no art. 588.º do CPC.
III - Antes é de considerar que, face ao pedido genérico formulado, foi requerida uma liquidação incidental, com a alegação/especificação dos factos em que a mesma se estriba (atinentes a um conjunto de danos patrimoniais passíveis de serem qualificados como lucros cessantes ou danos futuros), a qual deve ser admitida à luz do disposto nos artigos 358.º e ss. do CPC conjugados com o art. 569.º do CC, e uma vez que não implica convolação para relação jurídica diversa da controvertida, de harmonia com o princípio da economia processual e sem prejuízo da adequação formal que se mostre necessária por via do art. 547.º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA, S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL, Ré na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi intentada por ... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. e AA, interpôs o presente recurso de apelação do despacho que admitiu o requerimento dito de ampliação do pedido.
Na Petição Inicial, apresentada em 12-11-2021, os Autores formularam o seguinte pedido: “a) Ser o pedido de indemnização civil, julgado procedente por provado e em consequência, ser a Ré, condenada a pagar à 1.ª A., a quantia de € € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e ao 2.º A., a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais - dano emergente lucro cessante -, a quantia que equitativa e prudentemente vier a ser fixada pelo tribunal acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, a contar desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”
Alegaram os Autores, para tanto e em síntese, que:
- No dia 27 de setembro de 2007, foi celebrado um contrato de locação financeira imobiliária entre a Ré, na posição de locador, e a sociedade comercial por quotas “... & Filhos, Lda.”, na posição de locatária, tendo a Autora, no dia 6 de março de 2015, por cessão da posição contratual, assumido a posição de locatária no referido contrato;
- Em março de 2021, a Autora solicitou ao Réu a antecipação do pagamento do montante ainda em dívida no âmbito do referido contrato de leasing, que estava previsto para o final do mês de setembro de 2021, tendo, no dia 3 de março de 2021, a Autora iniciado as negociações com o Réu, junto de um seu colaborador, tendentes ao cumprimento integral do referido contrato;
- Para o efeito veio a ser a ser outorgada, no dia 1 de junho de 2021, escritura pública mediante a qual a Ré vendeu à Autora os bens imóveis objeto do contrato de locação financeira imobiliária, pelo preço correspondente ao remanescente do valor em dívida, no montante de 70.111,53 €, que a Autora pagou nessa mesma data, por débito na conta DO da Autora no Banco Réu para a conta bancária interna do aqui Réu, tendo este, com o recebimento do preço, dado o referido contrato por cumprido e extinto;
- Sucede que, no dia 22 de abril de 2021, o Réu, por intermédio do seu colaborador, comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a existência de dívida da Autora, no montante de 182,61 €, sem antecipadamente informar a Autora disso, consciente dos prejuízos, que, com a referida comunicação, iria causar ao bom nome comercial e ao acesso ao crédito da Autora e do Autor;
- Numa fase inicial das negociações, a referida escritura chegou a estar agendada para o dia 23 de abril de 2021, tendo, por razões de saúde do ora Autor (gerente da Autora), a pedido deste (feito no dia 21 de abril de 2021, pelo advogado da Autora), a escritura pública sido adiada;
- O Réu, por intermédio do seu aludido colaborador, recusou a realização da escritura no dia 31 de maio de 2021, a qual ficou definitivamente agendada para o dia 1 de junho de 2021;
- O Réu, por intermédio do seu aludido colaborador, comunicou ao advogado da Autora, por email datado de 26 de maio de 2021, o valor total para liquidação e cumprimento integral do aludido contrato de locação financeira imobiliária;
- Até ao dia 31 de maio de 2021, o referido colaborador manteve na “ignorância” o advogado da Autora e o gerente da Autora relativamente à comunicação efetuada à Central da Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal;
