Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
445/15.1PCLRS-B.L1-9
Relator: CARLA CARECHO
Descritores: CRIME DE ROUBO SIMPLES
ENTRADA EM VIGOR DO ART.º 67-A DO CPP
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI PENAL DESFAVORÁVEL
LEI Nº 38-A/23 DE 2 DE AGOSTO
PERDÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
Só o crime de roubo simples, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP, cometido após a entrada em vigor da lei que introduziu a alteração ao CPP, com o aditamento do artigo 67º-A do CPP, está excluído do âmbito da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (vulgo Lei do Perdão), considerando a interpretação sistemática do ordenamento jurídico e por força do princípio da não retroactividade da lei penal menos favorável.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes desembargadores da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Nos autos de processo comum singular com o n.º 445/15.1PCLRS-B.L1, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Loures, Juiz 1, a 06.09.2023 (ref.ª Citius n.º 157955103) foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
“O aqui condenado AA foi punido, nos presentes autos, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, pelo perpetrar de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP.
Por despacho datado de 13.10.2020 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.
O Juízo de Execução de Penas de Lisboa – Juiz 1, em 25.08.2023 determinou que AA cumprisse o remanescente da pena em regime de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica.
O termo da pena seria alcançado em 24.06.2025.
No passado dia 1 de Setembro entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, a qual estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1º do referido diploma).
O ilícito criminal em causa nos presentes autos (roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP) foi praticado em data anterior ás 00 horas do dia 19 de Junho de 2023.
AA nasceu em 15.08.1987, o ilícito em apreço nos presentes autos foi cometido em 7.08.2015, sendo que nesta última data o condenado tinha 27 anos de idade, pelo que se verifica o disposto no n.º 1 do artigo 2º do supramencionado diploma.
O ilícito criminal em causa encontra-se previsto no âmbito de aplicação do diploma (cfr. artigo 3º, n.º 1), não estando abrangido pelas excepções previstas pelo artigo 7º.
Adicionalmente, de acordo com o previsto no artigo 3º, n.º 5 da lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão abrange a execução de pena em regime de permanência na habitação.
Por todo o acima exposto, declara-se perdoado um ano de prisão da pena imposta ao condenado AA.
Este perdão é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da mencionada lei.
(…)” (sublinhado nosso)
Notificado de tal decisão, a 05.10.2023 dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação (ref.ª Citius n.º 30980), extraindo das Motivações que apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1. No âmbito dos presentes autos, o arguido AA, por factos cometidos, em data não concretamente apurada, mas no período mediou o dia 24.07.2015 e o dia 07.08.2015, foi condenado, por sentença proferida em 26.06.2017, já transitada em julgado, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período , a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, sujeito a regime de prova, por plano a delinear pela D.G.R.S.P..
2.Por despacho datado de 13.10.2020, já transitado em julgado, foi revogada a supramencionada suspensão da pena de prisão e por conseguinte, determinado que o arguido AA cumprisse, efectivamente, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. Na sequência da entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 02.08 o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo declarou perdoado um ano de prisão na pena imposta ao arguido AA.
4. No entanto, o art.º 7.º, n.º 1 al. g) da Lei 38-A/2023 de 02.08 dispõe que “…Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei: (…) g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro…”.
5. Desta forma e considerando, por um lado, que o art.º 67.º A, n.º 1 al. b) e n.º 3 do Código Processo Penal define “…'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;…”, sendo que “…As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1…”, e por outro, que o art.º 1, al. l) do Código Processo Penal estabelece como sendo “…j) Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos…”, conclui-se, necessariamente, que as vítimas de crimes de roubo, previsto pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal punível com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos, integramo conceito de criminalidade especialmente violenta, pelo que, em nosso entendimento, de forma clarividente, são consideradas vítimas especialmente vulneráveis, e por conseguinte, os autores deste ilícitos estão excepcionados de aplicabilidade do beneficio o perdão e da amnistia, concedido pela Lei 38-A/2023 de 02.08.
6. Pelo exposto, efectuando uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico aplicável, conclui-se, necessariamente, que, apesar do crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal, não constar do art.º 7.º, n.º 1 al. a) i) da Lei 38-A/2023, todos os comportamentos ilícitos que subsumem tal qualificação jurídica, pela qualidade inerente às suas vítimas, conjugando o art.º 7.º, n.º 1 al. g) da Lei 38-A/2023 de 02.08, com o art.º 67.ºA, n.º 1 al. b) e n.º 3 e art.º 1.º, al. l) do Código Processo Penal, estão excepcionados do beneficio do perdão de penas, diferentemente do pugnado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
7. De salientar que não se olvida que o art.º 67.ºA do Código Processo Penal foi aditado a este diploma legal com a entrada em vigor da Lei 130/2015 de 04.09, ou seja, em data posterior à prática da factualidade imputada ao arguido, no entanto, consideramos que tal circunstancialismo não altera a vontade do legislador da Lei 38-A/2023 de 02.08, quando previu como excepção de aplicabilidade do beneficio da amnistia e do perdão, entre outros, aos condenados pela prática de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo, ou seja, em que as vítimas sejam consideradas especialmente vulneráveis, uma vez que aquele diploma, em momento algum, por um lado, alterou qualquer tipologia legal dos crimes previstos no ordenamento jurídico nacional, nomeadamente, o crime de roubo, agravou ou atenuou as penas daqueles, e por outro, modificou, abrangeu ou restringiu os conceitos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo, ou seja, única e exclusivamente criou, descreveu e definiu e qualificou as vítimas de determinada tipologia de crimes, anteriormente já previstas no Código Processo Penal, como sendo especialmente vulneráveis, fornecendo-lhes, determinados direitos.
