Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32518/15.5T8LSB-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ARRESTO
ACÇÃO EXECUTIVA
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.As providências cautelares sendo caracterizadas pela provisoriedade e instrumentalidade destinam-se a ser absorvidas ou excedidas pela decisão que vier a ser adoptada na acção principal de que dependem. Estando em causa um arresto, o reconhecimento do direito na acção principal, reportado neste caso ao crédito, determina que o arresto se extinga por força da sua conversão em penhora.

II.O artº 395º do CPC constitui uma regulamentação especial acerca da caducidade do arresto, cujo fundamento assenta na circunstância de o arresto se traduzir numa apreensão de bens que antecipa a penhora, exigindo-se assim, a promoção da execução nos dois meses subsequentes à decisão definitiva.

III.Para efeitos de paralisação dos efeitos da caducidade do artº 395º do CPC não vale apenas a execução intentada pelo arrestante, bastando para se verificar a ausência de caducidade que a acção executiva seja promovida por outro credor, desde que o arrestante faça valer o seu direito nessa acção através da reclamação do seu crédito invocando como garantia o arresto.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.Relatório:

M… e A… intentaram o presente procedimento cautelar de arresto contra a Herança indivisa Por Óbito de A…, bem como M…, C…, e M….

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido proferida decisão de improcedência, porém, por Acórdão proferido a 30/05/2019 (cf. Apenso B), foi decretado o arresto dos seguintes bens: a) Avos indivisos - (317/255557000) - de uma área urbana de génese ilegal (AUGI), do prédio rústico descrito na conservatório do registo predial do Seixal, sob o número …, e inscrito na matriz predial rústica sob o n°…, da freguesia de Fernão Ferro; b) Quota de 1/2 do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz urbana sob o n° …, da freguesia de Parada de Gonta; c) Quota de 1/2 do prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz rústica sob o n° …, da freguesia de Parada da Gonta; d) Fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o n°…, da freguesia de Armação de Pera.

Foi deduzida oposição ao arresto pelo requerido M….

Designada audiência a 28 de maio de 2020, foi efectuada transacção nos seguintes termos:
«1º- Procedem ao levantamento do arresto sobre a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o n.º …, da freguesia de Armação de Pêra.
2º-Manter o arresto sobre os restantes imóveis.
3º-Aditar ao arresto de 317/2557000 avos do prédio descrito sob o n.º …, da freguesia de Fernão Ferro, as benfeitorias constituídas por moradia composta de rés do chão, primeiro andar e logradouro, sita na Avª. ..., Lote ..., Fernão Ferro, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, a que as Partes atribuem para efeitos de arresto o valor de €237.000,00 (Duzentos e trinta e sete mil euros).
4º-O Requerido obriga-se a pagar a quantia em que foi condenado nos autos principais na data em que for efectuada a venda do prédio 317/2557000 avos do prédio n.º … e das benfeitorias.
5º-A escritura e o pagamento aos Requerentes deverá ser efectuada no prazo de 90 (noventa) dias contados da presente transacção.
6º-Os Requerentes obrigam-se a não executar judicialmente a decisão dos autos principais antes de decorrido o prazo previsto no artigo anterior.
7º-As Partes aceitam que o arresto se mantenha em vigor durante o prazo referido nos artigos anteriores não operando a caducidade da Providência Cautelar, desde que o Processo Executivo seja instaurado nos oito dias subsequentes ao decurso de tal prazo. 8º-As custas em dívidas a juízo são em partes iguais.
9º-As Partes prescindem do direito de recorrer ou reclamar da sentença. ».

Tal acordo foi homologado por sentença, porém foi ordenado o cumprimento do disposto no artº 291º nº 3 do CPC, por ausência de poderes para transigir do ilustre mandatário dos requerentes.

Os requerentes, por requerimento de 29/10/2020, vieram declarar que não ratificavam o acordo em causa. Na sequência, foi proferido despacho, a 24/11/2020, que face à posição dos requerentes determinou a manutenção do arresto decretado nos autos pelo Acórdão deste Tribunal de 30/05/2019 (A fls. 47-53 do apenso B).

Tendo sido proferida decisão nos autos principais, e por Acórdão desta Relação de 14/03/2019, foi confirmada a decisão que condenou a ré a pagar aos AA. o valor de 160.000€, acrescida de juros devidos desde a citação e até integral pagamento.
Nestes autos com data de 22/12/2020, foi proferido o seguinte despacho: «Considerando o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos principais, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem quanto ao efeito de tal trânsito tem nos presentes autos.».

As partes não se pronunciaram.

Assim, a 14/01/2021, foi proferida a seguinte decisão: «Nos autos principais de que este procedimento cautelar constitui apenso foi, por douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14-03-2019, transitado em julgado, julgado improcedente o recurso interposto pela R. herança indivisa aberta por óbito de A..., da sentença proferida em 20-07-2018, que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a R. a pagar aos AA. a quantia total de 160.000,00€ (10.000,00€+(35.000,00€x2)+80.000,00€), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento. Dispõe o art. 371º, nº 3, do CPC, para o procedimento cautelar não especificado, que a procedência, por decisão transitada em julgado, da acção proposta pelo requerido determina a caducidade da providência decretada. Esta norma (norma geral) aplica-se aos procedimentos cautelares especificados quando não exista norma especial aplicável – art. 376º, nº 1, do CPC. No caso estamos perante procedimento cautelar de arresto, sendo assim de aplicar o disposto no art. 395º do CPC, que dispõe que havendo sentença favorável ao requerente do arresto, a providência cautelar de arresto fica sem efeito se o credor vencedor na acção não promover a execução da referida sentença, nos dois meses subsequentes ao predito trânsito em julgado, ou, tendo-o feito terem negligentemente deixado tal execução sem andamento por mais de 30 dias.
Assim sendo, notifique os Requerentes, Autores vencedores nos autos principais para, em dez dias, virem comprovar nos autos terem promovido a execução da decisão condenatória nos dois meses subsequentes ao seu trânsito, sob pena de ser julgada sem efeito a providência de arresto decretada nos presentes autos.».