- A conta DO não foi provisionada no dia 22 de abril de 2021, conforme o Réu teria pretendido, porquanto a escritura pública não se realizou na primeira data acordada, tanto mais que, no dia anterior, em resposta à mensagem de 21 de abril, o colaborador do Réu apenas demonstrou a vontade do Banco Réu em ver depositadas por antecipação as quantias necessárias para a transmissão dos bens em causa;
- O Réu, ao não alertar previamente para a necessidade do pagamento do IMI no valor de 182,61 €, obrigação fiscal que esteve em prazo para pagamento até ao dia 30 de abril de 2021, nem advertir da comunicação à Central da Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito, tendo em atenção o Decreto-Lei n.º 204/2008 de 14 de outubro (Regime Jurídico Relativo à Central de Responsabilidades de Crédito) e a Instrução n.º 17/2018 BO n.º 8/2018;
- A participação do “incumprimento” feita pelo Réu à Central da Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal determinou a rescisão da convenção do uso de cheques e a correlativa inibição temporária do uso dos mesmos tanto da Autora como do seu gerente, aqui  Autor, pelo Banco de Portugal, em particular, junto do Banco Millennium BCP, que, por sua vez, determinou a aplicação da respetiva sanção pelo Banco de Portugal (Decreto-Lei n.º 454/91 de 28 de Dezembro) com a inclusão na Lista de Utilizadores que Oferecem Risco da sociedade comercial, da Autora e do Autor;
- Com isto os Autores ficaram automaticamente inibidos da possibilidade de requisição e utilização de cheques e com o seu rating bancário substancialmente rebaixado, o que prejudicou severamente a obtenção de crédito quer da Autora, enquanto sociedade comercial, quer do Autor a título pessoal junto de qualquer instituição de crédito, tendo a Autora perdido a oportunidade de adquirir fundos no montante de 2.150.000,00 €;
- E o bom nome, a reputação e a imagem comercial dos Autores, foram seriamente mal tratados, pois o facto de ficarem inibidos do uso de cheques levantou dúvidas no giro comercial quanto à imagem e bom nome comercial da Autora e também quanto ao bom nome, honra e probidade do Autor, que, desde então, passaram a serem vistos com desconfiança, pela banca e instituições de crédito em geral;
- Os danos não patrimoniais da Autora devem ser compensados com quantia nunca inferior a 25.000,00 € e os do Autor com quantia não inferior a 50.000,00 €;
- A Autora, em 22 de abril de 2021, tinha responsabilidades fiscais de elevado montante a cumprir e investimentos em curso de vários milhões de euros, carecendo por isso de financiamento junto da banca, sendo que, naquelas condições, com o registo do incumprimento constante da Central de Responsabilidade de Crédito e com a inclusão da empresa e do gerente na Lista de Utilizadores que Oferecem Risco do Banco de Portugal, não conseguiu obter o necessário financiamento, pelo que o Réu é responsável pelos “prejuízos futuros eventuais” que a Autora venha a sofrer devido à falta de crédito e ao incumprimento das suas obrigações fiscais;
- Devem ser atendidos os danos futuros de frustração de ganhos associados a investimentos imobiliários, que a Autora deixará de auferir por ter sido impedida de ter acesso ao crédito e, consequentemente, não ter concretizado a compra de vários imóveis no valor de vários milhões de euros, assim vendo frustrada a aquisição de património, que posteriormente poderia vender e obter o respetivo lucro, sendo devida uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros no valor que equitativamente vier a ser fixado pelo tribunal.
A Ré apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, concluindo pela improcedência da ação.
Foi realizada audiência prévia no dia 19-09-2022, tendo sido proferido despacho saneador tabelar e despacho de identificação do objeto do litígio (“Da responsabilidade do Réu na comunicação do nome dos Autores na Central de Riscos do Banco de Portugal”) e enunciação dos temas da prova (“Da falta de comunicação por parte da Ré do pagamento devido a título de IMI” e “Dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autores pela comunicação à Central de Riscos do Banco de Portugal e do nexo de causalidade”).
Nessa audiência, foram designados os dias 27-02-23 e 28-02-23 para a realização do julgamento, sessões adiadas por motivo da greve dos Srs. Funcionários judiciais (cota de 27-02/2023), vindo a ser designada a data de 12-09-2023 por despacho de 28-02-2023.
