Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
943/22.0T8ACB. L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: NOMEAÇÃO JUDICIAL DE ORGÃOS SOCIAIS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: IAs nulidades da sentença têm como causa a violação da lei processual pelo juiz ao proferir alguma decisão, circunscrevendo-se no âmbito da elaboração das decisões judiciais e desde que essa violação se enquadre num dos requisitos previstos no artº 615º, nº1, do CPC. Já as nulidades processuais incidem sobre os restantes actos processuais e estão previstas nos arts 186º e ss do CPC, respeitando a actos de tramitação e/ou de sequência processual e devem ser arguidas perante o tribunal onde terão sido cometidas.

IIA nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia por ter sido proferida com preterição das regras de direito probatório e do princípio do contraditório acobertada pelo julgador (art. 615º, nº 1, d), do CPC) – a designada decisão surpresa -, acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.

IIIEstando-se no âmbito de uma acção especial para nomeação judicial de titular de órgão social, em que a requerente e o requerido indicaram pessoas diversas a serem nomeadas para o exercício do cargo, indicaram prova e não resultando dos autos desde já demonstrada a idoneidade de qualquer delas para tais funções, não pode o tribunal desde logo proceder à designação da pessoa indicado pelo requerido, sem que tenha tido lugar a produção de prova.

IVA nomeação nesses termos consubstancia nulidade da decisão por excesso de pronúncia que não pode deixar de ser declarada.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

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IRELATÓRIO

M… M…, residente na Rua …, veio, ao abrigo do disposto nos art. 1053º e 1055º do C.P.C., intentar a presente acção especial contra S…, Lda e L… B…, peticionando:
- a imediata suspensão e destituição das funções de gerente actualmente exercidas pelo réu L… B…;
- a nomeação de um gerente único à ré, indicando para o cargo M… B…;
- a nomeação de dois representantes comuns para as quotas sociais indivisas que integram a totalidade do capital social da ré, indicando para o efeito L… B… e A… F…
Alegou, em síntese, que a sociedade ré é uma sociedade familiar em que são únicos sócios a autora e o réu, actualmente ex-cônjuges, com uma quota correspondente a 50% do capital cada um.
Mais sustentou que, após o divórcio o réu desviou parte da actividade da sociedade ré para outra sociedade que constituiu com a sua actual esposa, exercendo uma actividade concorrencial à sociedade ré. Que o réu, pese embora tenha renunciado à gerência da sociedade ré, por força da destituição judicial da autora do cargo de gerente e na ausência de outros gerentes nomeados, passou a exercer novamente as funções de representação da sociedade nos termos do art. 253.º do C.S.C..
Alegou, ainda, que por força do litígio que os separa e porque a sociedade pode vincular-se com a assinatura de um único gerente, teme que o réu venha a dissipar ou ocultar o património da sociedade, atentos os negócios anteriormente celebrados pelo mesmo em nome da sociedade ré com outras sociedades por si tituladas.
Invocou também que a vida da sociedade se encontra num impasse porquanto as partes mostram-se incapazes de tomar, por acordo, qualquer deliberação, razão pela qual se mostra necessária a nomeação de um representante para cada quota.
Regularmente citados, veio o réu L… B… deduzir oposição, impugnando parcialmente os factos alegados e opondo-se à nomeação da pessoa indicada para o cargo de gerente, por um lado, e, por outro, à sua suspensão enquanto representante da sociedade e à nomeação de representes comuns para as quotas socais.
Notificada da contestação, a A. apresentou requerimento com o seguinte teor:
1–Vem dizer o seguinte, ao abrigo do princípio do contraditório:
a)- Impugna a tese vertida pelo Requerido L… B… em sede da sua contestação;
b)- De todo o modo, as posições díspares de ambos os sócios da Requerida S…, Lda., demonstradas nos autos de forma evidente, determinam a necessária procedência dos pedidos deduzidos nos presentes autos.”
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Em 22/09/2023, foi proferida decisão considerando que a apreciação do pedido para suspender o réu das funções de gerente da sociedade se mostrava inútil “em face da possibilidade de apreciação imediata e definitiva dos demais pedidos formulados e que tutelam em toda a sua extensão a situação que a autora pretendia acautelar mediante a suspensão imediata”. Com esse fundamento foi julgada prejudicada a apreciação da referida pretensão.
Seguidamente foi proferida decisão que, julgando a acção parcialmente procedente:
- nomeou para o cargo de gerente da sociedade requerida S…, LDA., nos termos do disposto no art. 253.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, A… W…, residente na Avenida … e
- declarou improcedente o pedido de nomeação judicial de representante comum de contitulares de participações sociais.
Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 1053.º do C.P.C., foi determinada a notificação das partes e da pessoa nomeada para, em 10 dias, indicarem o valor que entendem ajustado à remuneração do gerente e juntarem a documentação que tenham por relevante.
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Inconformada a requerente interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