Os requerentes vieram responder dizendo, em suma, que a não propositura do processo executivo no prazo de dois meses, não pode ser consequência da negligência do requerente do arresto, pois pode existir uma causa justificativa para tal não ter acontecido. Assim, entendem que uma vez que o presente procedimento cautelar foi decretado já após a prolação da decisão do recurso interposto pela requerida da sentença final no âmbito do processo declarativo. Invocam a transacção, mais dizendo que foi comunicado ao mandatário que existia a forte possibilidade de ser vendida um dos bens arrestados, que seria suficiente para pagar a divida resultante do processo declarativo. Alegam que foi efectuada uma transacção, dependente da ratificação dos requerentes, em que ficou estipulado que no prazo de 3 meses os mesmos requerentes seriam pagos, todavia, decorrido esse prazo não se verificou a alegada venda nem o pagamento a que a requerida se vinculou na transacção. Ora, os requerentes na data da audiência final foram ainda os requerentes informados que sobre o mesmo bem imóvel cuja venda se previa fosse efectuada no prazo de 3 meses, já incidia uma penhora no âmbito do processo nº1546/18.0T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Leiria – Juízo de Execução de Ansião J2. Mais referem que não foi feita a venda no prazo previsto na transacção, tendo a mesma sido adiada “sine die”, pelo que os requerentes aguardaram a escritura e à cautela, efectuaram a reclamação de créditos no âmbito do processo executivo supra mencionado, logo que terminou o prazo previsto na transacção.

No mais, alegam que quanto ao arresto que incide sobre o imóvel fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, entendem que terá de existir uma acção de impugnação pauliana, tendo esta dado entrada no dia 03.11.2021, logo que os requerentes tiveram conhecimento definitivo pela mediadora imobiliária que a supra aludida venda não se iria realizar. Concluem que entendem que existem causas justificativas para a não interposição das respectivas acções no prazo de dois meses após o trânsito em julgado da sentença, quer porque o requerimento da providencia cautelar foi posterior ao acórdão proferido no âmbito do recurso da sentença, quer porque os requerentes e a requerida transigiram neste prazo já no âmbito da providencia cautelar, quer ainda porque logo que a requerente tomou conhecimento do incumprimento do estipulado na mesma transacção, intentou desde logo quer a reclamação de créditos no âmbito de um processo executivo anterior cuja penhora incidia sobre um dos prédios arrestados, e um processo declarativo de impugnação pauliana sobre outro dos prédios arrestados.

Na sequência foi proferido, a 28/01/2021, o despacho seguinte: «Nos autos principais de que este procedimento cautelar constitui apenso foi, por douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14-03-2019, já transitado em julgado, julgado improcedente o recurso interposto pela R. herança indivisa aberta por óbito de A…, da sentença proferida em 20-07-2018, que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a R. a pagar aos AA. a quantia total de 160.000,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento. Dispõe o art. 371º, nº 3, do CPC, para o procedimento cautelar não especificado, que a procedência, por decisão transitada em julgado, da acção proposta pelo requerido determina a caducidade da providência decretada. Esta norma (norma geral) aplica-se aos procedimentos cautelares especificados quando não exista norma especial aplicável – art. 376º, nº 1, do CPC. No caso estamos perante procedimento cautelar de arresto, sendo assim de aplicar o disposto no art. 395º do CPC, que dispõe que havendo sentença favorável ao requerente do arresto, a providência cautelar de arresto fica sem efeito se o credor vencedor na acção não promover a execução da referida sentença, nos dois meses subsequentes ao predito trânsito em julgado, ou, tendo-o feito terem negligentemente deixado tal execução sem andamento por mais de 30 dias. Os Requerentes foram devidamente notificados para, em dez dias, virem comprovar nos autos terem promovido a execução da decisão condenatória nos dois meses subsequentes ao seu trânsito, sob pena de ser julgada sem efeito a providência de arresto decretada nos presentes autos. Os Requerentes declaram não o terem feito invocando vicissitudes que não obstam à aplicação da norma acima transcrita e aplicável aos presentes autos.
Termos em que, de harmonia com o previsto no art. 395º do CPC, julgo sem efeito a providência cautelar de arresto decretada nos presentes autos.
Custas como nos autos principais. Registe e notifique.».

