Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15477/20.0T8LSB-A.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ARGUIÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CASO JULGADO
PRECLUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário da responsabilidade do Relator:
I- O art.º 97/2 estatui que a “violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este até ao início da audiência final”.
II- No caso processualmente havia lugar ao despacho saneador. Comprovando-se nos autos que no despacho de 28/2/2023 que dispensou a audiência prévia e lavrou despacho saneador, pelas razões dele  constantes, não foi sequer proferido despacho tabelar sobre a competência em razão da matéria, na certeza de que também as Rés não suscitaram a excepção de incompetência material, tendo o Tribunal apenas conhecido da competência em razão da nacionalidade e da hierarquia e que, depois de proferido o despacho em causa, cerca de um mês depois, vieram as rés suscitar a questão da incompetência material do Tribunal recorrido, tendo por suporte uma inversão da tendência jurisprudencial que identificam, para além de reclamarem do despacho proferido sobre outras matérias, vindo o Tribunal recorrido então a proferir despacho de 23/6/2023 com o seguinte teor: “Para realização da audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 593º, n.º 3 do C.P.C., designo o dia 26 de Outubro de 2023, pelas 10h30m.”, porque o art.º 593/2 permite às partes reclamar do despacho sobre a adequação formal da alínea b), do n.º 2, do art.º 593, do despacho saneador na parte que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas de prova (n.º 1 do art.º 506 e alínea c) do n.º 2 do art.º 593) ou na parte em que programou os actos a realizar na audiência final (alínea d) do n.º 2 do art.º 593), não vindo prevista a hipótese de uma audiência prévia marcada ao abrigo do disposto no art.º 593/3 para discutir uma nova excepção que deveria ter sido suscitada na contestação ou que não foi oficiosamente conhecida no anterior despacho saneador, não tendo chegado a ocorrer, sequer, decisão tabelar sobre a competência material, em boa verdade não se pode falar em caso julgado porque a questão da competência nem foi arguida pelas partes nem foi oficiosamente suscitada pelo tribunal recorrido, não ocorre qualquer nulidade e  face à letra da lei encontra-se precludido o direito de arguir ou conhecer a excepção da incompetência material quando esta apenas respeita aos tribunais judiciais-como é o caso dos autos- como estabelece o n.º 2 do art.º 97.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO

APELANTES/RÉS: BISON BANK, S.A e BISON CAPITAL FINANCIAL HOLDINGS (HONG KONG) LIMITED
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APELADO/AUTOR: PC
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Com os sinais dos autos. Valor da acção: € 1.733.909,61 euros (despacho de 28/2/2023)
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I. Inconformada com a decisão de 7/12/2023, que, entre o mais decidiu “...Vieram ambas as partes deduzir reclamação ao despacho saneador e de identificação do objecto do litígio/selecção dos temas da prova, nos termos que constam dos respectivos requerimentos. 1. Excepção de incompetência: havendo, numa ordem lógica, de abordar, em primeiro lugar, a alegação de incompetência em razão da matéria agora efectuada pelas Rés, cumpre consignar, desde já, que assiste total razão ao Autor, quando afirma que esta alegação é processualmente extemporânea. De facto, tendo sido proferido despacho saneador por escrito, num quadro em que se dispensou a realização da audiência prévia, não pode a parte já, nesta fase, vir pôr em causa este pressuposto processual: a realização de audiência prévia só pode ser convocada nos termos permitidos pelo artigo 593º, n.º 3 do C.P.C., para apreciação das matérias elencadas nas alíneas b) a d) do número anterior. Querendo por em causa a decisão sobre a competência do Tribunal (sobre a matéria ou outra), que integra o saneamento do processo, a parte poderá, apenas, recorrer. Termos em que se indefere esta parte da reclamação. Quanto à prova documental requerida pelas RR.: Vieram as RR. requerer a junção de documentos (seja em poder da parte contrária, seja por terceiro), por referência aos anos de 2010 até ao presente, para contraprova dos artigos 62.º e 79.º a 81.º da P.I., bem como para prova de factos alegados no capítulo C.IV, subcapítulo IV da contestação, ao que o A. já veio manifestar a sua oposição. Sendo pacífico que a factualidade em questão, sendo constitutiva da causa de pedir da presente acção, trata-se de factualidade que o ónus da prova incumbe exclusivamente ao A.. Ponderando que a suposta contraprova a que as RR. se referem, é na realidade, uma defesa por impugnação (e não por excepção), para que essa factualidade venha a final a dar-se por não provada (não havendo lugar a prova de factualidade diversa, que sequer foi alegada), não vemos utilidade na recolha de elementos documentais tão abrangentes como aqueles ora pretendidos pelas RR., o que constituiria uma tarefa probatória previsivelmente difícil e morosa, para além de desnecessária do ponto de vista das RR., como agora se salientou. Pelo exposto e considerando também a posição do A., defere-se parcialmente este requerimento probatório, devendo o A. efectuar junção aos autos daqueles elementos, mas reportados a partir do ano de 2020. Prazo: 30 dias” consequentemente absolveu os RR da instância dela apelou a Autora, em cujas alegações conclui em suma:       
a) Como acto prévio do Despacho Saneador, o Tribunal dispensou a realização da audiência prévia, sem que tenha sido dado previamente contraditório às Recorrentes e ao Recorrido quanto à possibilidade da dispensa da mesma. A primeira audiência prévia encontrava-se agendada para 27.02.2023, a qual apenas não teve lugar por motivo de greve dos senhores oficiais de justiça, tendo o Tribunal decidido dispensar a sua realização e proferir o Despacho Saneador tabelar. O Despacho Saneador é totalmente omisso quanto à competência em razão da matéria do Tribunal. Notificadas as Recorrentes apresentaram o Requerimento de 15.03.2023 onde informaram que pretendiam suscitar a incompetência do Tribunal quanto à matéria e requereram a realização de audiência prévia. O Despacho Saneador não faz caso julgado formal quanto à competência em razão da matéria do Tribunal, na medida em que a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria foi suscitada pelas Recorrentes e deve ser objeto de pronúncia pelo Tribunal, a nulidade do despacho saneador comunica-se apo despacho recorrido (artigo 608.º, n.º 2 e 615/1/d do CPC); subsidiariamente, (ii) o Despacho Recorrido é ainda nulo na parte que considera intempestiva a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria; e (iii) o Despacho Recorrido na parte em que indefere o requerimento probatório de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro comprime o direito à contraprova das Recorrentes, sendo admissível o recurso. [Conclusões A a M]
b) A questão da incompetência em razão da matéria do Tribunal surgiu na sequência da recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que passou a adoptar uma interpretação mais ampla do conceito de “direitos sociais”, previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, sendo o pedido e a causa de pedir da mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça idênticos aos dos presentes autos. Esta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022 é posterior à data em que as Recorrentes apresentaram a Contestação (09.07.2021), pelo que as Recorrentes pretendiam arguir a excepção dilatória no início da audiência prévia que, inesperadamente, não se chegou a realizar na data designada por motivo de greve. No dia seguinte à data para a qual a audiência prévia se encontrava agendada, foi proferido o Despacho Saneador a dispensar a realização da audiência prévia sem que tenha sido dado previamente contraditório às Recorrentes e ao Recorrido quanto à possibilidade da dispensa da mesma, pelo que o Despacho Saneador constituiu uma decisão-surpresa. O Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de 19.05.2021, proferido no âmbito do processo n.º 713/19.3T8BJA.E1.S1, menciona expressamente que a decisão tabelar efetuada no despacho saneador a respeito dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as excepções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada a arguição da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria invocada pelas Recorrentes no Requerimento de 15.03.2023 não é extemporânea, ao contrário do que resulta do Despacho Recorrido, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as excepções que, no Despacho Saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada, pelo que a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria invocada pelas Recorrentes no Requerimento de 15.03.2023 deveria ter sido objeto de decisão do Tribunal no âmbito da audiência prévia que se realizou em 07.12.2023. No mesmo sentido do Supremo Tribunal de Justiça, veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2014, proferido no âmbito do processo n.º 4654/06.6TBCSC.L1-6 não tendo o Despacho Saneador apreciado, concretamente, a questão da competência em razão da matéria do Tribunal, não se formou caso julgado formal quanto a esta questão, pelo que a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria alegada pelas Recorrentes no Requerimento de 15.03.2023 corresponde a uma questão que deve ser conhecida pelo Tribunal (artigo 608.º, n.º 2 do CPC). [Conclusões N a GG]
c) Subsidiariamente, o  despacho saneador procedeu à dispensa da audiência prévia num momento em que se tinha considerado anteriormente relevante a sua realização e sem conferir previamente contraditório às partes A preterição de contraditório, em particular pela dispensa ilegal da audiência prévia, constitui uma nulidade que se comunica à decisão final, a ser proferida que afeta necessariamente os atos processuais anteriormente praticados na parte em que afetam a decisão final (art. 3.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC). Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2021, proferido no âmbito do processo n.º 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1. Por outro lado, o despacho saneador não se pronuncia quanto à competência do Tribunal em razão da matéria e as Recorrentes invocaram a intenção de discutir essa mesma excepção dilatória e os seus respetivos fundamentos no requerimento de 15.03.2023, pelo que se verifica, igualmente, uma omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC). Caso se tivesse sido concedido o contraditório prévio, permitiria, desde logo, às recorrentes alegar e expor a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal, o que bastaria para se concluir pela necessidade de realização de audiência prévia. O fundamento da intempestividade da incompetência em razão da matéria decorre de um acto processual nulo por preterição de contraditório das recorrentes - o despacho saneador -, sendo esta nulidade comunicável à decisão final - o despacho recorrido Ora, se não foi dada a oportunidade às recorrentes para se pronunciarem quanto à dispensa de audiência prévia em que seria proferido o despacho saneador é evidente que o despacho recorrido na parte em que considera a excepção dilatória de incompetência material intempestiva é nulo, visto que o fundamento principal do indeferimento decorre da preterição do contraditório necessário (artigos 3.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC). Era imperativo a concessão de contraditório às Recorrentes, visto que as mesmas sempre se pronunciariam pela necessidade de realização da audiência prévia, não só para discussão de direito da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, mas também para discussão de direito quanto a questões de mérito legalmente inadmissíveis – valor indemnizatório peticionado pelo Recorrido por manifesta improcedência parcial do valor peticionado, em virtude do quadro legal aplicável (artigo 403.º, n.º 5 do CSC) que prevê a limitação do direito à indemnização pelos danos sofridos sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que o administrador foi eleito. A nulidade do despacho saneador na parte em que dispensa a audiência prévia, com preterição de contraditório necessário, é comunicável ao Despacho Recorrido, constituindo uma situação de excesso de pronúncia (na decorrência da violação do contraditório) (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, mas, também porque só no Despacho Recorrido é que foi apreciada, pela 1.ª vez, a competência em razão da matéria do Tribunal, constituindo esta uma omissão de pronúncia do Despacho Saneador que se comunica ao Despacho Recorrido (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC), não pode o Tribunal a quo estribar o indeferimento da arguição da exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal num Despacho nulo –sublinhado nosso-[Conclusões HH a XX]
