Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
408/14.4TXLSB-Q.L1-9
Relator: RENATA WHYTTON DA TERRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
HOMICÍDIO
ARREPENDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1São pressupostos formais da liberdade condicional, para além do consentimento do condenado, que este tenha cumprido seis meses de pena de prisão e o decurso, no mínimo, de metade do tempo de prisão, pois apenas neste caso o tribunal de execução das penas estará em condições de avaliar a evolução da personalidade do agente durante a execução da pena.

2É certo que, tratando-se do cometimento do crime de homicídio, com alguma frequência se verifica que os arguidos não sofreram outras condenações. Ainda assim constitui facto a considerar na medida em que poderá representar um acto isolado (de elevadíssima gravidade sublinha-se) na vida do condenado.

3 Só do discurso verbal e do comportamento que possa reflectir a disposição interior de arrependimento é que poderemos concluir se o condenado interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta.

4De todo o circunstancialismo provado não resulta nada de objectivo no sentido de que o condenado não está arrependido e não interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta. O que concluímos é que as declarações do arguido não são de molde a infirmarem os elementos muito positivos constantes dos relatórios de avaliação, tanto mais que, embora centradas na sua pessoa e na sua família, as declarações do arguido reconhecem o desvalor e o dano da sua conduta pregressa e espelham o propósito claro de não reincidir.

5Conclui-se que o sistema prisional cumpriu a sua função e é o momento de o recluso demonstrar que já consolidou os valores necessários à convivência em sociedade, através do instituto da liberdade condicional, mostrando-se, pois, verificados os pressupostos indicados na alínea a) do n.º 2 do art. 61º do CPenal.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:



I.–Relatório:


No âmbito do Processo de Liberdade Condicional n.º 408/14.4TXLSB-Q.L1 a correr termos no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa referente ao arguido A foi decidido não colocar o condenado em liberdade condicional por se ter considerado não estarem preenchidos os pressupostos previstos no art.º 61.º, n.º 2, al. a), do CPenal.

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes:

O Recorrente não se conforma com a decisão de não concessão da Liberdade Condicional.

De tudo o que foi vertido em sentença e escrito nas motivações, o Recluso, é primário, assume os crimes que cometeu e profundo arrependimento, além tem um bom comportamento, respeita toda a comunidade prisional, estudou para ter equivalência ao 12º ano de escolaridade, é responsável e um excelente trabalhador.

Estamos perante um erro notório da apreciação da prova e perante contradições insanáveis nos termos do art. 410º do C.P.P. e que é defendido pelo. “Ac. do TRC de 09.03.2018, Erro notório. Erro notório é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente.II - Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou quando notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.”

Assim como estamos perante a violação do Princípio ne bis in idem, nos termos do disposto no art.29º, n.º 5 da C.R.P, conforme o que se lê nas páginas 13 (final) e 14 da sentença, o Tribunal volta a fazer um juízo de valor sobre o crime praticado pelo Recluso e da capacidade de influência da família sobre o mesmo, ou seja, o M.mo Juiz foi para além das suas capacidades, voltando a julgar o Sr. NV..... .

In casu, o que está sobre a alçada da decisão é a verificação dos requisitos para a concessão da liberdade condicional, prevista no art. 61 do C.P. Como já ultrapassou os 2/3 da pena tem que se verificar os requisitos do n.º 2, alínea, do art. 61º, ora, o Recluso, preenche todos os requisitos vertidos neste artigo.

O Tribunal a quo não pode fazer um novo parecer sobre o crime praticado, sob o capítulo ou tema da prevenção especial, esta não visa avaliar o Sr. NV..... sobre o crime, mas sim se ele está “apto” para viver em sociedade e verificando todos os factos dados como provados e já em cima mencionados e de acordo com todos as saídas jurisdicionais já usufruídas, chega-se à conclusão que está mais que “apto” para sair em Liberdade Condicional.

O Conselho técnico foi favorável à concessão da Liberdade Condicional ao Recluso e são estes que estão todos os dias com o Sr. Nuno, são eles que avaliam o comportamento e evolução do Recluso ao longo dos dias, semanas, meses e anos e deve ser sobre parecer que o Ex.mo Sr. Juiz de Direito deste Tribunal deve versar e decidir e não decidir fazendo um novo Julgamento sobre o crime praticado pelo Sr. Nuno, onde tão pouco se pode defender.

Também viola o Princípio da Igualdade, previsto na C.R.P., no art. 13º, pois, os ex-reclusos A....., R....., P....., foi-lhes concedida a liberdade condicional, há pouco tempo e estavam na mesma situação que o Sr. NV....., mas a diferença que existia: não eram primários e tinham várias sanções disciplinares.

Esta Decisão viola o art. 6º1, n.º 2 do C.P., o art. 138º do C.E.P.M.P.L, o art. 205º da C.R.P. e art. 146º C.E.P.M.P.L e art. 13º da C.R.P.
Nestes termos,
Deverão V.Exas Venerandos Juízes Desembargadores, com o vosso douto suprimento a tudo quanto alegado se dignem julgar a presente decisão revogando e substituindo-a por outra que conceda a Liberdade Condicional ao Recorrente.