Inconformados vieram os requerentes recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1.-Por douta sentença foi decidido dar sem efeito o presente procedimento cautelar com fundamento no art. 395º do CPC, isto é, no não cumprimento do respectivo normativo, no que se refere à obrigatoriedade dos ora recorrentes terem de mover o processo executivo no prazo de dois meses após os trânsitos em julgado da sentença condenatória;
2.-Não se aceita, nem se pode aceitar, salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida, uma vez que a mesma não teve em conta o desenvolvimento do procedimento cautelar, o que em termos de boa - fé processual obrigava os recorrentes aguardarem por um prazo superior aos referidos dois meses.
3.-Desde logo entende-se, salvo melhor opinião, que os dois meses referidos no aludido normativo tem em conta a decisão definitiva sobre os mesmos arrestos e não uma decisão anterior à audição dos recorridos para se opor a tal decisão, ao abrigo do princípio do contraditório, previsto no art. 3º do CPC;
4.-Por outro lado, ainda que assim doutamente não se entenda, a não interposição das execuções pressupõe a negligência dos requerentes do arresto, o que de todo em todo não verificou nos autos, como adiante se conclui;
5.-Em primeiro lugar deve ser referido que o arresto decretado, como resulta dos autos, foram decididos pelo Venerando Tribunal da Relação cerca de dois meses após a decisão da confirmação condenatória proferida por douto acórdão do mesmo Tribunal;
6.-Para explicar esta situação convém esclarecer que o requerimento do arresto foi interposto após a decisão condenatória, mas anteriormente à confirmação da mesma sentença pelo Venerando Tribunal da Relação, requerimento aquele que por sua vez houve também necessidade de recorrer por ter sido indeferido liminarmente, razão que explica ter o arresto sido confirmado a após definitiva decisão condenatória.
7.-Assim, não parece ter cabimento legal invocar no caso que a execução deveria ter sido intentada dois meses após a decisão definitiva de condenação tendo esta sido proferida nos dois meses anteriores à decisão do arresto;
8.-Parece assim, que quando o mencionado artigo 395º do CPC se refere á imposição de dois meses para executar a sentença, não teve em vista que o arresto fosse decretado após a decisão condenatória, mas apenas quando este arresto é decretado antes da mesma decisão;
9.-Por outro lado, o arresto decretado nos presentes autos foi decidido pelo Tribunal da Relação sem audição prévia dos recorridos, pelo que depois da baixa do mesmo ao Tribunal da Comarca, para cumprimento do princípio do contraditório, os requeridos foram notificados para deduzir oposição, o que de facto aconteceu. Em consequência como resulta dos autos, foi marcada uma audiência, cerca de um ano após o requerimento do procedimento cautelar;
10.-Pelo exposto, atento o tempo decorrido até a audiência de julgamento do procedimento cautelar, cerca de um ano, salvo o devido respeito, que é muito, não fará sentido vir agora proferir decisão que o arresto caducou, por não ter sido movida a execução no prazo de dois meses após o acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a sentença;
11.-No seguimento da logica que a preside à douta sentença ora recorrida, que só por mera hipótese se admite, a decisão de declarar a caducidade do procedimento cautelar deveria, seguindo a mesma logica, ter sido declarada nos dois meses subsequentes ao decretamento do arresto, sem necessidade de notificar os requeridos para exercer o contraditório, e marcação da audiência de julgamento.
12.-Mas o mais importante quanto à razão que assiste aos recorrentes, prende-se com o facto de na referida audiência de julgamento, um ano após o requerimento inicial do procedimento cautelar, ter sido efectuada uma transacção, em que foi decidido manter o arresto sobre três imóveis, deixando um de fora, com a obrigação de a quantia indemnizatória ser liquidada no prazo de noventa dias.
13.-Coisa que não veio a ocorrer, o que levou a que os requerentes do procedimento cautelar, que não estavam presentes na referida audiência onde se celebrou a transacção, tenham declarado quando foram notificados para o efeito, que não ratificavam o processado, em consequência do incumprimento pela requerida.
14.-Logo após o incumprimento da transacção efectuada neste procedimento cautelar, como resulta dos autos, os requerentes intentaram para cumprimento da sentença, uma reclamação de créditos, e um processo de impugnação pauliana referente a dois dos imóveis arrestados, que foram no primeiro caso objecto de uma penhora no âmbito de uma execução anterior à sentença dos autos principais, e no segundo caso decorrente de uma doação efectuada quanto a outro dos imóveis arrestados;
15.-Não se vislumbra assim, neste contexto, como pode vir o Tribunal “ a quo” invocar o prazo do artigo 395º do CPC, para declarar a caducidade do procedimento cautelar, violando gritantemente a sua letra e espirito.
16.-A decisão de considerar a caducidade do arresto, no caso concreto, tendo em conta o andamento do processo, viola as regras e princípios do direito de qualquer cidadão a meios jurisdicionais, para defesa dos seus direitos e legítimos interesses, como decorre do art. 20º da CRP, arts. 2º; 7º e 281º/1 do CPC.
17.-Por fim, não obstante não ter cumprido a transacção efectuada nos presentes autos e não ter liquidado a quantia condenatória, como se obrigou na mesma, a requerida, aproveitando-se da decisão que ora se recorre, já veio invocar na oposição à aludida reclamação de créditos a caducidade do arresto, mesmo ainda antes do trânsito em julgado, apenas com o objectivo de não pagar aos recorrentes pelo produto da venda do
bem entretanto penhorado no processo executivo em causa, num verdadeiro abuso de direito na vertente de “venire contra factum próprio”, que os Tribunais não podem nem devem tolerar;
18.-O abuso de direito e a litigância de má deverá ser invocado no processo executivo e não nesta sede, uma vez que foi naquele processo que se invocou a falta de garantia quanto ao imóvel entretanto penhorado. Nesta sede é mencionado apenas para reforçar que a manter-se a decisão de declarar a caducidade do arresto, conforme decidiu a sentença ora recorrida, existe o risco real de os requerentes serem vítimas de um incumprimento da sentença dos autos principais, atribuída aos mesmos por morte da mãe, vítima de homicídio.
Termos em que sempre com o douto suprimento de V.Exas, deve o presente recurso ser considerado procedente, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, decretando-se a final o arresto dos imóveis constantes do requerimento inicial.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar é a seguinte:
- Saber se a caducidade do arresto, no caso concreto, tendo em conta o andamento do processo, viola as regras e princípios do direito de qualquer cidadão a meios jurisdicionais, para defesa dos seus direitos e legítimos interesses, como decorre do art. 20º da CRP, arts. 2º; 7º e 281º/1 do CPC.
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II.Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes do relatório que antecede quanto às ocorrências processuais relevantes e que se dão por reproduzidas, destacando-se para a decisão as seguintes:
- O Arresto foi decretado por Acórdão proferido a 30/05/2019 (cf. Apenso B), nos seguintes bens: a) Avos indivisos - (317/255557000) - de uma área urbana de génese ilegal (AUGI), do prédio rústico descrito na conservatória do registo predial do Seixal, sob o número …, e inscrito na matriz predial rústica sob o n°…, da freguesia de Fernão Ferro; b) Quota de 1/2 do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz urbana sob o n°…, da freguesia de Parada de Gonta; c) Quota de 1/2 do prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz rústica sob o n° …, da freguesia de Parada da Gonta; d) Fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o n°…, da freguesia de Armação de Pera.