8. Pelo exposto, conclui-se que o legislador, ao excepcionar a aplicabilidade do beneficio da amnistia e do perdão de penas os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, desejou englobar no âmbito desta excepção, entre o mais, todos os agentes de crimes cometidos contra vítimas especialmente vulneráveis, utilizando um conceito actual na legislação em vigor, e não restringiro regime de excepção àqueles que cometeram tal factualidade posteriormente à entrada em vigor da Lei 130/2015 de 04.09.
9. Cumpre, de igual forma, alertar que o art.º 2.º, n.º1 da Lei 28-A/2023 de 02.08 dispõe “…Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º…”, ou seja, depende a aplicação da supramencionada Lei da Amnistia, entre o mais, que os autores dos ilícitos tenham entre 16 e os 30 anos de idade.
10. No entanto, em momento algum do ordenamento jurídico nacional é referenciado ou sequer caracterizado como jovem o indivíduo de 30 (trinta) anos de idade.
11. De salientar que, não obstante, à semelhança do anteriormente expendido, o poder legislativo ter um poder discricionário para optar quanto aos destinatários do diploma, limitar tal aplicabilidade aos alegados destinatários de evento ou celebração, ultrapassa, em nosso entendimento, a discricionariedade normativo-constitutiva do legislador ordinário, uma vez que, contrariam as várias normas já instituídas no ordenamento jurídico nacional.
12. De acrescentar que, apesar de, nas Jornadas Mundiais da Juventude, ser efectuada alusão ou caracterização de indivíduos com 30 (trinta) anos de idade como“jovens”a realidade é que, tal referência ou comparação é contraditada, de forma indubitável, tanto por todos os estudos médicos, psicológicos e pesiquiátricos, bem como, de forma peremptória, por todos os ordenamentos jurídicos, entre os quais, o nacional, os quais definem e caracterizam, sem qualquer margem para dúvida, um indivíduo de trinta (30) anos de idade como um adulto.
13. Conforme referenciado no parecer do Conselho Superior da Magistratura, solicitado aquando da feitura da Lei 38.ºA/2023 de 02.08 “…Ora, a diferenciação de tratamento entre pessoas que praticaram idênticas infrações com base unicamente na idade que possuíam nomomento da sua prática, ainda que amparada na faixa etária dos principais destinatários de um evento, suscita as maiores reservas quanto à sua conformidade constitucional…”, uma vez que “…trata-se de uma descriminação positiva em função da idade que não se mostra devidamente justificada…”, e por conseguinte, violadora do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
14. Ora, com base no exposto, não obstante defendermos existir uma inquestionável discricionariedade inerente à função legislativa, o legislador apenas poderá distinguir objectivamente situações quando na génese do processo legislativo tal distinção prossiga fins legítimos segundo o ordenamento constitucional e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do respectivo objectivo, pelo que, conforme referenciado no supramencionado parecer do Conselho Superior da Magistratura que “… As JMJ não são um valor constitucional que justifique a discriminação de pessoas, sendo, pois, duvidoso que esta discriminação se considere não arbitrária, considerando que a discriminação que é feita tem que se justificar para fins constitucionalmente legítimos…”, ou seja, “…é necessário que a discriminação seja constitucionalmente legítima e que a diferença de tratamento estabelecida pelo legislador seja adequada e proporcional nessa perspetiva …”, pelo que “…se é fácil legitimar constitucionalmente que a lei sob escrutínio não abranja infrações futuras ou englobe somente as praticadas até as 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, afigurasse-nos, ao invés, impossível de descobrir um motivo constitucional que seja para que uma pessoa de 31, 40 ou 70 anos de idade àdata daprática do facto fique arredada dos benefíciosdo perdão e da amnistia…”.
15. Pelo exposto, concluímos, à semelhança do que é referenciado pelo Conselho Superior da Magistratura que o art.º 2.º, n.º 1 da Lei 28-A/2023 de 02.08, que estamos perante uma situação de discriminação em função da idade, sem qualquer justificação objetiva, ou seja, violadora do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir.
Deve o recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente, deverá ser determinada substituição do despacho proferido a 06.09.2023, ora recorrido, por outro, que não declare perdoado qualquer hiato temporal à pena a que o arguido AA foi condenado e por outro, declarar inconstitucional o art.º 2.º, n.º 1 da Lei 38-A/2023 de 02.08, por ser manifestamente, violador do Princípio da Igualdade, previsto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.” (fim de transcrição)
Efectuada a legal notificação ao arguido, pelo mesmo não foi apresentada Resposta.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da procedência parcial do recurso, porquanto não sufraga o entendimento pugnado referente à invocada violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) que consagra o princípio da igualdade.
Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), nada foi apresentado.
Concluído o exame preliminar, os autos prosseguiram, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, em obediência ao disposto no artigo 419º do CPP.
Cumpre, assim, neste momento, apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
São as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior – cfr. n.º 1 do artigo 412º do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do mesmo diploma legal, conforme jurisprudência fixada no Ac. STJ n.º 7/95, de 28.12, DR I Série-A, de 28.12.1995.
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir consistem em:
- saber se o condenado por crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (doravante CP) beneficia, ou não, do perdão decorrente da Lei n.º 38-A/23, de 02 de Agosto;
- saber se o estatuído no artigo 2º, n.º 1 do diploma legal, em apreço, quanto ao seu âmbito subjectivo, viola o artigo 13º da CRP.
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Comecemos por esta última.
Equaciona o recorrente a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 2º, n.º 1 do diploma em causa, na parte atinente ao âmbito subjectivo das medidas de clemência estabelecidas, por entender ser violador do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP.
AA foi condenado, mediante decisão já transitada em julgado a 26.06.2017, pela prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, sujeito a regime de prova, nos termos do artigo 53º, n.º 3 do CP. O crime em causa foi cometido pelo condenado a 7.08.2015, contando este com 27 anos de idade.
Por força do disposto no artigo 2º, n.º 1 do diploma em apreço - “1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00h00 de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º.” -, considerou o tribunal a quo que o condenado se encontrava abrangido pelo âmbito subjetivo da citada Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto (sublinhado nosso).
Não estando aqui em causa aferir da legitimidade e da existência de interesse em agir por parte no MP para a interposição de recurso com vista à apreciação da apontada questão (1), entendemos, contudo, que importa não conhecer, nesta parte, do recurso interposto, porquanto a temos como res inutillis.
Passamos a explicar.
Que o Ministério Público tem (ademais) o dever de recorrer de decisões judiciais que apliquem normas sob a suspeita de inconstitucionalidade, não se contesta, como referido na nota de rodapé n.º 1.
Diversa é, no entanto, a questão de saber se há utilidade processual em que este Tribunal de recurso se pronuncie, no caso concreto, sobre a questão da (in)constitucionalidade da norma ínsita no artigo 2º, n.º 1 da Lei do Perdão e da Amnistia acima identificada.
Considerando que o Ministério Público junto da 1ª instância não questiona, por via do recurso interposto, a desconformidade constitucional do instituto do perdão (a se), demandando apenas que este Tribunal de recurso se pronuncie sobre se a norma apontada respeita o princípio constitucional consagrado no artigo 13º da CRP ao possibilitar o perdão de penas a condenados que, à data do cometimento dos factos ilícitos típicos, tinham entre 16 e 30 anos de idade, e não a quaisquer (todos) outros condenados fora de tal faixa etária (leia-se, acima dos 30), conhecer de tal questão, in casu, repete-se, redundaria numa inutilidade processual porquanto o condenado sujeito processual dos autos contava, em tal data, com 27 anos de idade.
Com efeito, qualquer que fosse a decisão deste Tribunal de recurso, sempre o condenado se mostraria abrangido pelo âmbito subjectivo de tal lei de clemência: se fosse de julgar a norma apontada não violadora da CRP, a mesma seria de aplicar porquanto o condenado cai na malha da apontada faixa etária contemplada pelo regime legal em causa; julgamento contrário que se fizesse no sentido de que a Lei em causa seria de aplicar a todo e qualquer condenado independentemente da sua idade, tal não contenderia com o direito do arguido de lhe ser aplicado o regime estatuído na lei do perdão, do ponto de vista do seu âmbito subjectivo.
Assim, não se retirando para o caso concreto qualquer utilidade da questão objecto do recurso colocada pelo Ministério Público, a mesma não passa, salvo o devido respeito, de uma mera questão teórica, académica, sendo inútil, repete-se, para a decisão a proferir, o conhecimento do suscitado, determinando-se, assim, que se não conheça, nesta parte, do recurso interposto.
Tal resulta ainda do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil (doravante CPC) que postulada: “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”. Embora o CPP não contenha norma equivalente, aquele preceito do CPC pode ser aplicado no processo penal, conforme resulta do artigo 4º do CPP, na medida em que se harmoniza em absoluto com o processo penal (neste sentido, veja-se o Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 15/14.1UGLSB.S2, relator Conselheiro Arménio SottoMayor, in www.dgsi.pt), pois que é a proibição da prática de actos inúteis que subjaz, nomeadamente, à norma do artigo 417º, n.º 6, al. a) do CPP – compete ao tribunal de recurso, no exame preliminar a que procede, apreciar se se verifica “alguma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso”.
E a circunstância de não se conhecer, nesta parte, do objecto do recurso, não afecta que se prossiga na apreciação, em conferência, da outra questão objecto do recurso, atento o princípio da cindibilidade do conhecimento do recurso (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da CRP e da CEDH”, 3ª ed., pág. 1142, comentário ao artigo 420º) (2)
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Prossigamos então.
