Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21/21.0 PJCSC.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: HOMICÍDIO
MOTIVO FÚTIL
FRIEZA DE ÂNIMO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: O crime de homicídio, para preencher os requisitos do tipo do art.º 131, comporta um juízo de futilidade, no que respeita à actuação do homicida.

I. Quando alguém decide e tira a vida a outro ser humano, sem que tenha uma justificação para tal (isto é, porque não agiu em legítima defesa, porque não era uma questão de defesa da sua própria sobrevivência), o comum dos cidadãos entende que, seja qual for a razão próxima que a tal acto levou, esta é fútil, perante a mera constatação de que qualquer vida é irrepetível e que o seu termo não tem regresso. Foi retirado a alguém o seu valor supremo.

II. Sucede, todavia, que este juízo de futilidade nas razões que levaram à morte de outrem, se mostra já em si integrado no âmbito do crime de homicídio na sua forma simples, pois a moldura penal prevista decorre do juízo de enorme gravidade e censura que a comunidade dirige – e correctamente – a tal tipo de actos.

III. A lei exige especial censurabilidade e perversidade, no que se refere à avaliação do eventual preenchimento das circunstâncias qualificativas agravante, consignadas no art.º 132 do C.Penal. E o acento tónico reside efectivamente nessa especialidade, nesse grau fora do comum e acima do que já é altamente censurável e perverso, que é o acto de tirar a vida a alguém.

IV. No caso, a censurabilidade e a perversidade existem, sem dúvida, mas no patamar ínsito à censura do comportamento homicida, previsto no art.º 131 do C.Penal, não em grau superior (especial) que potenciaria o preenchimento do requisito legal qualificativo.

V. A ideia matriz, em sede de frieza de ânimo e de premeditação, reconduz-se a uma reflexão temporal assinalável (pelo menos, 24 horas) no modo como o acto vai ser executado (premeditação), reflexão esta calma e imperturbável, na assumpção, por parte do agente, da decisão de matar (frieza de ânimo).

VI. A frieza de ânimo, enquanto circunstância qualificativa agravante, pressupõe, em sede legal, serenidade, fria reflexão, ponderação sobre o modo de actuação, sangue-frio e consideração desapaixonada quanto à actividade que se vai prosseguir e não é esse o caso dos autos.

(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
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I – RELATÓRIO
1. Por acórdão de 27 de Junho de 2022, foi proferida a seguinte decisão:
A) Absolve-se o arguido DS___, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, nº. 1 e 132º, nos 1 e 2, als. c), e) e i), ambos do Código Penal, pelo qual se encontrava acusado;
B) Condena-se o arguido, pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º, n.º 1, do Código Penal e artigo 86º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, n.º 1, al. m), 3.º n.º 2, al. ab), 4º, n.º 1, e 86º, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, Penal, nas penas (especialmente atenuadas - cfr. art.º 4º do D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro) respectivas de:
- 8 (oito) anos de prisão, pelo crime de homicídio;
- 9 (nove) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida;
C) Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena unitária de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
D) Foi ainda condenado no pagamento de indemnização cível.
2. Inconformada, veio a assistente AS__ interpor recurso, invocando erro na apreciação jurídica realizada pelo tribunal “a quo”, no que respeita ao enquadramento jurídico.
Termina pedindo a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, nos termos do art.º 132 do C.Penal.
3. O recurso foi admitido. 
4. O Ministério Público e o arguido responderam à motivação apresentada, defendendo a improcedência do seu recurso.
5. Neste tribunal, o Sr. PGA emitiu parecer em idêntico sentido.

II – QUESTÃO A DECIDIR.
ALTERAÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
 
III – FUNDAMENTAÇÃO.
ALTERAÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
1. O tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
1 - O arguido e o menor T___ (nascido em 30/07/2005) eram colegas de turma na Escola Matilde Rosa Araújo, sita em Matarraque, São Domingos de Rana.
2 - No dia 14 de Abril de 2021, o arguido e T___ iniciaram uma discussão na casa de banho da Escola, por motivos não concretamente apurados, mas na sequência da qual T___  picou a perna do arguido com um objecto que aparentava ser uma faca e que trazia consigo, daí resultando uma inimizade entre ambos.
3 - Nessa sequência, na tarde do dia 15 de Abril de 2021, o arguido deslocou-se ao Bairro dos Sete Castelos onde residia T___  e encontrou-se com o mesmo, encetando uma discussão que não avançou para o confronto físico entre ambos devido à intervenção de pessoas que ali se encontravam.
4 - Ainda nessa sequência, o arguido e T___ trocaram mensagens de conteúdo não concretamente apurado mas, entre as quais, o arguido ameaçava T___  de morte e apelidou-o de "mufino".
5 - No dia 16 de Abril de 2021, a mãe de T___  abordou o arguido na rua e pediu-lhe para não levar a sua avante e deixar o seu filho em paz, ao que o arguido lhe respondeu: "avisa ele que eu lhe vou dar uma facada!".
6 - Ainda na sequência da discussão referida em 2 dos factos provados dos acontecimentos que se seguiram e supra descritos, na tarde do dia 16 de Abril de 2021, o arguido ligou para o telemóvel de T___  para o desafiar para uma luta.
7 - Como este não lhe deu informação sobre o local onde se encontrava, o arguido, antes de ir à procura de T___ , dirigiu-se à sua própria residência, sita na Rua …, n.º …, São Domingos de Rana.
8 - Ali, o arguido vestiu dois casacos, sendo o segundo um casaco grosso almofadado, de cor vermelha, e muniu-se de uma faca de cozinha de marca "Safiyatex Knife", de cor roxa, com comprimento de 33 cm, sendo 20 cm de lâmina em aço inoxidável. 9 - De seguida, cerca das 19h15m, o arguido deslocou-se ao Bairro dos Sete Castelos, com intenção de esfaquear e tirar a vida a T___ , não obstante um dos elementos que o acompanhava (MR____ ), após se aperceber que o arguido tinha uma faca, tentado dissuadir dessa intenção.
10 - Ali chegado, na Avenida Castelo de São Jorge, o arguido deparou-se com T___  na via pública e, de imediato, retirou a faca de cozinha que trazia no interior da mochila e colocou-a junto ao peito, escondida por baixo do casaco que trajava.
11- R___, um dos elementos do grupo de amigos do arguido, ao vê-lo com a faca, ainda o puxou para evitar que este se aproximasse de T___  mas, sem sucesso, dado que o arguido continuou a avançar na direcção do mesmo.
11- T___, por sua vez, muniu-se de um canivete, com cerca de 10 cms de lâmina e 22 cm de comprimento total.
12- De seguida, o arguido e T___ dirigiram-se um para o outro, empunhando T___ um canivete e o arguido, com a aproximação de T___, retirou faca de cozinha que trazia escondida no interior do casaco e empunhou-a.
13 - Acto contínuo, T___ desferiu dois golpes na manga do casaco do arguido e o arguido desferiu com a faca um golpe no hemi-tórax esquerdo de T___, perfurando-lhe a sexta costela esquerda, músculos intercostais, pericárdio e coração.
14 - Após, o arguido colocou-se em fuga.
15 - T___ veio a falecer no Hospital de Cascais, pelas 20h54m, como consequência directa e necessária das lesões sofridas com o golpe de faca perpetrado pelo arguido.
16 - O arguido agiu com o propósito concretizado de deter e transportar consigo para a via pública a faca de cozinha descrita supra, bem sabendo que era proibida a sua detenção sem justificação fora do local normal para o seu emprego.
17 - Mais agiu com o propósito concretizado de, com recurso à aludida faca de cozinha, tirar a vida ao menor T___.
18 - Bem sabia o arguido que o golpe que desferiu com a faca no corpo de T___ era meio idóneo para lhe tirar a vida, designadamente por ter desferido o golpe em parte do tórax onde se encontram órgãos vitais, o que pretendeu e conseguiu.
19 - Agiu o arguido com o intuito de se vingar de T___  pela discussão que haviam tido na escola no dia 14/04/2021.
20 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante AC__.
21- A vítima T___, nascido em 30/07/2005, era filho de AC__, com quem vivia, juntamente com a irmã menor L___.
22 - A mãe de T___   tomava sozinha conta do filho, desde o seu ano de vida, data do falecimento do seu pai, sustentando o agregado familiar composto ela própria e pelos filhos menores, L___ e T___.
23 - A inexistência de uma figura paterna em casa ainda uniu mais os dois irmãos entre si e à sua mãe.
24 - T___, a mãe e a irmã constituíam uma família muito unida e feliz, com uma ligação muito estreita entre todos.
25 - Em consequência da conduta do arguido e da perda do seu filho e irmão, AC__  e L__  sofreram profundo desgosto, por manterem grande afecto e carinho por T___ .
26 - T___   perdeu a vida junto à sua residência, perpetuando no tempo tal imagem, para a mãe e a irmã deste, cada vez que saem à rua, uma vez que têm que passar necessariamente pelo local do crime.
27 - T___ apercebeu-se de toda a actuação do arguido/demandado e das lesões por este causadas, circunstâncias estas que lhe causaram dores, desespero e sofrimento.
28 - T___, quando caído no chão, perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.
29 - T___   não vai poder iniciar a sua vida activa nem, consequentemente, poder vir a ajudar a mãe e a irmã em todas as suas despesas.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Lusíadas — Parcerias Cascais, S.A
30 - Após a prática dos factos pelo arguido, T___ recebeu assistência no serviço de urgência do Hospital de Cascais, ascendendo a €85.91 o valor dos cuidados de saúde que lhe foram prestados.
Factos atinentes às condições pessoais do arguido e antecedentes criminais
31 - Das condições pessoais do arguido, no contexto das diligências a isso dirigidas e levadas a cabo pela DGRSP, apura-se que: "DS___  é natural da Guiné Bissau, de onde veio com dois anos de idade, na companhia da mãe e de dois irmãos germanos mais velhos, para se juntar ao pai que já estava em Portugal desde 1993.
Entretanto, nasceu mais um irmão germano, atualmente com 6 anos de idade. O arguido descreve o relacionamento entre os pais como estável. Porém, na relação consigo, a mãe adotava, segundo o mesmo, um estilo de educação repressivo utilizando castigos físicos com recurso a "cintos e chinelos" (sic), quando o arguido adota comportamento desajustados. Ainda segundo DS___, a última vez que a mãe adotou este estilo repressivo ocorreu o ano transato porque "fiz porcaria na escola, andei à pancada" (sic).
DS___ concluiu o 6º ano de escolaridade, após algumas reprovações por dificuldades de aprendizagem. O arguido descreve o seu comportamento na escola até ao 5º ano como calmo, mas a partir dessa altura "comecei a ser mais instável, mas só era agressivo quando eram comigo (entre colegas), não gosto que se metam comigo. Sofri várias suspensões" (sic).
Segundo a progenitora, DS___ era uma criança diferente das outras, sendo muito infantil, preferindo interagir com crianças de faixa etária inferior à sua. Apresentava-se com fragilidades do foro psicoemocional e ansiedade, mostrando dificuldade em gerir as suas emoções perante situações adversas, o que por vezes o terá levado a adotar comportamentos desajustados. Ainda segundo a mãe, era seguido em consultas regulares de psiquiatria no Hospital de Cascais e tomava medicação há vários anos, como forma de controlar a ansiedade. (...)
O agregado familiar do recluso é atualmente constituído pelos pais, irmão mais novo de seis anos e a sobrinha de quatro anos de idade, cuja mãe reside em França. Os 2 irmãos mais velhos de DS___ estão autonomizados, residindo em Londres. O relacionamento familiar é descrito como estável e existe recetividade familiar para prestar apoio ao arguido.
O agregado familiar reside no Bairro da Cruz Vermelha, conhecido pelos elevados índices de marginalidade e delinquência, numa habitação camarária, de tipologia T4, a qual, segundo a mãe, tem condições de habitabilidade e pela qual pagam 300€ de renda. A situação económica da família é estável. A mãe de DS___ trabalha na empresa de serviço de limpeza "SS", com contrato de trabalho, auferindo o correspondente ao ordenado mínimo nacional e o pai trabalha como pedreiro na construção civil auferindo cerca de 1000€ mensais.
O arguido nunca exerceu qualquer atividade laboral e encontrava-se a frequentar uma turma PIEF na Escola Matilde Rosa Araújo, quando foi preso.
Relativamente à saúde, DS___ mantinha o acompanhamento psiquiátrico no Hospital de Cascais. A medicação era tomada pelo próprio com fraca supervisão pela família, acontecendo que por vezes não a tomaria. Na falta de medicação, o arguido apresentava comportamentos impulsivos quando contrariado.
Segundo a mãe, DS___ nunca teve problemas relacionais no meio residencial, estando a família, de um modo geral, integrada localmente. Porém, após os factos que originaram a prisão do filho, os familiares experimentaram alguma apreensão pelo facto de alguns familiares da vítima residirem na mesma zona.
Ao nível dos tempos livres, o arguido afirma que praticou bodyboard na escola Nova Onda em Carcavelos. Porém, à data dos factos de que vem acusado, passava o seu tempo livre deambulando pelo bairro com outros jovens. (...)
DS___ compreende a gravidade e o desvalor dos factos de que vem acusado e pelos quais parece revelar sofrimento, agravado pelo facto de considerar a vítima como "amigos de infância" (sic).
Reconhece o papel das instituições perante factos de idêntica natureza e tende a adotar uma postura de adesão à intervenção técnica. A família mantém disponibilidade para o apoiar e visitar no EP, apesar do abalo e choque que sofreram quando tiveram conhecimento da situação que levou à sua reclusão.
No EP frequenta os cursos de competências básicas com vista a obter a equivalência ao 9º ano e de inteligência emocional (...)".
32 - O arguido não tem antecedentes criminais registados.
 