- Após a oposição do requerido foi designada audiência, e nesta, a 28 de maio de 2020, foi efectuada transacção nos seguintes termos:
«1º-Procedem ao levantamento do arresto sobre a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o n.º …, da freguesia de Armação de Pêra.
2º-Manter o arresto sobre os restantes imóveis.
3º-Aditar ao arresto de 317/2557000 avos do prédio descrito sob o n.º …, da freguesia de Fernão Ferro, as benfeitorias constituídas por moradia composta de rés do chão, primeiro andar e logradouro, sita na Avª. ..., Lote …, Fernão Ferro, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, a que as Partes atribuem para efeitos de arresto o valor de €237.000,00 (Duzentos e trinta e sete mil euros).
4º-O Requerido obriga-se a pagar a quantia em que foi condenado nos autos principais na data em que for efectuada a venda do prédio 317/2557000 avos do prédio n.º … e das benfeitorias.
5º-A escritura e o pagamento aos Requerentes deverá ser efectuada no prazo de 90 (noventa) dias contados da presente transacção.
6º-Os Requerentes obrigam-se a não executar judicialmente a decisão dos autos principais antes de decorrido o prazo previsto no artigo anterior.
7º-As Partes aceitam que o arresto se mantenha em vigor durante o prazo referido nos artigos anteriores não operando a caducidade da Providência Cautelar, desde que o Processo Executivo seja instaurado nos oito dias subsequentes ao decurso de tal prazo. 8º- As custas em dívidas a juízo são em partes iguais.
9º-As Partes prescindem do direito de recorrer ou reclamar da sentença.».
- Tal acordo foi homologado por sentença, porém foi ordenado o cumprimento do disposto no artº 291º nº 3 do CPC, dada a ausência de poderes do ilustre mandatário dos requerentes.
- Os requerentes por requerimento de 29/10/2020, vieram declarar que não ratificavam o acordo em causa, invocando que não foi cumprido o ponto 5º da transacção pelo que pretendem que se mantenha o arresto.
- Na sequência, foi proferido despacho, a 24/11/2020, que face à posição dos requerentes manteve o arresto decretado nos autos pelo Acórdão deste Tribunal de 30/05/2019 (A fls. 47-53 do apenso B).
- Nos autos principais foi proferida decisão, a condenar a ré no pagamento aos AA. do valor de 160.000€, acrescido de juros, tal decisão foi confirmada por Acórdão desta Relação de 14/03/2019.
- Na execução que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sob o nº 1546/18.0T8PBL, em que figura como executado MC..., a 5/11/2018, foi lavrado o auto de penhora sobre o imóvel identificado como:” Casa construída em 317/2557000 do prédio inscrito na matriz urbana com o artigo … da freguesia de Fernão Ferro e descrita na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o número …. A moradia é composta por rés do chão e primeiro andar, sita na Avª. ..., lote 5025 da dita freguesia de Fernão Ferro”.
- O requerente M… no âmbito da acção em que foi penhorado o imóvel reclamou, a 9/09/2020, o crédito decidido nesta acção, invocando como garantia o arresto sobre o mesmo prédio.
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III.O DIREITO:

A questão que nos ocupa prende-se com a caducidade do arresto, mormente aferir se, no caso concreto, se encontram preenchidos os requisitos para considerar a extinção pelo decurso do prazo previsto no artº 395º do CPC, ou, ao invés, se as vicissitudes dos autos não nos permitem concluir nos termos constantes da decisão recorrida.