Tramitação relevante e delimitação do recurso:
A A., ora Recorrente, veio, ao abrigo do disposto nos artº 1.053º e 1.055º do CPC, instaurar a presente acção com processo especial, peticionando, relativamente à sociedade Ré S…, Lda. (da qual ela e seu ex marido, ora Recorrido, são os únicos sócios, titulares, cada, de uma quota social correspondente a 50% do capital social):
a)-A imediata suspensão e destituição de funções de gerente actualmente exercidas pelo Réu, ora Recorrido, seu ex-marido, L… B…;
b)-A nomeação de um gerente único, indicando para o cargo M… B…, filho de ambos os sócios;
c)-A nomeação de dois representantes comuns para as sociais quotas indivisas, uma para cada quota (pois ambas as quotas se encontram a ser partilhadas em inventário para separação de bens comuns do casal), indicando, para o efeito o outro filho do ex casal de sócios e uma nora: A… F…
Alegou, para tal efeito, em síntese, uma série de factos, indicando prova a produzir, que poderão ser subsumidos aos seguintes temas, correspondentes à tese que apresenta nos presentes autos:
a)-Que a S…, Lda, é uma sociedade familiar, que integrou os esforços e activos de Recorrente e Recorrido, durante a vigência do seu casamento, a qual apresenta o seguinte objecto social:
- “Arrendamento de imóveis; compra e venda de imóveis urbanos ou rústicos e revenda dos adquiridos para esse fim: exploração e comércio florestal; construção civil e reconstrução de imóveis; galeria de arte; actividades de formação e centro de explicações; exploração de cafetaria; organização de eventos; consultoria para os negócios e a gestão nas referidas actividades; comércio, importação, exportação e representações de produtos, artigos, máquinas e equipamentos nas referidas actividades”.
b)-Que se encontra em curso processo judicial de inventário para separação de bens desse ex-casal (procº nº …, Juízo de Família e Menores de … – J…);
c)-Que o local da sede social corresponde à casa de morada de família da Recorrente e, simultaneamente, à sede da sociedade S… – o que impõe especial cuidado relativamente ao que se irá decidir nos autos, pois pode afectar a posse que aquela atualmente exerce da sua casa de habitação e os inerentes direitos de personalidade (note-se, por exemplo, o perigo de um gerente, formalmente legitimado pelo âmbito do objecto social, aceder à sua casa de habitação, afectando a posse que aquela actualmente exerce sobre a mesma);
d)-Que o Recorrido, após o divórcio, desviou parte da actividade da sociedade para outra sociedade que constituiu com a actual conjuge e elegou vastíssimos factos que integram condutas daquele que consubstanciam prejuízo grave dos interesses societários e dos interesses familiares que imbuíram a constituição da sociedade, motivado por uma intenção clara de prejudicar, mesmo de forma indirecta, a Recorrente;
e)-Que o filho de Recorrente e Recorrido aceitara desempenhar as funções de representante da sociedade, atentas as razões atrás referidas, maxime a natureza familiar da sociedade e o facto deste cargo ser necessário apenas temporariamente – pois, quando terminar o processo de partilha de bens comuns do casal, será colocado termo à indivisão.
O Recorrente, por sua vez, apresentou contestação nos autos, apresentando uma tese na qual, sem contestar a natureza familiar da S…, impugna o alegado pela Recorrente, indicando também prova a produzir e apresentando uma versão diferente nos autos, através da alegação de factos diferentes, entre os quais o seguinte:
- A pessoa que, no seu entender, deverá ser nomeada como gerente é A… W…, uma vez que “Tem conhecimento da vida da sociedade e é pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança”.
Após esta contestação, apesar de nos termos processuais aplicáveis, o processo não admitir réplica, a Recorrente, à cautela, em 23/08/2023, apresentou requerimento nos autos, para que ficasse clara a sua não concordância com as pretensões trazidas ao processo pelo Recorrente, no qual, expressamente declarou IMPUGNAR A TESE VERTIDA PELO RECORRENTE NA SUA CONTESTAÇÃO.
Mais invocou a Recorrente, nesse requerimento, uma vez que se encontrava pacificamente aceite nos autos, a natureza familiar da sociedade S…, que deveriam ser imediatamente julgados a procedentes os pedido que deduzira nos autos, o que conduziria à nomeação do filho comum de Recorrente e Recorrido como gerente da S…
Chegados a este ponto, apresentavam-se, assim, plasmadas nos autos, duas teses opostas entre si:
a)-A tese da Recorrente, impugnada pelo Recorrido na contestação – a qual determinaria, entre outros efeitos, relativamente a nomeação de titular de órgão social/gerente, M… B…;
b)-A tese do Recorrido, impugnada pela Recorrente por requerimento de 23/08/2023 – a qual determinaria, entre outros efeitos, relativamente a nomeação de titular de órgão social/gerente, A… W…
Em 22/09/2023, quando o processo se encontrava nos termos descritos no anterior ponto 1., ou seja, ANTES DE REALIZAR JULGAMENTO E/OU PRODUZIR PROVA, o Tribunal “ a quo” proferiu a Sentença recorrida, nos seguintes resumidos termos – no que ao presente recurso interessa (pois a Recorrente concorda com a necessidade de nomear gerente e com a restante parte decisória dessa Sentença, apenas não concorda com a nomeação da pessoa indicada pelo Recorrido):
i.-Considerou como provados apenas os seguintes factos, para efeitos de fundamentar de facto a decisão de nomeação de gerente proferida, referindo-os como os únicos relevantes para a decisão da causa:
1A sociedade S…, LDA,. pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …
2Tem o capital social de € 100.000,00 dividido em duas quotas, tituladas cada uma delas por autora e réu.
3A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.
4A gerência da sociedade foi inicialmente conferida conjuntamente à autora e ao Réu.
5Foi registada pela ap. 2/20190618, a cessação de funções do cargo de gerente do aqui réu, por motivo de renúncia, com efeitos desde 31 de Janeiro de 2019.
6Foi registada pela ap. 23/20220307, a cessação de funções do cargo de gerente da aqui autora, por motivo de destituição, com efeitos desde 15 de Fevereiro de 2022.
ii.-Relativamente à concreta nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, designou para o cargo a pessoa indicada pela Recorrido, A… W… (DECISÃO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO), fundamentando esta decisão nas seguintes considerações, que, no essencial reproduzem a tese alegada pelo Recorrido na sua contestação (impugnada pela Recorrente):
a)-“A autora, tendo exercido o contraditório sobre o alegado na oposição, não impugnou o alegado pelo réu sobre a pessoa indicada”;
b)-“… a nomeação do filho do casal para o cargo de gerente, atenta a sua proximidade com o conflito poderia prolongar a instabilidade e incerteza na gestão da sociedade, para além de ser potencialmente prejudicial à preservação dos laços familiares que ainda possam existir entre pais e filhos”;
c)-“Por outro lado, considerando o alegado pelo réu, julga-se que a pessoa que se encontra em melhores condições para exercer o cargo será a pessoa por si indicada porque tem conhecimento da vida da sociedade e será pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança”.

Efeito suspensivo do recurso:
Artº 647º, nº 2 b) e d) do CPC
Conforme foi alegado nos artºs 6º e 194º da p.i., o local correspondente à sede social da sociedade da S… é o mesmo da CASA DE HABITAÇÃO da Recorrente e esta não pretende facultar o acesso da sua casa de habitação a estranhos, nomeadamente, à pessoa indicada como “gerente” na Sentença recorrida – daí, ter indicado para tais funções o seu filho com o Recorrido, alegando profusamente, para esclarecimento do Tribunal, a propósito da específica natureza familiar daquela sociedade (vide artºs 39º a 145º da p.i.).
O direito à defesa da sua reserva de vida privada e do seu direito à habitação encontra-se consagrados na Constituição de República Portuguesa, reflectindo-se tal proteção na norma do artº 647º, nº 3, b) do CPC, determinando efeito suspensivo aos recursos em acções que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação.
10ªNote-se que o legislador, numa clara intenção de proteção desses direitos, utiliza a expressão “respeitar” – e não “tenham por objecto” – o que determina que deve ser fixado efeito suspensivo ao recurso interposto em quaisquer ações nas quais possa ficar, de qualquer forma, afectada a posse de casa de habitação, justamente como acontece in casu.
11ªDeverá ainda ser levado em consideração a matéria alegada nos artºs 132º a 135º da p.i., que aqui se dá por reproduzida: de onde resulta que Recorrido já tentou devassar a casa de habitação da Recorrente (correndo actualmente processo crime), usando justamente o argumento de “que se trata do local da sede social”, bem como o facto de, em virtude desse tipo de actos, correr termos processo crime, acompanhando também o Ministério Público os termos do processo de inventário para separação de bens comuns do casal.
12ªConforme deixou claro em sede de impugnação, a Recorrente não aceitou e IMPUGNOU a tese trazida aos autos pelo Recorrido de que o gerente nomeado na Sentença recorrida “tem conhecimento da vida da sociedade e será pessoa em que tanto autora como réu depositam confiança”: a Recorrente não deposita confiança nessa pessoa, e não pretende facultar-lhe acesso à sua casa de habitação, sendo que os direitos de habitação e reserva da sua vida familiar atrás invocados, conflituam com os poderes legais de um gerente da sociedade S…, nos termos gerais, nomeadamente o de utilização da sede social, pelo que a Sentença ora recorrida tem por efeito prejudicar gravemente a posse que a Recorrente vem exercendo da sua casa de habitação, devendo, por isso, ser atribuído efeito suspensivo ao recurso ora interposto, nos termos do artº 647º, nº 3, b) in fine, do CPC., o que requer.
13ªA Sentença recorrida indeferiu a nomeação de gerente concretamente requerida pela A. e tem natureza urgente e cautelar, assumindo natureza urgente, pelo que deverá, também com este fundamento, ser conferido efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do artº 647º, nº 3, d) do CPC.
Artº 647º, nº 4 do CPC:
14ªA produção imediata dos efeitos da Sentença recorrida (nomeação de um estranho como gerente) determinaria uma total desconsideração do alegado pela Recorrente (sem sequer ter sido realizada qualquer instrução da causa) e lesão imediata dos direitos que a Recorrente pretende salvaguardar, abrindo as portas da sociedade àquele e determinando prejuízo grave para os interesses que pretende acautelar através dos presentes autos: a defesa do património familiar e a reserva da sua intimidade patrimonial e pessoal da sua casa de habitação vida familiar, nos termos descritos neste ponto e no presente recurso.
15ªTrata-se de um prejuízo grave, uma vez que tal determinaria uma devassa da reserva da vida pessoal e patrimonial deste ex-casal e da Recorrente, o acesso de informações patrimoniais e pessoais, por parte de estranho à família; a possibilidade deste estranho pretender tomar decisões e aceder à sede social, que é a casa de morada de família da Recorrente, etc.
16ªConvém lembrar ainda, a este respeito o seguinte:
a)-Conforme se alegou na p.i. (artº 6º), encontra-se em curso processo de inventário para separação dos bens comuns do casal, pelo que a necessidade de nomeação de gerente é temporária: assim que se encontrem partilhados os bens do ex-casal, nomeadamente a quotas sociais da S… e a propriedade da casa de habitação da Recorrente, o problema subjacente aos autos ficará dirimido.
b)-Não se justifica, assim, ao abrigo dos mais elementares princípios de equidade, que se possibilite, através da execução da decisão recorrida, a efectivação desse prejuízo grave e efectivo para a Recorrente, ainda para mais, determinado por uma Sentença proferida sem a produção da prova indicada por aquela.
17ªMais: a concreta pessoa indicada pelo Recorrido para exercer as funções de gerente da S…, não é da confiança da Recorrente (daí ter impugnado a tese de “pessoa de confiança” apresentada na contestação).
18ªA Recorrente tencionava, com a produção da prova que indicou, comprovar nos autos tal falta de confiança; porém, o Tribunal “a quo” negou-lhe tal possibilidade, proferindo a Sentença recorrida antes de ordenar a produção dessa prova e cerceando à Recorrente a mais elementar defesa dos direitos que pretende acautelar com os presentes autos.
19ªAlém de outros factores, que a prova testemunhal a produzir revelará aquando da realização da audiência de julgamento que pretende se realize após deferimento do presente recurso (infirmando a tese apresentada pelo Recorrido na contestação), é especialmente de considerar, para os efeitos ora pretendidos, que tal pessoa é advogado, colega de escritório do mandatário do Recorrido e se tem, inclusive, dirigido muitas vezes à Recorrente, em representação dos interesses daquele (DOC. Nº 1).
20ªE que, o processo de inventário atrás referido é acompanhado pelo Ministério Público, justamente em virtude das queixas apresentadas pela Recorrente, derivadas da situação de fragilidade que expôs na sua p.i. (vide artºs 80º a 140º da p.i., que aqui se dão por reproduzidos) (DOC. Nº 2).
21ªRequer, subsidiariamente, em face do exposto, nos termos do nº 4 do artº 647º do CPC, e sem prejuízo do deferimento imediato do efeito suspensivo requerido nas anteriores conclusões 8ª a 13ª (independente e qualquer caução, que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, oferecendo-se desde já para prestar caução, cujos termos (valor, prazo de pagamento) mais requer sejam fixados pelo Tribunal “a quo”, oferecendo-se para disponibilizar todas as informações que este Tribunal entenda serem necessárias a tal efeito.