d) Na sequência da esperada revogação do despacho recorrido por força da não formação de caso julgado formal do despacho saneador quanto à competência em razão da matéria do Tribunal ou, subsidiariamente, perante a nulidade do despacho recorrido, entendem as recorrentes que o Tribunal ad quem poderá conhecer a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo. O pedido deduzido pelo recorrido e a causa de pedir articulada na petição inicial encontram fundamento no regime de direito societário: (i) o pedido é de pagamento de créditos remuneratórios de administrador destituído sem justa causa; e (ii) a causa de pedir funda-se (a) na destituição sem justa causa; (b) na deliberação unânime por escrito de destituição do Recorrido do cargo de administrador do Bison Bank com falsas imputações; e (c) no assédio resultante de pressões exercidas no seio do Conselho de Administração do Bison Bank e/ou pela acionista Bison Capital do modo como o Recorrido configurou a relação controvertida, verificamos que o objeto do processo incide sobre um verdadeiro conflito societário entre: (i) a sociedade; (ii) o administrador; e (iii) o accionista único, visto que o Recorrido peticiona o pagamento de créditos remuneratórios e o ressarcimento de danos todos eles resultantes da destituição do seu cargo de administrador. Neste sentido, o Recorrido propôs a acção no Juízo Central Cível, (sublinhado nosso), pese embora o pedido e a causa de pedir da acção permita qualificar o litígio, cuja competência material se encontra atribuída aos Juízos de Comércio, na medida em que a resolução do litígio se encontra sujeita ao regime do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ. Não tendo o conceito de “direitos sociais” sido objeto de concretização pelo legislador, o seu sentido é aferido por referência à jurisprudência mais recente, tendo a matéria sido objeto, nomeadamente do Acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 24.02.2022, Processo n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1 cuja factualidade e configuração da ação (pedido e causa de pedir), são idênticas aos presentes autos, adotando-se uma interpretação mais ampla do artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ. Ao demandar o Bison Capital, acionista única do Bison Bank, o Recorrido estendeu o conflito societário à acionista do Bison Bank, pelo que o conflito societário subjacente ao crédito remuneratório e/ou indemnizatório do administrador abrange tanto a sociedade como a sua accionista. Assim, a presente acção, tal como configurada pelo Recorrido, está sujeita à aplicação de normas e princípios fundamentais de direito societário, visto que os factos que constituem o pedido e a causa de pedir pressupõem a aplicação do regime de direito societário. Consequentemente, na sequência esperada revogação do despacho recorrido ou da declaração de nulidade do Despacho Recorrido, ambos na parte em que considera intempestiva a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, requer-se, muito respeitosamente, que seja julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal a quo, nos termos dos artigos 64.º, 65.º, 96.º, alínea a) e 577.º, alínea a) do CPC e do artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, devendo as Recorrentes ser absolvidas da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC.[Conclusões YY a III]
e) Finalmente e caso não se entenda que o Despacho Recorrido é nulo e se considere o Tribunal a quo materialmente competente, (sublinhado nosso) o despacho recorrido deverá ser parcialmente revogado na parte em que indefere o requerimento probatório das recorrentes. As recorrentes não têm acesso à documentação relevante para realizar a sua contraprova quanto ao facto absolutamente determinante para o cálculo da avultadíssima indemnização que é peticionada. O despacho recorrido indeferiu o requerimento probatório de junção aos autos dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros permitindo apenas a obtenção dos documentos peticionados pelas recorrentes por referência a 2020 com relevo circunscrito ao pedido de indemnização correspondente às remunerações até ao final do mandato em curso, que terminava em 31.12.2020, negligenciando a relevância de um pedido de condenação no valor de €1.200.000,00. Contudo, permanecendo a matéria factual controvertida o recorrido terá oportunidade de recorrer a outros elementos probatórios para sustentar o seu nível remuneratório (sublinhado nosso) e as recorrentes encontrar-se-ão numa situação em que o seu direito à contraprova se encontra comprimido, visto que o requerimento probatório só pode ser alterado até à audiência prévia, no caso de não ser revogado a decisão do tribunal no despacho recorrido, e não sendo o processo munido dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros relativos às remunerações do recorrido e sendo a factualidade alegada pelo recorrido dada como provada com base em mera prova testemunhal, a decisão final será certamente revogada tornando inútil a prova produzida no julgamento, em resultado da limitação do direito à contraprova das Recorrentes. O direito à contraprova corresponde a uma das concretizações do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP, tal como refere o Acórdão da Relação de Évora de 14.07.2021, proferido no âmbito do processo n.º 11962/16.9YIPRT-B.E1. É essencial para a defesa das recorrentes e para contraprova dos artigos 80.º e 81º.º da petição inicial que se obtenham os documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, requeridos no requerimento de 15.03.2023 , desde a mencionada data de 2010 - por ter sido essa a data invocada pelo recorrido na sua petição inicial - para apuramento da verdade material quanto ao valor médio anual das suas remunerações durante o indicado período, o que determina o calculo da indemnização peticionada no valor de €1.200.000,00. Neste sentido, atendendo à relevância documentos em poder da parte contrária ou de terceiros para a instrução da causa e para resposta aos temas da prova, requer-se, muito respeitosamente, que se revogue o Despacho Recorrido e se ordene a junção aos autos dos Documentos em Poder da Parte Contrária ou de Terceiros. [Conclusões JJJ a VVV]
Termina pedindo a revogação da decisão, na parte em que julga intempestiva a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, por não se ter consolidado caso julgado formal quanto à competência em razão da matéria do Tribunal no Despacho Saneador, nos termos dos artigos 100.º e 620.º do CPC e, em consequência, dever-se-á conhecer da incompetência em razão da matéria do tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa), devendo ser as recorrentes absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC; SUBISIDIARAMENTE Deve o Despacho Recorrido ser declarado nulo, na parte em que julga intempestiva a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, nos termos dos artigos 3.º n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, e, em consequência, dever-se-á concluir pela incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa) e as Recorrentes serem absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC; CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, deve o despacho recorrido ser parcialmente revogado na parte em que indefere o requerimento probatório das recorrentes de junção dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, ordenando a junção aos autos dos documentos que o despacho r4ecorrido não admitiu, em particular as contribuições para o Instituto da Segurança Social, I.P. que o recorrido tenha efetuado desde o ano de 2010 até 2020, a declaração fiscal do recorrido relativa aos anos de 2010 até 2020, os recibos comprovativos das remunerações pagas ao recorrido pelo AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E de 28.04.2014 a 21.10.2016; e as respectivas liquidações efetuadas ao recorrido pela Autoridade Tributária por referência aos exercícios de 2010 a 2020. II - Deverá ser ordenada a junção aos autos dos seguintes documentos em poder de terceiros, caso o Recorrido não venha a cooperar com o Tribunal, em particular: A) Deverá ser ordenada à Autoridade Tributária a junção dos seguintes documentos: 1. As declarações fiscais do recorrido, apresentadas por referência aos exercícios de 2010 até 2020; e 2. As liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária relativas aos anos de 2010 até ao ano de 2020. B) Deverá ser ordenada ao Instituto da Segurança Social, I.P. a junção aos autos dos seguintes documentos: as contribuições para o Instituto da Segurança Social, I.P. que ora recorrido tenha efetuado desde o ano de 2010 até 2020. C) Deverá ser ordenada ao AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E, com morada na Rua Júlio Dinis, n.º 748, 8.º Dto, 4050-012, Porto, a junção aos autos da seguinte informação e documentos: indicação de todos os valores pagos ao recorrido a título de remuneração no período de 28.04.2014 a 21.10.2016, ou até à data da cessação de funções do Recorrido, bem como proceder ao envio ao Tribunal dos correspondentes recibos comprovativos de pagamento de todas as remunerações que pagas ao Autor no período em que o mesmo exerceu funções de administrador.
I.2. Em contra-alegações, em suma, conclui o Autor:
I. O Despacho Saneador foi proferido em 28.02.2023 e as RR só arguiram a incompetência do tribunal em razão da matéria por requerimento de 15.03.2023.
II. Nos termos do art. 97º/2 do CPC, a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.
III. As RR não recorreram do Despacho Saneador, pelo que, transitado este em julgado, fixada ficou a competência do Tribunal em razão da matéria.
IV. As RR alteraram o seu requerimento probatório, requerendo que o Autor e terceiros sejam notificados para juntar vasta documentação sobre todas as remunerações, declarações fiscais e descontos, do Autor, desde 2010, com isso pretendendo fazer contraprova do seguinte facto alegado pelo Autor – que, desde 2010, a tem auferido uma remuneração anual média de €120.000,00 ano.
V. O Autor alegou este facto como como um (entre outros possíveis) elemento de cálculo do valor/quantificação dos demais danos patrimoniais cujo ressarcimento peticiona, decorrentes da sua destituição com (falsa) alegação de justa causa e dos (falsos) fundamentos constantes da respetiva deliberação.
VI. Recai sobre o Autor o ónus de o provar.
VII. A contraprova que as RR pretendem realizar é por impugnação e não por exceção (ou seja, não pretendem provar outros factos que contradigam o efeito do facto que ao Autor cabe provar, pelo que a sua contraprova não é relevante, quanto mais essencial, para a defesa das RR.