Em 16-06-2023, os Autores apresentaram Requerimento, que denominaram de ampliação do pedido inicial, em que terminam pedindo que a “ampliação do pedido” seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Ré condenada a pagar à 1.ª Autora a quantia de 317.830,82 €, a título de danos patrimoniais/lucros cessantes, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Vieram alegar, para tanto e em síntese, que:
- A Autora, como previamente referido, perdeu a oportunidade de adquirir fundos no montante de 2.150.000,00 €, que a impossibilitou de realizar investimentos no âmbito do projeto de produção agrícola em curso na propriedade adquirida à Ré;
- A Autora tem em marcha um projeto de investimento numa exploração agrícola, a ser realizado no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural 2014-2020 (PDR 2020), regulado pelo Decreto Lei n.º 159/2014;
- A área de produção elegível e suas dependências estendem-se por 70 Hectares de terreno, incluindo, no cerne do projeto de investimento, a plantação de figueiras numa área de 10 ha, amendoeiras numa área de 40 há, aveleiras e trufas numa área de 10 ha, perfazendo uma área útil de cultura de 60 ha, para além de outras espécies, fora do projeto e não elegíveis por este, tais como carvalhos;
- Esse projeto foi executado na sua globalidade e com isso a Autora despendeu avultadas quantias, sendo sua intenção continuar a desenvolvê-lo, para o que pretendia adquirir equipamento agrícola e fabril;
- Visto que não detinha os fundos necessários para aquisição do equipamento e ampliação das instalações, a Autora, na sequência de negociações iniciadas desde o final do ano de 2020, celebrou com a sociedade “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION”, sociedade de direito estrangeiro, um contrato de mútuo com hipoteca, no valor de dois milhões cento e cinquenta mil euros, em 1 junho de 2021, no Cartório Notarial MB, em Bragança;
- Porém, não chegou a ser disponibilizada essa quantia à Autora em virtude da sua inclusão na Lista de Utilizadores que Oferecem Risco da sociedade comercial, por conta do relatado incumprimento pela Ré, facto este, confirmado pelo representante da referida sociedade mutuária, via e-mail, nas datas de 08-06-2021 e 30-06-2021, bem como por intermédio de missivas remetidas diretamente para a Autora, nas datas de 11-08-2021 e 20-08-2021;
- Em face da recusa da sociedade “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION” em proceder à disponibilização dos fundos, a Autora teve de procurar um novo credor, tendo no mês de agosto do ano de 2021 encetado negociações com a sociedade “GLOBAL REALITY SOLUTIONS”, sociedade de direito estrangeiro, em ordem a obter financiamento no valor de um milhão duzentos e cinquenta mil euros, logrando obtê-lo apenas em 15 de dezembro de 2022;
- A Autora, só agora se encontra munida dos elementos que lhe permitem quantificar com exatidão os danos patrimoniais que teve, dado que, aquando da propositura da presente ação;
- O Autor realizou diversas viagens ao Canadá de modo a desbloquear o obstáculo atinente ao relatado incumprimento, na tentativa de expor a situação verificada e firmar o contrato de mútuo a realizar com a sociedade “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION”, com sede nesse país;
- Após o mês de junho do ano de 2021, devido à recusa da primeira entidade mutuária e atenta a necessidade de proceder a uma renegociação com a “GLOBAT REALITY SOLUTIONS INC.”, foram necessárias diversas deslocações ao Canadá, tendo sido despendidos pela Autora, em deslocações e estadia no Canadá, 64.000,00 dólares Canadianos, o equivalente a 43.620,77 €;
- No decorrer das negociações prévias à formação do contrato, a Autora pagou efetivamente o valor de 1% da quantia mutuada, no montante de 21.500,00 €, os quais ficaram retidos pela “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION”, a título de penalização, por conta da não realização do negócio, em face da referida inclusão na lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal;
- Com a celebração do 1.º contrato de mútuo com a “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION”, a 1.ª Autora, para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas, deu de hipoteca todo o seu património imobiliário, hipoteca que, nesta data, ainda se encontra registada a favor da mutuante, apesar de já ter sido requerido o necessário distrate para efeitos de cancelamento de tal ónus, estando a ser exigido à 1.ª Autora, para isso, o pagamento da quantia de 43.000,00 €;
- Na sequência do desenvolvimento do seu projeto agrícola, a Autora, pretendia construir um armazém de modo a preparar a amêndoa por si apanhada, bem como a dos restantes produtores locais, sendo sua intenção adquirir maquinaria para o efeito, nomeadamente que procedesse à limpeza, descasca e embalamento do miolo de amêndoa, a qual seria colocada no interior do armazém;