Insurge-se o Ministério Público/recorrente contra a decisão proferida pelo tribunal a quo que entendeu ser de aplicar ao condenado AA o perdão previsto na Lei n.º 38-A/23, de 02 de Agosto, porquanto, ali se lê, o ilícito penal em causa está abrangido pelas excepções previstas pelo artigo 7º.
O argumentário recursivo funda-se, essencialmente na interpretação sistemática do ordenamento jurídico, pelo que haverá que atender à remissão feita pela al. g) do artigo 7º do diploma legal em apreço para o artigo 67º-A, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CPP, e bem assim deste para o disposto no artigo 1º, al. l) do mesmo CPP para se alcançar a conclusão de que o legislador pretendeu excluir do âmbito de aplicação do diploma em causa as penas aplicadas pelo cometimento do crime pelo qual AA foi condenado.
Dispõe o artigo 7º do diploma legal em análise (que transcrevemos na íntegra, para melhor compreensão):
“1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por:
i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;
ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal;
iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º-A, 144.º-B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal;
iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º-B e 158.º a 162.º do Código Penal;
v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal;
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal;
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:
i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal;
ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal;
iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal;
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:
i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções i e ii do capítulo i do título v do livro ii do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal;
ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal;
iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º-A do Código Penal;
iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal;
v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal;
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:
i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto;
ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003;
iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º-A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva;
iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública;
v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro;
vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições;
vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime;
viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;
ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;
i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;
j) Os reincidentes;
k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.
3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.
Por sua vez, de harmonia com o artigo 67º-A do CPP, sob a epígrafe “Vítima”,
“1 - Considera-se:(…)
b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
(…)
3 - As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
(…)”.
E sobre o que se deve considerar por criminalidade violenta e especialmente violenta para efeitos do disposto no CPP, prescreve o artigo 1º, nas suas alíneas j) e l):
“j) “Criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) “Criminalidade especialmente violenta” as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;”
Por fim, o crime de roubo simples, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1, do CP, é punido com pena de prisão, cuja moldura penal abstracta é de 1 a 8 anos.
Da conjugação do regime legal acabado de expor, resulta que o crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º do CP (seja pelo n.º 1, n.º 2 ou n.º 3), é considerado pela lei processual penal como “criminalidade especialmente violenta” e que as vítimas de tal crime são sempre “vítimas especialmente vulneráveis”.
E por tal, não podemos deixar de sufragar o entendimento que tem vindo a ser defendido maioritariamente na jurisprudência nacional (3) (4) no sentido de que os condenados por crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão da pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, quer olhando para o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa (por todos, veja-se o Ac. Rel. Lisboa de 06.12.2023, citado em nota de rodapé), quer para a ratio legis subjacente ao regime em causa (por todos, o Ac. Rel. Guimarães de 23.01.2024, também em nota de rodapé), “apropriando-nos” aqui dos respectivos argumentos.
Por tal, passamos a citar a fundamentação vertida em tais Acórdãos vindos de mencionar, tida por nós como mais relevante:
- “(…) Se consultarmos o site da Assembleia da República e acedermos à cronologia e documentos disponíveis e respeitantes à aprovação da Lei de Amnistia em causa, que é o mais perto que conseguimos chegar do chamado pensamento do legislador, percebemos que as propostas dos Partidos (Projectos e Propostas de Alteração) foram divergindo quanto aos segmentos que previam para esta norma de exclusão.
A Proposta inicial (do Governo/Conselho de Ministros), quanto a este artº 7º, al. b), previa a exclusão do perdão de pena apenas quanto ao «roubo em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no artigo 210º do Código Penal».
A Proposta de Alteração do PSD (Grupo Parlamentar), fazendo desaparecer o referido segmento, consignava uma alínea clara e específica a excluir da aplicação do perdão «os condenados por crimes de roubo, previsto no 210º do Código Penal» (alínea ii)).
Na sequência dessa proposta de alteração, o PS (Grupo Parlamentar), veio substituir a redação do Projecto inicial (do Governo/Conselho de Ministros), propondo que ficasse a constar a exclusão da aplicação do perdão de pena aos condenados «(…) por roubo, previsto no nº 2 do artigo 210º do Código Penal».
A versão final da Lei ficou coincidente com esta última.
Já quanto à alínea g) desse mesmo artº 7º, a Proposta do Governo previa que ficassem excluídos do perdão «g) Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes».
A Proposta de alteração do PSD (Grupo Parlamentar) tinha o mesmo teor.
Por seu lado, a Proposta de alteração do PS (Grupo Parlamentar) previa que ficassem excluídos da aplicação «g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código Processo Penal».
E a versão final ficou com o seguinte teor:
«g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º -A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro», portanto, quase integralmente coincidente com esta Proposta de alteração do PS (Grupo Parlamentar).
Da Exposição de Motivos(2) com que o Conselho de Ministros submete a Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª à apreciação do Parlamento, fez-se ainda constar o seguinte:
(…)
Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.