VIII.   Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias.
IX. O despacho recorrido efectuou corretamente a ponderação que se impunha sobre a oportunidade de impor ao Autor e a terceiros a junção de documentação tão extensa e tão distante no tempo, para contraprova por impugnação de um facto cujo ónus probatório recai integralmente sobre o Autor.
X. Pelo que bem decidiu o douto Despacho recorrido:
- quer a improcedência da excepção dilatória invocada pelas RR,
- quer o parcial deferimento do requerimento probatório da RR, determinado que o Autor junte os elementos solicitados reportados aos anos de 2020 e seguintes (e não a partir do ano de 2010).
I.4 Questões a resolver:
a) Saber se não se consolidou caso julgado formal quanto à competência em razão da matéria do Tribunal no despacho saneador, nos termos dos artigos 100.º e 620.º do CPC e, em consequência, dever-se-á conhecer da incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa), devendo ser as Recorrentes absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC
b) Subsidiariamente saber se o despacho Recorrido ser declarado nulo, na parte em que julga intempestiva a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, nos termos dos artigos 3.º n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, e, em consequência, dever-se-á concluir pela incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa) e as Recorrentes serem absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC.
c) Subsidiariamente  saber se deve o despacho recorrido ser parcialmente revogado na parte em que indefere o requerimento probatório das Recorrentes de junção dos Documentos em Poder da Parte Contrária ou de Terceiros, ordenando a junção aos autos dos documentos que o Despacho Recorrido não admitiu.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além da decisão recorrida acima transcrita, interessam os seguintes factos documentalmente assentes:
- O Autor popôs contra as Rés a presente acção declarativa de condenação onde pede a condenação das rés a condenação a) da 1.ª ré a pagar-lhe €432.000,00 (quatrocentos e trinta e dois mil euros), correspondente aos montantes que tinha direito a receber até ao termo do seu mandato que estava em curso quando foi destituído sem justa causa) €1.909,61 (mil novecentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), a título de reembolso de despesas suportadas pelo Autor por conta e no interesse da 1ª Ré, b) a  1ª e 2ª Rés solidariamente €1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros), a título de ressarcimento dos demais danos decorrentes da sua destituição sem justa causa; e€150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de ressarcimento dos danos morais causados com o ilegítimo assédio perpetrado contra o Autor desde o início de 2019 e com as falsas imputações contidas na deliberação da sua destituição  montante correspondente aos juros legais de mora, à taxa de 4% ao ano, vencidos e vincendos: desde 15/10/2019, até à data do seu integral pagamento, no caso dos montantes peticionados em a);e desde a data da citação e até à data do seu integral pagamento, no caso dos montantes peticionados em b). Em suma alega que em 2016 a 2ª Ré celebrou com a sociedade portuguesa OITANTE, S.A. um contrato de compra e venda de 100% do capital social da 1ª Ré (então denominada BANIF – BANCO DE INVESTIMENTO, S.A.). Em 21/10/2016, a 2ª Ré entregou ao Autor uma proposta, que este aceitou, de trabalhar na 2ª Ré, com a categoria de “Executive Director” e “CEO”, por 3 anos, com o salário anual de €250.000,00, mais bónus anual, logo após o capital da 2ª Ré ser adquirido pela 1ª Ré (ou seja, após a aprovação desta aquisição Na mesma data, a 2ª Ré celebrou com o Autor (e com uma sociedade unipessoal da qual ele era o único sócio e gerente), um contrato pelo qual pelas autoridades bancárias) este se obrigou a renunciar, no prazo 5 dias, ao cargo de administrador da AICEP - Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E., que desempenhava desde 2014, em contrapartida, a 2ª Ré ficou obrigada a pagar-lhe €11.000,00 por mês, até que o Autor iniciasse funções na 1ª Ré, a 2ª Ré ficou ainda obrigada a pagar ao Autor uma compensação de €250.000,00, caso não se viesse a concretizar a aquisição do capital da 1ª Ré a 2ª Ré concretiza a aquisição do capital da 1ª Ré e, em 03/08/2018, nomeia para a 1ª Ré o seguinte conselho de administração, para um mandato de 4 anos (2018-2021 LY; ED: PC (o ora Autor); e - FO E, em 19/11/2018, nomeia administrador AR em 23/11/2018, altera a designação da 1ª Ré, de Banif –Banco de Investimento para Bison Bank, S.A. A 1ª Ré tinha um projeto ambicioso (mas que se revelou irrealista) de crescimento económico aprovou uma Commercial Strategy, que consistia na captação, pelo Autor, de oportunidades de negócio destinadas a clientes oriundos da China, angariados pela estrutura da 2ª Ré em Hong Kong - 165 clientes em 2019 e 280 em 2020; a 2ª Ré não angariou quaisquer clientes oriundos da China para as oportunidades de negócio promovidas pelo Autor, não obstante os aturados esforços do Autor, que inclusivamente chegou a ter viagens marcadas para a China a fim de contactar potenciais clientes oriundos da estrutura que as Rés diziam possuir localmente, as quais foram canceladas pela 1ª Ré, o que leva a supor que afinal as Rés não tinham clientes na China para as áreas de negócio da 1ª Ré em Portugal, ao contrário do que sempre disseram ao Autor e constava do plano de negócios apresentado ao Banco de Portugal para fins de autorização de aquisição da 1ª Ré pelo “grupo Bison do lado do Autor, este business plan foi cumprido – angariou diversas oportunidades de investimento. O Autor tinha identificado 48 oportunidades de negócio, relativas a potenciais clientes com os quais já tinha iniciado negociações as Rés, porém, não angariaram quaisquer investidores para a concretização de tais oportunidades de negócio, em Junho de 2019, as Rés assumiram formalmente que não angariaram nem iriam angariar clientes chineses, a partir de janeiro de 2019, a 2ª Ré e a restante administração da 1ª Ré, em particular os seus administradores chineses, começaram a exercer enormes pressões sobre o Autor para que fossem alcançados os objetivos mirabolantes a que se tinham comprometido perante a “casa-mãe” a 2ª Ré, em junho de 2019, produziu na China e enviou ao Autor um libelo acusatório (tão genérico quão absurdo e de inspiração “maoista”,), pelo qual pretendeu quebrar animicamente o Autor, levando-o a renunciar, “voluntariamente e de imediato, ao cargo de administrador da 1ª Ré. O Autor respondeu a este libelo acusatório em 02/07/2019 três dias depois, o Autor recebe, incrédulo, a seguinte proposta da 2ª Ré imediata renúncia ao cargo de administrador da 1ª Ré nomeação para o cargo de “co-chairman” de uma companhia do grupo Bison a ser constituída no Luxemburgo com o nome Bison Jianshe GP, por 1 ano, por €180.000,00. Ou seja: para não suscitar dúvidas em Portugal, quer do regulador Banco de Portugal quer dos clientes do Banco, engendraram esta solução airosa de correr com o Autor, oferecendo-lhe uma indemnização de €180.000,00 a ser paga através de uma empresa que nem ainda existia, o Autor, indignado, rejeitou esta proposta, perante a recusa do Autor em aceitar esta oferta, sucederam-se pressões e assédio, no dia 16/10/2019, a 2ª Ré, através da sua Diretora de Pessoal, envia ao Autor um e-mail, com uma carta em anexo assinada pela sua Diretora JY, pela qual a 2ª Ré comunica ao Autor, mais uma vez, que este tinha uma cultura não alinhada com a da 1ª Ré, dos seus colegas Administradores (Directors) e da accionista 2ª Ré, e, que por conseguinte, resolveu destituí-lo com efeitos imediatos do cargo de administrador da 1ª Ré, no dia 17/10/2019. O Autor - responde à 2ª Ré, informando que se apresentaria no dia seguinte nas instalações da 1ª Ré, visto permanecer trabalhador da 2ª Ré envia ao Banco de Portugal uma carta relatando a situação No dia 18/10/2019, o Autor compareceu na sede da 1ª Ré para ir trabalhar, mas foi-lhe barrada a entrada pediu para falar com a (auto-proclamada) presidente do conselho de administração, Sra. LY, mas foi-lhe comunicado que não se encontrava, entretanto, é sabido que todo o grupo Bison enfrenta graves dificuldades financeiras, tendo incumprido o compromisso assumido perante o Banco de Portugal de aumentar o capital do Bison Bank em €19 milhões até ao final de 2020. A 2ª Ré invocou para o efeito “justa causa de destituição”, mas a sua “deliberação unânime por escrito” não indica um único facto em que tal justa causa se pudesse basear, o Autor nega a existência de quaisquer factos concretos que possam fundamentar a (infundada e gratuitamente) invocada justa causa de destituição, sendo certo que incide sobre a 2ª Ré o ónus da prova dos mesmos essa prova já nem sequer é possível, sendo a imputação de justa, em definitivo, completamente improcedente, porque: a destituição tem que resultar de uma deliberação dos sócios as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem” (art. 63º, nº 1, do CSC - Código das Sociedades Comerciais Da “Deliberação Unânime por Escrito” sub judice não constam quaisquer factos concretos que pudessem suportar a (infundada e gratuitamente) invocada justa causa de destituição, tendo o Autor sido destituído sem justa causa do cargo de administrador da 1ª Ré, tem o direito de ser indemnizado pelos danos sofridos (nos termos do art. 403º, nº 5, do CSC). O mandato do Autor terminava em 31/12/2021, o Autor auferia a remuneração anual de €180.000,00, mais telefone (€100,00/ mês), mais automóvel (€750,00 / mês), seguro de saúde (€150,00 / mês), ou seja, o montante mensal de €16.000,00, o Autor deixou de receber esta remuneração entre outubro de 2019 e dezembro de 2021 – ou seja, o montante total de €432.000,00, tal indemnização devia ter-lhe sido paga no dia em que foi destituído (14/10/2019) pelo que, sobre aquele montante e desde esta data, vencem-se juros moratórios civis à taxa de 4% ao ano. A destituição do Autor foi noticiada publicamente, nomeadamente pelo jornal ECO, que é amplamente lido pelas pessoas da área financeira e empresarial, sendo certo que a notícia da destituição de um administrador de um banco causa, por si só, enormes danos reputacionais a essa pessoa, o Autor, quando iniciou as suas funções de administrador da 1ª Ré, tinha uma carreira de 20 anos na área financeira administrador da AICEP - Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E., managing partner da ASK –advisory Services Capital, Diretor da Fidelity Investments em Madrid e da Merril Lynch em Londres, sendo reconhecida a sua competência nas áreas dos mercados financeiros, da banca de investimento e do Asset Management, o Autor, actualmente com 45 anos, tinha a legítima expectativa de continuar a sua carreira no mundo financeiro em elevado nível e com elevadas condições remuneratórias, porém, a sua destituição de administrador da 1ª Ré, sem justa causa, tem-no impedido de conseguir emprego nas áreas para as quais se preparou toda a sua vida profissional. Por outro lado, desde o início de 2019 que o Autor passou a sofrer uma tortura diária, perpetrada por ambas as Rés, que continuamente o pressionavam para obter os resultados absurdamente fixados pela 2ª Ré no business plan que aprovou para a 1ª Ré, e que depois, quando finalmente percebeu que o plano era irrealista procurou responsabilizar o Autor pelo seu fracasso, o que lhe provocou desgaste psíquico e emocional. a responsabilidade da 2ª Ré não decorre da sua qualidade de sócia, mas simples e diretamente do facto de ela mesma ter imputado, por escrito, ao Autor, atos e condutas que afetaram e continuam a afetar gravemente o seu bom nome e reputação profissional. Em 24/02/2020, a 1ª Ré reembolsou o Autor de despesas que este havia suportado no exercício das suas funções de administrador
- Citadas as rés vieram contestar excepcionando a ilegitimidade passiva da 2.ª Ré porque da própria alegação apresentada pelo Autor e da relação jurídica controvertida alegada, não existem atos praticados pela Bison Capital, mas apenas tendo, no entanto, ficado a dever-lhe o montante de €1.909,61, correspondente a despesas de telecomunicações, actos imputáveis ao Bison Bank quem procedeu à destituição do Autor, e praticou esse facto jurídico, foi o Bison Bank, por intermédio de uma Deliberação Unânime por Escrito, nos termos do disposto nos Artigos 54.º, n.º 1 e 373.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais. Por impugnação, em suma, dizem que Bison Bank, ainda que considerando a ponderação do regulador, designou o Autor na errónea convicção de que o mesmo tivesse experiência e saber-fazer nas áreas da banca de investimento e de corretagem e que iria fazer um efectivo esforço de formação pessoal em matérias de gestão bancária, sucede que, durante todo o período que o Autor exerceu as suas funções no Bison Bank, este não só revelou inexperiência para o exercício de funções a que foi nomeado, como absteve-se de qualquer esforço de formação técnica pessoal, inclusivamente faltando a formações obrigatórias, nos termos que se passam a explanar, o Autor não revelava a devida disponibilidade para o exercício do cargo de administrador numa instituição bancária, visto que (a) não participava em formações obrigatórias, e (b) não frequentava com assiduidade e pontualidade as reuniões dos órgãos e comissões a que pertencia verificou-se com frequência a ausência ou saída prematura do Autor em inúmeras reuniões do Conselho de Administração e do Conselho Executivo. Os administradores, como ditado pelas regras de boa governação das sociedades, devem participar nas reuniões dos comités ou comissões funcionais da instituição, o Autor não compareceu em nenhuma das três reuniões efetuadas pelo Comité Comercial no ano de 2019. O Autor também não frequentou as reuniões do Comité de Compliance, e ainda às reuniões do Comité Depositário, e bem assim do Comité de Planeamento & Controlo Relativamente ao Comité de Projetos & Qualidade, só compareceu a uma única reunião, faltando a três no ano de 2019. Quanto ao Comité de Wealth Management, compareceu apenas a duas reuniões, faltando a oito. Para cúmulo, nas poucas reuniões em que esteve presente, o Autor não tinha o zelo e o cuidado de assinar as actas, as actas tinham de ser devidamente assinadas e remetidas ao Banco de Portugal, tendo muitas sido remetidas sem a assinatura do Autor. Frequentemente o Autor não adoptava uma postura séria e profissional nas reuniões do Conselho de administração e do Comité Executivo, sendo as suas principais preocupações relacionadas com entretenimento, condições e benefícios dos administradores, e não com a discussão dos assuntos da ordem do dia, o Autor (i) não procedia à vigilância e supervisão dos seus colaboradores, (ii) adoptava uma postura individualista face à sua equipa, não comunicando com estes, (iii) não oferecia uma verdadeira liderança ao departamento, e (iv) adotava uma posição de confronto com os demais administradores. A China Construction mostrou-se interessada em investir no projeto da Marina de Cascais, configurando uma oportunidade de angariação pelo Bison Bank da filial de uma das maiores empresas chinesas, pelo que o assunto e potencial Cliente foram transmitidos ao IBD e ao Autor, o Autor delegou toda a responsabilidade relativa ao acompanhamento do investimento na Marina de Cascais no seu subordinado MB, MB não estabeleceu contactos com a China Construction com o objetivo de acompanhar e de dar seguimento ao negócio em questão durante 4 meses sendo que o Autor também não o fez –ou sequer vigiou e acompanhou a actuação do seu subordinado MB. Face a esta falta de zelo e de acompanhamento, não foi concretizado qualquer negócio, o cliente ficou muito insatisfeito e cessou a relação profissional com o Bison Bank. O Autor não tinha o hábito de se fazer acompanhar pelos seus colaboradores nas reuniões com os clientes, nem nos 189 almoços e jantares supostamente realizados com potenciais clientes e parceiros. O Bison Bank possui um sistema de avaliação do desempenho dos seus trabalhadores, de forma a que estes pudessem melhorar a sua prestação laboral (em inglês “Key Perfomance Indicators”, e doravante “KPI”), como é de resto prática comum no setor. Ao abrigo deste sistema, deverá (i) cada departamento, (ii) cada membro do departamento, (iii) cada administrador ter um KPI alocado O departamento de IBD, dirigido pelo Autor, foi o único no qual não foi implementado o sistema de KPI individual, por falta de iniciativa e respetiva execução por parte do Autor. Em segundo lugar, o Autor não procedia à definição de uma estratégia a ser implementada pelos seus colaboradores após um contacto relevante com um potencial cliente. Cumpre referir que as 30 oportunidades de negócios invocadas pelo Autor ou supostamente emergentes de contactos do mesmo, não se concretizaram em qualquer mandato ou negócio, sendo que em 12 desses casos o Autor nem sequer chegou a delegar ou a reunir com a sua equipa para os abordar ou tentar concluir em terceiro lugar, existia um clima de permanente tensão dentro da equipa do Autor, não resolvido ou sequer atenuado pelo mesmo. Perante os seus pares o Autor adotou uma posição de confronto sistemático. Durante o seu mandato, o Autor apresentou inúmeras despesas em particular de almoços e jantares, que eram posteriormente reembolsadas pelo Bison Bank, invocando tratar-se de despesas com potenciais clientes e/ou eventuais parcerias a quantidade de despesas com refeições eram totalmente anormal, como (ii não ofereciam qualquer retorno, traduzido em negócios, projectos ou produtos omo explanado infra) ou angariação de clientes, ficando criada a suspeita sobre se tais almoços e jantares tinham uma verdadeira justificação. o Autor gastou em despesas de representação, refeições, viagens, táxis, combustível e renting de veículos o montante global de EUR 48.262,78 (quarenta e oito mil, duzentos e sessenta e dois euros, e setenta e oito cêntimos), enquanto que os administradores BF e FO, ambos da área comercial, gastaram no mesmo período metade do que o Autor gastou (EUR 24.848,80 - vinte e quatro mil euros, oitocentos e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos – e EUR 24.181,70 – vinte e quatro mil euros, cento e oitenta e um euros e setenta cêntimos -respetivamente) o Autor logrou obter o reembolso de despesas pelo Bison Bank que não corresponderam a qualquer contacto ou reunião de cariz profissional. O Autor, no que toca a mandatos atribuídos, apenas logrou angariar clientes para 5 mandatos, com as seguintes empresas: (i) a Euroatlantic Airways, (ii) a Metropacific, (iii) a Ecochoice, (iv) a Fearless Fables, e (v) a Elevolution Engenharia Porém, destes 5 mandatos, apenas um resultou numa transação fechada. Ora, o Autor foi o administrador com a pior classificação face aos seus pares no Conselho de Administração. As Rés impugnaram não só os factos alegados pelo Autor como os relativos ao valores peticionados.
- O Autor veio responder à matéria de excepção de ilegitimidade da 2.ª Ré pugnando pela sua improcedência.