Nulidade da Sentença recorrida (artº 615º, nºs 1, b. c. e d. do CPC) e Nulidade
processual (artº 195º, nº 1 do CPC) – relevando o teor das anteriores conclusões:
22ªApós a fixação dos referidos factos como provados, atrás enunciados, o Tribunal “a quo” procede à nomeação imediata do gerente provisório indicado pelo Recorrido.
23ªÉ óbvio, porém, que nenhum dos factos considerados provados nos autos é apto a determinar e fundamentar tal decisão, não respeitando qualquer qualidade ou característica dos mesmos, não sustentando facticamente a decisão vertida na Sentença;
24ªDa matéria exposta decorre a Sentença recorrida se encontra inquinada de nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, b) do CPC, que ora se argui, uma vez que os factos dados por provados não são suscetíveis de determinar a decisão tomada pelo Tribunal “ a quo”, nem nenhumas das considerações que tece a propósito de tal decisão, afigurando-se completamente absurdo e ininteligível partir destes factos para suportar uma decisão de escolher a tese de uma das partes (o Recorrido/Réu) em lugar da outra (a Recorrente/Autora).
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25ªLê-se na Sentença recorrida o seguinte:
a)-“A autora, tendo exercido o contraditório sobre o alegado na oposição, não impugnou o alegado pelo réu sobre a pessoa indicada”;
b)-“… a nomeação do filho do casal para o cargo de gerente, atenta a sua proximidade com o conflito poderia prolongar a instabilidade e incerteza na gestão da sociedade, para além de ser potencialmente prejudicial à preservação dos laços familiares que ainda possam existir entre pais e filhos”;
c)-“Por outro lado, considerando o alegado pelo réu, julga-se que a pessoa que se encontra em melhores condições para exercer o cargo será a pessoa por si indicada porque tem conhecimento da vida da sociedade e será pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança”.
26ªEstas considerações tornam a Sentença completamente obscura, em face dos elementos que constam do processo, a saber:
a)-Na petição inicial, a A., ora Recorrente, apresentou a sua tese, a qual corresponde a uma causa de pedir (natureza específica da sociedade familiar, etc,), que tem como corolário o pedido de que seja nomeado gerente provisório o filho comum de ambas as partes;
b)-Na contestação o R., ora Recorrido, sem negar a natureza de sociedade familiar invocada pela Recorrente, apresentou a sua tese, diferente da desta (“A… W… como pessoa que tem conhecimento da sociedade e que é pessoa da confiança de ambas as partes”);
c)- Apesar da tramitação processual não permitir a apresentação de réplica, a Recorrente veio espontaneamente aos autos, à cautela:
- IMPUGNAR A TESE APRESENTADA NA CONTESTAÇÃO;
- Defender que, face à aceitação na contestação do Recorrido da natureza de “sociedade familiar” da S…, deveriam ser deferidos os pedidos deduzidos pela Recorrente nos autos, ou seja, no que a presente recurso interessa, deveria ser nomeado gerente o filho de ambas as partes, por si indicado.
27ªFace às evidências que constam do processo, não se percebem e são completamente contraditórias, as afirmações ínsitas na Sentença recorrida no sentido de que “ a autora, tendo exercido o contraditório, não impugnou o alegado pelo réu quanto à pessoa indicada”, muito menos quando conclui que essa pessoa, que nomeou como gerente “será pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança”, as quais, aliás, carecem de qualquer sustentação nos factos dados por provados (e, a este respeito bem, pois a tese que as apresenta foi impugnada pela Recorrente, jamais poderão ser dados como provados.).
28ªDa matéria exposta resulta uma evidente obscuridade e ininteligibilidade da Sentença, recorrida, que a torna nula, de harmonia com o artº 615º, nº 1 c) do CPC e resulta também nulidade da mesma ao abrigo da norma do artº 615º, nº 1, d), pois, encontrando-se controvertida, nesta fase, a questão relativa à pessoa mais adequada para exercer cargo de gerente provisório, e nenhuma das partes aceitando os argumentos da outra, sempre qualquer decisão a este respeito necessitaria de produção de prova e julgamento da matéria de facto e de Direito por forma a produzir uma decisão final coerente e devidamente fundamentada, nos termos legais.
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29ªIgualmente obscura é a consideração vertida na Sentença recorrida (aderindo à tese do Recorrido impugnada pela Recorrente, sem realizar qualquer julgamento ou produção da prova requerida) no sentido de que “a nomeação do filho do casal para o cargo de gerente, atenta a sua proximidade com o conflito, poderia prolongar a instabilidade e incerteza na gestão da sociedade, além de ser potencialmente prejudicial à preservação dos laços familiares que ainda possam existir entre pais e filhos”.
30ªPergunta-se: que prova foi produzida, que factos foram dados por assentes para que o Tribunal “a quo” discorra tão facilmente sobre a concreta realidade familiar subjacente à concreta sociedade comercial e ao concreto problema trazidos aos autos?
31ªA resposta é fácil: o Tribunal “a quo” nenhuns factos julgou ou considerou provados a tal respeito – e nem o podia fazer nesta fase, pois para tal efeito teria sempre de produzir prova, de julgar a causa que lhe foi colocada, o que não fez.
32ªDa matéria exposta resulta que a Sentença é igualmente nula por todas as razões anteriores e por esta esta agora concretamente apontada e invocada, nos termos do artº 615º, nº 1 d) do CPC:
- O Tribunal “a quo” tomou conhecimento de questões (escolha entre as diferentes pessoas indicadas pelas partes para o cargo) num momento em que ainda não podia tomar conhecimento dessa questão, atentas as evidentes posições divergentes das partes a esse propósito e a necessária necessidade de produzir prova a tal respeito, de realizar julgamento e de determinar, fundamentadamente, a sua convicção de facto e de Direito, antes de tomar decisão final a este respeito – como impõem os mais elementares princípios básicos de um Estado de Direito e, no nosso caso, o artº 20º, nº 1, da CRP.
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33ªA Sentença recorrida conheceu do mérito relativamente a esta concreta questão da pessoa a indicar para exercício do cargo de gerente nos termos explanados nas anteriores conclusões, que aqui se dão por reproduzidos, conhecendo do mérito sem realizar audiência de julgamento, sem produzir a prova indicada pelas partes.
34ªPorém, para poder decidir tal “escolha”, o Tribunal “a quo” encontra-se subordinado a deveres de natureza inquisitória e ao mais elementar dever de respeito do princípio do contraditório – ambos violados na Sentença recorrida.
35ªConforme se lê no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 02/05/2023 (procº nº 1805/22.7T8BRR.L1-1 (in www.dgsi.pt):
- “A sindicância da idoneidade da(s) pessoa(s) indicada(s) à nomeação para o cargo de gerente é feita por referência aos deveres fundamentais a que este está adstrito nos termos do artº 64º do CSC, o que implica avaliar parâmetros de competência técnica, disponibilidade, incompatibilidades, e independência, que não são demonstrados pelo simples facto de aquela(s) ter(em) mantido aquela qualidade desde a constituição da sociedade ou outro lapso de tempo” ;
- Às partes “…impõe-se alegar e juntar os elementos necessários para demonstrar a idoneidade de quem indica à nomeação e, não o fazendo, deve o tribunal convidá-lo a suprir a fattispecie necessária à concretização da causa de pedir nessa matéria, incumbindo ao Tribunal o poder-dever de «colher as informações convenientes» deferindo e/ou ordenando as diligências que para o efeito repute necessárias.”
36ªTranspondo estes ensinamentos para o caso em análise é evidente que o tribunal “a quo” NADA FEZ no sentido de cumprir o seu poder-dever, o princípio inquisitório que o vincula, nesta matéria, a conhecer as concretas qualidades das pessoas indicadas nos rigorosos termos exigidos e descritos naquele aresto, limitando-se a aderir à tese apresentada pelo Recorrido na contestação, sem nada mais indagar, sem ordenar sequer a produção da prova, sem sequer determinar quaisquer factos provados a tal respeito.
37ªTomou, assim, conhecimento de questão da qual ainda não poderia conhecer (porque não tinha praticado todos os actos e diligências essenciais ao cumprimento do apontado poder-dever), pelo que a Sentença recorrida é nula, nos termos do artº 615º, nº 1, d) do CPC, o que expressamente se argui.
38ªEfectivamente, conforme se lê no Sumário do Acórdão da Relação do Porto de 07/06/2021 (Procº nº 2358/19.9T8VLG.P1 in www.dgsi.pt ), o conhecimento do mérito, nesta fase, “… apenas deve ter lugar quando o processo fornecer já, em tal fase processual, antecipadamente relativamente à normal – a da sentença – todos os elementos de facto necessários à decisão do caso segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, continuando este aresto:
II– Perante a invocação de preenchimento de circunstância suscetível de conduzir à precedência da pretensão formulada, mesmo que a alegação se revele conclusiva, sempre se impõe seja efectuada a devida interpretação das peças processuais e atividade, oficiosa, do juiz no sentido da especificação e concretização fáctica.
III– Controvertida estando a matéria relevante para a subsunção jurídica do caso a um instituto convocado, nunca pode ser considerado consolidado o estado dos autos que permita ao juiz antecipar a decisão, com o adiantar da solução por si perfilhada, pois que necessária se torna, após instrução, no exercício do contraditório, a condensação – como provados e não provados – dos factos que permitam, na interpretação, concatenação e ponderação de todos eles, adotar a justa solução que se desenhe no leque das possíveis. Deve, pois, o juiz proceder à recolha dos factos da causa que se mostrem dotados de relevância jurídica, garantindo a condensação de todos, por forma a acautelar anulações de julgamento – artº 411º do CPC.