***
A este recurso respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma:
1.–A decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao ora recorrente, por referência aos dois terços da pena atingidos em 25-10-2022, estando em causa o cumprimento da pena de prisão de 13 anos, aplicada no processo nº 205/14.7PLLRS-LOURES-IC-SC-J5, pela prática de um crime de homicídio e um crime de detenção de arma proibida.
2.–Os cinco sextos da pena ocorrem em 25/12/2024 e o termo em 25/02/2027.
3.–Tal decisão foi proferida após prévia instrução dos autos, com junção de relatórios da DGRS e DGSP, CRC do recluso, parecer favorável de reunião de Conselho Técnico, auto de audição do recluso e parecer desfavorável do Ministério Público.
4.–Tal juízo de prognose terá de se revelar através da análise dos seguintes aspectos, conforme previsto na alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal, de entre os quais: - As circunstâncias do caso.
5.–Relaciona-se este segmento com a valoração do(s) crime(s) cometido(s), seja quanto à sua natureza e gravidade, seja ainda quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º do Cód. Penal, sem que tal constitua qualquer violação do princípio “ne bis in idem”, conforme defende o ora recorrente (neste sentido, veja-se o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, in www.dgsi.pt, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1).
6.–Assim, resulta do que se acaba de referir que não assiste qualquer razão ao recorrente quando se insurge contra o facto de, na decisão recorrida, terem sido valorados as circunstâncias em que praticou as condutas delituosas que as fundamentaram, porquanto, longe de constituir um segundo julgamento que implique a violação do ne bis in idem, deriva, ao invés, da necessidade de formular o juízo de prognose implicitamente requerido para determinar se, no caso, se verificam ou não os pressupostos impostos pela lei para a concessão da liberdade condicional.
7.–Na verdade, não se trata de submeter de novo o arguido a julgamento pelas condutas criminosas que deram origem às condenações que se encontram em execução, tampouco se reitera a censura das atividades delituosas, antes se pondera a gravidade dos factos e a personalidade do condenado enquanto elementos indicadores das necessidades de prevenção especial.
8.–Decorre da motivação de recurso que a discordância do recorrente se prende, única e exclusivamente, com a sua divergência quanto à apreciação dos elementos probatórios, o que não pode ser confundido com errada apreciação dos mesmos por parte do tribunal.
9.–Ora, da análise do texto da sentença ora recorrida não se vislumbra nem o vício apontado pelo arguido nem nenhum dos outros vícios plasmados no artº 410º nº 2 do CPP, nem qualquer contradição.
10.–A sentença recorrida mostra-se lógica e congruente no desenvolvimento dos seus argumentos e nas suas conclusões.
11.–O que o arguido não aceita é a convicção e conclusão a que o Tribunal a quo chegou para afastar o juízo de prognose favorável que é essencial para que a liberdade condicional pudesse ser deferida, mas isso nada tem a ver com os vícios intrínsecos da estrutura da decisão recorrida que é o que o artº 410º nº 2 do CPP visa acautelar.
12.–Ora, tendo por assente que o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146.º nº 1, do CEPMPL, após uma leitura atenta da decisão ora posta em crise, não restam quaisquer dúvidas de que a mesma se encontra devida e suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito.
13.–Também não se compreende a invocada violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, na medida em que tal princípio visa impedir discriminações arbitrárias, porque carecidas de fundamento, sendo que a sua violação tem subjacente o tratamento desigual sem motivo justificado, o que no caso não conseguimos configurar.
14.–Face aos elementos probatórios constantes dos autos, não se mostrarem verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da medida, por não estar debelado o risco de reincidência, sendo deficitária a atitude face aos crimes, por não ter interiorizado por completo o desvalor da sua conduta, e não ter adquirido capacidade de descentração e de crítica, porquanto “(…) o recluso não assume a responsabilidade dos factos, continuando a adotar uma postura desculpabilizante. (…) a abordagem às consequências dos crimes é direcionada para o prejuízo aos níveis pessoal e familiar, embora tenha noção, em abstrato, do desvalor e dos danos (…)”, pelo que considerou necessário acautelar as necessidades de prevenção especial.
15.–Estes factos, aliados à constatação de que ainda refere “ ter agido por medo” e à perceção de que contextualiza a sua conduta num alegado acto defensivo - o que é frontalmente contrariado pelos factos dados como provados no acórdão condenatório-, leva-nos assim a concluir que ainda carece de evoluir ao nível da consciência crítica e interiorização do desvalor da sua conduta, bem como ao nível da superação das caraterísticas de impulsividade, de forma a acautelar as exigências de prevenção especial ainda subsistentes no caso concreto, tendo em conta não só a gravidade do crime cometido, como as suas circunstâncias de cometimento, não deixando de se ter presente que afinal, à data, também já beneficiava de factores de proteção, como o apoio familiar e hábitos de trabalho, o que não o impediu de cometer os crimes.
16.–Não se pode concluir que o recluso já tenha angariado contra-estímulos adequados à sua tendência criminosa, pelo que não é possível fazer uma prognose favorável de que, caso seja restituído à liberdade, pautará a sua conduta pela normatividade social e pelas regras jurídicas vigentes na sociedade.
17.–Conclui-se, assim, não ser possível formular, neste momento, um juízo de prognose indiciador de que o condenado, se colocado em liberdade, vai deixar de delinquir, reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com o direito e as regras da convivência normal.
18.–A reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percepcionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta
19.–O adequado comportamento institucional do recluso e tempo de pena já cumprido, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, ainda mais numa situação em que o recluso revela reduzido sentido critico quanto às suas condutas ilícitas, demandando melhor interiorização do desvalor dessas suas actuações.
20.–Por outro lado, o facto de os “ensaios” de retorno ao meio livre, terem decorrido sem o registo de quaisquer incidentes, se bem que seja um ponto a favor do recorrente, não constitui, por si só, um indicador de peso relativamente à conduta que ele irá adoptar de futuro, quando liberto das condicionantes, nomeadamente de ordem psicológica, que a obrigação de regresso ao estabelecimento prisional após um período curto de liberdade e a necessidade de manter um padrão de conduta que sabe estar a ser observada e avaliada naturalmente implicam.
21.–Assim consideramos acertado, adequado e justo o juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional proferido, tendo o tribunal efectuado uma correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61.º n.º 2 al. a) do Código Penal.
22.–Concordamos na íntegra com a douta decisão proferida, que se mostra correctamente fundamentada e adequada à situação concreta do recluso tendo decidido de acordo com a ponderação das exigências de prevenção especial,
23.–Assim, a decisão proferida contém fundamentação suficiente de modo a permitir compreender a decisão e o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte, não se vislumbrando as invocadas contradições, nem erro notório na apreciação da prova.
24.–Com efeito, o art. 61.º n.º 3, com referência ao n.º 2 al. a) do Código Penal, exige que, para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro, se tenha em atenção as circunstâncias do caso, a vida anterior a personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, e também a sua relação com o crime cometido, como decorre do art. 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL.
25.–Na base destes elementos, do teor da decisão condenatória, tendo em conta as circunstâncias e gravidade dos crimes cometidos, as características pessoais do condenado, o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, de acordo com um inultrapassável juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, nos termos do art. 61.º n.º 2 alínea a) do Código Penal.
26.–Fê-lo alicerçando-se nos factos dados como provados, donde resulta que o recluso ainda apresenta um discurso onde se percepcionam défices de consciência reflexiva, de interiorização do desvalor dos bens jurídicos violados e da capacidade de descentração,
27.–A decisão recorrida está devidamente fundamentada, não se vislumbrando qualquer contradição na sua fundamentação, e deve ser mantida nos seus precisos termos porquanto fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61.º n.ºs 2 al a) do Código Penal.”