2. O tribunal “a quo” pronunciou-se a propósito do enquadramento jurídico
dos factos, nos seguintes termos:
III - O DIREITO
Enquadramento jurídico-penal dos factos provados: 
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, e em concurso efectivo de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, als. c), e) e i) do Código Penal, agravado pelo art.º 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 , e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, n.º 1, al. m), 3º n.º 2, al. ab), 4º, n.º 1, e 86º, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02.
Quanto ao crime de homicídio:
Segundo a definição legal integra tal tipo de crime a conduta daquele que matar outra pessoa - cfr. art.º 131º do Código Penal.
O elemento objectivo do tipo consiste em matar outra pessoa e traduz-se num acto que seja causal da morte.
E o elemento subjectivo consiste na vontade de praticar o acto de que resultou a morte e no conhecimento de que esse acto a causaria. Exige-se, assim, o dolo, em qualquer das suas modalidades contempladas no art.º 14º do Código Penal: directo, necessário ou eventual.
No caso dos autos, sem margem para dúvida, em face da matéria factual provada descrita em 2 a 13, 15, 17, 18, 19 e 20, a conduta do arguido — ao munir-se de uma faca de cozinha, empunhando-a na direcção de T___ , desferindo um golpe no hemi-torax esquerdo, perfurando-lhe a 6ª costela esquerda, músculos intercostais, pericárdio e o coração, provocando-lhe, em consequência, lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, resultado este que o arguido previu e quis -, integra o crime de homicídio.
O golpe desferido pelo arguido na zona do corpo de T___ que foi atingida é, indiscutivelmente, acto idóneo a provocar a morte.
O resultado morte igualmente se verificou.
Estão, assim, in casu, verificados os elementos do tipo objectivo do crime de homicídio.
No que respeita ao elemento subjectivo do tipo de ilícito em referência, estando provado que o arguido, ao desferir o golpe com a faca de cozinha no corpo de T___, nas circunstâncias em que o fez, previu e quis atingi-lo no seu corpo, em zonas onde se alojam órgãos vitais, sendo que quis tirar a vida a T___, agindo voluntária, livre e conscientemente, sabendo que tal conduta é proibida por lei, é indubitável ter o arguido actuado com dolo directo (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal): o agente representou a morte de outrem e actuou com o propósito de a provocar (dolo directo).
Posto isto, cumpre apreciar se estão verificadas as circunstâncias qualificativas do homicídio previstas nas alíneas c), e) e i) do n.º 2 do artigo 132º, por que o arguido vem acusado.
O artigo 132º do Código Penal qualifica o crime de homicídio em virtude do maior grau de culpa que considera existir sempre que a morte seja causada em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, enumerando, a título exemplificativo, algumas dessas circunstâncias, as quais não são de funcionamento  automático, querendo com isto significar que uma vez verificadas, não se pode desde logo concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português", págs. 203 a 205).
No nosso ordenamento jurídico o crime de homicídio qualificado não é um tipo legal autónomo, com elementos constitutivos específicos, constituindo antes uma forma agravada de homicídio, em que a morte é produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
Como refere Teresa Serra, in "Homicídio Qualificado Tipo de Culpa e Medida da Pena", p. 81, o homicídio qualificado é um caso especialmente grave de homicídio, pelo que é correcto afirmar que este caso especialmente grave está totalmente referido ao tipo de homicídio simples previsto no artigo 131º.
Também Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", T I, p. 25, assume posição coincidente ao defender que o homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio simples previsto no artigo 131º do Código Penal.
No que ao caso concreto releva:
- A al. c) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal refere-se à circunstância de o agente praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; (...).
"Pessoa particularmente indefesa, no contexto da al. c) do n.º 2 do art.º 132.º do CPP, é aquela que se encontra à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, em função de qualquer das qualidades previstas na norma." (cfr. Ac. do STJ, de 26/11/2015, Proc.º nº 119/14.0JAPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.).
De situação de desamparo fala o Prof. Figueiredo Dias (in Comentário, Tomo I, página 31). Estará nessa situação a pessoa que, em razão da idade, doença ou deficiência física ou psíquica, não tem capacidade de movimentos, destreza ou discernimento para tomar conta de si e, logo, para verdadeiramente se defender de uma agressão. Certamente não por acaso o Prof. Figueiredo Dias, no mesmo local, referindo uma situação susceptível de preencher este exemplo-padrão, fala de "uma ausência total de defesa". E, na verdade, se pessoa indefesa é aquela que não se pode defender, pessoa particularmente indefesa, fazendo justiça ao sentido das palavras, será aquela que se encontra numa situação de completa ausência de defesa.
Pode assim concluir-se que, seja em função da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, o que importa determinar para efeitos do preenchimento da norma penal, e para desse modo se respeitar o princípio da legalidade e da tipicidade, é, antes de mais, que a vítima se encontrava, face aos factos concretamente dados como provados, numa situação de particular ou especial incapacidade de se defender. Não basta por isso que se demonstre que a vítima tinha, como no caso dos autos, 15 anos de idade, porquanto é sabido que nem sempre as pessoas com esta idade, só por a terem, se encontram numa situação de especial incapacidade de se defenderem ou em estado de desamparo, sendo aliás do conhecimento geral a existência de pessoas que, pese embora esta idade, estão longe de poderem ser consideradas nessa situação, porquanto o seu vigor intelectual, físico e psicológico, o desmentem.
Ou seja, para que se possa considerar preenchida esta circunstância qualificativa do homicídio, determinável a partir ou em função da idade da vítima, será necessário que, por causa da sua idade, a mesma se encontre numa situação de incapacidade de defesa especialmente relevante, em virtude de não ser minimamente capaz de reagir ou de se defender das agressões a si dirigidas, nem contemporânea nem posteriormente a elas, designadamente por não ter a destreza ou o vigor físico ou psicológico necessários para a elas reagir, defendendo-se ou queixando-se a quem lhe pudesse dar protecção, por dificuldades, face também às características físicas e psicológicas do agressor, em se opor ou responder.
- A al. e) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal refere-se à circunstância de o agente ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil (...).
Ser determinado a matar por avidez significa a pulsão para satisfazer um desejo ilimitado de lucro, à custa de uma desconsideração brutal da vida de outrem.
 