Defendem os recorrentes que a decisão recorrida não teve em conta o desenvolvimento do procedimento cautelar, o que em termos de boa-fé processual obrigava os recorrentes aguardarem por um prazo superior aos referidos dois meses. Mis entendem que os dois meses previstos no artº 395º do CPC tem em conta a decisão definitiva sobre os mesmos arrestos e não uma decisão anterior à audição dos recorridos para se opor a tal decisão, ao abrigo do princípio do contraditório, previsto no art. 3º do CPC.

Acresce que entendem que a não interposição das execuções pressupõe a negligência dos requerentes do arresto, o que de todo em todo não verificou nos autos, pois o arresto foi decretado pelo Tribunal da Relação cerca de dois meses após a decisão da confirmação condenatória proferida por douto acórdão do mesmo Tribunal. Por outro lado, o arresto decretado nos presentes autos foi decidido pelo Tribunal da Relação sem audição prévia dos recorridos, pelo que depois da baixa do mesmo ao Tribunal da Comarca, para cumprimento do princípio do contraditório, os requeridos foram notificados para deduzir oposição, o que de facto aconteceu. Em consequência como resulta dos autos, foi marcada uma audiência, cerca de um ano após o requerimento do procedimento cautelar. Sustentam ainda que na audiência de julgamento, foi efectuada uma transacção, em que foi decidido manter o arresto sobre três imóveis, deixando um de fora, com a obrigação de a quantia indemnizatória ser liquidada no prazo de noventa dias. Invocam que tal não ocorreu, pelo que quando foram notificados nos termos do artº 291º do CPC, declararam os requerentes que não ratificavam o processado.

Alegam assim, o incumprimento da transacção como causa justificativa de não ratificarem a mesma, efectuada com o mandatário dos requerentes sem poderes para transigir.

Ainda que aleguem que intentaram “para cumprimento da sentença, uma reclamação de créditos, e um processo de impugnação pauliana referente a dois dos imóveis arrestados” nada juntam quanto a esta última, mas juntaram a reclamação de créditos relativamente aos autos onde foi penhorado o imóvel identificado no auto de penhora.

Concluem, por fim, que a decisão ao considerar a caducidade do arresto, no caso concreto, tendo em conta o andamento do processo, viola as regras e princípios do direito de qualquer cidadão a meios jurisdicionais, para defesa dos seus direitos e legítimos interesses, como decorre do art. 20º da CRP, arts. 2º; 7º e 281º/1 do CPC. Pedem, não a revogação do despacho mas sim que a final seja decretado “o arresto dos imóveis constantes do requerimento inicial”.
Vejamos se lhes assiste razão.

O regime da caducidade das providências cautelares previsto no artº 373º do CPC, tem como objectivo evitar que o requerido fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos de uma decisão de natureza cautelar e provisória, a qual assenta num juízo sumário e urgente.

Logo, as providências cautelares sendo caracterizadas pela provisoriedade e instrumentalidade destinam-se a ser absorvidas ou excedidas pela decisão que vier a ser adoptada na acção principal de que dependem. Estando em causa o arresto, o reconhecimento do direito na acção principal, reportado neste caso ao crédito, determina que o arresto se extinga por força da sua conversão em penhora.

Aqui chegados, importa ter presente o regime especial previsto quanto ao arresto, pois é neste que assenta o juízo da decisão objecto de recurso.

As causas de caducidade do arresto encontram-se previstas nos artigos 395.º e artigo 373.º ambos do CPC. Donde, quando o arresto for instaurado como preliminar de uma ação judicial, opera-se a caducidade, se o requerente do arresto não propuser a competente ação da qual aquele depende no prazo de 30 dias, contados a partir da data que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão judicial que a haja ordenado (artigo 373.º, n.º 1, alínea a) CPC). Opera-se de igual modo a caducidade do arresto, se proposta a ação, isto é, como incidente desta, o respetivo processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência imputável ao requerente do arresto (al. b)) ou, se a ação vier a ser julgada improcedente por trânsito em julgado da decisão (al. c)); se o devedor requerido vier a ser absolvido e não for instaurada nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da posição anterior (al. d)); se o direito do requerente do arresto se extinguir (al. e)).

A estas causas de extinção do arresto por caducidade, aplicável às demais providências, acresce uma outra, que se reporta à natureza específica de tal procedimento cautelar.

Com efeito, dispõe o art. 391º, nº 1, do Cód. Proc. Civil que «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.». Acrescenta o art. 392º, nº 1, do mesmo diploma legal que «o requerente do arresto deduz os factos que tomam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.».

Desde logo, a procedência do pedido de arresto depende da alegação e prova pelo arrestante de que:
1–É provável a existência do crédito, isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há grandes probabilidades de ele existir;
2–Se justifica o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património - cfr., entre outros, Acs. do S. T. J. de 23.07.81, B. M. J. 309º, 300, da Rel. de Évora de 04.05.76, Col. Jur., 1976, Tomo II, pág. 401 e da Rel. de Coimbra de 13.11.79, B. M. J. 293º, 441.

Ou seja, são requisitos do arresto, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito; e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito.

Assim, sempre que o requerente pretende a apreensão judicial de bens com vista a assegurar o status quo, para que ele não se altere em condições tais que não seja suscetível a reintegração, formulará tal pretensão ao Tribunal com a alegação dos factos que tomem provável a existência do crédito do requerente - crédito esse que deverá ser actual - e justifiquem o receio da perda de garantia patrimonial.