- Aos 28/2/2023 foi proferido despacho, entre outros com o seguinte teor: “Ao abrigo do disposto nos artigos 593º, n.º 1 e 596º do C.P.C., atentos os constrangimentos de agenda que actualmente afectam o serviço neste J20, dispenso a realização de audiência prévia, sem prejuízo de a mesma vir a ser requerida nos termos legalmente previstos, o Tribunal é competente em razão da nacionalidade e da hierarquia...” Foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade da 2.ª Ré, tabelarmente referiu-se que “Não existem quaisquer outras questões ou excepções que cumpra conhecer...” definiu-se como objecto do litígio “O direito do Autor a compensação devida pela destituição sem justa causa do cargo de administrador da 1ª Ré.” Bem assim como 5 temas de prova
- Notificados desse despacho, aos 15/3/2023 vieram as Rés requerer a realização de audiência prévia ao abrigo do disposto no artigo 593.º, n.º 3 do CPC, nomeadamente para efeitos de: (i) discussão e apreciação das excepções dilatórias; (ii) discussão e reclamação do despacho que identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova; e (iii) alterações ao requerimento probatório ao abrigo do princípio da cooperação, previsto no artigo 7.º do CPC e por razões de economia e agilização processual, pretendem deduzir, desde já e por escrito, (i) a nova excepção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, o que pretendiam fazer em sede de audiência prévia antes de ser proferido o Despacho Saneador; (ii) reclamar do Despacho que identifica o objeto do litigio e enuncia os temas de prova, bem assim (iii) requerer a alteração do requerimento probatório nos termos do artigo 598.º do CPC, tudo por forma a permitir a realização do contraditório por escrito por parte do Autor, atentas as actuais condicionantes na realização de audiências presenciais e no que toca à excepção de incompetência material alegam “...As Rés na sua Contestação apresentada em 09.07.2021 não invocaram a excepção da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por considerarem que não existia ainda uma jurisprudência clara no sentido de integrar as pretensões compensatórias deduzidas pelo Autor na sequência de destituição do cargo de administrador por alegada falta de justa causa como integrando o conceito de “direitos sociais” que determina a competência especializada dos Juízos de Comércio a partir de 2022 a jurisprudência dos Tribunais Superiores passou a adoptar uma interpretação mais ampla do conceito de “direitos sociais”, previsto no artigo 128.º n.º 1 alínea c) da LOSJ, de forma a incluir não só os direitos dos sócios, mas também os direitos específicos do regime do direito das sociedades, considerando que compete aos Juízos de Comércio decidir os litígios emergentes de relações jurídicas regidas pelo direito das sociedades, ou seja, pelo Código das Sociedades Comerciais. A incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria é de conhecimento oficioso, podendo assim ainda ser invocada (artigos 96.º e 97.º do CPC) pelas partes... A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada, segundo o entendimento assente do Supremo Tribunal de Justiça, em função do: (i) pedido; e (ii) da causa de pedir... do modo como o Autor configurou a relação controvertida, verificamos que o objeto do processo incide sobre um verdadeiro conflito societário entre: (i) a sociedade (Bison Bank); (ii) o administrador(Autor); e (iii) o acionista único (Bison Capital), visto que o Autor peticiona o pagamento de créditos remuneratórios e o ressarcimento de danos todos eles resultantes da destituição do seu cargo de administrador no Bison Bank. Neste sentido, o Autor propôs a ação no Juízo Central Cível, pese embora o pedido e a causa de pedir da ação permita qualificar o litígio como um conflito societário, cuja competência material se encontra atribuída aos Juízos de Comércio. A competência dos Juízos de Comércio é determinada pelo artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ que dispõe: “Artigo 128.º 1. Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) (…);b) (…); c). As acções relativas ao exercício de direitos sociais;” Com efeito, recentemente, em 2022 e já após a apresentação da Contestação, o Supremo Tribunal de Justiça veio proferir o Acórdão de 24.02.2022, Proc. n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1 com contornos muito semelhantes aos presentes autos: daí que, pese embora a noção jurídica societária de direitos sociais surja, por vezes, no direito substantivo, reportada ao direito dos sócios, essa expressão utilizada pelo legislador na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º, da LOSJ, não deva ser equiparada, para efeito de determinação da competência dos tribunais de comércio, a direitos dos sócios, mas sim a direitos específicos do regime de direito das sociedades, competindo àqueles tribunais decidir os litígios emergentes das relações jurídicas conformadas pela legislação que especificamente rege as sociedades comerciais, designadamente o Código das Sociedades Comerciais. (…). Para determinar se os tribunais são os competentes para julgar esta ação, há, pois, que apurar se o pedido deduzido e a respectiva causa de pedir respeitam a matéria regida pelo direito societário.” (destaques nossos) e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de 05.07.2018, Proc. n.º 11411/16.0T8LSB.L1: “Compete aos juízos de comércio, além do mais, a apreciação das ações relativas ao «exercício de direitos sociais», isto é, ao exercício de direitos que emergem especificamente do regime jurídico das sociedades comerciais” (destaques nossos) Atualmente encontra-se afastada a interpretação restritiva do conceito de “direitos sociais” aos meros direitos dos sócios, como critério determinativo da aferição da competência dos tribunais, tendo o Supremo Tribunal de Justiça adotado uma interpretação mais ampla do indicado conceito. É o que resulta do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022, Proc. n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1: “Relativamente à aplicação do direito societário, não é compreensível atribuir aos tribunais especializados para apreciar as questões comerciais, competência para julgar exclusivamente as ações onde estivesse em discussão direitos dos sócios, excluindo os demais litígios tendo por tema o regime de direito das sociedades comerciais, não se vislumbrando qualquer razão que justifique essa distinção. Tal posição restritiva traça, arbitrariamente, uma linha de fronteira artificial no interior de uma matéria com espaço próprio. (…) A remuneração do administrador não se encontra na disponibilidade das partes contraentes, obedecendo a regras específicas de direito societário, além que é uma matéria que estará relacionada com as funções desempenhadas por um administrador de uma sociedade anónima, as quais também se encontram submetidas a um regime legal específico e detalhado”. Por outro lado, ao demandar o Bison Capital, acionista única do Bison Bank, o Autor estendeu o conflito societário à acionista do Bison Bank, pelo que o conflito societário subjacente ao crédito remuneratório e/ou indemnizatório do administrador abrange tanto a sociedade como a sua acionista. Assim, a presente ação tal como configurada pelo Autor está sujeita à aplicação de normas e princípios fundamentais de direito societário, visto que os factos que constituem a causa de pedir pressupõem a aplicação do regime de direito societário (maxime: a deliberação unânime por escrito, a verificação da justa causa de destituição, a violação de deveres legais dos administradores, as regras de cálculo da compensação, etc.). Nesse sentido, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022, Proc. n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S onde se definiu a competência do tribunal em razão da matéria numa ação que tinha por objeto, precisamente, a condenação da sociedade no pagamento de créditos remuneratórios do administrador destituído antes do término do período do mandato. Pelo exposto, o Juízo Central Cível de Lisboa carece de competência em razão da matéria para conhecer da presente acção, na medida em que a causa de pedir e o objeto do processo incide sobre matéria da competência especializada do Juízo de Comércio, por se tratar de uma ação relativa a relações jurídicas constituídas no âmbito do direito societário e sujeita ao regime específico contido no Código das Sociedades Comerciais. Neste sentido é esclarecedora a seguinte passagem do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022, Proc. n.º 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1: “A criação de juízos de comércio foi orientada pelo objetivo de melhorar a administração da justiça quando os conflitos emergem de aspectos específicos do direito comercial, incluindo o direito das sociedades comerciais, não existindo quaisquer razões que justifiquem que apenas os direitos dos sócios e não quaisquer outros que emergem da aplicação de normas que regem especificamente as sociedades comerciais possam beneficiar de uma apreciação e tratamento tecnicamente especializado. (…) Assim, apesar de não estarmos perante o exercício do direito de um sócio, uma vez que o Autor, apesar de ter essa qualidade, não é esta que fundamenta o direito invocado, estamos perante a aplicação de direito que está sujeito a um regime específico da legislação sobre sociedades comerciais, o que exige especial preparação técnica, experiência e sensibilidade, suscitando a ultrapassagem de dificuldades e complexidades que podem repercutir-se na respetiva solução, pelo que, para o seu julgamento, estão mais vocacionados os tribunais a que foi atribuída competência especializada nessa área (tribunais de comércio), em comparação com os tribunais cíveis, cuja competência é residual.” (destaques nossos). Nestes termos, deverá ser admitida a presente arguição e, consequentemente, julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal, nos termos dos artigos 64.º, 65.º, 96.º, alínea a) e 577.º, alínea a) do CPC e do artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, devendo ambas as Rés ser absolvidas da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, pretendem as Rés deduzir reclamação e proceder à alteração dos meios de prova: nos termos do artigo 598.º, n.º 1 do CPC, as Rés pretendem proceder à alteração do requerimento probatório, nomeadamente requerendo: (i) documentos em poder da parte contrária; (ii) documentos em poder de terceiro; Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 429.º do CPC, e para prova dos factos alegados no capítulo C.IV. subcapítulo 4 da Contestação, bem como para contraprova dos artigos 62.º, 79.º a 81.º da PI, as Rés requerem que o Autor seja notificado para juntar aos autos, além dos documentos solicitados à data da apresentação da Contestação: i. As contribuições para o Instituto da Segurança Social, I.P.que o Autor tenha efetuado desde o ano de 2010 até ao corrente mês de março de 2023; ii.  A sua declaração (fiscal) anual de rendimentos relativa aos anos de 2010 até 2022 inclusive, logo que esta última seja apresentada; iii. Os recibos comprovativos das remunerações pagas ao Autor pelo AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E de 28.04.2014 a 21.10.2016; e iv. As  respetivas liquidações de IRS efetuadas pela Autoridade Tributária por referência aos exercícios de 2010 a 2022. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 432.º do CPC, caso o Autor não venha a cooperar com o Tribunal na entrega dos documentos que se encontram em seu poder nos termos do requerido no ponto anterior, as Rés requerem para prova dos factos alegados no capítulo C.IV. subcapítulo 4 da Contestação, bem como para contraprova dos artigos 62.º, 79.º a 81.º da PI, que se oficie a Autoridade Tributária e o Instituto da Segurança Social. I.P. e ao AICEP, correspondentes às instituições com acesso aos documentos requeridos pelas Rés para vir juntar aos autos juntar os seguintes documentos: i. A Autoridade Tributária a) As declarações (fiscais) anuais de rendimentos do Autor, apresentadas por referência aos exercícios de 2010 até 2022 inclusive; e b) As liquidações de IRS efetuadas pela Autoridade Tributária relativas aos anos de 2010 até ao ano de 2022 inclusive. ii.   Ao Instituto da Segurança Social, I.P. a) As contribuições para o Instituto da Segurança Social, I.P. que o Autor tenha efetuado desde o ano de 2010 até ao corrente mês de março de 2023. iii. Ao AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E, com morada na Rua Júlio Dinis, n.º 748, 8.º Dto, 4050-012, Porto, para: a) Indicar todos os valores pagos ao Autor a título de remuneração no período de 28.04.2014 a 21.10.2016, ou até à data da cessação de funções do Autor, bem como proceder ao envio ao Tribunal dos correspondentes recibos comprovativos de pagamento de todas as remunerações que pagas ao Autor no período em que o mesmo exerceu funções de administrador...”