IV– E cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibida a decisão-surpresa (…).
V–A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos).
VI– E sempre determina o vício de nulidade da sentença, por falta de fundamentação (alínea b. do nº 1 do artº 615º do CPC) a absoluta falta dos factos da causa, vício a obstar à subsunção jurídica do caso.”
39ªOs ensinamentos que constam dos dois doutos arestos atrás referido aplicam-se integralmente ao caso em análise, pois:
a)-Conforme determina o primeiro aresto, o Tribunal “ a quo” tem o dever de conhecer das concretas circunstâncias e qualidades das pessoas indicadas pelas partes para o exercício da gerência, devendo até realizar oficiosamente todas as diligências que repute necessárias para o efeito, nos termos do artº 411º e 1.053º do CPC, e do artº 64º do CSC – O QUE NÃO FEZ, bastando-se com a tese do Recorrido e ignorando a impugnação desta realizada pela Recorrente;
b)-E só poderia ter conhecido dessa questão, proferindo Sentença de nomeação de gerente, depois desse conhecimento dos factos, após instrução e procedendo à subsequente recolha dos factos relevantes – O QUE NÃO FEZ, pois julgou a causa em sede liminar, sem qualquer realizar instrução e sem, sequer elencar quaisquer factos (provados ou não) relativos à concreta questão que julgou, referentes às pessoas indicadas para o cargo de gerente;
c)-Depois de todas estas omissões (não respeitou o contraditório/impugnação da Recorrente, não realizou instrução para conhecimento dos factos referentes às pessoas indicadas, não apresentou quaisquer factos provados referentes às qualidades e características destas, etc), o Tribunal “a quo” proferiu decisão final, sem sequer notificar previamente as partes relativamente os factos (ou melhor, à sua falta) e ao enquadramento jurídico que fez na decisão final (designadamente quanto ao seu alcance e efeitos) – acabando por proferir a Sentença ora recorrida, dando uma solução ao caso a Recorrente não tinha obrigação de prever, uma vez que tinha impugnado a tese do Recorrido apresentada por este na contestação (requerimento de impugnação apresentado de forma espontânea e à cautela, apesar no processo nem sequer caber uma réplica).
40ªA Recorrente irá apresentar hoje nos autos requerimento de arguição de nulidade processual – sem prejuízo de também a apontar nestes autos, expressamente - nos termos enunciados no ponto V do Acórdão da Relação do Porto atrás transcrito – pois os actos e omissões do Tribunal “ a quo”, conforme descrito no parágrafo anterior integram, além da apontada nulidade da Sentença, violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes (artºs 3º nº 3 e artº 4º do CPC) influem no exame e decisão da causa em seu prejuízo, impedindo-a de ver julgadas as suas razões, de produzir a sua prova e de se pronunciar previamente relativamente à decisão vertida na Sentença, que integrou uma verdadeira decisão-surpresa contrária ao que peticionou e que não configurava de todo possível:
a)-Face ao poder-dever que onera o Tribunal “a quo” no sentido de aferir das concretas qualidades e características de cada uma das pessoas indicadas à gerência pelas partes;
b)-Face à impugnação que fez, da lacónica tese apresentada pelo Recorrido na contestação, no sentido de que a pessoa que indicou “…tem conhecimento da vida da sociedade e será pessoa em que tanto a autora como o réu confiam”.
41ªRelativamente a nulidade da Sentença, basta analisar o elenco de factos dados por provados para se verificar que in casu, nenhum facto relativo às concretas circunstâncias e qualidades das pessoas indicadas por Recorrente e Recorrido foi, sequer, dado por assente, pelo que, acrescendo a falta de consideração da impugnação da Recorrente e a violação do princípio da decisão-surpresa, conforme atrás explicado, se aplicam à presente causa as considerações expostas nos pontos V e VI do sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, atrás transcritas Violação de lei e erro de julgamento – dando por reproduzido para este efeito o teor das anteriores conclusões:
42ªO Tribunal “a quo” deveria ter interpretado e aplicado as normas dos artºs 3º, 4º, 411º, 1.053º do CPC e artº 64º do CSC, bem como o artº 20º, nº 1 da CRP (direito a um processo justo e equitativo), nestes autos, por forma a proceder da seguinte forma,
o que não fez:
a)-Deveria conhecer, através da instrução da causa, factos relevantes para efeitos de escolher a pessoa indicada para nomear gerente, levando em consideração as teses de ambas as partes e, até, se entendesse necessário, ordenando diligências complementares para o conhecimento das características/qualidades de cada um dos indicados;
b)-Deveria elencar os factos que considera relevantes e provados a respeito de tal questão;
c)-Deveria ter considerado a impugnação apresentada pela Recorrente nos autos, que, expressamente impugnou a tese apresentada pelo Recorrido na contestação (na qual este laconicamente refere que a pessoa que entende adequada “tem conhecimento da vida da sociedade e é da confiança de ambas as partes”);
d)-Entendendo que teria condições para proferir imediatamente decisão final (o que não se aceita, sendo tal decisão no sentido da Sentença recorrida, mas que para este efeito também se analisa), sempre deveria ter dado conhecimento prévio dos fundamentos e alcance de tal decisão às partes, em lugar de ter proferido uma decisão-surpresa;
e)-Caso pretendesse proferir decisão final, deveria elencar os factos provados necessários à nomeação do filho comum do ex-casal de Recorrente e Recorrido, por aquela indicado, atenta a natureza familiar da sociedade, a pendência de processo de inventário para separação do património comum do casal, o facto da Recorrente ter por causa de habitação o local da sede, etc. – pois tratam-se de factos, esses sim, não impugnados pelo Recorrido na sua contestação.
43ªDo exposto decorre que as normas legais apontadas se encontram objectivamente violadas na Sentença recorrida, o que integra violação de lei e erro de julgamento, determinando a falta de conhecimento pelo Tribunal “a quo” relativamente às concretas características de idoneidade e características pessoais das pessoas indicadas para o cargo de gerência, nos termos atrás apontados e bem explicados nos pontos IV e V do aresto da Relação de Lisboa atrás transcrito, violação das normas dos artºs 3º, nº 3, 4º, 411º e 1.053º do CPC e do artº 64º do CSC, bem como do artº 20º, nº 1 da CRP.
44ªEfectivamente, estas normas, devidamente enquadradas pelos valores da equidade e pelo fim processual de uma descoberta da verdade material e obtenção de uma solução justa e equitativa (artºs 3º, 4º e 411º do CPC, artº 20º, nº 1 da CRP), determinam que a escolha da pessoa indicada para o exercício da gerência, neste específico caso, deveria ser um processo através do qual:
a)-Se analisariam os factos referentes à característica peculiar da sociedade S… (de natureza familiar, cujas quotas sociais dos ex-cônjuges se encontram em partilha, cuja sede integra casa de habitação da Recorrente, etc.), conforme alegado na p.i. e aqui se dá por reproduzido; e
b)-Se cruzariam tais factos com a análise das concretas qualidades das pessoas indicadas por cada uma das partes, realizando se necessário oficiosamente, todas as diligências necessárias a tal efeito, por forma, só, assim, a produzir uma decisão justa e adequada ao caso concreta, através de um processo justo e equitativo, no respeito pelo dever de descoberta da verdade material.
45ªTais normas deveriam, pois, ter sido interpretadas e aplicadas por forma determinar o que se escreveu no parágrafo anterior, determinando, igualmente, que se declare conforme anteriores conclusões 1ª a 44ª, julgando procedente o presente recurso e revogando a Sentença ora recorrida sendo substituída que outra que determine ao Tribunal a prática dos actos referidos nas anteriores conclusões 42º e 44º.
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O R. contra-alegou, CONCLUINDO:
a)-A Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade;
b)-Não foi preterido o princípio do contraditório;
c)-Não foi preterido ou violado o princípio da igualdade de partes, nem qualquer outro preceito;
d)-Os factos dados como provados e a falta de oposição à nomeação do gerente indicado pelo Recorrido, após o exercício do contraditório, são suficientes para a de nomeação de gerente, encontram-se a mesma devidamente fundamentada na Sentença;
e)-A Sentença do tribunal a quo encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito:
f)-As causas de nulidade previstas e elencadas no artigo 615º do CPC visam a não conformidade da decisão com o direito, e não erro de julgamento, discordando a Recorrente com a decisão não deverão ser acolhidos os argumentos desta em sede de recurso;
g)-Não está em causa nos presentes a atribuição ou uso da alegada casa de família, ocupada ilegitimamente pela Recorrente e propriedade do ex-casal;
h)-Qualquer que fosse o gerente nomeado teria sempre a obrigação de consultar e gerir a sociedade da qual não faz sequer parte a casa de São Martinho;
De resto, tanto na arguição de nulidades como no recurso, retira-se das respectivas alegações que a Recorrente entendeu muito bem quer a decisão proferida, quer as razões que a sustentaram, pelo que deverão improceder na sua totalidade Recurso.
Terminou peticionando que seja negado provimento ao presente recurso e mantida a sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamete, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
A Mmª Juíza a quo pronunciou-se no sentido que a sentença não enferma das nulidades invocadas.
Indeferiu ainda a nulidade suscitada pela requerente, ora apelada, com fundamento no facto de o tribunal, ao ter decidido a acção sem que tenha havido lugar a produção de prova, ter violado o princípio do contraditório e da igualdade das partes.
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Foram colhidos os Vistos das Exmªs Adjuntas.
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II–OBJECTO DO RECURSO