No caso dos autos a acção declarativa foi intentada a 25/11/2015, tendo o arresto dos bens sido proposto a 28/03/2019, e a decisão de decretamento foi decidida por Acórdão desta Relação de 30/05/2019, data em que já havia sido proferida decisão de condenação no âmbito da acção principal. E ainda que a decisão cautelar já tenha sido proferida sob a sua égide, não deixa a mesma de ter tido uma apreciação autónoma, com o carácter instrumental, sumário e provisório que preside a tal decisão ( cf. apenso B). Mas será sempre tendo em vista o objectivo de não se perder a garantia patrimonial do crédito que deve presidir à apreciação da extinção específica, ou seja, reportada a este interesse e à circunstância de existir uma apreensão de bens.

Deste modo haverá sim que aferir se é de aplicar a norma específica reportada a extinção (no dizer do preceito) ou caducidade do arresto (como parece ser a consequência), a saber, o disposto no artº 395º do CPC.

Sob a epígrafe “Caso especial de caducidade”, preconiza o preceito em causa que o arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.

Como alude Paulo Silva Campos (in “O arresto como meio de garantia patrimonial – Uma perspetiva substantiva e processual RDS VIII (2016), 3, 743-776) «o regime da caducidade das providências cautelares (artigo 373º) tem como objetivo evitar que o requerido fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos danosos e nefastos de uma providência cautelar que, por assentar num juízo sumário, urgente e provisório, pode ser injusta ou ilegal. As providências cautelares, sendo caracterizadas pela sua instrumentalidade e provisoriedade, destinam-se a ser absorvidas ou excedidas pela decisão que vier a ser adotada na ação principal de que dependem. A caducidade da providência cautelar encontra justificação na violação do ónus de impulso processual subsequente, nos casos em que a lei o imponha. Não basta a verificação desse pressuposto objetivo para se poder concluir pela caducidade da providência. É necessário que o requerente da providência tenha agido de forma negligente, devendo atender-se, na sua apreciação, a todas as circunstâncias factuais que constem do processo e que permitam aquilatar acerca da eventual censurabilidade da conduta por ele adotada. É necessário que o prosseguimento da ação esteja totalmente dependente de uma concreta e determinada atuação do autor, bem como que a omissão dessa atuação lhe seja imputável, a título de dolo ou negligência.».

Ora, considerando a específica norma em causa e dado que o arresto se traduz numa apreensão de bens que antecipa a penhora, operando-se a conversão do arresto em penhora impunha-se uma regulamentação especial acerca da caducidade (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, in CPC Anotado vol 1º, pág. 469 e 470 ). Com efeito, no âmbito da fase executiva a penhora começará pelos bens previamente arrestados nos termos do artº 752º nº 1 do CPC, operando-se a conversão por força do disposto no artº 762º do mesmo diploma.

Assim, obtido o arresto e transitada em julgado a decisão condenatória o requerente deve promover a execução nos dois meses subsequentes, sob pena de o arresto “ficar sem efeito”, quando a inércia lhe for imputável.

Foi este o caminho seguido pela decisão recorrida, pois não comprovaram os requerentes que intentaram a acção executiva correspondente. Porém, entendemos que quanto ao bem objecto da reclamação de créditos, haverá que considerar tal actuação apreciando a mesma à luz do princípio que preside ao preceito específico quanto à caducidade.

No entanto, já não colhem manifestamente os argumentos dos recorrentes quanto pretendem trazer à colação a transacção e o incumprimento das pretensas obrigações assumidas na mesma pelos requeridos. Na verdade, em nada relevam os termos de tal acordo, pois, por força da não ratificação do mesmo por parte dos requerentes, nos termos do previsto no artº 291º nº 3 2ª parte do CPC, deixou a homologação da transacção de produzir efeitos, ou seja, os termos do acordo que faziam parte integrante da mesma.

Com efeito, na sequência de tal ausência de ratificação veio a ser proferido despacho, a 24/11/2020, que face à posição dos requerentes, determinou que se manteria o arresto decretado nos autos pelo Acórdão de 30/05/2019.

Assim, tendo sido proferida decisão nos autos principais, e por Acórdão desta Relação de 14/03/2019, tendo sido confirmada a decisão que condenou a ré a pagar aos AA. o valor de 160.000€, acrescida de juros devidos desde a citação e até integral pagamento, é que determinou que nestes autos, com data de 22/12/2020, tenha sido proferido o seguinte despacho: «Considerando o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos principais, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem quanto ao efeito de tal trânsito tem nos presentes autos.».

Face a tal notificação nada foi requerido pelos ora recorrentes, nem sequer vieram aos autos informar que já haviam reclamado o seu crédito.

Na sequência, o tribunal notificou os mesmos para «(…) em dez dias, virem comprovar nos autos terem promovido a execução da decisão condenatória nos dois meses subsequentes ao seu trânsito, sob pena de ser julgada sem efeito a providência de arresto decretada nos presentes autos.».

É na sequência de tal notificação que os requerentes respondem aludindo, por um lado, à falta de cumprimento da transacção, quando nessa data já a mesma tinha deixado de produzir efeito, tendo ficado “repristinado” o arresto anterior. Por outro lado, aludem à reclamação de créditos e à existência de um acção de impugnação pauliana, limitando-se a juntar o comprovativo de entrada da petição inicial correspondente ao formulário elaborado nos termos da Portaria nº 280/2013, sem que resulte qual o conteúdo específico da acção. O mesmo ocorre com a reclamação de créditos, porém, quanto a esta juntam o auto de penhora correspondente, o que se aferirá infra quanto às consequências.

