Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1749/22.2T8LRS.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DISPENSA DE SIGILO PROFISSIONAL
ACTA DE JULGAMENTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
DEPOIMENTO
VALORAÇÃO
PERDA DE CHANCE
CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO
BANCO DE PORTUGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I - Não é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a sentença omissa quanto ao (suposto) facto de duas testemunhas terem pedido escusa por motivo de sigilo profissional, não fazendo a apreciação desse pedido. Ante o disposto no art. 417.º do CPC conjugado com o art. 135.º do Código de Processo Penal, um (suposto) incidente de dispensa do sigilo profissional invocado pelas testemunhas não se trata de questão que deva ser apreciada na sentença, mas antes suscitada e decidida em momento anterior ao do encerramento da audiência de julgamento.
II - A ata da audiência é um documento autêntico, podendo a veracidade do aí exarado ser posta em causa, suscitando-se a sua falsidade ideológica ou material, em incidente de falsidade, nos termos conjugados dos artigos 372.º do CC e 451.º do CPC. Se isso não sucedeu, resultando da ata da audiência que as aludidas testemunhas prestaram o seu depoimento tal significa que não se escusaram a depor pelo motivo indicado.
III - Questão diferente é a de saber se porventura os depoimentos das testemunhas, referidos na motivação da decisão de facto da sentença, foram (ou não) prestados com violação do segredo profissional, com a consequente nulidade da prova assim produzida e se isso é passível de influir na decisão da matéria de facto, o que não configura uma causa de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), antes releva no âmbito da impugnação decisão da matéria de facto, que, no caso, é de rejeitar, por não ter sido observado o ónus principal a cargo do recorrente decorrente do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC.
IV - A figura da perda de chance, pela sua relativa novidade e tratamento, quer na doutrina, quer na jurisprudência, encontra-se numa espécie de “cruzamento”, entre o que são os danos e a relação de causalidade. No caso em apreço, a “primordial” perda de chance reporta-se à (menor) probabilidade de a Autora aceder ao financiamento bancário que perspetivava face à informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, na sequência de comunicação feita pela instituição bancária Ré.
V - Não se pode entender que essa comunicação, ainda que indevida, fosse, nas condições normais da vida societária da Autora, idónea a causar os danos patrimoniais invocados - atinentes à perda do sinal de contrato promessa de compra e venda de um imóvel, bem como do lucro a obter com a sua revenda -, e, assim, concluir que a Ré está obrigada a indemnizá-los, por ter incorrido em responsabilidade civil, quando não ficou sequer provado que a Autora, para pagamento do valor remanescente do preço devido para cumprimento daquele contrato, tenha solicitado o financiamento necessário a uma ou mais instituições bancárias e que esta(s) tenha(m) recusado conceder-lho devido à análise do risco baseada nessa informação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
…, LDA., Autora na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação improcedente.
Na Petição Inicial, apresentada em 14-02-2022, a Autora peticionou a condenação da Ré:
a) a pagar à Autora a quantia de 60.000,00 €, a título de indemnização “pelo prejuízo directo causado com a sua conduta”;
b) e a quantia de 140.000,00 €, a título de indemnização “por expectativa de lucros cessantes”;
c) bem como os juros de mora vincendos sobre tais quantias até integral pagamento.