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo apelante, importa decidir:
- como questão prévia - admissibilidade dos documentos apresentados pelo apelante nesta fase de recurso;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação e por obscuridade ou ininteligibilidade e
- nulidade da sentença por excesso de pronúncia e, caso seja entendido que a decisão não enferma de nulidade,
- se existe idoneidade da pessoa ser nomeada pelo tribunal para o exercício do cargo de gerente da requerida.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

A)Questão Prévia: Da (in)admissibilidade dos documentos cuja junção foi requerida pelo apelante
Com as alegações de recurso, veio o Recorrente requerer a junção de 2 documentos, a saber um print retirado do site na sociedade de advogados … e no qual consta que os Drs. A… W… e o Ilustre Mandatário do requerido fazem parte da sociedade em causa e cópia de uma notificação ao Ministério Público – DIAP de …, datada de 08/03/2023, dando conhecimento que, no âmbito do Inquérito ali identificado, lhe foi concedida autorização para acompanhamento dos autos de Inventário pendentes no Tribunal de Família e Menores de Lisboa em que é requerente o ora apelado e cabeça de casal a apelante.
Relativamente à junção de documentos na fase de recurso, resulta do disposto no artº 651º do C.P.Civil, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o referido artigo 425º do mesmo diploma que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Conforme se decidiu no Ac. Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1, relator: Teles Pereira), o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt:
I– Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II– Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III– Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
(…)”
Cumpre ainda referir que o disposto no nº 1 do artigo 651º não afasta o princípio geral relativo à junção de documentos: Só devem ser admitidos aos autos documentos para fazer prova de fundamentos da acção ou da defesa e não quaisquer outros irrelevantes para a boa decisão da causa.
No caso dos autos, verifica-se que ambos os documentos poderiam ter sido juntos anteriormente, nomeadamente com o articulado que requerente apresentou na sequência da notificação da contestação apresentada pelo requerido, sendo que, como a própria requerente sustenta, o doc. nº 2 se destina a demonstrar factos desde logo alegados no requerimento inicial.
Excluída a situação de superveniência, resta agora verificar se a junção dos documentos se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º, nº 1, 2ª parte do CPC).
Os casos fundados no argumento da necessidade estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processocfr Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242.
Sobre esta hipótese, dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. I:[a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. E continuam:[n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
Também não se pode considerar que a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes ou que se funde em regra de direito com cuja aplicação a requerente não podia contar. Coisa diferente, mas que não justifica a junção de documentos nesta fase, é saber se os normativos em que o tribunal a quo fundamentou a decisão foram, ou não, aplicados em conformidade por aquele tribunal, mas esta circunstância não é fundamento para a junção de documentos nesta fase.
Assim, não é admissível a junção dos documentos nesta fase de recurso.
Pelo exposto, não se admite a junção aos autos dos documentos ora apresentados pela apelante.
Custas do incidente pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
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B)Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Invocou a apelante que, após a fixação dos factos referidos como provados, o tribunal “a quo” procedeu à nomeação imediata do gerente provisório indicado pelo recorrido, quando nenhum dos factos é apto a fundamentar tal decisão. Diz que tal implica a nulidade da decisão nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, b) do CPC.
Estabelece este normativo que a sentença é nula quando:
“(…)
b)-Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”
A nulidade aludida, conforme Ac. do STJ de 04/07/19, relatora: Rosa Tching, in www.dgsi.pt,Trata-se de um vício que corresponde à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão.
E, tal como é jurisprudência pacífica - [2 - Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in BMJ, n.º 235, pág. 152.], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada”.
A questão da nulidade coloca-se também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite de todo apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção,
Com efeito, a lei impõe ao juiz que tome posição directa sobre a factualidade alegada, especificando os factos provados e não provados e também os fundamentos em que estriba a decisão.
Atento o disposto no nº4 do art.607º do Código de Processo Civil, impõe-se ao julgador que na fundamentação da sentença declare:
“(…) Quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Tal dever de fundamentação das decisões é uma decorrência do disposto no art. 205º, nº1, da Constituição da República, sendo da maior relevância para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como na decisão de direito.
Como se diz no Ac. do STJ de 26/02/2019, relator: Cons. Fonseca Ramos, igualmente in www.dgsi.pt: “A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.”
Delimitando o objeto/âmbito do vício da falta de fundamentação de facto, nas palavras do acórdão do STJ de 21.09.2021, Proc. nº 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1, disponível na página Direito em Dia.pt:Quanto aos fundamentos de facto, não é a falta de exame crítico das provas que basta para preencher aquela nulidade, tornando-se antes necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”.
In casu, constam da sentença os factos que o tribunal considerou provados, face aos elementos que constam dos autos, bem como os fundamentos jurídicos em que se baseou a decisão.
Atento o que fica referido e sendo jurisprudência assente que só a falta absoluta de motivação – e não, mesmo que se verifique, a sua imperfeição ou incompletude - constitui fundamento para a nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, conclui-se que a sentença não enferma de nulidade por falta de fundamentação.
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C)Da nulidade da sentença por obscuridade ou ininteligibilidade
Sustentou também a recorrente que os factos dados por provados não são susceptíveis de determinar a decisão tomada pelo Tribunal, nem nenhumas das considerações tecidas a propósito de tal decisão. Diz que é “absurdo e ininteligível partir destes factos para suportar uma decisão de escolher a tese de uma das partes (o Recorrido/Réu) em lugar da outra (a Recorrente/Autora)”.
De acordo como o referido na alínea c) do artº 615º supra referido, a sentença é nula quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade” que torne a mesma ininteligível.
No que respeita à ambiguidade ou obscuridade, como ensina Remédio Marques, in “Ação Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos” e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença».
Também Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693, adoptam uma posição idêntica, referindo que “o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
A nulidade com fundamento em ambiguidade ou obscuridade remete-nos para os casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto no aresto (obscuridade), determinando que os respectivos destinatários fiquem sem saber, inequivocamente, qual o resultado consignado na sentença.
Como já se disse, in casu constam da sentença os factos considerados provados e os fundamentos jurídicos em que o tribunal estribou a decisão. A apelante entendeu tais fundamentos, como resulta dos próprios termos das alegações apresentadas.
Coisa diversa é a discordância manifestada pela mesma no que concerne ao decidido, mas tal não se subsume a qualquer nulidade da sentença.
Improcede, pois, a invocada nulidade por ininteligibilidade ou obscuridade.
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D)Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por cometimento de nulidade nos termos do artº 195º, nº1, do C.P.Civil
Sustentou ainda a Recorrente que o tribunal a quo tomou conhecimento de questões (escolha entre as diferentes pessoas indicadas pelas partes para o cargo de gerente) num momento em que ainda não podia tomar conhecimento dessa questão, atentas as evidentes posições divergentes da requerente e do requerido a esse propósito e a necessidade de produzir prova a tal respeito, de realizar julgamento e de determinar, fundamentadamente, a sua convicção de facto e de Direito, antes de tomar a decisão final.
Diz que por esse motivo a sentença recorrida é nula, nos termos do artº 615º, nº 1, d) do CPC.
Atento o disposto no artº 615º, nº1, alínea d), do do C.P.Civil, a sentença será nula se o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer;
Conforme se refere no Ac. da Relação de Lisboa, de 04/02/2021, relator: Desemb. Adeodato Brotas, Proc. nº 4739/18.6T8LSB.L1, ao que sabemos não publicado, diferentes das nulidades da sentença são as nulidades processuais que “consistem em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo estipulado e, a que a lei faça corresponder, ainda que de modo não expresso, uma invalidade, mais ou menos extensa, dos actos processuais (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, pág. 176; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 52).
Assim, as nulidades da sentença respeitam directamente aos vícios da peça decisória e estão previstas no artº 615º, nº1, do CPC e resultam da violação da lei processual pelo juiz ao proferir alguma decisão circunscrevendo-se no âmbito restrito da elaboração das decisões judiciais e desde que essa violação preencha um dos requisitos previstos naquele artº 615º, nº1, do CPC.
Já as nulidades processuais incidem sobre os restantes actos processuais e estão previstas nos arts 186º e segs do CPC.
(…) importa também ter presente que, por regra, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso (artº 196º do CPC), das nulidades processuais reclama-se perante o juiz onde tenham sido (alegadamente) cometidas (artº 197º CPC), pela parte que revele interesse na eliminação ou na repetição do acto (artº 197º, nº1, CPC), estabelecendo a lei prazos para a respectiva arguição (artºs 198º e 199º, nº1). Arguida a nulidade perante o tribunal onde tenha tido lugar, compete ao juiz decidi-la e, dessa decisão cabe, então, recurso, embora com as limitações mencionadas no artº 630º, nº2, do CPC (Cf Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24).
Esta solução de reclamação perante o juiz do tribunal onde foi cometida a nulidade deve ser igualmente aplicada nos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecte na sentença mas que não se reporta a nenhuma das alíneas do artº 615º, nº1, do CPC. Assim, embora a mesma afecte a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que, precipitadamente, foram extraídas ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida (Cf Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24, sublinhado nosso).