Pelo prazer de matar significa o gosto ou a alegria sentidos com o aniquilamento de uma vida humana — cfr. Prof. Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense", T. 1, pág. 32.
Motivo torpe é o que envolve repugnância ou nojo, susceptíveis de chocar e indignar a generalidade das pessoas — cfr. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit. no parágrafo anterior.
Motivo fútil é aquele que não tem relevo, que não chega a ser motivo, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) a conduta do agente; é o motivo notoriamente desproporcionado ou inadequado para ser um começo de explicação da conduta do ponto de vista do homem médio — cfr. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit. e Ac. do S.T.J. de 07/12/1999, in CJ-Ac. STJ, 1999, t. 3, pág. 225, em que se decidiu: "Para existir motivo fútil é necessário que para além da desproporção ou inadequação, do ponto de vista do homem médio, haja insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta, na brutal malvadez, ou se traduz em motivos subjectivos ou antecedentes psicológicos, que pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionados com a reacção homicida".
- A al. i) do nº. 2 do artigo 132º. do Código Penal refere-se à circunstância de o agente
utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso.
Reportando-se ao "meio insidioso", Maia Gonçalves entende que se trata "de um conceito amplo (...) que abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e os desleais. Não foram particularizados quaisquer meios para não retirar elasticidade ao conceito". E acrescenta que, "devido a esta elasticidade, deverá aqui haver um particular cuidado na concreta indagação e constatação da especial censurabilidade ou perversidade que estão na base da agravação, e que são sua condição, nine qua non" (cfr. "Código Penal Português, 9a ed., págs. 546/547).
Dentro desta elasticidade do conceito, segundo o ensinamento de Nelson Hungria, podem distinguir-se estes diversos meios insidiosos:
» a traição (ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso);
» a emboscada (dissimulada espera da vítima em lugar por onde terá de passar);
» a simulação (ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa (cfr. "Comentários ao Código Penal Brasileiro", Vol. V, págs. 167 e segs.).
Revertendo ao caso dos autos, em nosso entender, perante o quadro factual provado, não pode ter-se por verificada a circunstância qualificativa do homicídio prevista na alínea c).
Na verdade do acervo factual não resulta que a vítima T___  fosse uma vítima particularmente indefesa em razão da idade.
T___  tinha, efectivamente, 15 anos de idade, sendo mais novo do que o arguido, mas era pessoa, no contexto factual aqui em apreço, totalmente autónoma, não sendo a sua jovem idade geradora de incapacidade para tomar conta de si, tendo também ele feito uso de um canivete quando caminhou na direcção do arguido para o confronto que já se tinha apercebido que ia existir. Acabou por ser vencido, seguramente porque o arguido revelou ser mais forte, certamente pela vantagem que a sua compleição física lhe deu no confronto com a vítima. Mas, como vimos, o exemplo-padrão em discussão não se preenche com a simples superioridade em razão da idade, que não vai além de uma agravante de carácter geral - a especial maior culpa subjacente a esta circunstância qualificativa exige uma atitude bem mais distanciada dos valores e que, no caso em apreço, não se verifica.
Também quanto à circunstância qualificativa prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, entendemos que a conduta do arguido não a preenche.
Como supra referido, motivo fútil é aquele que não tem relevo, avaliado do ponto de vista do agente; motivo torpe é o que ofende a moralidade média ou o sentimento ético-social.
No caso em apreço, provou-se que o arguido actuou como descrito porque pretendia vingar-se de T___, na decorrência da desavença anteriormente ocorrida, e que teve um significado relevante, tendo em conta que o arguido foi agredido por T___  com um instrumento com aparência de uma faca, não podendo considerar-se a motivação do arguido como gratuita, despropositada ou leviana, avaliada segundo os padrões éticos geralmente aceites na comunidade.
O arguido não agiu por motivo irrisório ou insignificante, posto que toda a sua actuação delituosa vem motivada por uma quezília precedente, entre o arguido e a vítima T___ , em que o arguido terá sido agredido por este, dois dias antes, com um objecto que aparentava ser uma faca, razão pela qual, a actuação do arguido, não a justificando, explica a acção delituosa. E se é certo, ser tal conduta injustificável, retirando a vida a T___, a verdade é que não é a circunstância de o motivo não justificar o facto que o torna fútil.
O homicídio, não deixando de ser, como qualquer outro, altamente censurável, não surgiu como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do arguido acentuada por um alto grau de censurabilidade levaria a tirar a vida T___ por razões fúteis.
Também quanto à circunstância qualificativa prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, entendemos que a conduta do arguido não a preenche.
Na verdade, o arguido decidiu matar T___, munindo-se para tal de uma faca de cozinha, cujas características e natureza corto-perfurante conhecia, resolveu ir ao encontro do mesmo, não tendo tal encontro constituído qualquer surpresa para a vítima que, também ela, esperando tal encontro, muniu-se de um canivete e caminhou na direcção do arguido com o mesmo. Sabia T___ o que poderia advir do confronto com o arguido e, mesmo assim, não evitou o encontro com este.
 
A actuação do arguido não foi inesperada, súbita e sorrateira. A vítima foi avisada da aproximação do arguido e também não evitou tal confronto, antes se munindo de um canivete que também utilizou.
Demonstrou o arguido com esta sua conduta, uma atitude perfeitamente distanciada e um profundo desrespeito pelos valores de uma sociedade assente na dignidade da pessoa humana e em que o primeiro direito fundamental é a vida. Porém, analisando a conduta apurada do arguido, no contexto global destes factos, temos por seguro ter inexistido qualquer surpresa e deslealdade do ataque que tivesse dado origem à completa desprotecção da vítima e que tivesse aumentado seriamente as probabilidades de lesão do bem jurídico vida.
Em face do exposto, a conduta do arguido consubstanciada na agressão mortal a T___ não será pois reveladora de especial censurabilidade e perversidade, pelo menos em função deste exemplo regra, por não preenchimento do mesmo.
Inexistindo qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, importa apurar se, ainda assim, o arguido actuou em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, nos termos a que alude o artigo 132º, n.º 1, do Código Penal.
E desde já se adianta que, actuando o arguido como supra descrito, num contexto de confronto com a vítima T___ , agindo o arguido motivado pelo desejo de desforra/vingança pela agressão física de que tinha sido alvo no dia 14/04/2021, no âmbito do qual desferiu um golpe perfurante e letal na vítima que, também ela, munida de um canivete, desferiu dois golpes na manga do casaco do arguido, não pode este comportamento ser considerado pouco comum, ao ponto de permitir a formulação de um especial juízo de censura ao nível da culpa, revelador de uma especial censurabilidade.
Reproduzimos aqui os ensinamentos de Teresa Serra (in "Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena", p. 70/71), "a ausência de qualquer das referidas circunstâncias (isto é, das circunstâncias legalmente descritas) indiciam a inexistência da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Logo, indicia que o caso se deve subsumir no art.º 131.º." E acrescenta: "Só circunstâncias extraordinárias ou um conjunto de circunstâncias especiais que assentam num aumento essencial da ilicitude e/ou da culpa e que sejam expressivas do leitbild dos exemplos-padrão, podem levar à afirmação da existência de especial censurabilidade ou perversidade do agente", não sendo suficiente para tanto um mero aumento da culpa para justificar a diferença de grau existente entre o homicídio simples e o homicídio qualificado.
Revertendo ao caso dos autos, em nosso entender, perante o quadro factual provado, não se tendo por verificada qualquer circunstância qualificativa do homicídio previstas no n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, e avaliando a conduta global do arguido, temos por seguro que, actuando o arguido como descrito, no decurso de um confronto físico com a vítima T___ , não pode formular-se um juízo de especial censura acerca da sua culpa, pois esta não excede, a nosso ver, o grau da mera censurabilidade.
Temos, pois, por mais seguro, que o arguido agiu dentro dos padrões de uma actuação comum, subsumindo-se a sua conduta no crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º, n.º 1, do Código Penal.
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Posto isto, cumpre apreciar se estão verificados os requisitos da legítima defesa, conforme também foi entendimento do arguido, nas alegações orais que foram produzidas em julgamento.
Face ao Código Penal, a legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude (cfr. artigo 31º, n.º 2, al. a), do Código Penal), resultando da sua integração que o facto típico não é punível porque a sua ilicitude é excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade - artigos 31º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) e 32º do Código Penal.
A consagração legal da legítima defesa no Código Penal mais não é do que a explicitação do princípio constitucional fixado no artigo 21º, da CRP, que estabelece que "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública".
A legítima defesa apresenta-se como uma causa de exclusão da antijuridicidade do facto, tendo por base uma prevalência que à ordem jurídica cumpre dar ao justo sobre o injusto, à defesa do direito contra a sua agressão, ao princípio de que o direito não deve recuar ou ceder nunca perante a ilicitude.
Independentemente das dúvidas que possam existir sobre a questão de saber que bens ou interesses estritamente individuais é que devem considerar-se incluídos no direito de legítima defesa, cremos ser pacífico que ali se incluem a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, o domicílio e o património (neste sentido, cfr. Taipa de Carvalho, in "A Legítima Defesa", 1995, pág. 318).
Constitui legítima defesa, nos termos do artigo 32.º do Código Penal, o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores, não préordenada, actual, no sentido de, tendo-se iniciado a execução, não se ter verificado ainda a consumação, e necessária, ou seja, quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa adequado — menos gravoso, por a todo o direito corresponderem «limites imanentes» — a sustar o resultado iminente — cfr. Eduardo Correia, in "Direito Criminal", II, págs. 45 e 59.
São pressupostos da legítima defesa: a actuação em defesa de uma agressão e o elemento subjectivo a que a doutrina dá o nome de animas defendendi.
São requisitos da agressão: a ilegalidade, a actualidade e a falta de provocação e requisitos da defesa: a impossibilidade de recurso à força pública, a necessidade e a racionalidade do meio.
A necessidade de defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão, e em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Deve ajuizar-se objectivamente e ex ante, na perspectiva de um terceiro prudente colocado na situação do arguido.
Um dos elementos constitutivos da legítima defesa é o agente ter praticado o facto para repelir a agressão actual e ilícita de que está a ser sujeito passivo, ou seja, que tenha agido com o intuito de defesa.
A legítima defesa pressupõe ainda que o ilícito da agressão seja doloso.
Essa agressão deve ser actual (no sentido de estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente) e ilícita (no sentido de o seu autor não ter o direito de a praticar, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou tratar-se de um inimputável).
 