- Assim, obteve um orçamento para a edificação de um armazém com 17m de largura, 25m de comprimento e 5m de altura, com a superfície coberta de 300m2, tendo o custo dessa empreitada, em 20 de novembro de 2020, sido orçamentado em 44.869,00 €;
- Como a Autora não obteve os ambicionados fundos, não tinha capital para realizar a empreitada, sendo que o custo de um tal armazém ascende agora a 126.000,00 €, pelo que a Autora terá de suportar um incremento do custo de construção no valor de 81.121,00 €;
- A Autora também pretendia adquirir um trator agrícola, modelo SAME ARGON 100, pelo valor de 34.000,00 €, tendo, no início do mês de julho de 2021, dado, a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de 5.000,00 €, na expectativa de receber os fundos do empréstimo;
- Como o financiamento pela “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION” não foi concretizado, a Autora não logrou cumprir com o plano de pagamento que havia ajustado, tendo sido obrigada a devolver o trator e ficado privada da quantia entregue a título de sinal;
- Pretendia igualmente a Autora adquirir uma máquina de apanha da amêndoa de modo a poder acoplá-la ao trator agrícola, dispondo assim de um equipamento essencial para todo o seu projeto e processo de produção, tendo, no final do ano de 2019, solicitado um orçamento para a aquisição do equipamento, que era de 25.000,00 € acrescido de IVA;
- Esse equipamento não veio a ser adquirido pelo facto de a Autora não ter obtido o financiamento pretendido, sendo que, por via do incremento do custo das matérias-primas, o mesmo equipamento custa agora 28.500,00 €, pelo que a Autora terá de despender mais 3.500,00 €;
- A Autora dispõe ainda de uma área de “ilha” na sua propriedade, que se encontra por plantar, sendo que era sua intenção proceder à plantação de amendoeiras no local de forma a rentabilizá-lo, para o que se mostra necessário proceder à limpeza do terreno e, depois, à ripagem do terreno, abrir buracos para a futura plantação e realizar a correção orgânica e mineral dos solos de modo a melhor fertilizar a terra, mas, em comparação com o ano de 2021, os custos de tais trabalhos tiveram um incremento de 30%, no valor de 6.987,25 €;
- Também as árvores a plantar aumentaram o seu preço em 0,50 € a unidade, em comparação com o ano de 2021, sendo que, a este título, os custos para a área a intervir, num total de 5115 árvores, sofreram um incremento no valor de 2.659,80 €;
- No que concerne à correção mineral e orgânica do solo e sua fertilização, o custo da sua aquisição nas quantidades apropriadas para uma área de “ilha” ascendia, no ano de 2021, a 12.833,00 €, mas, em março de 2023, custa já 48.725,00 €, aumento que se cifra em 35.442,00 €;
- A Autora, no mês de março de 2021, convencionou com uma sociedade de direito estrangeiro a aquisição de maquinaria de secar e embalar as amêndoas da sua produção, pelo preço de 117.000,00 €, tendo disponibilizado a quantia de 17.000,00 €;
- Porém, apesar de adquirido, tal equipamento não pode ser colocado em laboração, atenta a inexistência do armazém para o efeito, por conta da impossibilidade de obtenção do financiamento a ser prestado pela “A.B.C. INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORATION'”;
- Se tivesse sido utilizado tal equipamento, nos últimos dois anos, o resultado do diferencial do produto embalado em face do seu valor original não seria inferior a 25.000,00 €, considerando que o diferencial médio de venda do produto embalado é de 8,00 € por Kg, à razão de 2.500,00 Kg por ano, correspondente à produção da propriedade agrícola;
- Além disso, a Autora ficou impedida de prestar serviços de secagem e embalamento de amêndoas para outros produtores da região, de modo a potencializar o seu rendimento, prejuízo que não consegue quantificar.
A Autora requereu a junção de documentos e arrolou duas testemunhas.
Foi ouvida a Ré, que, mediante requerimento apresentado em 26-06-2023, se pronunciou no sentido do indeferimento do requerido, argumentando, em síntese, que: o requerimento é um verdadeiro articulado superveniente e como tal deve ser tramitado, devendo ser indeferido, por extemporaneidade, uma vez que, mesmo admitindo que os factos ora alegados são supervenientes, sempre deveria a sua alegação ter sido feita na audiência prévia; os danos invocados não são um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, pois na PI nada foi concretamente alegado quanto às consequências da alegada perda de chance do financiamento de 2.150.000 €. Dizendo que o fazia à cautela, a Ré veio ainda exercer o contraditório quanto aos factos alegados, bem como arrolar uma testemunha.