Alegou a Autora, para tanto e em síntese, que:
- A Autora é uma empresa que se dedica, entre outras, às atividades de construção civil, obras públicas e compra e venda de imóveis, necessitando de recorrer à Banca para financiamento dessas atividades e/ou para realizar investimentos;
- Em 23-06-2026, a Autora celebrou com a Ré um contrato de concessão de crédito, no valor de 50.000 €, pelo prazo de 5 anos, o qual a Autora sempre cumpriu pontualmente;
- Em janeiro de 2018, a Autora, como promitente-compradora, celebrou um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico, pelo preço de 300.000 €, entregando 60.000 € de sinal, ficando previsto que a escritura pública seria realizada no prazo de um ano, ou seja, até janeiro de 2019;
- A Autora pretendia vir a efetuar a revenda desse prédio e assim obter um lucro não inferior a 140.000 €, contando com o recurso a financiamento bancário para pagar a parte do preço em falta;
- No início de janeiro de 2019, a Autora deu início ao processo de financiamento junto de duas instituições bancárias de que era cliente, tendo-lhe sido comunicado que não tido obtido aprovação nos termos solicitados, mas apenas com uma taxa de juro mais alta e sem financiamento a 100%;
- A Autora veio a apurar, após várias semanas, que isso se devia ao facto de, no seu Mapa de Responsabilidades emitido pelo Banco de Portugal, constar a menção “Renegociação por incumprimento”, na sequência da comunicação efetuada pela Ré, sem nenhum motivo válido, pois não tinha existido incumprimento do contrato de crédito celebrado em 21-06-2016 ou renegociação desse contrato;
- Com essa menção, a Ré colocou em causa o bom nome e idoneidade da Autora, o que foi causa direta do acesso negado ao crédito ou do acesso ao crédito em termos preços e condições inaceitáveis para esta última;
- O que a impossibilitou de cumprir o contrato promessa celebrado em 10-01-2018, o qual veio a ser resolvido, pelo promitente vendedor, a 21-02-2019, com a consequente perda pela Autora do sinal que havia entregue, no valor de 60.000,00 €, além da privação do lucro de 140.000,00 €.
A Ré apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que:
- O contrato de mútuo celebrado em 21-06-2016 foi uma forma de renegociação do incumprimento de contrato de abertura de crédito que havia sido celebrado em 17-05-2010, no valor de 50.000,00 €, pelo prazo renovável de seis meses, sendo, pois, verdadeira a menção constante do Banco de Portugal;
- Efetivamente, o valor de 50.000,00 €, disponibilizado ao abrigo deste contrato de abertura de crédito, mostrava-se, em 2016, integralmente utilizado pela Autora, sem que tivesse havido qualquer amortização, num período superior a seis meses;
- Após vários avisos ao sócio gerente da Autora, a Ré, por carta datada de 29-04-2016, denunciou esse contrato de abertura de crédito, com efeitos a 17-05-2016, data essa em que a Autora devia ter reembolsado o valor que utilizou ao abrigo desse contrato;
- Tendo a Autora manifestado não dispor daquele valor até ao referido dia (17-05-2016), a Ré propôs a restruturação da dívida mediante um contrato de mútuo que tivesse as mesmas condições do contrato de abertura de crédito, a celebrar impreterivelmente até àquela data, de modo a que a Autora, através do valor obtido naquele contrato, procedesse ao reembolso do montante em dívida;
- Porém, esse contrato de mútuo apenas veio a ser celebrado em 21 de junho de 2016, isto porque o sócio-gerente da Autora recusou que, pela sua filha e também sócia gerente da Autora, fosse prestado “aval”, como antes tinha acontecido;
- Celebrado o contrato de empréstimo, só então foi regularizada a “situação de incumprimento em que a autora incorreu entre 17 de Maio de 2016 e 21 de Junho do mesmo ano”, justificando-se, assim, a menção feita na comunicação à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, de “renegociação por incumprimento”;
- Tal menção destina-se apenas a dar publicidade, dentro do sistema bancário, de toda a situação creditícia dos respetivos clientes, não constituindo condição de recusa ou de aceitação de financiamento, mas, apenas, um critério de avaliação do risco de crédito a considerar pela instituição bancária contactada para conceder crédito.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador (tabelar) e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, no decurso da qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes.
Após, foi proferida a sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Nestes termos e com os fundamentos expostos, o tribunal julga totalmente improcedente a presente acção proposta por …, Lda contra o réu Banco BIC Português, SA, e, em consequência, decide:
a) absolver o réu Banco BIC Português, SA de todos os pedidos deduzidos pela autora “…, Lda.