Outrossim, quanto à eventual acção de impugnação pauliana nada nos autos nos permite aferir a que imóvel, dos arrestados, corresponde. Acresce que o arresto foi decretado tendo por base os pressupostos alegados e relativos à acção de condenação que lhe serve de base, sendo esta a acção principal a que se reporta. Logo, não podem os recorrentes pretender agora fazer valer o arresto no âmbito de uma outra acção, cujos pressupostos são os previstos no artº 392º nº2 e não os do nº 1 que presidiram à decisão que determinou o arresto.

Do exposto, resulta evidente que os recorrentes não comprovaram a interposição da acção executiva nem nos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da decisão proferida na acção declarativa, de que estes autos de arresto são dependência, nem sequer nos dois meses subsequentes à decisão proferida nestes autos que determinou que o arresto se manteria tal como havia sido anteriormente decidido. Na verdade, ao abrigo do princípio da cooperação e boa fé processual, tal como se encontram previstos nos artº 7º e 8º do CPC, haverá que atender que no caso concreto a contagem do prazo de dois meses previsto no artº 395º do CPC, apenas se considera iniciado com o despacho que determina que passará a ser considerado o arresto já efectuado e não o mesmo que resultaria do acordo efectuado com a transacção das partes, ou seja, desde o despacho, transitado em julgado e datado de 24/11/2020. Acresce que também não pode ser considerada a decisão definitiva sobre o litígio, pois esta precede a decisão do Tribunal Superior sobre o arresto requerido. Todavia, na data do despacho recorrido já havia decorrido o prazo de dois meses. Pois desde a data em que se considerou válido o arresto decretado, ou seja desde a data do despacho de “repristinação” até ao despacho recorrido, mediaram mais de dois meses.

Porém, os recorrentes não podem pretender que o Tribunal a quo tenha violado as regras e princípios do direito ao acesso aos meios jurisdicionais, em violação do art. 20º da CRP, arts. 2º; 7º e 281º/1 do CPC (sendo este último preceito relativo à deserção, situação que não está em causa os autos, pelo que a sua invocação deverá constituir mero lapso).

Na verdade, o Tribunal recorrido notificou, a 22/12/2020, os requerentes para se pronunciarem quanto ao efeito do trânsito em julgado da decisão proferida nos autos declarativos nos presentes autos de arresto. Sem qualquer reacção processual por parte dos mesmos.

Destarte, o Tribunal não se limitou, face ao silêncio, a considerar a eventual aplicação do regime especial de caducidade, pois, por despacho proferido a 14/01/2021, é que determinou a notificação dos requerentes nos termos previstos no artº 395º do CPC.

Foi na sequência de tal notificação que vieram os requerentes invocar o supra aludido e reiterado neste recurso.

Não atendeu o Tribunal recorrido a tais argumentos, tendo assim sido considerado que:”(…) Os Requerentes foram devidamente notificados para, em dez dias, virem comprovar nos autos terem promovido a execução da decisão condenatória nos dois meses subsequentes ao seu trânsito, sob pena de ser julgada sem efeito a providência de arresto decretada nos presentes autos. Os Requerentes declaram não o terem feito invocando vicissitudes que não obstam à aplicação da norma acima transcrita e aplicável aos presentes autos. Termos em que, de harmonia com o previsto no art. 395º do CPC, julgo sem efeito a providência cautelar de arresto decretada nos presentes autos.».

Como já se deixou devidamente explanado, em nada releva a impugnação pauliana, ou sequer a circunstância de a decisão do arresto ser posterior à decisão proferida nos autos declarativos e de reconhecimento do crédito, pois esta última circunstância apenas releva para o início da contagem do prazo e não para que o mesmo não se considere qua tale. Logo, relativamente aos bens arrestados nestes autos, frise-se, os que o foram na sequência do Acórdão proferido a 30/05/2019, é manifesto que ocorre a extinção do arresto ou em sentido próprio a sua caducidade, quanto aos seguintes bens:
-Quota de 1/2 do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz urbana sob o n° …, da freguesia de Parada de Gonta;
- Quota de 1/2 do prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial de Tondela, sob o n° …, e inscrito na matriz rústica sob o n° …, da freguesia de Parada da Gonta;
- Fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra E, primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o n°…, da freguesia de Armação de Pêra.
No entanto, também foi determinado o arresto do seguinte imóvel:
- Avos indivisos - (317/255557000) - de uma área urbana de génese ilegal (AUGI), do prédio rústico descrito na conservatório do registo predial do Seixal, sob o número …, e inscrito na matriz predial rústica sob o n°…, da freguesia de Fernão Ferro.

Sustentam os recorrentes que deduziram a reclamação de créditos considerando o arresto de tal imóvel, e figurando como garantia que lhe permitiu reclamar, o arresto decretado.

É certo que não foi junto o requerimento de reclamação de crédito, mas apenas o comprovativo da sua apresentação em juízo, nos termos do formulário da Portaria nº 280/2013. Porém, nos autos o arresto apenas se concretizou relativamente a este imóvel.