Em 04-07-2023, foi proferido o Despacho (recorrido), com o seguinte teor:
“Requerimento de ampliação do pedido a ref.ª 36226539 [45830743]:
Vieram os Autores, a ref.ª 36226539 [45830743] requerer a ampliação do pedido invocando que a Ré é responsável pelos prejuízos sofridos bem como pelos lucros cessantes que os Autora, veio a sofrer, devido à falta de crédito que afectou consideravelmente a prossecução da sua actividade, dado que, por conta da denúncia efectuada pela Ré, a Autora esteve impedida por um período de 19 meses, nomeadamente de Junho de 2021 a Dezembro de 2022, de obter o tão preciso financiamento de modo a manter e a expandir o seu empreendimento. Concluiu que a Ré deve ser condenada a pagar à 1.ª Autora 317.830,82 a título de danos patrimoniais/lucros cessantes - acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, a contar desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Em resposta, veio o Réu, no seu requerimento de ref.ª 36359412 [45957729], pugnar pela inadmissibilidade da ampliação do pedido, por extemporâneo e por o alegado não ser desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Cumpre apreciar e decidir.
O Código de Processo Civil de 2013 introduziu profundas modificações no regime de alteração do pedido, deixando, designadamente, de ser possível o mesmo ser alterado ou ampliado na réplica.
No entanto, manteve-se intacta a possibilidade de o pedido ser ampliado em qualquer altura até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (limite de tempo), contanto que essa ampliação seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Os Autores sustentam que a requerida ampliação do pedido consubstancia um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
 É verdade que na petição inicial, os Autores já vinham pedindo a responsabilidade do Réu pelos prejuízos futuros eventuais que a Autora viesse a sofrer, devido à falta de crédito e ao incumprimento das suas obrigações fiscais.
Que dizer?
Começando pela causa de pedir, como a este propósito tem sido considerado pela doutrina, em termos gerais, este elemento objectivo da instância é composta pelo acervo de factos constitutivos da situação jurídica que a parte, através do pedido, quer fazer valer em juízo, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido, sendo essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente.
Portanto, desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados.
Ora, no caso vertente, a realidade factual articulada pelos Autores no requerimento de ampliação, mantém-se no núcleo da causa de pedir que concretamente foi invocada em suporte do pedido condenatório formulado no terminus da petição com que deram início à presente demanda. Neste contexto, as proposições factuais que foram alegadas no requerimento de ampliação constituem um complemento ou concretização da materialidade inicialmente alegada.
De facto, embora a lei não defina expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo para efeitos do disposto no artigo 264.º, não andaremos longe se considerarmos que tais conceitos significam uma origem comum, a mesma causa de pedir.
Isso mesmo vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência que têm assentado que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando esse (novo) pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos. Dito de outro modo, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
A esta luz, a ampliação requerida pelos Autores é consequência do que os mesmos já alegaram (de forma genérica) na petição inicial.
Deste modo, a ampliação do pedido é legalmente admissível, independentemente da falta de acordo nesse sentido manifestada pelo Réu e consequentemente admite-se a ampliação do pedido formulado pelos Autores.
Notifique.”
Neste despacho, o Tribunal decidiu ainda, “(T)endo em conta que o Réu já se pronunciou sobre a ampliação do pedido em termos formais e substantivos (tendo assim exercido o contraditório)”, apreciar os requerimentos probatórios apresentados com os requerimentos em apreço, e, em face dos mesmos, dar sem efeito a data designada para audiência de julgamento.