Custas a cargo da autora - art.º 527.º do CPC.”
É com esta decisão que a Autora não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
a) A decisão do tribunal a quo concluiu que a conduta da Ré foi ilícita;
b) O tribunal a quo no entanto não condena a Ré pois diz que não existe dano, embora mais à frente diga que existe dano mas não existe nexo de causalidade entre o dano e a informação incorrecta prestada pela ré.
c) Não fala a douta sentença do elemento da culpa, sendo que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são cumulativos e havia que apura-los e espelha-los clara e inequivocamente na douta sentença.
d) Nem tão pouco fundamenta o tribunal a quo a decisão de, face ao apuramento da pratica do ato ilícito, não condenar a Ré.
e) Tal facto constitui uma nulidade insanável e deverá conduzir à nulidade, da douta sentença.
f) Quanto á tutela do direito de escusa no âmbito do sigilo profissional entende-se que o tribunal a quo, falhou, quer no esclarecimento das testemunhas face as duvidas sérias levantadas pelas mesmas, quer no seu dever de persecução da verdade material, violando o princípio da descoberta da verdade material que in casu se deferia ter entendido  que prevaleceria sobre o sigilo profissional das testemunhas, mormente considerando que a A, estava devidamente representada pela sua mandataria que estava munida de procuração com poderes especiais, além dos mais amplos por lei permitidos, para a representar em juízo.
g) Falhou ainda o Tribunal a quo, quando tomando a directriz que tomou relativamente à escusa invocada pelas restantes testemunhas não alertou a testemunha CF de que poderia socorre-se da mesma prerrogativa ou pelo menos alertar da falta da presença a legal representante da A. visto que considerou um impedimento ao levantamento do sigilo, violando o Principio da Igualdade de tratamento de todos os intervenientes.
h) Deveria ainda quanto ao tema acima exposto, escusa por sigilo profissional, ter-se pronunciado na douta sentença informando que a dita prerrogativa foi suscitada pelas testemunhas em causa, pronunciando-se sobre a legitimidade ou ilegitimidade da mesma.
i) A falta de pronuncia sobre questões de que o tribunal a quo deveria apreciar constitui igualmente causa de nulidade da sentença de que se recorre.
j) Bem assim será nula a sentença recorrida por violação das regras do processo civil, previstas nos n.1 al a) e d) do art 615, 417º do CPC e 135 nº2 do CPP, art 13º da CRP.
Terminou a Autora defendendo que seja por este Tribunal da Relação concedido provimento ao “presente recurso, revogando, na totalidade, a sentença recorrida, na parte que é objecto do recurso”.
Não foi apresentada alegação de resposta.
No despacho que admitiu o recurso, o Tribunal recorrido pronunciou-se ainda nos seguintes termos:
“Da arguição de nulidades da sentença:
A autora/recorrente invoca a nulidade da sentença por nos termos das alíneas a) e d), do nº1, do art. 615º, do Cód. de Proc. Civil:
- por a sentença ser omissa quanto ao facto de duas testemunhas terem pedido escusa no âmbito do sigilo profissional, não havendo pronúncia sobre esse pedido, sua legitimidade e deferimento;
- por falta de fundamentação quanto à matéria relativa ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Mencionando, a recorrente, a alínea a), do nº1, do art. 615º, do Cód. de Proc. Civil - que se reporta à falta de assinatura do juiz -, crê-se (pela leitura dos seus argumentos e constando da sentença a assinatura da senhora juiz), pretender antes referir-se à alínea b), segundo o que «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Por seu turno e de acordo com o disposto na alínea d), do nº1, do art. 615º, do Cód. De Proc. Civil, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Este fundamento de nulidade, geralmente designado por «omissão de pronúncia», ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre as questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal - “questões” - não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. do TRL de 08.05.2019, processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, in www.dgsi.pt.