A agressão inicia-se - já é actual — quando, colocando-nos numa perspectiva jurídico penal, a pudermos considerar como acto de execução de uma determinada tentativa.
Sendo função da legítima defesa apenas o impedir ou repelir a agressão, exige-se que o defendente só utilize o meio considerado, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente para suster a agressão.
Defesa circunscrita ao uso dos meios necessários para fazer cessar a agressão paralisando a actuação do agressor (aqui se inclui, corno requisito da legítima defesa - como refere Maia Gonçalves, in "Código Penal Anotado", pág. 167 - "a impossibilidade de recorrer à força pública, por se tratar de um aspecto da necessidade do meio. Trata-se de afloramento do princípio de que deve ser a força pública a actuar, quando se encontra em posição de o poder fazer, sendo a força privada subsidiária e este requisito continua a ser exigido pela CRP — artigo 21º, in fine.
Não pode porém, ser imposto ao agredido defendente o uso de meios desonrosos, v.g. a fuga, quando sejam meio adequado para evitar a agressão, tanto mais que isso precludiria também a função de prevenção geral da legítima defesa. Assim entende a doutrina autorizada — cfr. Direito Penal do Prof. Figueiredo Dias, Tomo I, pág. 396-397), havendo também jurisprudência neste sentido".
A acção ou o acto de defesa que visa impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios suficientes para evitá-la ou neutralizá-la.
E por meio utilizado deve entender-se não só o instrumento, objecto ou arma, mas também o próprio tipo de defesa.
Por isso, para se averiguar da adequação do meio de defesa, deve ter-se em consideração as circunstâncias concretas de cada caso (designadamente o bem ou interesse agredido, o tipo e intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de actuar, a capacidade física do agressor, a capacidade física do agredido e os meios de defesa disponíveis).
Trata-se de um juízo objectivo, segundo o exame das circunstâncias concretas de cada caso, feito por um homem médio colocado na situação do agredido.
Meios adequados para impedir a agressão, mas mais danosos (para o agressor) do que aqueles que, sem deixarem de ser adequados (suficientes e eficazes), causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor, serão considerados desnecessários e, assim, excluirão a justificação do facto praticado pelo agredido.
Também essencial e pressuposto da legítima defesa, é o animus defendendi, isto é, a intenção de, pelo contra-ataque a urna agressão, se suspender uma agressão ilegítima: o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir urna agressão ilícita actual.
Relativamente ao elemento subjectivo (o animus defendendi), entendemos - como grande parte da doutrina e da jurisprudência - ser exigível o intuito ou a vontade de defesa por parte do defendente (embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, p. ex. indignação, vingança e ódio - v.g. Eduardo Correia, in "Direito Criminal", II, 46 e Figueiredo Dias, Leal Henriques/Simas Santos, in "Código Penal Anotado", pág. 335.
Parte da doutrina entende que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa restringe-se à consciência da situação de legítima defesa, ou seja, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação. Assim, face a urna agressão actual e ilícita, deve ter-se por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa — cfr. Taipa de Carvalho, in "A Legítima Defesa", 1995, pág. 318 e Cavaleiro de Ferreira e Fernanda Palma, in "A Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos", 1990, pág. 611).
E a intenção de defesa, correspondendo a um estado de espírito, há-de ser a resultante de factos objectivos que a indiciem.
Tecidas estas considerações jurídicas, e revertendo ao caso dos autos, ternos como provado que o arguido muniu-se de uma faca de cozinha para agredir T___ e tomou a iniciativa de promover o encontro com o mesmo.
Mais se provou que o arguido e a vítima envolveram-se num rápido confronto físico, dirigindo-se reciprocamente um na direcção do outro, encontrando-se a vítima munida de um canivete e o arguido munido de uma faca de cozinha que, em momento anterior, e visando tal confronto, trouxe da sua residência.
Na dinâmica de tal confronto, a vítima desferiu, com um canivete, dois golpes na manga do casaco do arguido e este, com uma faca de cozinha, desferiu um golpe certeiro que, perfurando o coração, acabou por ser letal.
Provou-se ainda que, com a conduta descrita, o arguido pretendeu tirar a vida a T___ , o que veio a conseguir, bem sabendo que, atenta a zona que pretendeu atingir e que atingiu, era susceptível de produzir a sua morte, como veio a produzir, agindo o arguido livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de tirar a vida à vítima, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Destes factos assentes, não pode haver dúvidas que a vítima T___ e o arguido envolveram-se em agressões físicas mútuas, num confronto que foi potenciado pelo próprio arguido. Para afastar a vítima, quando se apercebeu que a mesma também se encontrava munida de um canivete, poderia, então, o arguido, aproveitando-se da sua robustez física superior à da vítima, ter empurrado a vítima ou até ter-lhe desferido um murro mais intenso ou um pontapé.
Mas não foi isso que fez.
O arguido, sabendo que quando partiu para o desacato com T___  já estava munido com uma faca de cozinha com o intuito de a utilizar para se vingar do mesmo, empunhou-o na mão, e com ela desferiu um golpe perfurante, letal, atingindo a vítima no coração.
Desta sequência de factos, resulta que arguido quis utilizar a faca, quis procurar T___  no local onde o mesmo residia, quis confrontá-lo e vingar-se do mesmo e, acima de tudo, foi o arguido quem tomou a iniciativa do confronto, sabendo que este iria concretizar-se e preparando-se para o mesmo.
E, mesmo não se tendo apurado quem agrediu primeiro, no caso concreto, para o arguido, o uso da faca de cozinha não era meio idóneo nem o menos prejudicial para as ofensas/agressões superficiais que a vítima lhe desferiu.
Por outro lado, o arguido agiu com dolo directo pois age com dolo directo quem prevê e pretende intencionalmente a realização do facto criminoso.
Não teve, nessa ocasião, qualquer outra intenção, que não fosse a de tirar a vida a T___.
Sendo assim, não existem os pressupostos da legítima defesa atrás referidos pois falta desde logo o intuito de defesa por parte do arguido que agiu com intenção de tirar a vida ao seu agressor.
E, mesmo para quem dispense tal requisito, a verdade é que o golpe desferido pelo arguido na região torácica da vítima, perfurando-lhe o coração, independentemente da intenção daquele, objectivamente não era absolutamente necessário e indispensável à sua "defesa" a uma agressão que era recíproca.
Decorre do exposto que o arguido não agiu com animus defendendi.
Por isso, não pode excluir-se a ilicitude da conduta do arguido.
E, não havendo, como concluímos que não há, legítima defesa, não há excesso de legítima defesa.
Na verdade, estatui o artigo 33º, nº. 1 do Código Penal que "Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada."
E, nos termos do nº 2 do mesmo normativo "O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis".
O acto praticado com excesso de legítima defesa é ilícito, ao contrário do acto praticado em legítima defesa, pois esta afasta a ilicitude.
A questão do excesso de legítima defesa está estruturado com base na teoria da culpa (já anteriormente seguida por Eduardo Correia e Cavaleiro de Ferreira).
Como refere Maia Gonçalves, in "Código Penal, pág. 171 "A alusão a "excesso nos meios empregados" foi introduzida pela Comissão Revisora e destinou-se a eliminar dúvidas, consignando-se, expressamente e de harmonia com a doutrina dominante e mais representativa, que só há excesso em relação aos meios e que, portanto, o próprio excesso pressupõe uma situação em que se verifica todo o condicionalismo de uma situação de legítima defesa; somente aquele que nessa situação se encontra usa meios excessivos e que não se justificam para se defender".
Portanto, para que haja excesso de legítima defesa, têm que verificar-se os requisitos da legítima defesa. No tocante ao excesso de legítima defesa, há que notar que tal figura consiste numa acção que, pressuposta uma situação de legítima defesa, se materializa na utilização de um meio desnecessário para repelir a agressão.
E não havendo agressão actual e ilícita, não há excesso de legítima defesa.
Para Cavaleiro de Ferreira, in "Lições de Direito Penal", 1985, I volume, pág. 99, "O excesso de legítima defesa (que melhor se denominaria «excesso na defesa») só tem lugar quando se verificam os pressupostos da defesa, isto é, quando se verifica uma agressão ilícita e actual".
A figura do excesso (de legítima defesa) pressupõe a existência de uma real "situação de legítima defesa", e não uma mera suposição ou representação do agente da existência de uma tal situação — cfr. Américo Taipa de Carvalho, in "A Legítima Defesa", 1995, Coimbra Editora, pág. 367.
Portanto, no caso em apreço, não pode haver excesso de legítima defesa, dado não existir, sequer, a situação de legítima defesa.
Constituiu-se, assim, o arguido, autor material de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º, nº. 1, do Código Penal.
Ao arguido é ainda imputada a prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 2º, n.º 1, al. m), n." 2, al. ab), 4º, n.º 1, e 86º, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02.
Incorre na prática deste tipo legal de crime, nos termos do artigo 86º, nº. 1, da Lei nº. 17/2009, de 6 de Maio: «Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias Fl, F2, F3, Ti ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; (...).
Por seu lado, estatui o artigo 2º, nº 1, al. m), da citada Lei, definindo o tipo de arma, que: « m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou cortocontundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;
Dispõe ainda o artigo 3º, nº. 1, al. ab) da citada Lei, definindo armas, munições e acessórios da classe A que ; « ab) As armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse; (...)».
Finalmente, ainda referente às armas da classe A, estipula o artigo 4º, nº. 1, da mencionada lei que: «1 - São proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A. (...)»
O crime em referência é um crime doloso.
O tipo legal de crime em causa, ao incriminar a detenção ilícita ou a transmissão a qualquer título, também ilícita, de armas de fogo e munições, pretende proteger a segurança material da comunidade social, evitando, assim, o perigo que para ela pressupõe a detenção de tais armas e munições, sem o controlo devido. Resulta, assim, evidente, que a detenção típica se traduz por qualquer forma que manifeste risco para a comunidade social, pelo que deverá ser tomada no seu sentido mais amplo, exigindo sempre um mínimo de animus possidendi, isto é, a detenção da arma para si.
Uma faca de cozinha é uma arma, e mais concretamente, de uma arma branca — cfr. artigo 2º, nº. 1, al. m) da Lei das Armas.
No domínio das redacções anteriores à Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho, esta já vigente à data da prática dos factos, em relação às "facas de cozinha", formou-se entendimento Jurisprudencial no sentido de que as mesmas têm uma aplicação definida (a afectação às lides domésticas), não se transformando numa arma branca proibida pelo simples facto de ser desviada dessa sua aplicação/afectação (cfr., designadamente, o acórdão do TRL de 20/12/2011, no processo n.º 1246/08.9TASNT.L1-5, disponível em www.dgsi.pj/jtr1).
Porém, se no que toca à sua classificação como arma da Classe A por via do artigo 3.º, n.º 2, ai. d) - classificação operada em função do seu grau de perigosidade, fim a que se destinam e sua utilização -, não parece ter havido grandes alterações em relação à redacção que se mostrava contemplada na anterior redacção da Lei das Armas (embora a actual al e), especifique na categoria das facas de abertura automática, as de ponta e mola, e acrescente as "cardsharps "e as equiparadas às estrelas de lançar), o mesmo não se pode dizer em relação ao aditamento agora operado pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, ao referido preceito, da citada alínea ab).
Esta referência à não justificação da posse, era um conceito já anteriormente conhecido, por referência ao preceituado no artigo 86.º, n.º 1, al. d), da RJAM, em termos de incriminação pela detenção de arma proibida, mormente das armas brancas:
Porém, a actual al. d) de tal preceito legal, para além da actualização operada no respectivo elenco, em correspondência com a mencionada al. e) "Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse", veio também a acrescentar expressamente a essa incriminação "as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º".
Ou seja, as armas brancas de utilização definida, tais como as armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, passam a ser consideradas como proibidas, à semelhança das acima indicadas, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse.
Daqui resulta que, com a entrada em vigor da mencionada Lei, o legislador passou a englobar na incriminação do artigo 86.º a posse de objectos com idêntica potencialidade lesiva aos que já se mostravam incluídos na norma incriminatória, nomeadamente as armas brancas com aplicação definida, quando encontradas fora dos locais destinados à sua utilização e cuja posse não seja justificada, seguramente por ter entendido, serem igualmente susceptíveis de provocar lesão ou perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados por aquela norma.
Aqui chegados, e revertendo ao caso dos autos, dúvidas não restam de que o arguido se muniu, deteve e utilizou uma faca de cozinha, na rua, com 20 cm de lâmina em aço inoxidável e 33 de comprimento total, e não justificou a respectiva posse.