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Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, e que se encontra nos autos, pugna pela improcedência do recurso.

Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais veio a ser acrescentado.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II–Fundamentação:

É a seguinte a decisão recorrida proferida pela 1.ª Instância:

“1.–RELATÓRIO
Identificação do recluso: A, nascido a 04.01.75, titular do documento de identificação com o nº 1......., com os demais sinais dos autos, atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus.
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional com requisitos referenciados aos dois terços da pena (art. 155º, nº 1 e 173º e seg. do CEPMPL), atenta a proximidade deste marco (25.10.22).
Foram elaborados os relatórios legais pelos serviços de reinserção social e pelos serviços prisionais (art. 173º, 1, als a) e b) do CEPMPL).
O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art. 175º do CEPMPL).
Ouvido o recluso, entre outros esclarecimentos, prestou o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176º do CEPMPL).
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177º do CEPMPL).

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2.–SANEAMENTO
O Tribunal é competente.
O processo é o próprio e isento de nulidades insanáveis.
Inexistem nulidades, exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer ou que obstem ao conhecimento de mérito.
Os autos mostram-se devidamente processados e afigura-se-nos inexistirem diligências a que haja ainda de proceder para apreciação da liberdade condicional.

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3.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1.- FACTOS PROVADOS

Com relevo para a decisão da causa julgo assente a seguinte factualidade:
1.–O recluso cumpre a seguinte pena única:
a)-Pena de prisão de 13 anos, aplicada no processo nº 205/14.7PLLRS-LOURES-IC-SC-J5, pela prática de um crime de homicídio e um crime de detenção de arma proibida.
2.–Os marcos de cumprimento da pena são os seguintes:
Início da privação da liberdade: 25/02/2014;
Meio da pena: 25/08/2020;
Dois terços da pena: 25/10/2022;
Cinco sextos da pena: 25/12/2024;
Termo da pena: 25/02/2027.
3.–O recluso não regista antecedentes criminais, estando a cumprir uma pena efetiva de prisão pela primeira vez.
4.–O desenvolvimento e socialização de A decorreram no agregado de origem, composto pelos pais e duas irmãs, numa dinâmica relacional referenciada com a existência de laços sólidos de afeto e união entre os membros.
5.–A nível habitacional viviam numa casa de construção clandestina na ..., em Camarate, dotada de condições adequadas de habitabilidade.
6.–Posteriormente os pais mudaram de residência, tendo o condenado continuado a viver nesse local com uma companheira e dois enteados até ser preso, união essa que terminou no decurso da reclusão.
7.–A completou o 5.º ano de escolaridade, tendo na frequência do 6.º ano desistido da prossecução dos estudos, após ter sido expulso da escola por atitudes de rebeldia/mau comportamento em contexto de grupo de pares.
8.–Na sequência, aos 14 anos de idade iniciou atividade laboral junto do pai na área da serralharia, onde se manteve até iniciar o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório.
9.–Posteriormente passou a trabalhar como canalizador, área que valoriza.
10.–Mais tarde deu seguimento ao processo de escolarização e completou o 9.º ano de escolaridade com sucesso através do Centro Novas Oportunidades.
11.–Nesse âmbito frequentou e concluiu com êxito os cursos de soldadura e de informática na ótica do utilizador.
12.–Antes da reclusão encontrava-se desempregado, após perder o emprego em 2012 por alegados problemas financeiros na empresa onde trabalhava como canalizador.
13.–Subsistia do subsídio de desemprego e de pequenos trabalhos indiferenciados que desempenhava na área da canalização.
14.–Durante a execução da presente medida privativa tem aproveitado para incrementar as suas competências escolares e profissionais, tendo completado o curso EFA NS – Pastelaria/Padaria, que lhe deu a equivalência ao 12.º ano de escolaridade.
15.–Em meio prisional, no ano de 2016, trabalhou na serralharia de fevereiro a outubro.
16.–De maio de 2019 a janeiro de 2020 trabalhou no refeitório da ala, data que iniciou funções na cantina, local que acarreta algumas responsabilidades acrescidas, funções que mantém na atualidade.
17.–É descrito como bom trabalhador, responsável, pontual e assíduo.
18.–Não frequentou ainda nenhum programa, apesar de estar inscrito.
19.–Refere praticar desporto nos tempos livres.
20.–Encontra-se em regime aberto para o interior desde 22.12.19, tendo já beneficiado de nove licenças de saída jurisdicional e onze licenças de saída de curta duração, todas com avaliações positivas.
21.–Desde o seu ingresso no EP de Vale de Judeus regista 3 ocorrências disciplinares:
-uma em 20.09.17 por posse de objetos proibidos, punida com uma repreensão;
-outra em 06.03.18 por apreensão de 12 litros de fruta fermentada, 3 sacos de pão com miolo e resistência artesanal, punida com 8 dias de POA;
-a última em 11.02.20, por posse de objetos proibidos, punida com uma advertência.
22.–Mantém relações de cordialidade com os pares, sem, no entanto, se associar a grupos antissociais.
23.–Declarou que teve uma discussão há dois anos com outro recluso (B) por causa da fila para o telefone no EP e que desde essa altura esse recluso “tem-lhe movido uma perseguição, está a sempre a fazer participações contra ele, a dizer que ele (NV.....) o está a tentar extorquir, está a ameaçar, está a bater”.
24.–Mais declarou que agora a situação estará resolvida, uma vez que agora está na URA e o recluso B está na ala A.
25.–O condenado não tem historial de consumo de substâncias aditivas nem de doenças físicas ou do foro mental.
26.–No que concerne à conduta criminal empreendida, o recluso assume os crimes pelos quais se encontra condenado, verbalizando arrependimento e alegando que depois de pensar muito no caso podia ter feito as coisas de forma diferente.
27.–Relativamente aos crimes diz que “foi o medo, uma parvoíce, foi a maior estupidez que fiz na vida”, “não tinha o direito de fazer o que fiz”.
28.–Contextualiza o crime de homicídio num alegado ato defensivo, referindo que o medo é que o fez agir da maneira como agiu: “tudo começou com uma discussão”, “a vítima disse mais do que uma vez que me matava e eu peguei na arma”, “a vítima foi buscar algo a casa da tia, mas não cheguei a ver o que era”, “foi uma questão de nervos”, “na altura não pensei”, “foi uma parvoíce, mas foi para me defender”.
29.–Quando confrontado com a circunstância de que quando a discussão começou não estava na posse da arma, o recluso referiu que a casa dele era mesmo ao lado e que” tinha a arma em cima do frigorífico e que foi só esticar o braço para tirar a arma”.
30.–Quanto ao crime de detenção de arma proibida diz que “não devia ter a arma, mas era um bairro problemático, a arma era para se defender, para atirar uns tiros para o ar quando houvesse problemas, mas só lhe prejudicou a vida e a da vítima, não quer ter mais armas”.
31.–Declarou também que “não é de se encolher em nada, mas acha que o tempo não faz nada quanto a isso, que nunca lhe propuseram nenhum programa e que não é um programa que vai mudar a sua maneira de ser, uma cadeia não melhora ninguém”, “se sair hoje ou daqui a 10 anos irá ser a mesma pessoa”.
32.–A abordagem às consequências dos crimes é direcionada para o prejuízo aos níveis pessoal e familiar, embora tenha noção, em abstrato, do desvalor e dos danos: “o tempo que está a cumprir pena foi um grande atraso na vida dele, quanto mais tempo passar na cadeia mais difícil vai ser recomeçar, aproveitou para tirar o curso da padaria e pastelaria que não poderia tirar em liberdade, causou sofrimento à família da vítima e à sua família”.
33.–Declarou ainda que “nunca mais quer voltar para a prisão, nunca mais quer problemas com a justiça”.
34.–Os factos criminais que motivaram a presente condenação foram praticados em Camarate, local onde A residia à data.
35.–Nesse espaço comunitário detinha uma imagem social positiva, segundo os dados disponíveis no seu dossier individual, sendo descrito como um homem tranquilo, trabalhador, que não se envolvia em conflitos.
36.–Nos seus tempos livres privilegiava a prática de atividade no ginásio na modalidade de Kickboxing, que praticava com o enteado mais velho, e a de pesca submarina, bem como o convívio familiar, quer com elementos do agregado nuclear quer com elementos da família alargada (pais, irmãs e sobrinho).
37.–O recluso foi visitado frequentemente pelas irmãs e pelos progenitores até março de 2020, data em que as visitas cessaram, devido ao início do gozo de medidas de flexibilização da pena.
38.–Em 2019 os pais do recluso foram residir para casa de uma das filhas (AP.....) para tomarem conta dos netos, na Charneca da Caparica.
39.–No início de 2020 adquiriram um apartamento, de tipologia T2, perto da filha para continuarem a apoiá-la.
40.–O recluso pretende ir viver com os pais para esta casa.
41.–Não houve qualquer reação adversa à presença do condenado no meio comunitário onde, segundo o verbalizado pela mãe, é desconhecido.
42.–A mãe continua a apresentar um discurso bastante crítico perante o comportamento criminal do filho, reconhecendo que os seus atos tiveram uma vítima e por isso foi devidamente penalizado.
43.–Os progenitores verbalizam disponibilidade para acolher e apoiar o condenado, quer durante as medidas de flexibilização da pena quer em liberdade condicional.
44.–A irmã AP..... também se encontra disponível para apoiar o irmão.
45.–Os progenitores constituem a sua fonte de apoio económico do exterior.
46.– Os pais do recluso são ambos beneficiários de pensões de reforma, num valor total de cerca 1.130,00 €.
47.–O recluso detém emprego assegurado como canalizador (a sua profissão) na empresa “Proficaldas, Lda. –Eletricidade e Canalização”.
48.–O recluso declarou aceitar a liberdade condicional.

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3.2.–MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal no que respeita à matéria provada (sendo que inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir) resultou das decisões condenatórias, da ficha biográfica e do CRC, dos relatórios juntos aos autos elaborados pelos serviços prisionais e pelos serviços de reinserção social, do parecer do conselho técnico, do parecer do MP e das declarações do recluso.

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3.3.– FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na sua génese, a figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal, vazada em lei, delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração. É tida, desde o seu aparecimento, como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva (art. 9º do Dec. Lei 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal), servindo finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado. Assim se afastando do entendimento anterior da prisão com mera finalidade repressiva e intimidatória, ou seja, como um castigo infligido ao agente (retribuição) e uma forma de intimidar os demais (prevenção do crime). Encurtando-se a pena com base na presunção da recuperação do condenado e na vigilância exercida sobre o seu comportamento que fica sujeito a restrições por forma a evitar a reincidência e a proteger a sociedade, podendo, em caso de má conduta e reincidência, revogar- -se a medida.
A concessão de liberdade condicional, servindo o desiderato supramencionado, obedece, contudo, a critérios legais de ordem formal e de ordem substancial.