Trata-se de vício da sentença que resulta da inobservância, pelo tribunal, do disposto no art. 608º, nº2, do Cód. de Proc. Civil, segundo o que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, a valoração ou não de determinado depoimento e o referido quanto a pedidos de escusa que hajam sido formulados não se integra nas questões colocadas pelas partes e a resolver pelo tribunal com relevância para a decisão da causa.
Assim como se não afere da invocada falta de fundamentação.
Com efeito, a prática judiciária denota uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina, pág. 793).
E, no caso, a sentença contém fundamentação de facto e de direito, com a qual, se discorre, a recorrente discorda. Porém, a discordância reporta-se à fundamentação que, efectivamente, consta da sentença (onde se pode ler, entre o mais, que «Não estando verificado o dano, nem o nexo de causalidade entre o facto e o suposto dano e uma vez que à autora incumbia demonstrar não só a atitude dolosa ou negligente do réu, mas, todos os pressupostos da responsabilidade civil que são cumulativos, fica logo afastada a hipótese de responsabilização desta»; concluindo-se pelo não preenchimento, desde logo, de um dos pressupostos, prejudicado se tomou o mais).
Posto o que não se afere omissão de pronúncia que haja sido feita ou a falta de fundamentação, em atenção ao disposto nos citados arts. 608º, e 615º, nº1, alíneas b) e d), do Cód. de Proc. Civil.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Se a sentença recorrida é nula, por não especificar os fundamentos que justificam a decisão de não condenar a Ré;
2.ª) Se a sentença é nula por ter omitido pronúncia sobre questões que devia apreciar atinentes à (i)legitimidade da escusa por sigilo profissional suscitada pelas testemunhas;
3.ª) Se os factos provados deviam ter sido apurados diferentemente, com respeito pelos princípios da descoberta da verdade material e da igualdade de tratamento das partes;
4.ª) Se estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, para além da existência de facto ilícito (afirmada na sentença), a culpa da Ré (que a Apelante diz ter sido omitida na sentença) e a existência de danos causados pela ilícita atuação da Ré (negados na sentença).
Factos provados
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma empresa que se dedica, entre outras atividades, à construção civil, obras públicas e compra e venda de imóveis.
2. No exercício da sua atividade, a Autora tem necessidade de recorrer à banca para financiamento dessa mesma atividade e/ou para realizar investimentos.
3. Em 17 de maio de 2010, a Autora celebrou com o Réu o acordo denominado “contrato de abertura de crédito”, constando do seu artigo primeiro que “O BPN concede e abre a favor da mutuária um crédito até ao montante de € 50.000,00” e do artigo segundo, “A abertura de crédito objecto deste contrato destina-se a reforçar o fundo de maneio da mutuária”.
4. Desse contrato, constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
“artigo terceiro:
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o prazo da abertura de crédito é de seis meses, a contar desta data.
2. O Contrato será prorrogado automaticamente por períodos sucessivos de seis meses, salvo se diferentemente vier a ser acordado entre as partes, ou qualquer delas o denunciar, por escrito, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias, relativamente ao termo do período que estiver em curso.
3. O BPN pode, a qualquer momento, limitar o montante máximo de crédito, previsto no artigo primeiro, às utilizações já efectuadas.
artigo quarto:
(Utilização de Fundos)
1. Os fundos objecto da presente abertura de crédito serão utilizados por uma ou mais vezes, em montantes que, no seu total e em cada momento, não poderão exceder o limite fixado no artigo primeiro.
2. Os fundos serão utilizados através de cheque entregue à mutuária ou por transferência bancária para conta que a mutuária indicar.