Por não se conformar com o citado despacho, a Ré interpôs o presente recurso de apelação em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
a. O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, identificado nos autos pela referência 427344774, que admitiu a ampliação do pedido requerida pelos Autores;
 b. O despacho recorrido, ao considerar admissível a ampliação do pedido requerida pelos Autores, enferma de erro de direito, porquanto o regime da ampliação de pedido, previsto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, deve necessariamente ser articulado com o regime dos articulados supervenientes, sob pena de se admitir a alegação de factos supervenientes por mera via da ampliação do pedido;
c. Assim, a ampliação do pedido requerida só seria processualmente admissível se os novos factos por si invocados fossem supervenientes, caso em que deveriam os Autores ter lançado mão de articulado superveniente, nos prazos de preclusão específicos no artigo 588.º, n.º 3 do CPC;
 d. Não o tendo feito, extinguiu-se o direito dos Autores a invocarem factos supervenientes, o que não poderão fazer por mera via da ampliação do pedido;
 e. Deste modo, a requerida ampliação do pedido é legalmente inadmissível, em virtude da sua patente extemporaneidade;
 f. Acresce que, mesmo apelando ao regime dos articulados supervenientes, é evidente que os factos alegados pelos Autores não são supervenientes, sendo anteriores à data de apresentação da petição inicial, motivo adicional pelo qual a sua invocação não é admissível;
 g. E, assim, pelas razões acima descritas, enferma o despacho a quo de manifesto erro de direito, devendo, em consequência, ser revogado e substituído por decisão que rejeite a ampliação do pedido requerida pelos Autores;
 h. Por outro lado, o despacho recorrido também enferma de erro de direito ao considerar que a ampliação do pedido em questão é o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo;
i. Na verdade, e percorrendo o requerimento de ampliação de pedido apresentado pelos Autores, verifica-se que os factos ali invocados não consubstanciam, notoriamente, um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, não se encontrando virtualmente contidos no âmbito do pedido inicial;
j.  Pelo contrário, os Autores alegam, no seu requerimento, factos novos não alegados na petição inicial, reclamando danos que não se coadunam minimamente com o pedido primitivo;
 k. Sendo certo que os factos nos quais os Autores fundam os danos alegados na petição inicial se encontram ausentes do requerimento de ampliação de pedido, sendo logicamente impossível considerar que a ampliação do pedido pretendida é o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
 l.  Nesta senda, deveria o despacho a quo ter decidido pela rejeição da ampliação do pedido requerida pelos Autores, uma vez que a mesma não se afigura legalmente admissível.
 m. Termos em que se impõe revogar o despacho recorrido por enfermar, também a esta parte, de manifesto erro de direito.
Terminou a Apelante requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso, alterando-se o despacho recorrido.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se é admissível o Requerimento/Articulado dito de ampliação do pedido.
Os factos que relevam para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório.
Começamos por lembrar que o princípio da estabilidade da instância está consagrado no art. 260.º, nos termos do qual “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”.
Nos presentes autos, importa apreciar se (não) é legalmente admissível a modificação que foi requerida.
O Tribunal recorrido admitiu o requerimento em apreço, considerando ser aplicável ao caso o disposto no art. 265.º, n.º 2, do CPC.
A Ré-Apelante defende que se tratava de articulado superveniente, inadmissível no caso, ante o disposto no art. 588.º do CPC.
Vejamos o que dispõem estes artigos.
O art.  265.º do CPC, sob a epígrafe “Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo”, preceitua que:
“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”
Este artigo corresponde ao art. 273.º do anterior CPC, mas sem a possibilidade de alteração ou ampliação da causa de pedir e/ou do pedido na réplica, o que parece consentâneo com a circunstância de este articulado, além do seu caráter eventual, ter visto reduzido o âmbito da sua admissibilidade no CPC de 2013 (cf. art. 584.º do CPC e art. 502.º do anterior CPC).
Por sua vez, o art. 588.º do CPC (correspondente, sem novidade, ao art. 506.º do CPC de 1961) dispõe sobre os “Termos em que são admitidos” os Articulados Supervenientes, estabelecendo que:
“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.”
Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 614, depois de terminado o prazo para o último articulado da parte, podem “ocorrer novos factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor” (superveniência objetiva), ou pode também suceder que só depois de decorrido o prazo para o último articulado “o autor tenha conhecimento de outros factos – ou elementos de facto – constitutivos”, embora tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjetiva).
Para melhor compreensão destas normas e dos conceitos de causa de pedir e pedido e delimitação do âmbito de aplicação daquelas, parece-nos importante lembrar ainda o que dispõem diversos outros artigos do Código de Processo Civil.
Assim, nos seus n.ºs 1 e 2 estabelece o art. 5.º do CPC, a respeito do ónus de alegação das partes, que:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Também o art. 581.º do CPC, nos seus n.ºs 3 e 4, ajuda na compreensão dos conceitos de pedido e causa de pedir, ao estabelecer que:
“3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
Da conjugação destas normas (e tendo também presente o disposto no art. 186.º do CPC), podemos dizer que: o conceito de causa de pedir se reporta a um conjunto de factos essenciais tidos por nucleares ou principais, não abrangendo os factos que, embora essenciais (em sentido amplo), são complementares ou concretizadores daqueles, os quais podem vir a ser considerados pelo tribunal, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, quando resultem da instrução da causa, incluindo de junção documental oportunamente efetuada; impende sobre o autor o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, sob pena de ineptidão da petição inicial (que, salvo na hipótese do n.º 3 do art. 186.º, conduz à nulidade de todo o processo).