(…)

Ora, se é verdade, como refere o Exmo. juiz a quo, que de acordo com as regras de interpretação normativa se deveria considerar que, tal como resulta da letra da referida alínea g), a especial vulnerabilidade da vítima se mede pelos critérios do disposto no artº 67º-A do Cód. Proc. Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87 de 17.02, o que, conjugado o nº 3 desse preceito com as alíneas j) e l) do artº 1º do Cód. Proc. Penal, resultaria sempre na exclusão do crime de roubo do artº 210º, nº 1 da aplicação do perdão de pena, não é menos verdade que o legislador quis, intencionalmente, retirar este artº 210º, nº 1 do rol das referidas exclusões.
Tentando clarificar (muito embora esta se afigure como tarefa difícil em face das confusões lançadas pela própria Lei de Amnistia).
Se olharmos às Propostas e Alterações que supra ficam citadas, percebemos que não colheu aquela que, sendo mais esclarecida e ampla, directa e expressamente excluía da aplicação do perdão de pena os condenados por crimes de roubo, fosse qual fosse o número do preceito em referência.
Essa Proposta de Alteração (do Grupo Parlamentar do PSD) foi afastada.
Ao contrário, da Lei de Amnistia ficou a constar a exclusão directa e expressa dos condenados por crimes de roubo do nº 2 do artº 210º do Cód. Penal.
Por outro lado, e consonância embora, pensamos que decorre claramente das Propostas acima expostas que a intenção inicial do legislador nunca foi a de excluir do perdão de penas a condenação por crimes de roubos menos graves.
Tanto assim é, que inicialmente se propunha que fossem excluídos os condenados por roubo em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no artigo 210º do Código Penal (Proposta de Lei do Governo/Conselho de Ministros).
Ora, caso se pretendesse excluir todo o âmbito do artº 210º, nº 1 do Cód. Penal, não fazia sentido estar a especificar-se que eram os roubos em residências e na via pública com recurso ao uso de armas que deviam compor aquele conteúdo normativo.
Isto só é coerente quando interpretado no sentido de que a intenção do legislador era excluir da aplicação do perdão apenas os roubos mais graves – precisamente os que têm aquelas características – e com maior impacto negativo na comunidade – o que reafirma o conteúdo iminentemente político-cultural (e até, neste caso, moral) da medida que se propunha – tal como acabou por acontecer ao ser retirado todo aquele outro conteúdo, ao mesmo tempo que se rejeitou a Proposta (do PSD) que impunha a exclusão a todo e qualquer crime de roubo, fosse ele do nº 1 ou do nº 2.
E também faz sentido quando visto na dimensão da Exposição de Motivos que supra se citou – maxime, quando se diz «(…) Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação (…)»
De tudo isto resulta que o legislador pretendeu claramente incluir nas exclusões do artº 7º apenas os crimes de roubo previstos no nº 2 do artº 210º do Cód. Penal, portanto, os «muito graves», precisamente aqueles que a sua alínea b) (do artº 210º, nº 2) remete para a valoração das circunstâncias referidas pelos números 1 e 2 do art.º 204º do mesmo Cód. Penal, ou seja, as mesmas circunstâncias que qualificam o crime de furto, entre as quais se contam a introdução ilegítima em habitação (al. f) do nº 1 e al. e) do nº 2) e a utilização de arma (al. f) do nº 2).
Muito embora, repete-se, a técnica legislativa deixe a dever à perfeição, mesmo em quase prejuízo da presunção constante do artº 9º do Cód. Civil, o facto é que esta Lei de Amnistia tem de ser vista à luz do momento histórico que lhe subjazeu e de harmonia com o pendor mais marcadamente político do que jurídico que lhe foi dado.
Esta interpretação que fazemos também está em conformidade com o que se pretendeu com a alínea g) acima citada.
Ou seja, o que se previu na alínea g) foi uma determinada realidade, e o que resultou (se dela se fizer uma leitura apenas à luz das regras da interpretação jurídica) é outra realidade completamente distinta.
Vejamos.
A vontade que transparece do Projecto do Governo e que constava também da Proposta do PSD de excluir da aplicação do perdão de pena os condenados por crimes cometidos contra crianças, os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas dom deficiência e imigrantes, acaba por resultar numa alínea confusa, que mistura categorias com conceitos, em total desacerto jurídico: g) os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
Ou seja, se a preocupação do legislador era fazer coincidir o conteúdo desta alínea com o resultante do art.º 67º-A do Cód. Proc. Penal sem mais, não faz sentido que tenha ainda autonomizado no objecto «as crianças e os jovens», uma vez que basta passar os olhos pelo citado preceito para perceber que as crianças e jovens já constam ali mencionadas, quando por referência a crimes graves de que sejam vítimas.
Assim, não se tendo o legislador da Amnistia limitado, na referida alínea g), a remeter para a al. b) do nº 1 desse artº 67º-A e nem para a referência específica do seu nº 3, tal só pode significar que não teve essas referências como limites do acto legislativo que estava a elaborar, ou seja, como vinculativas do conteúdo que pretendia dar ao normativo em analise.