3. Os fundos deverão ser utilizados em parcelas de dois mil e quinhentos euros ou múltiplos desse valor.
4. A partir da data de celebração do presente contrato e sobre o capital não utilizado o BPN cobrará à mutuária uma comissão de imobilização de acordo com o preçário em vigor no BPN.
artigo quinto:
(Reembolso)
Serão integralmente pagos, no termo deste Contrato, todos os valores que se mostrarem em dívida ao BPN.
artigo sexto:
(Taxa de Juro)
1. Os valores utilizados vencem juros à taxa de referência EURlBOR a três meses, apurada através da média aritmética simples das cotações diárias das taxas Euribor de igual periodicidade à taxa Euribor atrás indicada que vigorarem no mês anterior à data de início de cada período de contagem de juros, arredondada à milésima (sendo o arredondamento feito por excesso quando a quarta casa decimal for igualou superior a cinco, e feito por defeito, quando a quarta casa decimal for inferior a cinco), acrescida de um "spread" de 5% (cinco pontos percentuais).
... artigo décimo segundo:
(Garantias do Cumprimento)
Os valores que se mostrarem em dívida ao BPN ficam caucionados pela livrança em branco, subscrita pela mutuária e avalizada por MS, MR e SS, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir pela mutuária perante o BPN, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de cinquenta mil euros, acrescido dos respectivos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato; juntamente com a livrança, a mutuária entrega ao BPN a correspondente autorização de preenchimento, assinada por si e pelos avalistas.
... Artigo décimo quarto
(Incumprimento)
1. Sem prejuízo de outros casos previstos na lei ou neste contrato, o BPN poderá resolver o presente contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita à mutuária, sempre que se verifique alguma das seguintes situações:
2. …”
5. O Réu, por diversas vezes, alertou a Autora para a inexistência de amortizações da quantia que estava a ser utilizada, ao abrigo do contrato de abertura de crédito.
6. Na procura de uma solução para a inexistência de amortizações dos valores utilizados pela Autora, no âmbito do contrato de abertura de crédito, o Réu propôs-lhe o termo desse contrato, mediante denúncia com efeitos na data em que operaria a sua renovação, ou seja, em  17 de maio de 2016, e a celebração de novo contrato de crédito, na mesma data, ou seja, 17 de maio de 2016, com as mesmas garantias, destinando-se o crédito a conceder ao abrigo neste segundo contrato à liquidação de todas as quantias devidas por força do primeiro contrato, proposta que então foi aceite pela Autora.
7. Aceite a proposta referida no ponto anterior, o Réu, tendo em vista o cumprimento da formalidade prevista do artigo terceiro do contrato de abertura de crédito, enviou à Autora, a carta datada de 29 de abril de 2016, para a morada “…”, com o seguinte teor:
Denúncia do Contrato
ASSUNTO: Contrato de Abertura de Crédito celebrado em 17 de Maio de 2010, no valor atual de € 50.000,00 (CINQUENTA MIL EUROS).
Denúncia do Contrato
Exmos Senhores
Com referência ao Contrato de Abertura de Crédito celebrado em 17 de Maio de 2010, entre o Banco BIC Português S,A, (anteriormente denominado BPN - Banco Português de Negócios, SA) e V, Exas. por via do qual o nosso Banco concedeu e abriu a favor de V. Exas. um crédito até ao montante atual de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), válido pelo prazo de seis meses, renovável automaticamente por sucessivos períodos de seis meses, salvo denúncia de qualquer das partes com a antecedência de quinze dias, vimos pela presente comunicar-lhe que, nos termos do nº2 do Artigo 3º, consideramos tal contrato denunciado, deixando o mesmo de produzir quaisquer efeitos a partir do próximo dia 17 de Maio de 2016.
Consequentemente, deverão V. Exas., até ao próximo dia 17 de Maio de 2016, proceder ao pagamento de todos os valores que se mostrarem em dívida ao Banco BlC Português S.A. (capital, juros e demais encargos), emergentes do referido contrato”.
8. De harmonia com a proposta referida no ponto 6, aceite pela Autora, a quantia utilizada por esta, no âmbito do contrato de abertura de crédito, devia ser liquidada, na íntegra, no dia 17 de maio de 2016, o que não sucedeu.