É certo que resulta dos autos que na execução que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sob o nº 1546/18.0T8PBL, em que figura como executado MC..., a 5/11/2018, foi lavrado o auto de penhora sobre o imóvel identificado como:” Casa construída em … do prédio inscrito na matriz urbana com o artigo … da freguesia de Fernão Ferro e descrita na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o número …. A moradia é composta por rés do chão e primeiro andar, sita na Avª. ..., lote … da dita freguesia de Fernão Ferro”.

Ora, tal moradia fazia parte do arresto pretendido com o acordo efectuado pelos requeridos e mandatário dos requerentes, mas, como vimos, essa transação não foi ratificada pelos requerentes, pelo que deixou de produzir efeitos. Pois, compulsado o teor do acordo, mormente o seu ponto 3º figura como pretensão no mesmo de “3º - Aditar ao arresto de 317/2557000 avos do prédio descrito sob o n.º …, da freguesia de Fernão Ferro, as benfeitorias constituídas por moradia composta de rés do chão, primeiro andar e logradouro, sita na Avª. ..., Lote 5025, Fernão Ferro, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, a que as Partes atribuem para efeitos de arresto o valor de €237.000,00 (Duzentos e trinta e sete mil euros).”.

Todavia, não compete nesta sede aferir se a garantia que consubstancia a reclamação de créditos é em tudo coincidente com o arresto efectuado nos autos, ou se extravasa o mesmo, pois nada nos permite concluir desta forma, e a existir essa discrepância será na decisão a proferir na reclamação de créditos que deve ser apreciada, no tocante nomeadamente aos requisitos do artº 788º do CPC. O mesmo ocorre quanto ao eventual prazo de reclamação e demais vicissitudes que se prendem com esta, competindo tais decisões ao Tribunal onde corre tal acção.

Nesta sede apenas releva para apreciação da estatuição do artº 395º do CPC, que o requerente M… no âmbito da acção em que foi penhorado o imóvel reclamou, a 9/09/2020, o crédito decidido nesta acção, invocando como garantia o arresto sobre o mesmo prédio efectuado nestes autos.

A questão que se coloca é saber se para efeitos de paralisação dos efeitos da caducidade do artº 395º do CPC terá a execução de ser intentada pelo arrestante, ou bastará para a ausência de caducidade que a acção executiva seja promovida por outro credor, desde que o arrestante faça valer o seu direito nessa acção?

Antecipando, entendemos que para operar a não caducidade bastará o credor arrestante fazer valer o seu direito nomeadamente em sede de reclamação de créditos.

Na esteira do defendido por Artur Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratório” vol I, pág. 144 e 145), sendo insofismável que o credor arrestante é um credor com garantia real, “pressupõe que o mesmo possa valer o seu direito, reclamando-o na execução. A seguir-se outra opinião, o arrestante teria ele próprio de promover acção executiva, onde procedesse á ulterior conversão do arresto em penhora, indo depois com base nesta reclamar o seu crédito na execução e outrem, se porventura nela tivesse procedido primeiro à penhora, solução injusta na medida em que colocaria o arrestante em situação de inferioridade em relação ao credor com penhora posterior. (…) Dela seria corolário ainda a inconvertibilidade do arresto em penhora na execução movida por outrem”. Idêntica posição assumem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ( in CPC Anotado, vol 2º, 3ª ed., págs 158 e 159, em anotação ao artº 395º do CPC) ao referirem “se entretanto sobrevier execução proposta por outro credor, em que sejam penhorados os bens arrestados – o próprio arresto pode não ser o primeiro efectuado sobre os bens – o credor arrestante pode aproveitá-la, nela reclamando o seu crédito, com base na garantia real constituída pelo arresto”, Acrescentando ainda os mesmos autores “não faria sentido que o arrestante tivesse o ónus de propor uma execução própria destinada a ser sustada nos termos dos arts 788-5 e 794, quando é na dependência da execução alheia que, reclamado o seu crédito, fará valer a garantia na graduação de créditos que lhe segue”. Logo, deve entender-se que, reclamando o arrestante observou o ónus, impedindo a caducidade do arresto.

Aliás, mesmo que a execução de outrem não prossiga tem o credor a possibilidade de se substituir ao exequente nos termos do artº 850º nº2 do CPC, pelo que tal solução nos parece mais conforme ao direito.

Do aludido se conclui que apenas opera a caducidade do arresto quanto aos bens arrestados sob as alíneas b) a d), considerando-se quanto ao bem descrito na alínea a) que o arrestante deu cumprimento ao disposto no artº 395º do CPC, ao reclamar o seu crédito na execução onde tal bem havia sido penhorado, execução essa intentada anteriormente por outro credor.

Deste modo, é de alterar a decisão que declarou extinto o arresto quanto ao bem arrestado na alínea a) supra identificado, mantendo-se o despacho recorrido quanto aos demais bens arrestado, nos quais se operou a caducidade do arresto decretado por força do artº 395º do CPC.

*

IV.DECISÃO:

Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos requerentes e, consequentemente, decide-se manter o arresto quanto ao bem arrestado na alínea a) identificado nos autos, declarando a extinção do arresto quanto aos demais bens, mantendo-se, assim, nesta parte o despacho recorrido.
Custas pelos apelantes e apelados, na proporção de 70% para os primeiros.
Registe e notifique.



Lisboa, 22 de Abril de 2021



Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes