Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1412/20.9T8FNC-C.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
DURAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
A medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais não pode perdurar mais que 18 meses.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Em 05.05.2020, o Ministério Público requereu a abertura de processo de promoção e proteção relativamente a EC 13.11.2007, filho de JC e de AR.
Realizadas diversas diligências, em 13.07.2020, foi proferida sentença homologatória de acordo que consubstanciava a medida de apoio junto dos pais, com a duração de 12 meses.
Em 08.03.2021 o Tribunal determinou «a continuação da medida promocional de apoio junto dos pais».
Em 08.09.2021 o Tribunal determinou «a prorrogação por mais seis meses da medida promocional de apoio junto dos pais».
Em 10.03.2022, o Ministério Público apresentou promoção nos seguintes termos:
«(…)
 EC, nascido a 13.11.2007, beneficia da medida de apoio junto dos pais desde 13.07.2020.
Considerando que o jovem continua a apresentar desinvestimento escolar, problemas de comportamento com aplicação de sanções disciplinares e inclusive assunção de condutas de natureza criminal, p. se designe data para conferência com vista a delinear um novo projeto de vida para o jovem».
Em 11.04.2022, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão do seguinte teor:
«Por decisão judicial de 13 de Julho de 2020 foi aplicada favor de EC, nascido 13 de Novembro de 2007, a medida de apoio junto dos pais pelo período de 12 meses.
Em 8 de Março de 2021 procedeu-se à última revisão da medida promocional tendo sido determinado a continuação da execução da medida.
Estão decorridos mais de 21 meses desde a aplicação da medida promoção e protecção.
Conforme jurisprudência dos tribunais superiores, decorrido o prazo a que alude o artigo 63º, nº 1, alínea a), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, cessa a medida de promoção e protecção aplicada[1]. “A Constituição da República inclui, expressamente, as medidas de protecção, assistência e educação de menor em estabelecimento adequado, ao lado e ao nível das demais modalidades de restrição do direito fundamental à liberdade, apenas admissíveis pelo tempo e nas condições que a lei fixar ou decisão judicial determinar.” [2]
Destarte, em face do exposto, declaro cessada a medida de promoção e protecção de apoio
junto dos pais aplicada em benefício de EC, nascido 13 de Novembro de 2007.
Sem custas[3].
Registe e Notifique.
Dê conhecimento à EMAT desta decisão.
*
Considerando o relatório da EMAT solicite-se a esta entidade [que] pondere a aplicação de outra medida de promoção e protecção a favor do jovem e que informe o tribunal da disponibilidade dos pais e do jovem para a sua aplicação.
Notifique.»
Inconformado com tal decisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões:
«1- As medidas de promoção e proteção visam afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontre, bem como proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 34º, da LPCJP e 3º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança).
2- Dispõe o art.º 60º, da LPCJP a medida de promoção e proteção tem a duração estabelecida
no acordo, não podendo ter duração superior a 12 meses, sendo prorrogável até aos 18 meses.
3- Os processos de promoção e proteção pautam-se por uma avaliação prudencial, casuística e fundada em juízos de oportunidade, conveniência e equidade e que afastam, quando proveitoso, certos princípios formais que disciplinam a atividade processual do tribunal (Acórdãos do STJ 10-04-2008, 28-09-2010, 20-01-2010 e 21-10-2010, in www.dgsi.pt).
4- Só excecionalmente devem ser ultrapassados os prazos de duração das medidas, mas a natureza voluntária da jurisdição consente a prorrogação, desde que ocorra a efetiva subsistência da situação de perigo.
5- Face à natureza dos processos de promoção e proteção, às finalidades subjacentes, aos princípios que norteiam a intervenção, existem situações em que a efetiva proteção da criança impõe a manutenção da medida ou aplicação de nova medida, sob pena de se colocar a criança ou o jovem em situação de perigo.
6- Para efeitos de contagem de prazo de duração da medida afigura-se-nos não ser cumulável, medidas não judiciais e judiciais, ou seja, o prazo conta-se a partir da aplicação de dada uma
das medidas.
7- Quando a medida em meio natural de vida atinge os 18 meses, mas subsiste o perigo ou perigos e, a necessidade da sua manutenção, ou de aplicação de novamente da mesma medida, por ser essa a mais adequada a prosseguir as finalidades da intervenção, a mesma não pode cessar ou deve ser aplicada nova medida.
8- Sufraga-se o entendimento de Paulo Guerra in Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 3º edição, pág. 146 e ss, a medida pode ser prorrogada, ou pode ser aplicada nova medida, para o que deve ser convocada nova conferência nos termos do disposto no art.º 122º, da LPCJP.
9- Na situação em apreço, a pratica de factos de natureza criminal, não obstante o acompanhamento promocional e em sede de processo tutelar educativo – acompanhamento educativo – bem assim como o desinvestimento no percurso escolar e a ausência de adequada imposição de regras e limites por parte dos pais, sustentam a situação de perigo.
10- A continuação da intervenção é imperiosa, uma vez que o bem-estar, o equilíbrio emocional e o integral desenvolvimento do jovem.
11- A prorrogação até aos 18 meses, não se mostrou bastante para salvaguardar a situação do jovem e conferir a proteção de que carece e, face aos contornos da situação não é previsível que seja ultrapassada de outra forma.
12- Importa prosseguir com a intervenção de molde a que o jovem alcance uma maior contenção comportamental, defina planos a longo prazo, e por forma a prevenir futuras situações de desajustamento comportamental, sendo fundamental continuar a desenvolver um trabalho de psicoeducação e de sensibilização junto do próprio jovem e dos pais, na qualidade de figuras de referência e de principais agentes de educação e formação.
13- A intervenção em meio natural de vida permite a continuidade das relações psicológicas
profundas, respeitando o direito da criança à preservação das suas relações afetivas estruturantes, de grande significado e, fundamentais para o seu saudável e harmonioso desenvolvimento.
14- É a que melhor se adequada à concreta situação da criança e do seu agregado familiar, interferindo o estritamente necessário na sua vida e na sua família e, que garante o seu superior interesse.
15- O jovem assume comportamentos que afetam gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais se lhe oponham de forma adequada a remover
essa situação – artigo 3º, n.º 2 al. g) da LPCJP – e que legitima a aplicação de uma medida de promoção e proteção.
16- A Mmª Juiz ao determinar cessada a medida de promoção, sem ponderar a aplicação de nova medida em meio natural de vida ou a substituição por medida de colocação, fez errada a aplicação das disposições conjugadas dos arts. 3º, da Convenção sobre os Direitos da Criança, arts. 36º, nº 5 e 6 e 68º, da Constituição da República Portuguesa, e arts. 3º, 4º, 34º, 35º, e 60º da LPCJP.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com o alegado, determinando-se o prosseguimento dos autos para conferência nos termos do art. 112º, da LPCJP».
Notificado das alegações, os pais do menor não contra-alegaram.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atento o constante dos autos principais, nomeadamente o teor integral da decisão recorrida e as conclusões deduzidas pelo Recorrente está ora em causa apreciar e decidir tão-só se a medida de proteção e promoção de apoio juntos dos pais aplicada por decisão judicial de 13.07.2020 pode ainda ser prorrogada.
Com efeito, a decisão recorrida não determinou o arquivamento dos autos, nem indeferiu a promovida conferência «com vista a delinear um novo projeto de vida para o jovem».
Pelo contrário, os autos prosseguiram, tendo o Tribunal recorrido solicitado diligências complementares à EMAT.
O que o Tribunal recorrido determinou foi a cessação da medida de apoio junto dos pais, por se mostrar esgotado o prazo legalmente conferido para aplicação de tal medida de promoção e proteção, sendo que o Tribunal recorrido nada disse quanto à conferência promovida pelo Ministério Público.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzida.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Segundo o disposto no artigo 35.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, adiante designada por LPCJP, o apoio junto dos pais constitui uma das medidas de promoção e proteção de menores em perigo.
Nos termos do artigo 39.º da mesma Lei, tal medida «consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica»
Sob a epígrafe «duração das medidas no meio natural de vida, o artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da LPCJP dispõe que a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais «tem a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial», não podendo em todo o caso ter «duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos».
De acordo com o preceituado no artigo 63.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP, «[a]s medidas cessam quando decorra o respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação».
Ou seja, do apontado regime legal decorre que a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais não pode perdurar mais que 18 meses.
O elemento literal de interpretação justifica que assim se entenda.
Com efeito, o referido artigo 60.º, n.º 2, da LPCJP determina que a medida «não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses» - negrito da autoria dos aqui subscritores.
O apontado artigo 63.º, n.º 1, alínea a), refere que as medidas de promoção e proteção em causa «cessam» com o decurso do «respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação» - negrito igualmente da autoria dos aqui subscritores.