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Requisitos de ordem formal:
O/a recluso/a tem de ter cumprido metade da pena em que foi condenado com um mínimo absoluto de seis meses, período de tempo considerado pelo legislador a partir do qual a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades (art. 61º, n. 2, do Cód. Penal). Permitir a liberdade condicional antes do primeiro limite relativo poderia por em causa as irrenunciáveis exigências de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico, do mesmo passo que se entende que em tempo mais curto do que o limite absoluto mínimo de 6 meses não é possível sequer conhecer o condenado e alcançar a evolução do seu comportamento e a brevidade da sanção excluiu mesmo a possibilidade de mutação significativa.
É também requisito de forma a obtenção do consentimento do/a recluso/a (art. 61º, n. 1, do Cód. Penal). Este requisito harmoniza-se com a teleologia do instituto - não é uma medida coativa de socialização - baseando-se na voluntariedade do tratamento, oferecendo apenas as condições para que o condenado, se quiser, se possa modificar.
Face à matéria provada (nºs 2 e 48 dos factos provados), o condenado atingiu o meio da pena em 25.08.20, atinge os dois terços em 25.10.22 (daqui a duas semanas, motivo pelo qual a apreciação da liberdade condicional será feita com referência ao marco dos dois terços) e prestou o seu consentimento para a liberdade condicional, pelo que se têm como verificados tais requisitos.

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Requisitos materiais, com referência à apreciação aos dois terços da pena:
O legislador neste marco da pena abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o/a condenado/a já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Assim, aos dois terços da pena temos apenas como requisito a expectativa de que o condenado/a em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, prevenção especial, na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa).
Pelo que, no respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo da prognose possível sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.