E a ser assim, como nos parece de meridiano acerto, falhando esta vinculação, também não se pode retirar da referida alínea g) que o legislador da Lei de Amnistia quis abranger ali o exacto conteúdo do artº 67º-A citado e, por essa via, abranger na exclusão do perdão os condenados por crime de roubo previsto e punido pelo artº 210º, nº 1 do Cód. Penal (de acordo com a interpretação feita no despacho recorrido).
O que, por oposição, volta a vincar o seu propósito de abranger nesse perdão de pena os condenados pelo referido crime previsto no nº 1 do referido art.º 210º. (…)” (fim de citação)
E quanto à ratio legis, que nos merece a nossa concordância, discorreu-se no citado Ac. Rel. Guimarães:
- “(…) Se entendêssemos, como o defende o arguido/recorrente, que ao fazer constar (da referida subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto) a exclusão do perdão apenas aos condenados pelo crime previsto e punido pelo n.º 2, do artigo 210º do CP, foi evidente a intenção do legislador em permitir a aplicação do perdão ao crime de roubo simples, previsto e punido pelo seu n.º1, pois a este não fez qualquer alusão naquele segmento normativo dedicado, concretamente, ao roubo, enfrentaríamos a seguinte questão:
E se estivermos perante um condenado por crime de roubo, previsto e punido pelo mesmo artigo 210º do CP, mas não pelo seu n.º 1, nem pelo seu n.º 2, mas sim pelo seu n.º 3 (“3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”)?
Será correto fazer o mesmo raciocínio e concluir que o legislador não quis exclui-lo do perdão, porque, à semelhança do que fez relativamente ao seu n.º 1, a ele também não se referiu?
Será legitimo fazer uma interpretação restritiva da mencionada alínea g) do artigo 7º da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, à semelhança da que faz o arguido/recorrente?
Não cremos que fosse essa a intenção do legislador, pois iria deixar de fora crimes que o próprio colocou num patamar elevado de gravidade, ao catalogá-los como “criminalidade especialmente violenta”.
E não se diga que não se podem comparar tais situações, que o legislador não fez qualquer referência ao artigo 210º, n.º3, do CP porque do artigo 3º da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto já decorria que o perdão da pena de prisão nunca o contemplaria, uma vez que só incide nas penas de prisão até 8 anos e, naturalmente, esta já estaria por ali excluída, bastando, para tanto, atentar-se que o mesmo ocorre com o crime de homicídio, com idêntica moldura penal (artigo 131º do CP pena de prisão de 8 a 16 anos,), e sobre este o legislador não se inibiu de, mesmo assim, o mencionar na subalínea i), da alínea a), do n.º1, do artigo 7.º da citada Lei.
Não se defenda, também, que o crime de roubo simples não se encontra excluído do perdão porque a intenção do legislador foi a de afastar do seu âmbito de aplicação a criminalidade verdadeiramente grave.
Se assim fosse, que razão teria o legislador para excluir do perdão os crimes de coação e de burla (este quando cometido através de falsificação de documentos), previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 154.º e 217.º do Código Penal, como o fez constar, através da respetiva subalínea iv), da alínea a) e subalínea i.), da alínea b), ambas do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto, quando se tratam de crimes puníveis com penas de prisão que não ultrapassam os três anos ou, mesmo, apenas com penas de multa?
Iria, então, o legislador excluir do perdão, como o fez, os condenados por crimes menos graves, como o são o de coação e de burla simples, e deixaria de fora o crime de roubo simples, permitindo o perdão a um condenado que comete um crime que ele mesmo (legislador) colocou num patamar elevado de gravidade, catalogando-o como “criminalidade especialmente violenta”, e para o mesmo previu uma moldura penal bem mais grave do que aquelas, que nem sequer admite a aplicação da pena de multa em alternativa à pena de prisão e para esta prevê uma moldura penal abstrata efetivamente mais gravosa, como o é a de 1 a 8 anos de prisão?
Na verdade, não cremos que tenha sido essa a intenção do legislador, e daí entendermos que o crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, encontra-se excluído do propugnado perdão, ante a alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º da citada Lei.” (fim de transcrição)
Mas a adopção que fazemos deste entendimento jurisprudencial maioritário (5) não pode deixar de comportar uma ressalva: quando o crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP pelo qual foi o arguido condenado, tiver sido cometido em data anterior à data da entrada em vigor do diploma legal que veio aditar ao CPP o artigo 67º-A, não será de aplicar tal jurisprudência, beneficiando assim o condenado do perdão da pena, caso as demais circunstâncias (de âmbito subjectivo e objectivo) se mostrem preenchidas.
Vejamos então porquê.
O artigo 67º-A do CPP foi introduzido pela Lei n.º 130/2015, de 04.09, no seu artigo 3º (6). Este diploma entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (cfr. artigo 5º). Antes desta data, a vítima de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 não era considerada “vítima especialmente vulnerável” e não tinha um estatuto processual próprio. Sucede que no caso concreto, o crime pelo qual o arguido/recorrente veio a ser condenado (por sentença de 26.05.2017, transitada em julgado a 26.06.2017) foi cometido a 15 de Agosto de 2015, ou seja, antes da entrada em vigor do apontado regime legal, pelo que a vítima dos actos ilícitos e culposos do arguido não havia adquirido processualmente aquela específica qualificação.