Estabelece-se, assim, um termo final para a medida em apreço, o que confere ao referido prazo de 18 meses uma natureza perentória.
O elemento sistemático também impele a um tal entendimento: conforme decorre do artigo 60.º, n.º 3, da LPCJP, quando o legislador pretendeu que a medida de promoção e proteção perdurasse para além dos 18 meses consignou-o expressamente.
Finalmente, o elemento teleológico também justifica um tal entendimento.
Visando a aplicação das medidas de promoção e proteção uma intervenção célere, eficaz e pontual na vida do menor em situação de perigo, o qual, assim, se visa proteger, com uma intervenção judicial que se pretende mínima na situação em causa, o protelamento da medida tutelar para além daquele prazo limite de 18 meses revela-se contrária ao espírito que preside a uma tal intervenção.
O decurso de tal prazo sem atingir os resultados almejados apenas revela a inoperacionalidade da medida adotada, justificando um outro tipo de intervenção, mais proactiva e eficaz.
Não vale a pena insistir no que não deu resultado em 18 meses.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2019,
processo n.º 827/15.9T8CBR-D.C1, www.dgsi.pt/jtrc
«As medidas de promoção têm um carácter de provisoriedade e, por isso, sujeitas a um prazo máximo de vigência ou duração e finda esta, mantendo-se a situação de perigo que as motivou é porque a medida aplicada não foi eficaz, não sendo desejável a sua prorrogação, havendo que reanalisar a situação que as determinou e, sendo esse o caso, se necessário, partir para a aplicação de outras medidas que, de forma eficaz, salvaguardem o interesse do menor».
«O que, salvo o devido respeito, não pode, é eternizar-se a aplicação de uma medida, que o legislador pretendeu não se prolongar por mais do que um certo período de tempo, com o fundamento em que a situação ainda não está consolidada, de molde a salvaguardar o interesse do menor».
«Este (…) é a pedra basilar do processo de promoção e protecção. Não surtindo efeito a medida aplicada, a solução não passará pela sua aplicação indefinida no tempo ou para lá do expressa e legalmente determinado, havendo que buscar outras soluções ou, pelo menos, reiniciar o processo de avaliação da situação em causa».
Também no sentido de que as medidas de promoção e proteção indicados no referido artigo 60.º, n.º 1, da LPCJP não podem em caso algum ser aplicadas por período superior a 18 meses vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.07.2021, processo n.º 2943/20.6T8CBR-A.S1, e de 23.08.2021, processo n.º 2476/18.0T8VFX-B.L1.S1, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.03.2009, processo n.º 572/04.0TMLSB.L1-7, e de 27.03.2014, processo n.º 2333/11.1 TBTVD.L1-6, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.06.2015, processo n.º 2110/11.0TMPRT.G1, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08.07.2008, processo n.º 1823/08-2, e de 24.10.2019, processo n.º 2650/16.4T8PTM.E1, todos in www.dgsi.pt.
A natureza de jurisdição voluntária dos autos não justifica entendimento diverso do aqui sufragado, como pretende o Recorrente, pois tal natureza reflete-se no mérito da decisão e não na interpretação do normativo processual-legal aplicável.
Finalmente, diga-se que não se vislumbra que o entendimento aqui seguido, igualmente sufragado pelo Tribunal recorrido, contrarie direito convencional, constitucional ou legal, nomeadamente o indicado pelo Recorrente que na matéria se limitou a indicar um conjunto de preceitos jurídicos, sem qualquer explicitação quanto aos termos que tem por violados, o que justifica que este Tribunal se quede em tal matéria igualmente nestes termos.   
Improcede, pois, o presente recurso.

V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas – artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 14 de julho de 2022
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
Inês Moura
_______________________________________________________
[1] Vide v.g. Acórdãos dos Tribunais da Relação de Coimbra de 15.01.2019, Prcº 827/15.9TCBR-D.C1; Relação de Guimarães de 11.06.2015, Prcº 2110/11.0TMPRT.G1; Relação de Lisboa, Prcº 2333/11.1TBTVD.L1-6; Relação de Évora de 8 de Junho de 2008, Prcº 1823/08-2; Supremo Tribunal de Justiça de 23.08.2021, Prcº 2476/18.0T8VFX-B.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Julho de 2021, Prcº 2943/20.6T8 CBR-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj.
[3] Artigo 4º nº 1 alínea a) do Regulamento das Custas Processuais