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No caso concreto deste recluso:
Prevenção especial
O recluso não regista antecedentes criminais, estando a cumprir uma pena efetiva de prisão pela primeira vez.
Ao longo da execução da pena tem demonstrado comportamento globalmente ajustado aos normativos institucionais e aproveitado para rentabilizar o tempo de reclusão com o incremento das suas competências escolares, profissionais e consolidação dos seus hábitos laborais, estando a laborar na cantina do EPVJ, local que acarreta algumas responsabilidades acrescidas. É descrito como bom trabalhador, responsável, pontual e assíduo.
Encontra-se em regime aberto para o interior desde 22.12.19, tendo já beneficiado de nove licenças de saída jurisdicional e onze licenças de saída de curta duração, todas com avaliações positivas.
Mantém relações de cordialidade com os pares, sem, no entanto, se associar a grupos antissociais.
Todavia, declarou que teve uma discussão há dois anos com outro recluso (B) por causa da fila para o telefone no EP e que desde essa altura esse recluso “tem-lhe movido uma perseguição, está a sempre a fazer participações contra ele, a dizer que ele (NV.....) o está a tentar extorquir, está a ameaçar, está a bater”.
Mais declarou que agora a situação estará resolvida, uma vez que agora está na URA e o recluso B está na ala A.
O condenado não tem historial de consumo de substâncias aditivas nem de doenças físicas ou do foro mental.
O recluso pretende ir viver com os pais, os quais são beneficiários de pensões de reforma, num valor total de cerca 1.130,00 €.
Os progenitores constituem a sua fonte de apoio económico do exterior.
Os progenitores verbalizam disponibilidade para acolher e apoiar o condenado, quer durante as medidas de flexibilização da pena quer em liberdade condicional.
A irmã AP..... também se encontra disponível para apoiar o irmão.
A mãe continua a apresentar um discurso bastante crítico perante o comportamento criminal do filho, reconhecendo que os seus atos tiveram uma vítima e por isso foi devidamente penalizado.
Não obstante a existência deste apoio familiar, aparentemente estruturado, o mesmo não se afigura contentor, não tendo estes familiares capacidade de ascendência sobre os comportamentos do recluso, uma vez que A sempre usufruiu deste suporte, o qual não o impediu de cometer os crimes.
O recluso detém emprego assegurado como canalizador (a sua profissão) na empresa “Proficaldas, Lda. –Eletricidade e Canalização”, sendo que não se preveem dificuldades ao nível da área laboral.
Vejamos agora a atitude do recluso face aos crimes pelos quais cumpre pena.
Como se refere no acórdão do TRL de 23.09.20 “A concessão de liberdade condicional impõe necessariamente a formulação de um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, para o qual importa averiguar, como um índice decisivo de ressocialização, qual a postura do condenado face ao crime cometido e a evolução do seu comportamento prisional”.
No caso vertente e no que concerne à conduta criminal empreendida, o recluso assume os crimes pelos quais se encontra condenado, verbalizando arrependimento e alegando que depois de pensar muito no caso podia ter feito as coisas de forma diferente.
No entanto, relativamente aos crimes diz que “foi o medo, uma parvoíce, foi a maior estupidez que fiz na vida”, “não tinha o direito de fazer o que fiz”.
Adota uma postura desculpabilizante quanto aos crimes e contextualiza o crime de homicídio num alegado ato defensivo, referindo que o medo é que o fez agir da maneira como agiu: “tudo começou com uma discussão”, “a vítima disse mais do que uma vez que me matava e eu peguei na arma”, “a vítima foi buscar algo a casa da tia, mas não cheguei a ver o que era”, “foi uma questão de nervos”, “na altura não pensei”, “foi uma parvoíce, mas foi para me defender”.
Quando confrontado com a circunstância de que quando a discussão começou não estava na posse da arma, o recluso referiu que a casa dele era mesmo ao lado e que “tinha a arma em cima do frigorífico e que foi só esticar o braço para tirar a arma”.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida diz que “não devia ter a arma, mas era um bairro problemático, a arma era para se defender, para atirar uns tiros para o ar quando houvesse problemas, mas só lhe prejudicou a vida e a da vítima, não quer ter mais armas”.
Conforme decorre do acórdão condenatório, gerou-se uma discussão entre o recluso, a vítima e o condutor do veículo onde aquela se fazia transportar, acompanhada de impropérios dirigidos pelos dois últimos ao primeiro e depois prosseguida pelo recluso e pela vítima.
Na sequência dessa discussão, o recluso dirigiu-se a casa e foi buscar uma pistola semiautomática de calibre de 7,65 milímetros devidamente municiada e, com esta na mão, saiu para a rua.
É certo que NV..... tinha a arma em cima do frigorífico, porém, teve que se dirigir a casa para ir buscar uma pistola semiautomática de calibre de 7,65 milímetros devidamente municiada, não “foi só esticar o braço para tirar a arma”, como o mesmo alega.
Seguidamente, dirigiu-se ao ofendido, empunhando a referida arma.
Quando se encontrava a cerca de dois ou três metros da vítima, apontou a extremidade do cano da arma em direção ao corpo deste, após o que premiu o gatilho por duas vezes, disparando dois projéteis na direção das pernas do ofendido.
Ato contínuo, o recluso apontou a extremidade do cano da pistola ao peito do ofendido e premiu o gatilho da pistola pela terceira vez, disparando um projétil, que atingiu o ofendido no peito.
Imediatamente após os disparos, o recluso entrou no seu veículo e ausentou-se do local, tendo levado consigo a pistola, a qual veio a lançar ao Rio Tejo, junto da Ponte Vasco da Gama.
Quando refere que a arma só lhe prejudicou a vida e a da vítima, isso não é verdade, o recluso está a desresponsabilizar-se do que fez, a arma não se disparou sozinha, foi o recluso que premiu o gatilho e por 3 vezes.
Da factualidade dada como provada no acórdão condenatório não consta que NV..... tenha sido ameaçado de morte e por várias vezes pela vítima nem que esta tenha ido buscar algo a casa da tia.
De qualquer forma, e ainda que eventualmente tal tivesse sucedido, NV..... tinha ao seu dispor meios alternativos para acautelar o eventual receio que pudesse sentir quanto à preservação da sua integridade física, bastando refugiar-se em sua casa e solicitar a intervenção da autoridade policial para a desocupação da via, ao invés de se deslocar a casa e ir buscar uma arma para matar o ofendido.
Mais, a ser verdade que a arma que tivesse em casa fosse para se defender e para atirar uns tiros para o ar quando houvesse problemas, não se compreende que em vez de fazer isso tivesse disparado por 3 vezes contra a vítima.
O comportamento do recluso justifica-se com aquilo que ele referiu a propósito da sua maneira de ser “não é de se encolher em nada”.
A isto acresce que o recluso “acha que o tempo não faz nada quanto a isso, que nunca lhe propuseram nenhum programa e que não é um programa que vai mudar a sua maneira de ser, que uma cadeia não melhora ninguém” e que “se sair hoje ou daqui a 10 anos irá ser a mesma pessoa”.
O Tribunal entende, tal João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, na sua obra "Reclusão e Mudança" (in "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171) que "assumir a responsabilidade dos factos é o caminho para a mudança; sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos".
In casu, NV..... não assume a responsabilidade dos factos, continua a adotar uma postura desculpabilizante.
Importa realçar ainda que a abordagem às consequências dos crimes é direcionada para o prejuízo aos níveis pessoal e familiar, embora tenha noção, em abstrato, do desvalor e dos danos: “o tempo que está a cumprir pena foi um grande atraso na vida dele, quanto mais tempo passar na cadeia mais difícil vai ser recomeçar, aproveitou para tirar o curso da padaria e pastelaria que não poderia tirar em liberdade, causou sofrimento à família da vítima e à sua família”.
Declarou ainda que “nunca mais quer voltar para a prisão, nunca mais quer problemas com a justiça”.
Apesar de ao longo da execução da pena NV..... ter investido no aumento das suas competências escolares, profissionais e consolidação dos seus hábitos laborais, após a audição do recluso, ficamos com sérias dúvidas de que a reclusão tenha servido para o condenado repensar os seus pensamentos e comportamentos, e sobretudo para aprender a enfrentar situações de contrariedade e confronto, sendo que ainda subsistem necessidades muito prementes ao nível do autocontrolo, com tendência para agir de forma imponderada, défices que se não forem minimizados poderão colocar em risco a sua reinserção social.
Pese embora demonstre motivação para prosseguir com o seu processo de reinserção social, de forma responsável, ainda não interiorizou o sentido da pena, ainda carece de ancoragem prática, designadamente a integração em programas específicos de valorização pessoal (promovidos e aplicados pelos SAEP), com vista à aquisição de competências pessoais e sociais direcionadas
para a manutenção de um estilo de vida pró-social.
As circunstâncias, a gravidade e o modo de execução do crime de homicídio confirmam uma “atuação de cabeça quente”, realçando características de impulsividade que, se não forem ultrapassadas, não excluem o risco de reincidência criminal, se colocado em circunstâncias por si vivenciadas de forma idêntica.
O facto de referir que agiu por medo, de contextualizar a situação num alegado ato defensivo, o que é frontalmente contrariado pelos factos dados como provados no acórdão condenatório, faz-nos concluir, tal como a Ex.ma Sra. Procuradora refere no seu douto parecer, “que ainda necessita de evoluir ao nível da consciência crítica e interiorização do desvalor da sua conduta, bem como ao nível da superação das características de impulsividade, de forma a acautelar as exigências de prevenção especial ainda subsistentes no caso concreto, tendo em conta não só a gravidade do crime cometido, como as circunstâncias de cometimento, não se deixando de ter presente que afinal à data também já beneficiava de fatores de proteção, como o apoio familiar e hábitos de trabalho, o que não o impediu de cometer os crimes”.
Assim sendo, não é possível formular quanto ao recluso e à sua conduta futura um juízo de prognose favorável, pelo que não lhe pode ser concedida a liberdade condicional.

***
4.–DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos:
a)- não concedo a liberdade condicional a A.”

*
Fundamentos do recurso:

Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal).
A questão que cumpre apreciar é a de avaliação do preenchimento dos requisitos de natureza material para a concessão da liberdade condicional ao arguido recorrente.
Vejamos.
Dispõe o art.º 61º do Código Penal, que:
«1.A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
2.O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a)-For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b)- A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3.O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. (…).»

Resulta da análise do preceito citado que são pressupostos formais da liberdade condicional, para além do consentimento do condenado, que este tenha cumprido seis meses de pena de prisão e o decurso, no mínimo, de metade do tempo de prisão, pois apenas neste caso o tribunal de execução das penas estará em condições de avaliar a evolução da personalidade do agente durante a execução da pena.