Pensamos que um dos critérios que permite aferir se um desvio ao formalismo processual, ou a prática de acto proibido, ou a omissão de acto pescrito constitui uma nulidade processual – que deve ser reclamada perante o juiz do processo em que se verificou - ou se constitui uma nulidade da sentença – que deve ser arguida por via de recurso passará por se perceber se a nulidade é intrínseca à própria sentença ou se se trata de uma nulidade extrínseca à sentença.
E, como critério que ajuda (também) a definir se se trata de nulidade processual – que, repete-se, deve ser reclamada perante o juiz do processo em que se verificou – ou se de uma nulidade da sentença – a arguir por via de recurso – passa por ter em conta a oportunidade da arguição. Quer dizer, se a parte interessada na arguição da nulidade teve oportunidade de a invocar antes da prolação da sentença, não se trata de uma nulidade intrínseca da sentença; mas se, pelo contrário, a parte interessada na eliminação ou repetição do acto não teve processualmente oportunidade de arguir a nulidade antes da prolação da sentença, então, estamos perante uma nulidade intrínseca da sentença e, por isso, apenas pode ser impugnada por via de recurso.”.
Como se refere no CPC Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Sousa, ob. cit, vol. I, 2ª ed., p. 762: Ocorre, porém, que nem sempre esta distinção é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (à cabeça, o cumprimento do contraditório) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.”
Em relação ao princípio do contraditório encontra-se o mesmo previsto no artº 3º do C.P.Civil e segundo Miguel Teixeira de Sousa, em anotação a este artigo em CPC ONLINE, versão de 2021.02, o qual pode ser consultado in https://blogippc.blogspot.com/: (a) O princípio do contraditório é um dos corolários do processo equitativo (art. 20º, nº 4, e, no âmbito do processo penal, 32º, nº 5, CRP; art. 26º, nº 3, LOSJ; TC 1193/96; TC 358/98; TC 259/2000; TC 298/2005). (b) A garantia do contraditório exprime dois direitos fundamentais: (i) um direito de resposta de uma parte perante a outra parte, dado que qualquer das partes tem o direito a pronunciar-se sobre as alegações da parte contrária (nº 1 in fine); (ii) um direito à audição prévia da parte perante o tribunal, dado que, antes de decidir, o tribunal deve ouvir sempre ambas as partes (audiatur et altera pars; rechtliches Gehör: nº 3 1ª parte; no âmbito da prova, art. 415º). Este direito à audição prévia implica a proibição da indefesa, ou seja, a proibição do proferimento de uma decisão contra quem antes não teve a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria (TC 298/2005). (c) Atendendo à importância do princípio do contraditório, só em casos excepcionais é possível proferir uma decisão contra alguém sem a sua auscultação prévia. É o que sucede, atendendo à necessidade da produção de um efeito-surpresa, no âmbito dos procedimentos cautelares (art. 366º, nº1, 378º e 393º), embora, naturalmente, esteja garantido um contraditório diferido (art. 366º, nº 6, 372º, nº1 e 376º, nº 1).