- Aos 28/3/2023 veio o Autor responder ao requerimento anterior nos termos constantes dos autos que aqui se reproduz, onde entre o mais diz: “... As RR requerem a realização de audiência prévia, ao Abrigo do art. 593º/3 do CPC, nomeadamente, para “discussão e apreciação das exceções dilatórias”. Mas art. 593º/3 do CPC confere às partes o direito de requererem a realização da audiência prévia se pretenderem “reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do número anterior” (determinativo da adequação formal, identificador do objeto do litígio, enunciador dos temas de prova, e programador dos atos a realizar na audiência final). Portanto, não podem requer a realização de audiência prévia para “discussão e apreciação das exceções dilatórias”. Sendo certo que o Despacho Saneador (de 28.02.2023–ref. 423577677), já decidiu a improcedência das excepções dilatórias invocadas pelas RR na Contestação. Se as RR pretendem reagir contra a decisão de improcedência das exceções dilatórias que invocaram, têm que recorrer do Despacho Saneador que as julgou, no prazo fixado pelos artigos 638º/1 e 644º/2 do CPC. Invocam agora porém as RR uma “nova excepção de incompetência absoluta do tribunal, que descobriram à cause de uma corrente jurisprudencial que dá uma interpretação alargada ao art. 128º/1/c) da LOSJ (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Segundo este preceito, compete aos juízos de comércio preparar e julgar: c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais. Para o efeito, tem a jurisprudência (que se julga maioritária) considerado que “direitos sociais” são os direitos dos sócios das sociedades comerciais. Invocam agora as RR dois Acórdãos do STJ, um de 05.07.2018 e outro de 24.02.2022, que decidiu que um pedido de condenação de uma sociedade anónima no pagamento das remunerações de um seu administrador, também deve ser considerado o exercício de um “direito social”, para efeitos de atribuição de competência aos juízos de comércio. Ao contrário, por exemplo, do que decidido pelo Acórdão da Relação do Porto de 19-dez.-2007 (Proc. 0726237): a acção em que é formulado pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, decorrentes da destituição das funções de gerente de sociedade sem justa causa, constitui uma típica acção de responsabilidade civil, não se traduzindo no exercício de direitos sociais; é, por isso, da competência do tribunal de comarca e não do tribunal do comércio «o que vem formulado pelo autor na acção é um pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si alegadamente sofridos e decorrentes da destituição de que foi alvo das funções de gerente da sociedade, a seu ver, sem justa causa. E isso é uma típica acção de responsabilidade civil e não se traduz no exercício de direitos sociais (não sendo o autor sequer sócio), tal como vêm estabelecidos nos artigos 1479.º a 1501.º do Código de Processo Civil: inquérito judicial à sociedade; nomeação e destituição de titulares de órgãos sociais; convocação de assembleia de sócios; redução do capital social; oposição à fusão e cisão de sociedades e ao contrato de subordinação; averbamento, conversão e depósito de acções e obrigações; regularização de sociedades unipessoais; liquidação de participações sociais e investidura em cargos sociais. Ou consubstancia sequer um qualquer exercício de direitos sociais, como vêm previstos por exemplo nos artigos 67.º, 72.º, 75.º, 77.º, 78.º ou 79.º do Código das Sociedades Comerciais». Mais alegam as RR que “pretendiam” invocar esta “nova” excepção dilatória “em sede de audiência previa antes de ser proferido o Despacho Saneador”. Se o “pretendiam fazer”, já o deviam ter feito. O Tribunal considerou desnecessária a realização da audiência prévia, não podendo as partes requerer a sua realização para os fins assinalados supra, entre os quais não figuram a “discussão e apreciação das excepções dilatórias”. Sendo certo que, nos termos do art. 97º/2 do CPC: A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final. Ora, tendo já sido proferido Despacho Saneador, e não se tendo o Tribunal declarado incompetente, fixada ficou a sua competência... as RR tinham requerido documentação comprovativa dos rendimentos profissionais do Autor desde 2020 – o que se compreende e desde já se declara que se aceita. De facto, as RR contestam que tenham de pagar ao Autor €432.000,00 (correspondente aos montantes que teria direito a receber até ao termo do seu mandato de administrador da 1ª R), alegando, nomeadamente, que o Autor, depois de ter sido destituído do cargo de administrador da 1ª Ré, tem exercido outras funções profissionais, o que, no entendimento das RR., é relevante para aferição do montante indemnizatório invocado pelo Autor (arts. 519º e segs. da Contestação). Já não se compreende é que agora as RR. requeiram a extensão dessa documentação até ao ano de 2010 (!).Alegam as RR que requerem a junção desta documentação “para prova dos factos alegados no Capítulo C.IV. subcapítulo 4 da Contestação, bem como para contraprova dos artigos 62º, 79º a 81º da PI”. Ora, só pode estar em causa a “contraprova” do alegado pelo Autor no artigo 80º da PI: 80.º A média das remunerações auferidas pelo Autor nos últimos 10 anos foram de €120.000,00 anuais. Facto que o Autor invoca para calcular os demais danos patrimoniais decorrentes da sua destituição sem justa causa (para além dos montantes que tinha direito a receber até ao termo do seu mandato que estava em curso quando foi destituído sem justa). Ora, até pode interessar ao Autor a junção de todos esses documentos para prova do que alega; o que não confere, porém, às RR o direito de exigirem a apresentação de documentação em poder do Autor ou de terceiros para “contraprova” do que não têm que “contraprovar” – pois é sobre o Autor que recai o ónus de provar o facto alegado no art. 80º da sua PI. Portanto, as RR requerem agora documentação inútil (pelo menos para elas) e porventura já difícil de recolher passados 13 anos, parecendo com este requerimento dar largas afã dilatório já antes demonstrado (a propósito da citação da 2ª Ré e das especiosas reclamações sobre as traduções dos documentos apresentados pelo Autor)...”
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608/2, 5, 635/4 e 639 (anteriores 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3), do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto, tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se não se consolidou caso julgado formal quanto à competência em razão da matéria do Tribunal no Despacho Saneador, nos termos dos artigos 100.º e 620.º do CPC e, em consequência, dever-se-á conhecer da incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa), devendo ser as Recorrentes absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC
III.3.1. Entendem as Rés/recorrentes em suma que:
  • O Despacho Saneador considerou, assim, o Tribunal competente em razão da nacionalidade e da hierarquia, mas é totalmente omisso quanto à competência em razão da matéria, notificadas as ora recorrentes, as mesmas apresentaram no dia 15.03.2023 o seu requerimento (Referência Citius 35383347) onde desde logo informaram que pretendiam suscitar a incompetência do Tribunal quanto à matéria e requereram a realização de audiência prévia ("Requerimento de 15.03.2023”).
  • No dia 12.09.2023, o Tribunal proferiu despacho a designar o dia 07.12.2023 para a realização da audiência prévia, não tendo tomado posição quanto à exceção dilatória alegada pelas Recorrentes (Referência Citius 428169722).
  • Refere expressamente o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021, proferido no âmbito do processo n.º 713/19.3T8BJA.E1.S1, o seguinte “Não tendo, em sede de despacho saneador, a questão da competência do tribunal em razão da matéria sido concretamente apreciada, a afirmação de que o «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia» consubstancia uma decisão genérica, pelo que nos termos do artº 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada.” (destaques nossos). E prossegue o mesmo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021, proferido no âmbito do processo n.º 713/19.3T8BJA.E1.S1 na fundamentação mencionando o seguinte: “Resulta do referido despacho que a questão da competência do tribunal em razão da matéria não foi concretamente apreciada, consubstanciando a afirmação de que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia» uma decisão genérica, pelo que nos termos do art.º 595.º, n.ºs 1, a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal. Ou seja, a decisão tabelar efetuada no saneador a respeito dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada. Neste sentido, os acórdãos deste STJ proferidos em 09/10/2008 e16/12/2010, acessíveis em www.dgsi.pt.
    III.3.2. No despacho de 28/2/2023 que dispensou a audiência prévia pelas razões dele  constantes e acima transcritas nem sequer foi proferido despacho tabelar sobre a competência em razão da matéria, na certeza de que também as rés não suscitaram a excepção a incompetência material, o Tribunal apenas conheceu da competência em razão da nacionalidade e da hierarquia. O art.º 97/2 estatui que a “violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este até ao início da audiência final”. Depois de proferido o despacho em causa cerca de um mês depois vieram as rés suscitar a questão da incompetência material do Tribunal recorrido tendo por suporte uma inversão da tendência jurisprudencial que identificam, para além de reclamarem do despacho proferido sobre outras matérias. O Tribunal recorrido veio então a proferir despacho de 23/6/2023 com o seguinte teor: “Para realização da audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 593º, n.º 3 do C.P.C., designo o dia 26 de Outubro de 2023, pelas 10h30m.” O art.º 593/3 permite às partes reclamar do despacho sobre a adequação formal da alínea b) do n.º 2 do art.º 593, do despacho saneador na parte que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas de prova (n.º 1 do art.º 506 e alínea c) do n.º 2 do art.º 593) ou na parte em que programou os catos a realizar na audiência final (alínea d) do n.º 2 do art.º 593), mas o legislador não previu a hipótese de uma audiência prévia marcada ao abrigo do disposto no art.º 593/3 para discutir uma nova excepção que deveria ter sido suscitada na contestação ou que foi erradamente conhecida no anterior despacho saneador. No caso concreto não chegou a ocorrer sequer decisão tabelar sobre a competência material pelo que em boa verdade não se pode falar em caso julgado porque a questão da competência nem foi arguida pelas partes nem foi oficiosamente suscitada pelo tribunal recorrido. Não se desconhece a doutrina do assento, hoje com valor de acórdão uniformizado de jurisprudência, o do STJ de 27.11.1991, publicado no Diário da República, I Série, de 11.1.1992, segundo o qual a decisão sobre as questões concretamente apreciadas faz caso julgado.[2] Contudo, repete-se, não chegou a ocorrer, sequer, decisão tabelar sobre o competência material do tribunal recorrido, o Tribunal não se pronuncia sobre a competência material do Tribunal recorrido nem no sentido da competência nem no sentido da incompetência, pelo que, salvo melhor opinião não há sequer que chamar à colação das regras sobre o caso julgado por nenhuma decisão ocorreu sobre essa matéria, não há decisão sobre ela e também não tinha que haver porque não fora suscitada até ao momento do despacho saneador. O Tribunal recorrido refere que restava às rés recorrer do despacho saneador... que não se pronunciou sobre a nunca suscitada questão da competência material, mas a verdade é que não se vê com que objecto salvo a invocação de alguma nulidade por omissão que também não vemos como possa existir. Adiantando posição sobre as restantes questões, parece-nos que face à letra da lei se encontra precludido o direito de arguir ou conhecer a excepção da incompetência material quando esta apenas respeita aos tribunais judiciais-como é o caso dos autos- como estabelece o n.º 2, do art.º 97. Improcede nessa parte a apelação, o que nos leva à seguinte questão de conhecimento subsidiário.