No caso concreto, considerando que o condenado atingiu o meio da pena em 25.08.2020, os dois terços da mesma em 25.10.2022, estando previstos os cinco sextos para 25.12.2024 e o termo da pena para 25.2.2027, o Tribunal de Execução das Penas, no uso da sua competência e num juízo antecipatório emitido ao abrigo do disposto no artigo 61º, n.º 3 do CPenal, respondeu negativamente à questão de saber se a concessão de liberdade condicional seria adequada à realização das necessidades de prevenção especial.

Desta decisão do Tribunal de Execução das Penas veio o arguido interpor recurso alegando que cumpre todos os pressupostos formais e materiais para a concessão da liberdade condicional. Para além de ter dado o seu consentimento à aplicação do regime, de estarem cumpridos dois terços da pena a que foi condenado e de o Conselho Técnico ter emitido parecer favorável por unanimidade, tem reintegração laboral assegurada, está arrependido, tem bom comportamento no meio prisional, não tem antecedentes criminais encontra-se a laborar na cantina, demonstrando-se empenhado e responsável.

Sem dúvida que no presente caso em análise estão verificados os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (o que, aliás, nem sequer foi posto em causa): a aquisição temporal por estarem atingidos os dois terços da pena em que o arguido foi condenado e no mínimo seis meses da mesma (cf. art.º 61.º, n.º 3, do Cód. Penal); e o consentimento do condenado (cf. art.º 61.º, n.º 1, do Cód. Penal).

A concessão «facultativa» - Paulo Pinto de Albuquerque, Anotação ao artigo 61º, § 10, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2010 - da liberdade condicional depende exclusivamente da adequação da libertação do condenado com as necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial – art. 61º, nº 2, al. a) –, sejam necessidades de prevenção geral – art. 61º, nº 2, al. b).

Nesta fase (cumpridos dois terços da pena), como se elucidou na decisão recorrida, a concessão de liberdade condicional apenas deve ter como finalidade ser adequada às necessidades de prevenção especial, ainda que tal decisão não se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social (cf. art.º 61.º, n.ºs 2, al. a), e 3, do Cód. Penal).

Não estando em causa a ausência de algum pressuposto formal, importa centrar a análise do presente recurso na verificação do pressuposto substancial da concessão da liberdade condicional quando se mostrem cumpridos dois terços da pena de prisão ou seja quando for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Tal pressuposto de concessão da liberdade condicional deve, pois, ser contextualizado à luz das finalidades de reintegração que subjazem à aplicação das penas, conforme se estabelece no art.º 40.º, n.º 1, do Cód. Penal.

É o que resulta ainda do disposto no art.º 42.º, n.º 1, do CPenal e no art.º 2.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativas da Liberdade, de acordo com o qual “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção dos bens jurídicos e a defesa da sociedade.”

De tal normativo resulta que a ressocialização é perspectivada pela lei portuguesa como principal objectivo do ius puniendi (neste sentido Figueiredo Dias).