Estamos perante uma arma, e mais concretamente, de uma arma branca — cfr. artigo 2º, n.º 1, al. m) da Lei das Armas.
Tendo ficado demonstrado que o arguido utilizou tal faca de cozinha, na via pública, sem justificação para a deter fora do local normal para o seu emprego, sabendo que a posse da mesma é proibida e punida por lei, dúvidas não existem de que o arguido também praticou o crime p. e p. pelo artigo 86º, nº. 1, al. d), da Lei nº. 7/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2019, de 24/07.
Impõe-se, por isso, condenar o arguido também pela prática deste tipo legal de crime. 
 
3. São as seguintes as conclusões que a recorrente apresenta:

1. O homicídio qualificado é uma forma agravada de homicídio em que a morte é produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
2. Ora entendemos que o crime de homicídio perpetrado e levado a cabo pelo arguido preencheu o requisito da alínea c) do n.º 2 do artigo 132º do Código do Penal.
3. Ora no caso em concreto entende a ora Recorrente que a vítima jovem, pouco nutrida e de baixa estatura em circunstâncias normais seria sempre por si enquadrável no pessoa particularmente indefesa perante um arguido adulto, alto e forte munido de uma faca de cozinha e acompanhado de 20 amigos.
4. A vítima foi caçada à porta de casa, local onde qualquer pessoa se encontra mais vulnerável por se sentir seguro.
5. A vítima foi encurralada por um grupo de 20 pessoas sem contar com o arguido.
6. Acontece que no caso em concreto temos um miúdo de 15 anos, franzino, mal nutrido, um autêntico pirolito atacado por um grupo de 20 pessoas encabeçado pelo arguido.
7. Completamente apanhado desprevenido sem perceber a armadilha que lhe foi montada junto à sua casa.
8. A diferença de estatura física, a diferença da força entre arguido e vítima era carne para canhão.
9. A vítima não tinha condições de defender-se e tal é assim que o arguido com um único golpe desferiu uma facada mortal num segundo.
10. As imagens nos autos demonstram bem a rapidez e a frieza do arguido ao matar T___.
11. A alínea e) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal refere que a circunstância de o agente ser determinado por qualquer motivo torpe ou fútil.
12. Ora entende a jurisprudência que o motivo fútil é aquele que não tem relevo, que não chega a ser motivo, que não pode razoavelmente explicar a conduta do agente.
13. O arguido não explicou qual o motivo que o levou a matar de forma tão selvática o jovem T___.
14. Refere um desentendimento entre os dois.
15. Desentendimento que ninguém viu, ninguém presenciou e que apenas temos a palavra do arguido.
16. Mas mesmo depois deste desentendimento já o arguido tinha desferido um pontapé no T___ tivesse reagido.
17. E mesmo assim procurou o T___ no dia 15 de abril para o matar só não o conseguindo apanhar graças à intervenção de terceiros que permitiu ao T___ colocar-se em fuga.
18. Não tendo conseguido apanhar a 15 de abril voltou a casa da vítima no dia 16 para o matar.
19. Aliás o arguido dizia a toda a gente que o ia matar.
20. E matou.
21. No Acórdão do STJ de 2/2/22 no processo n.º 74/21.0GBRMZ.S1, 3.ª SECÇÃO, in DGSI, entende o Supremo Tribunal de Justiça que “o motivo fútil estruturado com apelo a elementos estritamente subjetivos, relacionados com a especial motivação do agente”;
22. Temos um bando de 30 jovens mais o arguido que vão do nada atrás da vítima para o matar.
23. Queremos maior desprezo pela vida humana do que o revelado pelo arguido.
24. O arguido não estava com a vítima há mais de 48h.
25. O arguido andava atrás da vítima e quando o apanha junto à sua casa a brincar com a sua bicicleta enfia-lhe uma faca no peito.
26. O motivo é fútil quando, pela sua insignificância ou frivolidade, é notavelmente desproporcionado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime.
27. O arguido não tinha motivo mas o arguido quis e matou T___.
28. A al. i) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal refere-se ao agente poder utilizar qualquer meio insidioso.
29. O arguido acompanhado de 20 pessoas aproximou-se da vítima com a faca escondida debaixo do casaco só mostrando à vítima a faca no exato momento em que o agarrou e desferiu o golpe mortal.
30. O arguido fez-se acompanhar de um grupo de 20 para deixar a vítima numa posição de fragilidade.
31. Os 20 acompanhantes serviram para rondar a vítima e impedir a sua fuga.
32. Aliás T___ antes da chegada do arguido foi envolvido por W_, JS_ (irmão do arguido) e JV___.
33. W_ pediu a bicicleta ao T___ dando a crer a este que estava tudo normal.
34. Quando estes três sabiam que o arguido tinha ido buscar uma faca de cozinha a casa para matar o T___.
35. O significado de meio insidioso, está naturalmente ligado ao sentido original de insídia (cilada, emboscada), abarcando no seu conteúdo todos os meios que se possam considerar traiçoeiros, dissimulados, ardilosos, através dos quais o agente coloca a vítima numa situação em que praticamente não tem meio de defesa e, por vezes, conseguindo até a colaboração da própria vítima.
36. A vítima não tinha ninguém que o pudesse valer contra o gangue do arguido.
37. Tendo sido surpreendido pela quantidade de pessoas que acompanhavam o arguido até à porta de sua casa e depois quando o arguido saca de uma faca de cozinha escondida debaixo do seu casaco para desferir um único golpe certeiro no coração.
38. A arguido dirigiu-se até à casa da vítima munido de uma faca de cozinha acompanhado por um grupo de 20 pessoas.
39. Chegado perto da vítima 3 deles rodeiam-no para fazer conversa tentando distrair para que a vítima seja apanhada pelo arguido que o seguro no peito para pressionar com toda a força a faca no coração de T___.
40. No caso dos autos, o arguido, sem que nada o justificasse, agrediu a vítima com um objeto cortante, atingindo-a com um golpe no peito.
41. Entende Assistente que a utilização do objeto cortante de que o arguido se muniu para utilizar na agressão, configurou, no caso concreto, um meio desleal e traiçoeiro de levar a cabo a agressão querida e desejada pelo arguido, na medida em que reduziu a margem de defesa da vítima, revelando-se, por isso, na atuação do arguido, uma especial perversidade e censurabilidade.
42. Na situação dos autos, ficou demonstrado que, perante coisa nenhuma (ao que ficou provado, nem sequer ocorreu, previamente à agressão, uma simples disputa verbal entre o arguido e o ofendido, e com um objeto cortante, o arguido, quando o ofendido se encontrava ainda a recuperar da surpresa da faca na mão do arguido
43. O emprego de uma faca de cozinha, nestas circunstâncias, revela, a nosso ver, uma especial perversidade e censurabilidade da conduta do arguido, ou seja, um especial grau de culpa que excede manifestamente o que está pressuposto na moldura penal do crime de homicídio previsto no artigo 131º do Código Penal, pelo que o crime de homicídio cometido pelo arguido é um crime de homicídio qualificado.
44. É entendimento do STJ no processo 259/20.7JAFUN.L1.S1, 5.ª SECÇÃO que “A circunstância de não se verificar em concreto qualquer de tais circunstâncias (exemplos-padrão) não impede que se verifique, em concreto, uma atuação do agente reveladora de especial perversidade ou censurabilidade, e suscetível, como tal, pelo seu especial desvalor, de integrar o crime de homicídio qualificado, previsto no art.º 132.º, do CP.
45. A premeditação, o exemplo-padrão da al. j), do n.º 2, do art.º 132.º, contempla a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas.
46. Trata-se de circunstâncias agravativas relacionadas com o processo de formação da resolução criminosa.
47. As testemunhas   referiram que em conversa com o arguido já lhe tinham dito para não fazer nada que pudesse arrepender-se ou que tivesse cuidado que já tinha 18 anos.
48. O STJ tem-se pronunciado, uniformemente, no sentido de que é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas no n.º 2, do art.º 132.º, do CP, se bem que valorativamente equivalentes, que revelem a especial censurabilidade ou perversidade.
49. Contemplando o exemplo-padrão, sob o denominador comum da premeditação, a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas, haverá que verificar se ocorre a circunstância de qualificação do cri-me de homicídio prevista na al. j), do n.º 2, do art.º 132.º, do CP, indiciadora de especial censurabilidade ou perversidade, isto é, se o recorrente agiu com “frieza de ânimo”.
50. Na manhã de dia 16 de abril a mãe da vítima falou com o arguido para deixar de perseguir o filho.
51. E a resposta do arguido à mãe foi “avisa ele que lhe vou dar uma facada”.
52. Passado umas horas o arguido desferiu o golpe fatal.
53. Como referido em cima e comprovado pelas testemunhas o arguido já há vários dias que dizia no grupo dos 20 que ia matar o T___.
54. Só temos ataques do arguido sobre a vítima e não da vítima sobre o arguido.
55. T___  foi apanhado à porta de casa. T___  foi surpreendido em lugar perto de casa enquanto arranjava a sua bicicleta.
56. T___  não se preparou para nada porque não sabia o que ia acontecer.
57. T___  não procurou o encontro nem se preparou para nenhum ataque.
58. O arguido matou com o T___ com especial perversidade e censurabilidade.
59. O arguido cometeu um crime previsto e punido pelo artigo 131 do CP agravado pela especial perversidade e censurabilidade. 
 