    III.4. Saber se o despacho Recorrido deve ser declarado nulo, na parte em que julga intempestiva a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, nos termos dos artigos 3.º n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, e, em consequência, dever-se-á concluir pela incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Lisboa) e as Recorrentes serem absolvidas da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC.
    III.4.1. Entendem as rés recorrentes em suma que:
  • O despacho saneador procedeu à dispensa da audiência prévia num momento em que se tinha considerado anteriormente relevante a sua realização e sem conferir previamente contraditório às partes e a preterição de contraditório, em particular pela dispensa ilegal da audiência prévia, constitui uma nulidade que se comunica à decisão final, a ser proferida (nulidade do ato processual) que afecta necessariamente os atos processuais anteriormente praticados na parte em que afetam a decisão final (nulidade de cadeia) (art. 3.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).
  • Por outro lado, o despacho saneador não se pronuncia quanto à competência do Tribunal em razão da matéria e as Recorrentes invocaram a intenção de discutir essa mesma exceção dilatória e os seus respetivos fundamentos no Requerimento de 15.03.2023.
  • Tendo a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria alegada no Requerimento de 15.03.2023 sido considerada intempestiva no despacho recorrido, quando as recorrentes já tinham sido confrontadas com o despacho saneador que constitui uma decisão-surpresa de dispensa da audiência prévia por preterição de contraditório necessário.
  • Contraditório que, se tivesse sido concedido, permitiria, desde logo, às recorrentes alegar e expor a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal, tendo essa circunstância sido, desde logo, invocada no artigo 4.º do Requerimento de 15.03.2023, sendo o despacho saneador omisso quanto à competência material do tribunal e não tendo a exceção dilatória sido julgada improcedente no despacho de marcação de audiência de julgamento ou em despacho avulso, as recorrentes tinham a expectativa de discutir a presente excepção dilatória na audiência prévia de 07.12.2023. o fundamento do despacho recorrido da intempestividade da incompetência em razão da matéria decorre de um acto processual nulo por preterição de contraditório das Recorrentes - o despacho saneador -, sendo esta nulidade comunicável à decisão final, in casu o Despacho Recorrido.
  • O Tribunal tinha todos os elementos para conhecer parcialmente do mérito da causa absolvendo parcialmente as recorrentes do pedido e limitando o valor do pedido ao montante das remunerações que o recorrido presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito. Esta matéria é reserva de audiência prévia, nos termos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do CPC, visto que o juiz poderia “conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”, ou, poderia ser, pelo menos, objeto de contraditório por escrito das partes, não fosse a preterição do contraditório previamente ao Despacho Saneador.
  • Só no despacho recorrido é que foi apreciada, pela 1.ª vez, a competência em razão da matéria do Tribunal, constituindo uma omissão de pronúncia do despacho saneador que se comunica ao despacho recorrido (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC). O despacho saneador é totalmente omisso quanto à competência em razão da matéria do Tribunal e tendo as Recorrentes alegado a excepção dilatória de incompetência no Requerimento de 15.03.2023, o despacho recorrido dever-se-ia ter pronunciado quanto a este pressuposto processual do Tribunal as recorrentes apenas alegaram a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal no requerimento de 15.03.2023 por terem sido confrontadas com a dispensa ilegal (por preterição de contraditório) da audiência prévia agendada para o dia 27.02.2023, pelo despacho saneador proferido no dia seguinte. Não pode o Tribunal a quo estribar o indeferimento da arguição da exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal num despacho nulo.
    III.4.2. Confrontados com o despacho de 28/2/2023 as rés vieram deles reclamar ao abrigo do disposto no art.º 593/3 como se disse e para os fins nele previstos. Nesse requerimento as rés arguem, efectivamente, pela primeira vez, a excepção da incompetência em razão da matéria do Tribunal recorrido com base numa alegada inflexão da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que defendem ser agora maioritária e que o Autor diz que não é. Independentemente de saber se é ou não maioritária essa jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão, o que releva é o momento em que se suscita a questão da incompetência e, mais do que isso, saber se, no requerimento de 15/3/2023, as rés, ao reclamarem do despacho saneador, arguiram a nulidade do mesmo por ter omitido o conhecimento da questão da competência material do Tribunal recorrido, nulidade que só agora arguem. Contudo tinham 10 dias para o fazer. Manifestamente não o fizeram nesse requerimento e podiam tê-lo feito ao mesmo tempo, ou seja, deveriam ter arguido a nulidade do despacho de 28/2/2023 por preterição de contraditório prévio na parte em que dispensou a audiência prévia. Não o fizeram então e já o não podem fazer agora em sede de recurso, isso na medida em que o despacho que designa a audiência prévia é claro quando refere que o faz ao abrigo do disposto no art.º 593/3 e para os efeitos nele previstos que nada têm a ver com a discussão da questão da competência material omitida pelas rés na contestação e no despacho de 28/2/2023. Improcede também nessa parte a apelação, o que importa o conhecimento subsidiário da 3.ª questão.
    III.5. Saber se deve o despacho recorrido ser parcialmente revogado na parte em que indefere o requerimento probatório das recorrentes de junção dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, ordenando a junção aos autos dos documentos que o despacho recorrido não admitiu.
    III.5.1. Sustentam as recorrentes em suma que:
    · Citam-se, em particular, os artigos 79.º a 81.º da Petição Inicial do Recorrido, de forma a demonstrar a relevância dos meios de prova requeridos:  79.º Daí que o Autor, desde 15/10/2019, se mantenha desempregado e sem perspetivas de vir a obter qualquer emprego minimamente condicente com a carreira que até então meritoriamente desenvolveu. 80.º A média das remunerações auferidas pelo Autor nos últimos 10 anos foram de €120.000,00 anuais. 81.º calculando que, pelo menos nos próximos 10 anos, oAutor não conseguiráobter umemprego na área para a qual se qualificou ao longo de toda a sua vida profissional, por causa da sua destituição com alegação de justa causa, e dos (falsos) fundamentos constantes da respetiva deliberação, e descontado o valor da indemnização atrás peticionada (correspondente aos salários que auferiria se se mantivesse administrado da 1.ª até ao final do mandato 31/12/2021), é bem razoável (pecando mesmo por defeito), calcular na esfera do Autor danos patrimoniais no montante de €1.200.000,00” (destaque nosso)
  • Essas alegações foram especificamente impugnadas pelas recorrentes na sua contestação, mas cuja factualidade permanece controvertida, não tendo o recorrido procedido à junção de qualquer documentação probatória com a sua petição inicial.
  • É o recorrido que vem alegar o facto de que auferiu nos últimos dez anos uma média de €120.000,00 euros com vista a realização do cálculo indemnizatório que apresenta de €1.200.000,00 no artigo 81º da sua petição inicial, as recorrentes não têm acesso à documentação relevante para realizar a sua contraprova quanto ao facto absolutamente determinante para o cálculo da avultadíssima indemnização que é peticionada. E a invocação de um período de 10 anos foi feita pelo Autor.
  • Na sua Contestação, as Recorrentes apenas lograram invocar o que se encontrava no domínio público, ou seja, que o Recorrido já exerce atividade profissional como “Partner” na sociedade Magnify – Equity & Operating Partners, Lda., bem como é vogal na Plataforma para o Crescimento Sustentável, com vista a afastar o facto de que o Recorrido estaria 10 anos na situação de desemprego.
  • É também do conhecimento das Recorrentes que anteriormente o Recorrido exercia as funções de administrador da AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E., sendo apenas possível referir que o mesmo deveria auferir o estatuto remuneratório fixo, nos termos do Decreto-Lei n.º 8/2012 de 18 de janeiro, que se estima à data de 2015/2016 rondar o salário líquido máximo de EUR 5.000,00. Porém, não têm as recorrentes acesso a documentação probatória relativa à efetiva remuneração ali auferida pelo Recorrido.
  • O despacho recorrido indeferiu o requerimento probatório de junção aos autos dos
  • Documentos em poder da parte contrária ou de terceiros permitindo apenas a obtenção dos documentos peticionados pelas Recorrentes por referência a 2020 com relevo circunscrito ao pedido de indemnização correspondente às remunerações até ao final do mandato em curso que terminava em 31.12.2020, negligenciando a relevância de um pedido de condenação no valor de €1.200.000,00.
  • Contudo, permanecendo a matéria factual controvertida o recorrido terá oportunidade de recorrer a outros elementos probatórios para sustentar o seu nível remuneratório (quiçá através de prova testemunhal!) e as recorrentes encontrar-se-ão numa situação em que o seu direito à contraprova se encontra comprimido, visto que o requerimento probatório só pode ser alterado até à audiência prévia, (artigo 598.º, n.º 1 do CPC).
  • O cenário hipotético no caso de não ser revogado a decisão do Tribunal no despacho recorrido, e não sendo o processo munido dos documentos em poder da parte contrária ou de terceiros relativos às remunerações do Recorrido e sendo a factualidade alegada pelo recorrido dada como provada com base em mera prova testemunhal, a decisão final será certamente revogada tornando inútil la prova produzida no julgamento, em resultado da limitação do direito à contraprova das Recorrentes.
  • O direito à contraprova corresponde a uma das concretizações do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)), tal como refere o Acórdão da Relação de Évora de 14.07.2021, proferido no âmbito do processo n.º 11962/16.9YIPRT-B.E1
  • É essencial para a defesa das recorrentes e para contraprova dos artigos 80.º e 81º.º da Petição Inicial que se obtenham os documentos em poder da parte contrária ou de terceiros, requeridos no requerimento de 15.03.2023 desde a mencionada data de 2010 - por ter sido essa a data invocada pelo Recorrido na sua Petição Inicial - para apuramento da verdade material quanto ao valor médio anual das suas remunerações durante o indicado período, o que determina o calculo da indemnização peticionada no valor de €1.200.000,00.