9. No dia 17 de maio de 2016, não foi celebrado o contrato de mútuo, entre Autora e Réu, por MS rejeitar que a sua filha, SS, assinasse uma livrança, na qualidade de avalista, como garantia do pagamento dos valores devidos por força daquele contrato.
10. A Autora celebrou, em 21-06-2016, com o Réu, na agência deste, sita no Cartaxo, o “contrato de mútuo”, identificado com o n.º …, pelo prazo de cinco anos, com termo em junho de 2021, constando do artigo primeiro desse contrato que “O BANCO BIC concede à MUTUÁRIA um empréstimo no montante de € 50.000,00 (Cinquenta Mil Euros)” e do artigo segundo que “O empréstimo destina-se a liquidação de responsabilidades no Banco BIC”.
11. O artigo décimo segundo deste contrato de mútuo, celebrado em 21 de junho de 2016, com a epígrafe “Garantias do Cumprimento”, tem o seguinte teor:
“Os valores que se mostrarem em dívida ao BANCO BIC ficam caucionados pela livrança em branco, subscrita pela MUTUÁRIA e avalizada por MS, MR e SS, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir pela MUTUÁRIA perante o BANCO BIC, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), acrescido dos respetivos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato; juntamente com a livrança, a MUTUÁRIA entrega ao BANCO BIC a correspondente autorização de preenchimento, assinada por si e pelos avalistas”.
12. Este contrato de mútuo celebrado em 21-06-2016, destinava-se a permitir, à Autora, proceder ao reembolso do capital utilizado, até 17 de maio de 2016, no âmbito do contrato de abertura de crédito, e não amortizado, bem como as demais quantias em dívida referentes ao mesmo contrato.
13. No Banco de Portugal, na Central de Responsabilidades de Crédito referentes a responsabilidades de crédito relativas a 30 de Setembro de 2018”, consta a menção, na “informação comunicada pela instituição: Banco BIC Português, SA”:
“produto financeiro: financiamento à actividade empresarial”;
“tipo de negociação: renegociação por incumprimento
“Valor: €50.000,00”
“início: 2016/6/21”
“fim: “2021/06/21”
“Em litígio: não”
“Entrada em incumprimento: não aplicável”
“total em dívida: €22.990,00
Prestação: €780,09”.
14. A menção referida no ponto anterior permaneceu no Banco de Portugal - Central de Responsabilidades de Crédito, por referência a “responsabilidades de crédito relativas a 31 de Outubro de 2018”, “responsabilidades de crédito relativas a 30 de Novembro de 2018”, “responsabilidades de crédito relativas a 31 de Dezembro de 2018” eresponsabilidades de crédito relativas a 31 de Janeiro de 2019”.
15. A informação ao Banco de Portugal, por referência ao contrato de mútuo celebrado em 21-06-2016, de renegociação por incumprimento, foi motivada por o Réu ter considerado existir incumprimento, por parte da Autora, do contrato de abertura de crédito, celebrado em 17 de maio de 2010, com o não pagamento, entre 17 de maio de 2016 e 21 de junho de 2016, das quantias devidas, em 17 de maio de 2016, na sequência da não renovação desse contrato, nessa data.
16. Em 10 de janeiro de 2018, a Autora, na qualidade de promitente compradora, celebrou com VG, na qualidade de promitente vendedor, o “contrato promessa de compra e venda”, constando das cláusulas 1.ª e 2.ª desse contrato que “A parte vendedora é legítima dona e proprietária do prédio rústico denominado/sito em …, freguesia Aveiras de Cima, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo … da Secção …” e que “promete vender, livre de quaisquer ónus encargos ou outras responsabilidades, à parte compradora, que promete comprar, os imóveis supra identificados, pelo preço de €300.000,00 (trezentos mil euros)”.