4. Apreciando.

No caso que ora nos ocupa, entende a assistente que o crime que o arguido cometeu se enquadra dentro da tipologia de crime de homicídio qualificado, pelas razões que enumera, considerando que se mostram preenchidas as três alíneas do art.º 132 nº2 que a acusação referia (als. c), e) e i), bem como que, ainda que se entenda que nenhuma daquelas se mostra adequada, se deveria considerar que a conduta do arguido, objectivamente apreciada, revela especial censurabilidade e perversidade.
 
5. Vejamos então.
Desde logo haverá que realçar que a fundamentação que o tribunal “a quo” realizou a respeito da questão da não verificação de qualquer circunstância qualificativa agravante, nos merece total acordo, aí se mostrando exaustivamente apreciadas e enquadradas as circunstâncias cujo conhecimento a lei impõe. Por tal razão, subscrevemos, integralmente, o que aí se mostra prolatado, que supra transcrevemos e que aqui damos por reproduzido.
 
6. Caberá então apreciar apenas as circunstâncias que a recorrente invoca e que não se mostram expressamente referidas no decidido.
 
7. No que toca à questão do preenchimento da alínea c), alega a recorrente, sinteticamente, que a vítima jovem, pouco nutrida e de baixa estatura em circunstâncias normais seria sempre por si enquadrável na pessoa particularmente indefesa perante um arguido adulto, alto e forte munido de uma faca de cozinha e acompanhado de 20 amigos. A vítima foi caçada à porta de casa, local onde qualquer pessoa se encontra mais vulnerável por se sentir seguro. A vítima foi encurralada por um grupo de 20 pessoas sem contar com o arguido.
No que respeita à compleição física da vítima, não restam dúvidas, atenta a descrição realizada pelo tribunal “a quo”, que esta era significativamente mais baixa do que o arguido e mais franzina. Não obstante, não se mostra demonstrado que tenha sido caçada num local onde se sentisse mais segura, nem que tenha sido encurralada por um grupo de 20 pessoas.
É um facto que o arguido seguiu acompanhado por uma série de jovens, mas a postura dos mesmos não foi de encurralarem a vítima, mas antes, sob um ponto de vista moral e ético, profundamente errado, o de assistirem à luta prometida e anunciada. Aliás, um desses jovens tentou mesmo impedir o arguido de se aproximar da sua vítima, fisicamente, sem, todavia, o ter conseguido. 
Por seu turno, a vítima estava municiada com um objecto cortante e havia sido avisada da chegada do arguido e das suas intenções. 
A presença do canivete nas mãos da vítima, a idade que tinha, o perfeito conhecimento de qual era a estatura física do arguido, bem como a inexistência de encurralamento, demonstram que, ao invés do que a recorrente afirma, aquela não se encontrava, como afirma o tribunal “a quo”, numa situação de incapacidade de defesa especialmente relevante, em virtude de não ser minimamente capaz de reagir ou de se defender das agressões a si dirigidas, nem contemporânea nem posteriormente a elas, designadamente por não ter a destreza ou o vigor físico ou psicológico necessários para a elas reagir, defendendo-se ou queixando-se a quem lhe pudesse dar protecção, por dificuldades, face também às características físicas e psicológicas do agressor, em se opor ou responder.
A vítima tinha acabado de andar de bicicleta, estava perto de casa, não foi impedida de aí entrar, ninguém o cercou e cerceou a sua liberdade de movimentos. Infelizmente, a vítima optou por empunhar um canivete e aguardar o confronto que se avizinhava. Mas não o fez porque a tal tivesse sido coagida, quer por virtude da sua idade, quer por força da sua incapacidade física de fugir.
E se assim é, como é, tem de se concluir, à semelhança do tribunal “a quo”, que as circunstâncias do caso não permitem entender pelo preenchimento dos pressupostos previstos na alínea c. do n.º 2 do art.º 132 do C.Penal.
 
8. Prosseguindo.
Considera a recorrente que se mostra preenchida a al. e) do n.º 2 do art.º 132 do C. Penal (motivo torpe ou fútil), por considerar que, ainda que tivesse ocorrido uma discussão anterior entre arguido e vítima, tal corresponderia a um motivo fútil, porque desproporcionado face à actuação do arguido.

Em bom rigor, qualquer homicídio, para preencher os requisitos do tipo do art.º 131, comporta um juízo de futilidade, no que respeita à actuação do homicida. De facto, quando alguém decide e tira a vida a outro ser humano, sem que tenha uma justificação para tal (isto é, porque não agiu em legítima defesa, porque não era uma questão de defesa da sua própria sobrevivência), o comum dos cidadãos entende que, seja qual for a razão próxima que a tal acto levou, esta é fútil, perante a mera constatação de que qualquer vida é irrepetível e que o seu termo não tem regresso. Foi retirado a alguém o seu valor supremo.
Sucede, todavia, que este juízo de futilidade nas razões que levaram à morte de outrem, se mostra já em si integrado no âmbito do crime de homicídio na sua forma simples, pois a moldura penal prevista decorre do juízo de enorme gravidade e censura que a comunidade dirige – e correctamente – a tal tipo de actos.
O que sucede é que este entendimento não corresponde àquele que se mostra prevenido como circunstância qualificativa agravante, em sede legal; isto é, se matar alguém é já de si um acto censurável e o autor deve ser punido, porque não tem justificação (motivo) para poder retirar a vida a outra pessoa, a censura com este fundamento mostra-se já incluída no tipo legal paradigma – homicídio na forma simples.
Assim, para que se possa entender que esse acto, dadas as suas circunstâncias, se mostra ainda mais reprovável, num escalão de gravidade superior do que o que resulta já da censura pelo acto de matar, ínsita no tipo simples, necessário se mostra que a actuação do agente ultrapasse, pela sua “anormalidade”, ou melhor, pela sua singularidade, as circunstâncias que em muitos casos levam outros cidadãos a matar.
Ora, no caso, uma quezília anterior, em que a vítima havia já atingido o arguido com uma lâmina, enquadra-se, infelizmente, face às regras de experiência comum, num motivo habitual que, em certas condições e atendendo à personalidade do agente perpetrante, serve de motivo ao acto de matar.
 
9. Assiste assim razão ao tribunal “a quo” quando, a respeito desta questão, refere:
Motivo fútil é aquele que não tem relevo, que não chega a ser motivo, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) a conduta do agente; é o motivo notoriamente desproporcionado ou inadequado para ser um começo de explicação da conduta do ponto de vista do homem médio — cfr. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit. e Ac. do S.T.J. de 07/12/1999, in CJ-Ac. STJ, 1999, t. 3, pág. 225, em que se decidiu: "Para existir motivo fútil é necessário que para além da desproporção ou inadequação, do ponto de vista do homem médio, haja insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta, na brutal malvadez, ou se traduz em motivos subjectivos ou antecedentes psicológicos, que pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionados com a reacção homicida".
Lamentavelmente, o motivo que levou ao desencadear da morte da vítima, não é um motivo notoriamente desproporcionado ou inadequado para ser um começo de explicação da conduta do ponto de vista do homem médio
Por tal razão se tem de concluir não se mostrar preenchida a circunstância qualificativa agravante que a recorrente propugna.
 
10. Considera ainda a recorrente que a conduta do arguido preenche os requisitos consignados na al. i) do nº. 2 do artigo 132º. do Código Penal (meio insidioso).
Funda essa sua asserção no entendimento de que a vítima foi surpreendida e cercada pelo bando do arguido (as tais 20 pessoas) e este retirou de supetão e sem aviso uma faca que trazia escondida, com a qual atingiu a vítima.
Sucede, todavia, que como acima já se mencionou, não é verdade que o arguido tivesse um bando e que essas 20 pessoas tivessem ido para o local para cercar a vítima e impedi-la de fugir.
Por seu turno, a vítima sabia que o arguido vinha a caminho, sabia que ele andava a dizer que o queria matar e que estava muito zangado consigo, dado o que se tinha anteriormente passado. 
É verdade que o arguido trazia a faca que transportava escondida, mas também é um facto que a vítima tinha uma faca na mão, que empunhava à aproximação do primeiro.
Salvo o devido respeito, neste circunstancialismo, não se vislumbra como se pode falar sequer de meio insidioso, como bem refere o tribunal “a quo”: A actuação do arguido não foi inesperada, súbita e sorrateira. A vítima foi avisada da aproximação do arguido e também não evitou tal confronto, antes se munindo de um canivete que também utilizou (…) analisando a conduta apurada do arguido, no contexto global destes factos, temos por seguro ter inexistido qualquer surpresa e deslealdade do ataque que tivesse dado origem à completa desprotecção da vítima e que tivesse aumentado seriamente as probabilidades de lesão do bem jurídico vida.
Assim, também no que a esta alínea se refere, teremos de concluir não se mostrarem preenchidos os elementos previstos na mencionada al. i).
 
11. Finalmente, resta debruçarmo-nos sobre a questão da possibilidade de qualificação do acto, ainda que a especial e acentuada censurabilidade ou perversidade da actuação não se mostrem expressas num dos exemplos-padrão constantes do n.º 2 do art.º 132 do C.Penal.
Vejamos então.
 
12. Caberá frisar que o crime de homicídio acarreta desde logo, pela natureza e qualidade do bem jurídico ofendido, uma noção de gravidade. Tirar a vida a alguém corresponde à violação do direito mais fortemente preservado pela lei e pelos cidadãos em geral.
Significa isso pois que, para que se possa entender que o crime de homicídio foi praticado na sua forma qualificada, necessário se mostra que a culpa com que o agente actuou seja agravada – é a isso que a nossa lei designa como especial censurabilidade ou perversidade do agente. 
 
13. Por seu turno, esta noção – de certo modo indeterminada – terá de ser preenchida por uma averiguação a realizar, em que se tenha em atenção a integração da conduta do agente em alguma das circunstâncias vertidas nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 132 do C.Penal, os chamados exemplos-padrão. Não obstante, esses exemplos não são em si taxativos, como aliás resulta desde logo da redacção do corpo do artigo que é clara ao referir que tais circunstâncias são susceptíveis de revelar tal especial censura, entre outras.
 