Acresce que, também a ressocialização dos condenados se apresenta, no nosso Estado de Direito, como um imperativo de carácter ético e constitucional.
Como refere Figueiredo Dias Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p.529, 553 - a “finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre – e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal – visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele”.
Analisada a decisão recorrida, percebemos que a não concessão da liberdade condicional se alicerça na forma de execução do crime e nos motivos que levaram à sua prática, na personalidade do arguido e nas dúvidas quanto à suficiente interiorização do sentido da pena e do desvalor da conduta.
É certo que não podemos esquecer as razões endógenas ligadas à personalidade do arguido e à gravidade do ilícito criminal cometido, que levantaram, sérias reservas à formulação de um prognóstico favorável no sentido supramencionado, isto é, que é seguro que o arguido em liberdade não vai cometer novos crimes e vai manter uma conduta conforme ao direito.
Ao contrário do referido pelo recorrente, a vida anterior do agente e a sua personalidade têm também que ser ponderadas na decisão de concessão da liberdade condicional nos termos do disposto no art.º 61.º, n.º 2, al. a), por força do disposto no art.º 61.º, n.º 3, do Cód. Penal, não significando tal exigência uma dupla apreciação dos factos ilícitos anteriormente cometidos, mas sim as concretas condenações sofridas, pelo que a valoração do passado criminal do recluso objeto de apreciação de concessão de liberdade condicional jamais viola o princípio ne bis in idem, o qual não tem cabimento nesta apreciação.
No entanto, compulsados os autos, verificamos que o condenado não tem antecedentes criminais, sendo esta a sua única condenação criminal. É certo que, tratando-se do cometimento do crime de homicídio, é com alguma frequência que se verifica que os arguidos não foram alvo de outras condenações. Ainda assim constitui facto a considerar na medida em que poderá representar um acto isolado, de elevadíssima gravidade sublinha-se, na vida do condenado.
O Conselho Técnico na totalidade da sua composição foi favorável à concessão da liberdade condicional ao arguido. E se a sentença teve por base, como se escreve na motivação da decisão de facto, os relatórios elaborados pelos serviços prisionais e pelos serviços de reinserção social, não pode ter deixado de ter em consideração o que se encontra escrito no relatório dos serviços prisionais, elaborado a 30.6.2021, e onde se escreve: “Em entrevista o recluso quando foi abordado para falar sobre o crime disse “destrui a família dele e a minha. Ele podia ser a pior pessoa do mundo, mas eu fui pior que ele. Destruí a família dele e isso ninguém tem o direito de fazer. Estou a pagar pelo que fiz”(sic). Reconhece-se a autocrítica manifestada pela interiorização do desvalor da conduta e o arrependimento genuíno pelo crime cometido e pelos danos causados na vítima.”
Também no relatório da reinserção social elaborado a 17.8.2022 se diz: “À semelhança de entrevistas anteriores, no que concerne à conduta criminal empreendida, A continua a evidenciar um discurso de assunção total dos factos e a denotar consciência crítica e pesar quanto ao sucedido, nomeadamente quanto ao bem jurídico lesado. Continua a reconhecer o erro e a culpa e, pese embora contextualize a situação num alegado ato defensivo, o seu arrependimento continua a aparentar ser genuíno. Releva-se para o facto de o condenado ter efetuado o pagamento espontâneo das despesas de saúde ao Hospital de Santa Maria. Concomitantemente, continua a reconhecer a existência de vítimas para além de si e da sua família, bem como o impacto na sociedade em geral dos crimes cometidos”.
Só do discurso verbal e do comportamento que possa refletir a disposição interior de arrependimento é que poderemos concluir se o condenado interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta. De todo o circunstancialismo provado não resulta nada de objectivo no sentido de que o condenado não está arrependido e não interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta. Repare-se que o que ficou assente nos pontos 27, 28, 31 e 32 da matéria de facto consiste essencialmente em citações do que o arguido declarou perante a M.ma Juíza do TEP no dia 29.9.2022 e, a nosso ver, não se pode dali retirar que o condenado não está arrependido ou não reconhece o desvalor da conduta. O caminho a percorrer com vista à ressocialização é um caminho longo cuja avaliação deve resultar de muitos momentos no percurso prisional e que se espelha nas atitudes, empenhamento, motivação, resultados alcançados pelo recluso, sem prejuízo naturalmente da importância das declarações prestadas.
O que concluímos é que as declarações do arguido não são de molde a infirmarem os elementos muito positivos constantes dos relatórios de avaliação, tanto mais que, embora centradas na sua pessoa e na sua família, as declarações do arguido reconhecem o desvalor e o dano da sua conduta pregressa e espelham o propósito claro de não reincidir.
O condenado será obrigatoriamente libertado a 25.12.2024, data em que cumpre cinco sextos da pena de prisão.    
Completou o 12º ano na prisão, tendo concluído o curso de Pastelaria/Padaria que lhe deu equivalência àquele grau de ensino.
Está inscrito para a frequência de programa de formação em meio prisional, mas ainda não foi selecionado.
Mostrou sempre vontade de trabalhar no EP, trabalhou na serralharia, no refeitório da ala e desde Janeiro de 2020, na cantina. É um trabalhador responsável, pontual e assíduo.
Está em regime aberto para o interior desde 22.12.2019 e já beneficiou de nove licenças de saída jurisdicional, com avaliações positivas. No espaço comunitário onde vivia antes da reclusão tinha uma imagem social positiva.
Mantém relações de cordialidade com os pares no EP.
Foram-lhe aplicadas duas medidas disciplinares ao longo da reclusão, uma repreensão e oito dias de permanência obrigatória no alojamento, datando a mais recente de 12.3.2018.
Não tem antecedentes criminais.
No exterior dispõe de apoio familiar consistente, por parte dos pais e irmã. Pretende viver com os pais, num apartamento que os pais adquiriram em 2020 na Charneca da Caparica, longe do local onde ocorreram os factos. Não são conhecidas reacções adversas à ida do condenado para aquele local.
Tem trabalho como canalizador na empresa “Proficaldas, Lda.- Electricidade e Canalização”.
Os elementos dos autos revelam empenhamento por parte do recluso no processo de readaptação social e de manutenção de conduta socialmente adequada.

Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.7.2016 (processo n.º 824/13.9-TXLSB-J.L1-3), in dgsi.pt:  “(…)Se a aplicação das penas tem em vista o afastamento do arguido do percurso criminoso, então, há que passar à prática a teoria e testar a liberdade condicional, ainda que possa parecer ao cidadão comum uma benesse.(…) O risco de reincidência está especialmente mitigado porque já estão ultrapassados os 2/3 da pena, face à ausência de antecedentes, à idade, ao apoio familiar e escrutínio social e às razões que apresentou para não integrar o programa com a postura perante a prática dos crimes. (…) E ainda como diz o mesmo desembargador (Vaz Pato): “Assim sendo, não se afigura que no caso vertente, seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado desvalorize a gravidade do crime (…) ou considere a pena excessiva, se dessa sua postura não resulta que há perigo de ele vir a cometer novos crimes.”

Perante o exposto, conclui-se que o sistema prisional cumpriu a sua função e é o momento de o recluso demonstrar que já consolidou os valores necessários à convivência em sociedade, através do instituto da liberdade condicional, mostrando-se, pois, verificados os pressupostos indicados na alínea a) do nº 2 do art. 61º do Código Penal.

Assim, considerando os elementos existentes nos autos e os factos apurados de tais elementos, há que concluir que se mostram verificados também os pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional, julgando-se o recurso procedente.   

III–DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo condenado e conceder a liberdade condicional a A, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja, até 25.02.2027.
O recluso fica vinculado, nos termos dos artigos 64.º e 52.º do Código Penal e 177.º, n.º 2, al. c) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sob pena de eventual revogação da liberdade condicional, ao cumprimento das seguintes obrigações e regras de conduta:
A)-Fixar residência na Rua Cidade de A_____, n.º ..., ..º Esq., C____ C____, residência que não poderá abandonar por prazo superior a 08 (oito) dias, sem prévia autorização do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, indicando para o efeito os motivos da ausência ou da alteração de morada;
B)-Aceitar a tutela da DGRSP e comparecer perante os respectivos técnicos sempre que convocado;
C)-Não praticar crimes ou quaisquer outros ilícitos e dedicar-se ao trabalho, fazendo-o de forma regular e honesta;
D)-Não acompanhar com pessoas ligadas à prática de actividades ilícitas.

*
Cumpra-se o disposto no número 3, do art. 177.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Para controlo da liberdade condicional, a DGRSP deverá apresentar relatórios semestrais de acompanhamento e relatório final de avaliação.
Passe e entreguem-se mandados para libertação do recluso, caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos.
Sem custas.



Lisboa, 9 de Fevereiro de 2023



Lídia Renata Goulart Whytton da Terra - (relatora)
(assinatura digital)

Maria José Cortes- (adjunta)
(assinatura digital)

Paula de Sousa Novais Penha- (adjunta)
(assinatura digital)