    III.5.2. O Autor alegou entre o mais para o que aqui releva que “Daí que o Autor, desde 15/10/2019, se mantenha desempregado e sem perspetivas de vir a obter qualquer emprego minimamente condicente com a carreira que até então meritoriamente desenvolveu. A média das remunerações auferidas pelo Autor nos últimos 10 anos foram de €120.000,00 anuais. Calculando que, pelo menos nos próximos 10 anos, o Autor não conseguirá obter um emprego na área para a qual se qualificou ao longo de toda a sua vida profissional, por causa da sua destituição com alegação de justa causa, e dos (falsos) fundamentos constantes da respetiva deliberação, e descontado o valor da indemnização atrás peticionada (correspondente aos salários que auferiria se se mantivesse administrado da 1.ª Ré até ao final do mandato – 31/12/2021), é bem razoável (pecando mesmo por defeito), calcular na esfera do Autor danos patrimoniais no montante de €1.200.000,00
    III.5.3. O Tribunal recorrido entendeu entre o mais que “...ponderando que a suposta contraprova a que as RR. se referem, é na realidade, uma defesa por impugnação (e não por excepção), para que essa factualidade venha a final a dar-se por não provada (não havendo lugar a prova de factualidade diversa, que sequer foi alegada), não vemos utilidade na recolha de elementos documentais tão abrangentes como aqueles ora pretendidos pelas RR., o que constituiria uma tarefa probatória previsivelmente difícil e morosa, para além de desnecessária do ponto de vista das RR., como agora se salientou. Pelo exposto e considerando também a posição do A., defere-se parcialmente este requerimento probatório, devendo o A. efectuar junção aos autos daqueles elementos, mas reportados a partir do ano de 2020.
    III.5.4. Carecem de prova quaisquer factos relevantes para a causa, segundo a lei aplicável (factos concludentes), exceptuando-se destes os factos de notoriedade geral (art.º 514/1 do CCiv) e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, factos de notoriedade oficial ou judicial (art.º 514/2 do CCiv), factos estes que dispensam inclusivamente a alegação, sendo que no último caso o tribunal deve fazer juntar aos autos documento que os comprove; ónus jurídico traduz-se na necessidade imposta pela ordem jurídica de proceder de certo modo para conseguir ou manter uma vantagem. Em processo civil o Tribunal não pode indagar por si os factos que interessam à causa (ressalvadas as mencionadas excepções), suprindo a deficiência das suas alegações, nisto se concretizando o princípio do dispositivo ou da iniciativa das partes, estando o princípio fortemente cerceado no tocante às provas ou ónus probandi em que o juiz goza de amplos poderes para tomar a iniciativas das diligências probatórias que considere aconselháveis. O ónus probandi respeita a factos da causa distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios que a lei processual contempla nos artigos 342 a 348. O juiz deve tomar em consideração todas as afirmações e todas as provas constantes dos autos mesmo que não provenham da parte a quem incumbe o respectivo ónus, o chamado principio da aquisição processual de acordo com o qual só interessa saber o que está provado e não quem o provou. O ónus da prova competirá a um ou a outro dos sujeitos processuais conforme posição em que esteja na relação processual, ou seja, conforme a pretensão que lá deduz. Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer a prova [livre; ou legal não plena] de per si suficiente (prova principal), o adversário terá por seu lado de fazer a prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa), não carecendo de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva) - cfr. art.º 346 do CCiv. A contraprova (ou prova contrária) destina-se a tornar incerto o facto visado; a prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente, por prova legal plena.[3]  Manifestação do princípio da cooperação material no campo da instrução do processo, o preceito tem em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento, que por isso é notificado para o apresentar. Ao juiz cabe controlar a idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus.[4]   Indiscutível que é ao Autor que cabe a prova dos factos constitutivos do seu direito designadamente o direito a receber uma indemnização com base no despedimento sem justa causa naquela data de 2019.
    III.5.5. O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais. Um sistema de prova legal carateriza-se pela existência de normas jurídicas aplicáveis ao direito probatório de modo que a circunstância de um facto se dar como provado ou não provado resulta de imposição legal e não é fruto do raciocínio do julgador quando confrontado com a prova em si. Ou seja, as provas carreadas para um litígio têm — no sistema de prova legal — o resultado da sua avaliação definido ainda antes da sua produção em audiência de julgamento e valoração no momento da sentença. e a lei impõe que à prova seja dado determinado valor então é positivo; inversamente, se a lei proíbe que lhe seja atribuído qualquer valor, é negativo. Enquanto reflexo da prova legal positiva, subdivide-se em categorias: diz-se “determinante” quando o resultado da valoração de certo meio de prova é imposto por lei e, estando o processo instruído com esse meio, fica prejudicado o recurso a qualquer outro para prova do mesmo facto. Diz-se “excludente” quando a lei exige, para prova de certo facto, o recurso a determinado meio de prova com exclusão de outros. Os meios de prova ditos determinantes distinguem-se dos excludentes pois aqueles contém já em si o resultado probatório, não sendo admitido outro para prova delas (p. ex.: a prova que as declarações foram feitas quando exaradas em documento autêntico), enquanto estes apenas requerem um meio de prova específico para prova dos factos (p. ex.: os documentos ad probationem). Quando se apresenta autonomamente, carateriza-se pela simples proibição de utilização de meios de prova. Assim é, por força dos arts.º 393.º e 394.º CCiv., que proíbem o recurso à prova testemunhal nos casos aí estatuídos. Um sistema de prova livre não existe, na sua forma mais pura, em qualquer ordenamento jurídico, como nos salienta Maria Calheiros “existe uma relação entre a adesão a um sistema de prova livre e um conjunto de preocupações que cruzam a necessidade de garantir a segurança e a certeza jurídica, com maior ou menor desconfiança em relação ao poder atribuído a uma classe de juízes profissionais.[5] O direito probatório formal encontra-se no Código de Processo Civil, nos arts.º 411.º a 526.º, onde se estabelecem as regras a que deve obedecer a produção de prova no âmbito de um processo, ou seja, “regula a utilização em processo dos meios de prova admissíveis para a demonstração da realidade dos factos”. É de direito probatório material qualquer disposição que regule o ónus da prova, a admissibilidade e o valor de cada meio probatório, ficando para o direito probatório formal as disposições sobre a tramitação processual dos meios de prova (p. ex.: o momento em que devem ser requeridas e/ou apresentadas. A propósito desta distinção merece destaque o art.º 414.º C. Proc. Civ. que, não obstante, a sua inclusão naquele Código, é considerado um enunciado de direito material, tanto na parte que se refere à duvida sobre a realidade dos factos como, também, à dúvida sobre a repartição do ónus da prova1. No art.º 607.º/5 do CPCiv. lê-se que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”. Está aqui consagrado o princípio da livre apreciação da prova, que assume caráter eclético entre o sistema de prova livre (“o juiz aprecia livremente as provas”) e o sistema de prova legal (“a livre apreciação não abrange (…Mas o princípio da livre apreciação da prova só se pode compreender quando considerado em conjunto com o dever de fundamentação da decisão de facto, consagrado no art.º 607.º/4 C. Proc. Civ.
    III.5.6. A defesa foi por impugnação como se diz e bem e não por excepção é ao Autor que cabe provar que desde 2010 com referência a 2020 ou seja nesse intervalo de 10 anos a sua média remuneratória foi de cento e vinte mil euros por ano, sendo que a prova desses valores atenta a actividade profissional do Autor é feita em regra por documentos, mas a prova não é quanto a esse facto tarifada ou legal pode ser feita por testemunhas e a pretensão dos réus é a de enfraquecer a prova do Autor. O direito à contraprova está incluído no dever de colaboração do art.º 428/1. Ao julgador, no momento da admissão do requerimento, apenas compete aferir se os factos têm interesse para a causa a fim de deferir o documento (art.º 429/2).
    III.5.7 Como esses factos relativos às remunerações salariais do Autor desde 2010 têm interesse e porque esses documentos seguramente estarão na posse do Autor defere-se nessa parte o requerimento probatório, até ao fim do ano de 2020, parametrizado pela alegação do Autor.

    IV- DECISÃO
     Tudo visto acordam os juízes em julgar:
    a) improcedente a apelação quanto à questão da excepção de incompetência material do Tribunal recorrido.
    b) parcialmente procedente a apelação quanto ao requerimento probatório, consequentemente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 429.º do CPC, e para contraprova dos artigos 62.º, 79.º a 81.º da PI, deverá o Autor ser notificado também para juntar aos autos, além dos documentos solicitados à data da apresentação da Contestação as contribuições para o Instituto da Segurança Social, I.P. que o Autor tenha efetuado desde o ano de 2010 até ao fim do ano de 2020; ii. A sua declaração (fiscal) anual de rendimentos relativa aos anos de 2010 até 2022 inclusive, logo que esta última seja apresentada; iii.Os recibos comprovativos das remunerações pagas ao Autor pelo AICEP – Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, E.P.E de 28.04.2014 a 21.10.2016; e iv.As  respetivas liquidações de IRS efetuadas pela Autoridade Tributária por referência aos exercícios de 2010 a 2020.
    Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade das Rés e do Autor na proporção de 2/3 para as rés e 1/3 para o Autor, em razão do decaimento tal como prevenido no art.º 527/1 e 2.

    Lisboa, 21-03-2024
    Vaz Gomes
    Paulo Silva
    Arlindo Crua
    _______________________________________________________
    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstâncias de a acção ter sido instaurada em 2020, e a decisão recorrida ter sido proferida em 7/12/2023 e o disposto nos art.ºs 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
    [2] Cfr. entre outros o Ac do Tribunal de Conflitos 6/06, de 02-11-2006, relatado por Marques Bernardo e do STJ de 19/5/2021 no processo 713/19.3T8BJA.E1.S1, relatado por Chambel Mourisco a questão da competência do tribunal em razão da matéria sido concretamente apreciada, a afirmação de que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia» consubstancia uma decisão genérica, pelo que nos termos do art.º 595.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada
    [3] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, reimpressão, 1993, págs. 195/208.
    [4] Lebre de Freitas , Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 201, pág. 431.
    [5] CALHEIROS, Maria Clara, Para uma Teoria da Prova, p. 52