14. Isto significa que a primeira operação a realizar, para averiguação da existência ou não de tal juízo de especial censura (que decorre de se poder concluir que a culpa do agente se mostra agravada face ao modo e ao resultado típico do crime que cometeu), reconduzir-se-á a proceder ao enquadramento e apreciação de todas as circunstâncias que rodearam a perpetração desse facto. Do resultado de tal avaliação haverá então que apurar – caso se entenda que se verifica uma situação especialmente censurável ou perversa – se esta é enquadrável em algum dos exemplos padrão ou não
(É que, ainda que o não seja – e pese embora a muito exaustiva enunciação constante nas alíneas do n.º 2 do mencionado artigo, tal pode suceder – o julgador poderá chegar à conclusão de que, atenta a análise realizada às circunstâncias do acto, este merece especial censura, naqueles termos, ainda que se não mostre parametrizada a específica conjuntura resultante do caso concreto numa das ditas alíneas. E, mesmo nesses casos, é possível enquadrar uma determinada acção homicida dentro desse juízo de censura previsto no nº1 do art.º 132 do C.Penal). 
 
15. E que circunstâncias são essas que o julgador terá de atender e sopesar, para alcançar tal valoração jurídica? Serão, muito concretamente, as relativas e/ou ao modo de execução do facto e/ou ao agente que, no contexto em que se verificaram, demonstrem a ocorrência de tal especial censurabilidade ou perversidade.
 
16. Convirá ainda notar que, pese embora a recorrente use indiscriminadamente os adjectivos censurabilidade e perversidade, a verdade é que não estamos perante sinónimos, mas antes perante definições que são autónomas e cujo conteúdo tem de ser determinado.
17. Efectivamente, como refere o acórdão do STJ de 23.11.2011, acensurabilidade especial de que fala o art.º 132º do CP reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada, que serão de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores, visível na realização do facto. A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo e que denota qualidades desvaliosas da sua personalidade” (sublinhado nosso).
 
18. Neste contexto, haverá então que apurar se a actuação do arguido, atentas todas as circunstâncias, determina que se tenha de concluir que existe um acréscimo de censura ou de perversão, relativamente àquelas que subjazem ao tipo de crime que apreciamos, na sua forma simples; isto é, se o que resulta da apreciação global será a conclusão de que estamos perante um homicídio atípico, por a actuação do agente se mostrar especialmente desvaliosa.
 E foi precisamente este o caminho que o tribunal “a quo” seguiu, na análise que realizou a este respeito. E a conclusão a que chegou foi que não se estava perante uma situação enquadrável em nenhuma dessas duas categorias, como afirma nestes segmentos:
E desde já se adianta que, actuando o arguido como supra descrito, num contexto de confronto com a vítima T___ , agindo o arguido motivado pelo desejo de desforra/vingança pela agressão física de que tinha sido alvo no dia 14/04/2021, no âmbito do qual desferiu um golpe perfurante e letal na vítima que, também ela, munida de um canivete, desferiu dois golpes na manga do casaco do arguido, não pode este comportamento ser considerado pouco comum, ao ponto de permitir a formulação de um especial juízo de censura ao nível da culpa, revelador de uma especial censurabilidade.
(…) Revertendo ao caso dos autos, em nosso entender, perante o quadro factual provado, não se tendo por verificada qualquer circunstância qualificativa do homicídio previstas no n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, e avaliando a conduta global do arguido, temos por seguro que, actuando o arguido como descrito, no decurso de um confronto físico com a vítima T___, não pode formular-se um juízo de especial censura acerca da sua culpa, pois esta não excede, a nosso ver, o grau da mera censurabilidade.
Temos, pois, por mais seguro, que o arguido agiu dentro dos padrões de uma actuação comum, subsumindo-se a sua conduta no crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º, n.º 1, do Código Penal.
 
19. Contrapõe a recorrente, novamente, a questão do encurralar, a idade da vítima, a sua compleição física, o uso de uma faca, a frieza de ânimo e a premeditação.
No que concerne às três primeiras circunstâncias, já acima referimos que se não verificam.
 
20. Quanto ao uso da faca, sejamos claros – é um meio idóneo a causar a morte. E o arguido cometeu um homicídio…
Trata-se de uma faca de cozinha, objecto não particularmente complexo e que não necessita de especial procura para a sua obtenção e manuseio pelo arguido. Está à sua disposição, não necessitando de nenhum esforço especial para conseguir alcançar o objecto com o qual pretende tirar a vida a alguém. É um meio idóneo e (infelizmente) usual para alcançar o resultado pretendido e do seu uso, em si (ainda que a faca estivesse inicialmente guardada dentro do casaco do arguido), não resulta especial desvalor, face ao que já decorre da prática do acto de matar em si. 
Para além do mais, o seu porte mostra-se já sancionado, em segmento que a recorrente não impugna. Como refere o acórdão do STJ de 31 de Março de 2011, proc. 361/10.3GBLLE “II - O uso ou porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo legal fundamental é o previsto no art.º 131.º do CP; pode ser um factor de agravação, mas só o será se, para além de preencher um dos exemplos-padrão «meio particularmente perigoso» ou «prática de um crime de perigo comum» da al. h) do n.º 2 do art.º 132.º, revelar «especial censurabilidade ou perversidade». Enquanto que a agravação do n.º 3 do art.º 86.º, encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma, a do art.º 132.º só operará se o uso de arma ocorrer em circunstâncias reveladoras de uma especial maior culpa. Além, para haver agravação, basta o uso de arma no cometimento do crime, aqui não. III - O n.º 3 do art.º 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada. A agravação do art.º 86.º, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de accionar efectivamente essa outra agravação. Ora, o uso de arma não é elemento do crime de homicídio, e, no caso, não levou ao preenchimento do tipo qualificado do art.º 132.º, pelo que não há fundamento para afastar a agravação do art.º 86.º, n.º 3.     
   
21. Sintetizando o pensamento ínsito no acórdão que acima acabámos de citar, a agravante qualificativa do crime de homicídio, prevista no art.º 132 do C. Penal (especial censurabilidade ou perversidade do agente) é aferida ao nível da culpa, enquanto que a agravante consignada na Lei das Armas decorre de um maior grau de ilicitude, sendo uma agravação de natureza geral que dimana de razões de prevenção geral distintas das que se referem ao crime de homicídio e que radicam na necessidade de conter o recurso às armas na prática de ilícitos. Mostra-se, portanto, correcta a aplicação ao caso da circunstância qualificativa agravante prevista no n.º 3 do art.º 86 da Lei das Armas, não merecendo tal decisão a crítica que a recorrente lhe dirige, no sentido da sua não inserção em sede de avaliação de especial censurabilidade ou perversidade. 
 
22. Relativamente à premeditação e frieza de ânimo:
Socorremo-nos, a propósito destas circunstâncias, de arestos que têm vindo a ser proferidos, pelo STJ, ao longo de décadas, e que sumarizam e definem, sedimentando tais conceitos, designadamente (todos consultáveis, à data, em www.dgsi.pt):
Acórdão de 30/09/1999:  a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do crime e insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução. Todo o ser humano e, por conseguinte, o delinquente, age com o desejo de atingir uma finalidade, pelo que a prática de qualquer crime implica reflexão por parte do seu agente; tal reflexão traduzir-se-á, no entanto, em “premeditação” ou “frieza de ânimo face à intensidade, extensão e duração dessa reflexão, quer quanto à agressão propriamente dita, quer sobre os meios necessários à respectiva comissão (designadamente, utilização de uma arma, previsibilidade de reacção por parte da vítima, escolha do local e momento do crime)” ; 
Acórdão de 16/05/2002: o agente reflecte ainda sobre os meios empregados, e que efectua a escolha e o estudo “ponderado dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuam acentuadamente as possibilidades de defesa da vítima mercê do modo frio, indiferente, calmo e imperturbadamente reflectido com que foi planeada a morte”;
Acórdão de 14/11/2002: existe“frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana e reflecte-se sobre os meios empregados quando a escolha, o estudo ponderado dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuam acentuadamente as possibilidades de defesa da vítima mercê do modo frio, indiferente, calmo e imperturbadamente reflectido como foi planeada a morte”;Acórdão de 17/01/2007: “agir com frieza de ânimo significa actuar com serenidade, com o espírito límpido de emoções”.
 
23. O que se retira desta breve síntese é a de que a ideia matriz, em sede de frieza de ânimo e de premeditação, se reconduz a uma reflexão temporal assinalável (pelo menos, 24 horas) no modo como o acto vai ser executado (premeditação), reflexão esta calma e imperturbável, na assumpção, por parte do agente, da decisão de matar (frieza de ânimo).
 
24. No caso presente, inexiste esta calma e esta imperturbabilidade, assim como esse período reflexivo. É verdade que o arguido afirmava, dias antes, que queria matar a vítima e pretendia com a mesma encontrar-se, mas o que ocorreu no dia dos factos surge de uma prévia frustração (afinal não haveria uma outra luta anteriormente prometida) e, nessa sequência, o arguido decide que vai então lutar com a vítima e tirar-lhe a vida; ou seja, inexiste uma reflexão temporal assinalável no modo como o acto vai ser executado. 
De seguida veste-se, tentando proteger o seu corpo com casacos grossos, mune-se de uma faca, anuncia o seu intento e parte a pé à procura da vítima, acompanhado por vários jovens, sendo que alguns destes o tentam dissuadir e outros avisam a vítima do que se está a passar - isto é, que o arguido vai à sua procura e quer matá-lo. 
A frieza de ânimo, enquanto circunstância qualificativa agravante, pressupõe, em sede legal, serenidade, fria reflexão, ponderação sobre o modo de actuação, sangue-frio e consideração desapaixonada quanto à actividade que se vai prosseguir e não é esse o caso dos autos.
 
25. Neste circunstancialismo, não vemos como a actuação do arguido preenche as noções acima referidas, em termos qualificativos.
Na verdade, a lei exige especial censurabilidade e perversidade. E o acento tónico reside efectivamente nessa especialidade, nesse grau fora do comum e acima do que já é altamente censurável e perverso, que é o acto de tirar a vida a alguém. 
No caso, a censurabilidade e a perversidade existem, sem dúvida, mas no patamar ínsito à censura do comportamento homicida, previsto no art.º 131 do C.Penal, não em grau superior (especial) que potenciaria o preenchimento do requisito legal qualificativo.
Não assiste assim razão à recorrente, no entendimento da verificação, no caso presente, de ocorrência da circunstância qualificativa agravante prevista no art.º 132 do C.Penal.
  