Ora, in casu, a recorrente invocou que o tribunal a quo conheceu do mérito relativamente à concreta questão da pessoa a ser nomeada para o exercício do cargo de gerente na sociedade requerida sem produzir a prova indicada pelas partes e que tal se traduz numa nulidade da própria sentença, por excesso de pronúncia, uma vez que foi proferida decisão quando os autos ainda não reuniam todos os elementos para o efeito.
Por sua vez, o recorrido sustentou que a sentença não padece de qualquer nulidade, que não foi preterido o princípio do contraditório, nem o princípio da igualdade de partes ou qualquer outro preceito. Diz que os factos dados como provados e a falta de oposição à nomeação do gerente por si indicado, após o exercício do contraditório, são suficientes para a nomeação, encontrando-se a sentença devidamente fundamentada.
Considerando o que fica referido, o vício invocado, a verificar-se, traduzir-se-á numa nulidade intrínseca da sentença e o meio pelo qual esta pode ser atacada é, efectivamente, por via de recurso, pelo que há que passar a conhecer da questão suscitada.

Sob a epígrafe Nomeação judicial de titulares de órgãos sociais prevê o art. 1053º do CPC:
1Nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo.

2 Antes de proceder à nomeação, o tribunal pode colher as informações convenientes, e, respeitando o pedido a sociedade cujo órgão de administração esteja em funcionamento, deve este ser ouvido.

Este processo insere-se no Título XV do Código “Dos Processos de Jurisdição Voluntária” e sobre este concreto procedimento dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in CPC anotado, vol. II, p. 498 e ss, que A nomeação judicial constitui um meio rápido e expedito para a resolução imediata do impasse decorrente de a representação da sociedade não se encontrar assegurada, sendo uma solução provisória, até que os sócios ou acionistas consigam resolver o conflito pelas vias normais: nomeação de um novo gerente por deliberação ou alteração da cláusula societária que exige a vinculação através de uma gerência plural (STJ 18-06-19, 3145/17, que confirmou RC 15-1-19, e RP 1-2-11, 302/10). Acrescentam que “Se a sociedade mantiver em funções o seu órgão de gestão, deve o mesmo ser ouvido pelo tribunal antes da nomeação judicial de titular de órgão social. Se não existir órgão de gestão em exercício, o tribunal procede à nomeação sem necessidade de ouvir seja quem for da sociedade (RP 26-6-01, 0120719), devendo promover as diligências que tiver por convenientes, as quais podem contemplar a produção da prova indicada pelo requerente (…) ”.
No que diz respeito aos processos desta natureza estabelece o artº 986º do C.P.Civil:
1- São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos 292.º a 295.º
2- O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias”.
No contexto da realidade dinâmica da vida de uma sociedade comercial, a lei previu mecanismos judiciais simplificados e céleres com o objectivo de, com o mínimo de ingerência nos desígnios e na vida interna da sociedade, remover de forma também célere os obstáculos susceptíveis de impedir o seu normal funcionamento e dos seus órgãos. Mecanismos que o legislador integrou, assim, no âmbito dos processos de jurisdição voluntária que, como resulta dos arts. 986º a 988º do CPC e que se caracterizam pelo inquisitório, pela liberdade e oficiosidade instrutória e pela modificabilidade das decisões adoptadas, sem que o julgador esteja vinculado à observância rigorosa do direito aplicável ou às soluções apresentadas pelas partes, podendo proferir a decisão que julgue mais conveniente e oportuna, em detrimento da legalidade estrita.
A autora requereu a nomeação de um gerente à sociedade ré, alegando que actualmente a mesma não tem gerentes nomeados. Indicou para exercer o cargo M… B…
Por despacho de 19/06/2023 foi determinada a citação dos requeridos para, querendo, no prazo de 10 dias, deduzirem oposição, oferecerem rol de testemunhas e requererem outros meios de prova, sob pena de se terem por confessados os factos alegados pela requerente, tudo nos termos dos artigos 1055.º, n.º 2, 986.º, n.º 1 e 293.º, todos do Código de Processo Civil.
O requerido L… B… deduziu oposição, sustentado que deve ter lugar a nomeação de um gerente à sociedade requerida e que deve ser nomeado para exercer tais funções pessoa a indicar pelo tribunal ou “alternativamente” o “anterior sócio A… W… (conhecedor da actividade societária, da confiança de A. e R. e que já demonstrou total disponibilidade para a nomeação a título provisório)”

Notificada da oposição, a requerente apresentou requerimento com o seguinte teor:
1–Vem dizer o seguinte, ao abrigo do princípio do contraditório:
a)- Impugna a tese vertida pelo Requerido L… B… em sede da sua contestação;
b)- De todo o modo, as posições díspares de ambos os sócios da Requerida S…, Lda., demonstradas nos autos de forma evidente, determinam a necessária procedência dos pedidos deduzidos nos presentes autos.”

Seguidamente foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e nomeando para exercer as funções de gerente único provisório A… W…

Consideraram-se ali provados os seguintes factos:
1)– A sociedade S…, LDA., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …
2)Tem o capital social de € 100.000,00 dividido em duas quotas, tituladas cada uma delas por autora e réu.
3)A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.
4)A gerência da sociedade foi inicialmente conferida conjuntamente à autora e ao réu.
5)Foi registada pela ap. 2/20190618, a cessação de funções do cargo de gerente do aqui réu, por motivo de renúncia, com efeitos desde 31 de Janeiro de 2019.
6)–Foi registada pela ap. 23/20220307, a cessação de funções do cargo de gerente da aqui autora, por motivo de destituição, com efeitos desde 15 de Fevereiro de 2022.

A Mmª Juíza a quo fundamentou a nomeação do mesmo nos seguintes termos:
“A autora indica para o cargo de gerente o filho do casal M… B….
O réu opôs-se à nomeação em virtude dos laços familiares e indicou terceira pessoa, com conhecimento sobre a sociedade, por ter sido sócio, e que é da confiança de ambas as partes.
A autora, tendo exercido o contraditório sobre o alegado na oposição, não impugnou o alegado pelo réu sobre a pessoa indicada.
Ora, considerando a narrativa espelhada nos articulados e a intenção manifestada pela autora quanto às pessoas a nomear como representantes das quotas, afigura-se-nos que a nomeação do filho do casal para o cargo de gerente, atenta a sua proximidade com o conflito poderia prolongar a instabilidade e incerteza na gestão da sociedade, além de ser potencialmente prejudicial à preservação dos laços familiares que ainda possam existir entre pais e filhos.
Por outro lado, considerando o alegado pelo réu, julga-se que a pessoa que se encontra em melhores condições para exercer o cargo será a pessoa por si indicada, porque tem conhecimento da vida da sociedade e será pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança.”

Nos termos do disposto no art. 253.º do Código das Sociedades Comerciais:
1- Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.
(…)
3- Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei.

Para justificar ou demonstrar a idoneidade para o cargo da pessoa por si indicada a requerente invocou que M… B… é filho da mesma e do requerido e este opôs-se a tal nomeação, requerendo a designação de pessoa a indicar pelo tribunal ou a nomeação de A… W…, invocando que este já foi sócio da sociedade, que conhece a actividade societária e que é pessoa da confiança de A. e R.
O tribunal recorrido emitiu juízo sobre a oportunidade da pretensão de nomeação judicial de administrador, concluindo pela verificação dos pressupostos legais de que depende, o que nenhuma das partes põe em causa. Afastou a indicação efectuada pela requerente e acolheu a indicação do requerido, limitando-se a fundamentar a sua idoneidade para o cargo no facto de este ter conhecimento da vida da sociedade e ser pessoa em quem tanto a autora como o réu depositam confiança.

Embora tenha aceite os pressupostos da nomeação judicial de gerente, da posição manifestada pela requerente não se pode concluir que esta tenha dado o seu acordo a que a nomeação incida sobre a pessoa indicada pelo requerido.

Dizem os já referidos autores A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, CPC anotado (GPS), Vol. II, p. 498 e ss: “No que concerne à indicação da pessoa idónea para o exercício do cargo, a indicação feita pelo requerente não vincula o tribunal que, antes de proceder à nomeação, deve colher as informações convenientes (nº 2). Deste modo, incumbe ao tribunal a formulação de um juízo sobre a idoneidade do gerente indicado, a qual terá de ser aferida em função dos interesses em conflito. Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, nada obsta a que o tribunal se afaste da indicação do requerente, procedendo à nomeação da pessoa indicada pelo requerido ou de um terceiro.//(…).// Se não existir órgão de gestão em exercício, o tribunal procede à nomeação sem necessidade de ouvir seja quem for da sociedade (RP 26-6-01, 0120719), devendo promover as diligências que tiver por convenientes, as quais podem contemplar a produção da prova indicada pelo requerente (…).”

Tratando-se de processo de jurisdição voluntária, o legislador dá ao tribunal poderes inquisitórios para colher as informações convenientes, poder que, como se diz no Ac. do TRL de 02-05-2023 referido pela apelante nas respectivas alegações, Proc. nº 1805/22.7T8BRR.L1-1, relatora: Amélia Rebelo, subscrito pela ora relatora enquanto 1ª adjunta e consultável in www.dgsi.pt: “se impõe como o exercício de um poder-dever sob pena de, frustrada a formação da vontade da sociedade através do procedimento deliberativo próprio, o processo judicial de nomeação e a decisão que por ele é proferida se limitar e servir apenas para que, através da mera formulação de um pedido, um ou mais sócios sobreponha(m) a sua vontade à vontade oposta do(s) outro(s) sócio(s)…”.

Do facto de a requerente nada ter dito, na sequência da notificação da contestação no que concerne à indicação efectuada pelo requerido da pessoa a ser nomeada para exercer as funções de gerente, não se pode concluir pelo seu acordo no que a tal concerne. A lei nada estabelece nesse sentido e nos processos de jurisdição voluntária apenas há lugar a dois articulados – requerimento inicial e oposição – cfr artº 293º do C.P.Civil -, não sendo admissível qualquer resposta à oposição.

Como já decorre do que fica exposto, o alegado pelo requerido não permite a sindicância da idoneidade da pessoa indicada pelo mesmo para o cargo de gerente, o que, por referência aos deveres fundamentais a que o gerente da sociedade está adstrito (cfr. art. 64º do CSC), implica avaliar parâmetros de competência técnica, disponibilidade, incompatibilidades e independência, que não estão demonstrados pelo simples facto de ter sido já sócio da requerida.

As partes indicaram testemunhas.

Não foi produzida qualquer prova no que respeita à idoneidade da pessoa que foi nomeada pelo tribunal para o exercício do cargo, sendo que, não obstante no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, o tribunal não se encontrar sujeito a critérios de legalidade estrita, tal não significa que possa vir a ser proferida decisão com base em critério inválido ou insusceptível de ser sindicado.

Impõe-se, assim, a anulação da sentença proferida e demais actos dela dependentes na parte em que procedeu à designação para o cargo de gerente único provisório de A… W…, que deverá ser substituída por outra a proferir depois de realizadas as diligências instrutórias tidas por pertinentes para averiguação da idoneidade das pessoas indicadas para o cargo de gerente, sem prejuízo de o tribunal, após a produção da respectiva prova, poder vir a ponderar a nomeação de uma terceira pessoa, em alternativa a qualquer dos indicados.
Nestes termos, procede o recurso interposto no tocante à nulidade invocada por excesso de pronúncia invocada pela Recorrente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões recursivas.
*

IVDecisão

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, declarando-se nula a decisão proferida na parte em que procedeu à designação para o cargo de gerente único provisório de A… W…, que deverá ser substituída por outra a proferir depois de realizadas as diligências instrutórias tidas por pertinentes para averiguação da idoneidade das pessoas indicadas para o cargo, sem prejuízo de o tribunal, após a produção da respectiva prova, poder vir a ponderar a nomeação de uma terceira pessoa, em alternativa a qualquer dos indicados.
Custas a cargo do recorrido.
Registe e Notifique.


Lx, 09/04/2024


Manuela Espadaneira Lopes
Teresa de Sousa Henriques
Paula Cardoso