Não obstante algumas divergências doutrinárias sobre a conceção/função da causa de pedir (a  tradicional teoria da substanciação vs teoria da individualização aperfeiçoada, perfilhada por M. Teixeira de Sousa, em vários artigos, com destaque para  “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, publicado na revista Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332 – maio/agosto 2013, págs. 398-399), é seguro afirmar que a causa de pedir no seu sentido estrito “não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo” (nas palavras de M. Teixeira de Sousa, artigo citado, pág. 396).
Aliás, a circunstância de terem sido alegados os factos essenciais integrantes da causa de pedir nem sempre basta para a procedência, pelo menos integral, da ação, como é bem evidenciado por outros normativos legais, com destaque para os artigos 5.º, n.º 2, al. b), e 590.º, n.º 4, ambos do CPC, atinentes aos denominados factos complementares ou concretizadores daqueles, cuja alegação pode acontecer por via de articulado complementar, mormente na sequência de despacho pré-saneador, proferido ao abrigo do disposto do art. 590.º, n.ºs 2, al. b), e 4, nos termos do qual incumbe ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
A este propósito, explica ainda Teixeira de Sousa, no artigo citado, págs. 396-397 (sublinhado e negrito nosso): “Os factos complementares são aqueles que concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir [cf. art. 5.º, n.º 2, alínea b)] e que asseguram a concludência da alegação da parte; os factos complementares não esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte; os factos complementares realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão;
(…) Os factos complementares não integram a causa de pedir, dado que a omissão da sua alegação não implica a ineptidão da petição inicial por falta de causa petendi [cf. art. 186.º, n.º 2, alínea a)]: a causa de pedir está completa sem os factos complementares, pois que não podem ser integrados na causa de pedir factos cuja omissão de alegação não implica a falta dessa mesma causa. Os factos complementares apenas são necessários para que a petição inicial seja concludente, isto é, para que esse articulado contenha todos os factos que são indispensáveis à procedência da acção. Apesar de os factos complementares não participarem da causa de pedir, isto não significa que o autor não tenha o ónus de os alegar na petição inicial, porque, sem a alegação (e eventual prova) desses factos, a acção não pode ser julgada procedente: o que sucede é que a omissão da sua alegação na petição inicial não tem nenhum efeito preclusivo, não só porque incumbe ao juiz convidar o autor a alegar esses factos [cf. art. 590.º, n.º 2, alínea b), e 4], mas também porque aqueles factos podem ser adquiridos durante a instrução e discussão da causa [cf. art. 5.º, n.º 2, alínea b)]. É neste sentido que deve ser interpretado o disposto no art. 5.º, n.º 1: o autor cumpre o ónus imposto neste preceito com a alegação dos factos que constituem a causa de pedir, pois que a omissão da alegação de quaisquer factos complementares não implica nenhuma preclusão quanto à sua posterior invocação pela parte ou aquisição em juízo.”
Da maior relevância para o caso dos autos é ainda o art. 556.º do CPC, nos termos do qual:
1 - É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:
a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu.
2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º, salvo, no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 7 do artigo 716.º.”
Ademais, estabelece o art. 358.º, sob a epígrafe “Ónus de liquidação”, que:
“1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.”
E, quanto à dedução da liquidação, preceitua o art. 359.º do CPC que:
“1 - A liquidação é deduzida mediante requerimento no qual o autor, conforme os casos, relaciona os objetos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.
2 - Sendo a liquidação deduzida mediante requerimento apresentado por uma das vias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 144.º, deve o requerimento referido no número anterior ser apresentado em duplicado.”.
Sobre os termos posteriores do incidente rege o art. 360.º do CPC.
Normas estas que devem ser conjugadas com o art. 609.º, n.º 2, do CPC, mas também, com os artigos 566.º, n.º 3, 567.º e 569.º do CC, dispondo este último, também da maior relevância para o caso, que “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.”
Como lembram Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na obra citada, pág. 615, a jurisprudência vem defendendo que, nas ações de indemnização, a admissão do articulado superveniente não depende da prova da superveniência, nesta linha se inscrevendo o acórdão da Relação do Porto de 05-05-2016, proferido no proc. 2028/14.4TBSTS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário com o seguinte teor:
“I - Se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos o lesado pode , nos termos do art.º 569.º do C.C., reclamar, no decurso da acção, indemnização mais elevada.