E esta circunstância factual, leva-nos a que nos debrucemos sobre a questão da aplicação no tempo das normas processuais penais materiais (7).
Antes do mais, importa que se tenha presente a noção de normas processuais penais, como sendo aquelas que embora no âmbito do direito processual penal, porque podem afectar os direitos individuais fundamentais, são normas de conteúdo material que caem, por tal, no domínio do direito penal em sentido amplo (Taipa de Carvalho, ob. cit., págs. 260-261). Isto porque, prossegue o referido autor, citando Figueiredo Dias e Faria Costa (ibidem, pág. 262): “há entre o direito penal e o processo penal uma verdadeira relação de complementariedade funcional, podendo mesmo dizer-se relação de interdependência ou de implicação biunívoca: o processo penal – tal como qualquer processo – pressupõe o direito penal, e o direito penal – diferentemente do que acontece com os ramos do direito não sancionatório – só se concretiza através do processo penal. O processo penal e, em rigor, o modus existendi do direito penal.”
Como é consabido, o princípio da não retroactividade da lei penal, tão querido ao Estado de Direito, aplica-se a todo o direito repressivo, pelo que sempre que possa haver ofensa de direitos fixada à sombra da lei processual, esta deve ter-se como substantiva e não deve aplicar-se retroactivamente. A par, há que não esquecer o princípio da retroactividade favorável da lei penal, aqui se incluindo, como acabámos de frisar, as normas processuais penais materiais.
É assim ilegítima e desrespeitadora da Constituição toda a interpretação que pretenda excluir dos dois apontados princípios as leis processuais penais materiais, diz-nos Taipa de Carvalho, in ob. cit., pág. 279.
Neste mesmo sentido, veja-se Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1974, pág. 112: “O princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal”, pelo que “não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa.”
Em súmula: a sucessão de leis processuais penais materiais rege-se pelos princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável. É o que decorre do artigo 29º da CRP e do artigo 2º, n.º 4 do CP
Mas Pedro Caeiro, “Aplicação da lei Penal no Tempo e Prazos de Suspensão da Prescrição do Procedimento Criminal: Um “Caso Prático”, in “Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues”, Coimbra Editora, 2001, consultável em fd.uc.pt/pcaeiro, vai mais longe: “Afigura-se-nos correcta, como ponto de partida, a proposta de Taipa de Carvalho, in “Sucessão de Lei Penais”, pág. 263 que (…) distingue entre “normas processuais penais materiais” e “normas processuais formais” (…). Só que, na verdade, parece-nos possível ir um pouco mais além. (…) o facto de terem a sua fonte normativa na letra da lei substantiva ou processual é relativamente indiferente para o problema da aplicação da lei penal no tempo. Decisivo é apenas o seu conteúdo; e por isso pode talvez afirmar-se que são normas processuais materiais todas aquelas que contendam com as garantias subjacentes à proibição da retroactividade in pejus e normas processuais formais as restantes. Deste modo, a distinção não deve ser um prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas àquela proibição, mas sim um resultado da correcta delimitação do âmbito da proibição de retractividade desfavorável. Em suma: a lei processual penal deve seguir o brocardo tempus regit actum (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto processual em causa), salvo se tal aplicação “imediata” agravar a responsabilidade do arguido ou a sua posição processual” (sublinhado no original).
Ora se assim é, como não pode deixar de o ser, uma norma penal (lato sensu, como resulta do vindo de expor) de cuja aplicação resulte qualquer agravamento (sensível ou não) da posição do arguido, não pode aplicar-se retroactivamente, sob pena de violação da apontada disposição constitucional.(8)
E porque não podemos deixar de eleger o tempus delicti como sendo o momento-critério que nos indica qual a lei temporalmente competente (9), temos que à data do cometimento dos factos ilícitos típicos pelos quais foi condenado o arguido/recorrente – 15.08.2015 – a lei que consagrou o estatuto processual da vítima não se encontrava ainda em vigor. Por tal, não pode fundar-se na existência de tal figura processual da “vítima especialmente vulnerável” e na remissão que é feita para a mesma pela al. g) do artigo 7º da Lei de Clemência em análise, o afastamento da aplicação do perdão (parcial) da pena ao recorrente previsto em tal diploma, porquanto tal redundaria na violação do apontado princípio constitucional.
Houvesse já tal regime na data do cometimento pelo arguido/recorrente dos factos ilícitos típicos subsumidos ao crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP, pelo qual foi condenado na pena de prisão de 3 anos de prisão, e porque sufragamos o entendimento jurisprudencial até ao momento maioritário supra apontado, impunha-se revogar o despacho recorrido.
Porém, e por força do princípio constitucional da não retroactividade da lei penal desfavorável ao arguido, com a dimensão e alcance vindos de elencar, importa que no caso concreto se entenda que o arguido/recorrente, condenado pela prática de um crime de roubo simples, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP, cometido a 15.08.2015, não se encontra excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e, por tal, decide-se manter o despacho recorrido, não se concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
***
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em não conceder provimento ao recurso e, por tal, manter o despacho recorrido.