IV – DECISÃO.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a recorrente no pagamento da taxa de justiça de 3 UC.                                                              
Lisboa, 9 de Novembro de 2022
Maria Margarida Almeida
Maria Leonor Botelho
Ana Paula Grandvaux

Voto de vencida da Ex.ª Sr.ª Desembargadora-adjunta Dr.ª Maria Leonor Botelho:
*
*
Votei vencida por considerar que a factualidade apurada revela a especial censurabilidade da conduta perpetrada pelo arguido, quer por evidenciar frieza de ânimo, quer por ter sido determinada por motivo fútil.
Muito embora subscrevamos todas as considerações de ordem doutrinária e jurisprudencial que suportam o entendimento que fez vencimento, entendemos, porém, que as circunstâncias concretas em que o arguido decidiu tirar a vida a T___ e veio a concretizar tal intento dadas como provadas preenchem as alíneas e) e j) do art.º 132.º do C. Penal.
Na verdade, resulta da factualidade julgada provada que o que motivou a tomada
de decisão por parte do arguido de matar T___ , seu colega de turma, foi uma discussão que arguido e vítima tiveram dois antes, na casa de banho da escola, tendo então a vítima “picado” o arguido com um objecto que aparentava ser uma faca, donde resultou uma inimizade entre ambos, vindo o arguido a agir como agiu, dois dias depois, com o intuito de se vingar de T___  pela discussão que tinham tido na escola no dia 14.04.2021.
Quanto a tal aspecto, ficou provado:
«2- No dia 14 de Abril de 2021, o arguido e T___  iniciaram uma
discussão na casa de banho da Escola, por motivos não concretamente apurados, mas na sequência da qual T___  picou a perna do arguido com um objecto que aparentava ser uma faca e que trazia consigo, daí resultando uma inimizade entre ambos. 
19-Agiu o arguido com o intuito de se vingar de T___  pela discussão que
haviam tido na escola no dia 14/04/2021.»
 
Resulta da referida factualidade julgada provada que foi a referida discussão com
a mencionada “picadela”, da qual não resultou qualquer ferida ou lesão para o arguido, que motivou o arguido a tirar a vida ao seu colega T___ , pretendendo o mesmo vingar-se da conduta que aquele tivera para consigo, dois dias antes.
E a vontade do arguido de se vingar de tal conduta está também patente na demais
factualidade julgada provada, tendo o mesmo procurado T___ , no bairro onde este residia, logo no dia seguinte (15.04.2021), encetando com ele uma discussão que só não avançou para o confronto físico entre ambos devido à intervenção de terceiros (facto provado sob o n.º 3).
E, nas mensagens que arguido e vítima trocaram após tal confronto, veio o
arguido a ameaçar de morte o ofendido, vindo ainda, já no dia 16.04.2021, quando foi abordado pela mãe de T___, que lhe pedia para não levar a sua ideia avante e deixar o seu filho em paz, a responder-lhe: ”avisa ele que eu lhe vou dar uma facada” (factos provados sob os n.ºs 4 e 5)
Foi a discussão com a referida “picadela” na perna e a vontade que daí surgiu de se vingar de tal acto que determinou o arguido a matar T___, seu colega de turma, motivo que se afigura insignificante ou com uma importância mínima, afigurando-se que, para qualquer homem normal, tal motivo é menor e irrelevante, sendo manifesta a desproporcionalidade existente entre o referido motivo, de reduzidíssima importância, e a gravíssima reacção adoptada pelo arguido.
Afigura-se, de facto, incompreensível que o arguido tenha considerado que a “ofensa” que lhe foi feita, dois dias antes, ao ter sido “picado”, sem quaisquer sequelas ou lesões físicas, no meio de uma discussão, justificava a morte de quem o ofendeu.
Como se lê no Aresto do STJ de 18.01.2012, in www.dgsi.pt:
«VIII. Casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável, porquanto os motivos que lhe estão na base são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
IX. No caso vertente, não existe qualquer outra razão explicitada que não o facto de a vítima, após troca de palavras com o arguido, em que proferiu a expressão «Vou-me embora, não estou para aturar malucos que não conheço de lado nenhum», ter abandonado o local. Significa o exposto que, em termos comunicacionais, o único contacto que existiu entre dois intervenientes resumiu-se a uma breve troca de palavras entre pessoas, até então, desconhecidas, e ao facto de a vítima se ausentar do local.
X.  Inexistindo qualquer processo de perturbação psíquica susceptível de afectar a capacidade do arguido reger a sua vontade de acordo com a realidade percepcionada é manifesto que o quadro factual descrito revela um primitivismo de reacções em que emergem as pulsões mais primárias e uma conduta da vítima com um mínimo de relevância é interpretada como uma ofensa susceptível de justificar a sua morte. Segundo as suas palavras, ao arguido «ninguém voltava costas» e, assim, na sua perspectiva, estava encontrada a justificação para infligir a morte da vítima.
XI.  À face do cidadão médio o quadro descrito não só revela uma desproporcionalidade entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, ou seja, entre a ofensa e a reacção, mas consubstancia antes uma ausência de um processo compreensível que minimamente convoque a lógica como explicação da conduta do arguido. Está assim perfeitamente justificada a integração na al. e) do art.º 132.º do CP» (sublinhados nossos) 
 
No caso em apreço, entendemos também que o quadro factual descrito revela uma reacção primitiva e desproporcionada, completamente inesperada e ainda mais inexplicável se atentarmos no facto de, entretanto, terem decorrido dois dias, período durante o qual sempre poderia o arguido reflectir sobre o assunto, resultando evidente que a conduta da vítima, de reduzida importância, é incompreensivelmente interpretada pelo arguido como uma ofensa susceptível de justificar a sua morte.
Em tal quadro, consideramos que a conduta do arguido é especialmente censurável dada a futilidade do motivo que a determinou. 
Para além disso, entendemos ainda que os factos julgados provados evidenciam também que o arguido agiu com frieza de ânimo.
Na verdade, no próprio dia 16.04.2021, a mãe de T___, no seguimento das mensagens com ameaças de morte que o arguido dirigiu àquele, abordou o arguido pedindo-lhe para não levar a sua ideia avante e deixar o seu filho em paz, ao que o arguido lhe respondeu: ”avisa ele que eu lhe vou dar uma facada” (factos provados sob os n.ºs 4 e 5). 
E, na tarde desse dia 16.04.2021, o arguido telefona ao ofendido para o desafiar para uma luta, sendo que, como T___  não lhe diz onde se encontra, decide ir procurá-lo, junto da residência do mesmo.
Porém, previamente, o arguido dirige-se para a sua própria casa, onde, para além de vestir dois casacos, um deles grosso e almofadado, se muniu de uma faca de cozinha com 33 cm de comprimento, sendo 20 cm de lâmina em aço inoxidável, seguindo depois à procura da vítima (factos provados sob os n.ºs 7 e 8).
Mas vai à procura da vítima não com intenção de com ele lutar - o que poderia aceitar-se no âmbito da discussão tida dois dias antes e dada a juventude dos dois - mas com intenção de o matar, o que concretiza de imediato quando dele se aproxima, utilizando para o efeito a faca com 20 cm de lâmina de que previamente se munira.
E isto apesar de ter ficado também provado que dois dos seus acompanhantes o tentaram dissuadir e de, como dissemos, a mãe do ofendido o ter abordado ainda nesse dia, pedindo-lhe para abandonar a sua ideia e deixar o seu filho em paz.
Ficou efectivamente provado:
«9 - De seguida, cerca das 19h15m, o arguido deslocou-se ao Bairro dos Sete Castelos, com intenção de esfaquear e tirar a vida a T___, não obstante um dos elementos que o acompanhava (MR____), após se aperceber que o arguido tinha uma faca, tentado dissuadir dessa intenção.
10 - Ali chegado, na Avenida Castelo de São Jorge, o arguido deparou-se com T___ na via pública e, de imediato, retirou a faca de cozinha que trazia no interior da mochila e colocou-a junto ao peito, escondida por baixo do casaco que trajava.
11 - R___, um dos elementos do grupo de amigos do arguido, ao vê-lo com a faca, ainda o puxou para evitar que este se aproximasse de T___ mas, sem sucesso, dado que o arguido continuou a avançar na direcção do mesmo.»  
 
Acresce que nem a circunstância de a vítima empunhar um canivete demoveu o arguido da intenção que tinha de esfaquear e tirar a vida a T___ , o que veio efectivamente a concretizar, pondo-se de seguida em fuga.
Ficou efectivamente provado:
«12 - De seguida, o arguido e T___ dirigiram-se um para o outro, empunhando T___ um canivete e o arguido, com a aproximação de T___, retirou faca de cozinha que trazia escondida no interior do casaco e empunhou-a.
13 - Acto contínuo, T___ desferiu dois golpes na manga do casaco do arguido e o arguido desferiu com a faca um golpe no hemi-tórax esquerdo de T___, perfurando-lhe a sexta costela esquerda, músculos intercostais, pericárdio e coração.
14 - Após, o arguido colocou-se em fuga.
15 - T___  veio a falecer no Hospital de Cascais, pelas 20h54m, como consequência directa e necessária das lesões sofridas com o golpe de faca perpetrada pelo arguido».
A referida conduta evidência, em nosso entendimento, calma, reflexão e sangue frio na preparação do crime e insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, aspectos que normalmente definem a chamada frieza de ânimo.
«Actua com frieza de ânimo quem forma a sua vontade de matar outrem de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução; trata-se, assim, de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução» (Ac. do TRC de 03.08.2011)  
O arguido decidiu matar o ofendido e agiu de modo frio, lento e cauteloso na preparação do crime, telefonando-lhe a “desafiá-lo para uma luta”, mas vindo antes a munir-se de uma faca com 20 cm de lâmina, com a qual visava esfaquear T___  e tirar-lhe a vida, mostrando-se indiferente e insensível aos apelos que lhe fizeram no sentido de abandonar a ideia que formara de matar o seu colega de turma, até pela mãe deste, completamente determinado a praticar tal crime e persistindo, indiferente, na sua execução.
Nestes termos, considerando que a conduta do arguido dada como provada preenche as alíneas e) e j) do art.º 132.º do Código Penal, teria considerado qualificado o homicídio em causa nos autos.
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Lisboa, 09.11.2022
(Maria Leonor Botelho)