II - Essa possibilidade não depende da superveniência objectiva dos danos revelados no decurso do processo.
III - Essa possibilidade tem implícita a faculdade de o lesado alegar no decurso da acção os factos que consubstanciam os danos superiores.
IV - As normas processuais que regulam o articulado superveniente e a ampliação do pedido têm de ser interpretadas de forma a permitirem concretizar esses poderes do lesado.”
Tendo presente este quadro legal, há que aplicá-lo no caso sub judice.
Na presente ação, fundada na responsabilidade civil, foram formulados pela Autora e pelo Autor, cumulativamente, pedidos (distintos) de indemnização a título de danos não patrimoniais, bem como um único pedido genérico/ilíquido por danos patrimoniais, enquadrando-se este último na previsão do citado art. 556.º do CPC.
Os Autores não foram convidados a aperfeiçoar a Petição Inicial, o que se compreende, já que os próprios tinham alegado que não estavam em condições de quantificar o pedido genérico. Vieram fazê-lo na pendência da ação, mediante requerimento que, em bom rigor, não se trata de uma ampliação do pedido. Na verdade, não vieram propriamente ampliar o que foi peticionado, mas sim tornar líquido o pedido genérico. Portanto, foi requerida uma liquidação incidental, com a alegação/especificação dos factos em que a mesma se estriba (atinentes a um conjunto de danos patrimoniais passíveis de serem qualificados como lucros cessantes ou danos futuros), o que se coaduna com o disposto nos referidos artigos 358.º e ss. do CPC.
Ora, quer estes sejam considerados factos complementares dos factos essenciais integrantes da causa de pedir, como se afirma no despacho recorrido, quer sejam qualificados como (novos) factos constitutivos do direito de indemnização a que a Autora se arroga, entendemos que não pode deixar de ser admitido o requerimento/articulado mediante o qual foi requerida essa liquidação, com a alegação em que se estriba, sendo certo que, embora possa implicar uma modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, não implica convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Só assim se logrará respeitar o disposto no citado art. 569.º do CC, bem como, aliás, o princípio da economia processual, parecendo-nos que seria descabido concluir pelo indeferimento do requerido pelas razões invocadas pela Ré-Apelante, levando a que a Autora tivesse de intentar uma outra ação para fazer valer o direito à indemnização pelos danos que ora concretiza e quantifica (aliás, se o fizesse não deixaria seguramente aquela de vir invocar litispendência ou caso julgado material). Nesta linha de pensamento, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa de 18-02-2020, no proc. n.º 37/19.6TNLSB-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, como se pode ver pelo respetivo sumário, com o seguinte teor:
“1) A ampliação do pedido, mesmo contra a vontade da parte contrária, é processualmente admissível se for consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo (Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C.).
2) Compreendendo-se a ampliação virtualmente na mesma causa de pedir invocada, aquela não deixa de ser admissível ainda que o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado logo na petição inicial.
3) Estando em causa a compatibilização do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dá-se prevalência a este último quando se verificam reais vantagens na solução definitiva do conflito num único processo, desde que a relação material controvertida seja essencialmente a mesma, assente na mesma causa de pedir.”
De referir, para terminar, que os mecanismos de adequação formal permitem ultrapassar eventuais lacunas em situações como a que nos ocupa, dispondo o art. 547.º do CPC que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.” No presente processo, essa adequação foi feita, tendo a Ré, no seu requerimento de resposta ao articulado complementar exercido amplamente o contraditório, vindo a ser dada sem efeito a data designada para audiência de julgamento, considerando os requerimentos probatórios oferecidos, sendo certo que tanto o objeto do litígio que foi identificado, como os temas da prova enunciados já têm amplitude bastante para acomodarem o pedido e os factos alegados no requerimento/articulado em apreço.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.
Vencida a Ré-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). Face ao valor e objeto do presente recurso, tendo a Apelante exposto de forma clara a sua posição em peça de dimensão equilibrada e conclusões concisas, não suscitando questões de complexidade assinalável, mostra-se adequado determinar, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça.
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, o despacho recorrido.
Mais se decide condenar a Ré-Apelante no pagamento das custas do recurso, com dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça.
D.N.

Lisboa, 21-03-2024
Laurinda Gemas
Rute Sobral
Paulo Fernandes da Silva