-
Sem custas (face à isenção subjectiva do recorrente, o Ministério Público).
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 21 de Março de 2024
(texto elaborado pela juíza relatora, sendo posteriormente revisto por todos os signatários e por todos assinado digitalmente)
CARLA CARECHO
MICAELA PIRES RODRIGUES
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES CASTRO
______________________________________________________
1. Estando em causa, segundo o recorrente, a aplicação pelo tribunal a quo de uma lei sob suspeita de inconstitucionalidade, por violadora do artigo 13º da CRP, e sendo uma das funções acometidas ao MP a defesa da legalidade, o único meio para atacar as sentenças que apliquem leis sob a apontada suspeita é o recurso ordinário, “a fim de essas leis deixem de ter aplicação, assim se reparando o erro de julgamento cometido com a sua aplicação” – assim se decidiu no Ac. STJ de 22.10.1997, proc. n.º 97P688, Juiz Conselheiro Andrade Saraiva, cujo sumário se encontra consultável em www.dgsi.pt..
Tal regime é o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 280º da CRP e 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LCT): quando está em causa o recurso de decisões dos tribunais que apliquem uma norma arguida de inconstitucional por um dos sujeitos ou intervenientes processuais, o recurso para o TC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade, exigindo-se a prévia exaustão dos recursos ordinários (artigo 70º, n.º 2 da LCT), sendo o pressuposto específico do recurso a aplicação de uma norma (ou normas) cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Não esqueçamos ainda que os efeitos da decisão no sentido da inconstitucionalidade ou da não inconstitucionalidade da norma apenas têm eficácia no caso concreto que se encontra em julgamento, o mesmo sucedendo quanto aos efeitos da decisão do TC que possa vir a ser proferida no âmbito do disposto nos artigos 280º e 69º e ss. da LTC: a decisão deste tribunal apenas tem eficácia no caso concreto que se encontra em julgamento no tribunal ordinário.
2. Também o Ac. Rel. Porto de 18.9.2013, proc. n.º 259/10.5GFVNG.P1, relator Juiz Desembargador Castela Rio, in www.dgsi.pt: a permissão de rejeição do mais (de todo o Recurso) consente rejeição do menos (do conhecimento, por apreciação e decisão, de uma das questões recorridas).
3. Por ordem cronológica, vejam-se os seguintes: Ac. Rel. Lisboa de 28.11.2023, proc. n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, relatora Juíza Desembargadora Luísa Maria Alvoeiro, com voto de vencido da Juíza Desembargadora Ana Cláudia Nogueira; Ac. Rel. Lisboa de 06.12.2023, proc. n.º 2436/03.6PULSB-D.L1-3, relatora Juíza Desembargadora Hermengarda do Valle-Frias; Ac. Rel. Porto de 10.01.2024, proc. n.º 485/20.9T8VCD.P2, relator Juiz Desembargador Francisco Mota Ribeiro; Ac. Rel. Guimarães de 23.01.2024, proc. n.º 5310/19.0JAPRT-AI.G1, relatora Juíza Desembargadora Isilda Pinho; Ac. Rel. Porto de 24.01.2024, proc. n.º 614/15.4GABAGD, relator Juiz Desembargador Pedro Afonso Lucas; e mais recentemente, datados de 20.02.2024, temos o Ac. Rel. Lisboa proferido no proc. n.º 286/22.0SYLSB.L2-5, relatado por Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro e o Ac. Rel. Évora, proc. n.º 22/19.8GBTMR-A.E1, todos in www.dgsi.pt.
4. Em sentido contrário, defendendo que o crime de roubo, à luz das als. j) e l) do artigo 1º do CPP não deve ser considerado como integrando o conceito de criminalidade violenta ou especialmente violenta e, por tal, o crime de roubo simples, p.p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP não se encontra excluído pela al. g) do n.º 1 do artigo 7º da Lei do Perdão, temos o Ac. Rel. Lisboa de 23.01.2024, proc. 179/04.2PBLSB-A.L1-5, relatora Juíza Desembargadora Maria José Machado, com voto de vencido da Juíza Desembargadora Mafalda Sequinho dos Santos.
5. Também o Ex.mº Senhor Juiz de Direito Pedro Brito, em artigo publicado na Revista Julgar On line, Agosto de 2023, “Notas Práticas referentes à Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto”, defende: “Da mesma forma, apesar de o crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P., não constar elencado no n.º 1, al. b), i), da Lei em análise, onde apenas se faz referência, na parte que agora interessa, ao roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 2, do C.P., o certo é que a vítima daquele será sempre uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente também não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime por força do n.º 1, al. g), do preceito em análise.”;
6.Diploma que procedeu à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprovou o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de março de 2001.
7. Noção entre nós criada pelo Insigne Prof. Américo Taipa de Carvalho e melhor desenvolvida na sua obra “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 259 e ss.
8. Neste sentido também o citado Ac. Rel. Lisboa de 23.01.2024, relatado por Juiz Desembargadora Maria José Machado.
9. Como o defende o Prof. Taipa de Carvalho, in ob. cit., pág. 280.