17. Consta das cláusulas 3.ª e 4.ª desse “contrato promessa de compra e venda” que:
“Cláusula 31:
O preço global acordado será pago da seguinte forma e tempo:
1. Na presente data, a parte compradora entrega o bem: máquina Buldozer, marca …, … turbo equipada com Riper e Buldozer tipo … Chassi – …, à qual atribuem o valor de €60.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento.
2. Na data da realização da escritura de compra e venda será paga pela parte compradora (...) a quantia remanescente”.
“Cláusula 41:
A marcação da escritura de compra e venda fica a cargo da parte compradora, ficando desde já acordado que a mesma terá lugar no prazo máximo de um ano (365 dias), até final de Janeiro de 2019, com prorrogação máxima de 15 dias”.
18. A Autora visava proceder à revenda do referido prédio rústico sito em …, freguesia Aveiras de Cima, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo … da Secção ….
19. Para pagar o remanescente do preço fixado no contrato promessa, a Autora perspetivava obter crédito, com o recurso à banca.
20. No início de janeiro de 2019, a Autora já era cliente do Banco Santander Totta e da Caixa Económica Montepio Geral.
21. Da informação emitida pelo Banco de Portugal – Central de Responsabilidades de Crédito, consta que sobre a Autora, em 31 de janeiro de 2019, recaiam as seguintes “responsabilidades de crédito”:

Resumo das Responsabilidades de Crédito relativas a 31 de janeiro de 2019
Tipo de responsabilidade: devedor
Montante em dívida
Total Em incump Montante potencial Nº Produtos
Avales e garantias bancárias prestadas a favor de outras
Utras
0,00,032.397,85€
4
Cartão de crédito0,00,06.963,60
3
Crédito renovável - conta corrente bancária50.000,00€0,00,0
1
Financiamento à actividade empresarial91.655,99€0,00,0
8
Locação
financeira
mobiliária
3.590,29€0,00,0
1
145.246,28€
Nº de instituições que comunicaram informação:      6
Nº de instituições que comunicaram incumprimento: 0

22. A Autora, no dia 21-05-2017, entregou ao Réu, a quantia de 10.000,00 €, para amortização do capital, no contrato de mútuo, celebrado em 21 de junho de 2016.
23. A Autora, no dia 23-02-2019, liquidou todo o valor em dívida por referência ao contrato de crédito, celebrado em 21-06-2016, com o Réu, tendo aquela o propósito de eliminar, do Banco de Portugal, a menção "Renegociação por incumprimento".
24. VG notificou a Autora, em 21-02-2019, de que considerava o contrato-promessa definitivamente resolvido, fazendo seu o sinal entregue, o que sucedeu.
25. A comunicação ao Banco de Portugal da identificação do tipo de negociação e da situação de cada contrato, destina-se a dar publicidade, dentro do sistema bancário, de toda a situação creditícia dos clientes.
Das nulidades da sentença
Na sentença recorrida teceram-se designadamente as seguintes considerações (omitimos algumas passagens que são citações; acrescentámos o sublinhado):
«(…) Nas ações em que se pretende efectivar um direito indemnizatório com base na responsabilidade civil extracontratual, a causa de pedir assume natureza complexa, sendo constituída pelo conjunto de factos exigidos pela lei para que surja o direito à indemnização e a correlativa obrigação de indemnizar (cf. Vaz Serra, Revista de Legislação Jurisprudência, anos 103 e 105, pp. 611 e 519, respetivamente) ou o “facto constitutivo da responsabilidade” (cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, 4.ª ed., p. 613).
A responsabilidade civil consiste na obrigação em que fica constituída uma pessoa (o lesante), de indemnizar os danos causados a outrem (o lesado), verificados que sejam os seus elementos constitutivos, pelo que passamos à sua análise.
Preceitua o art.º 483.º do Código Civil que «(…)»
Da leitura deste preceito legal, pedra basilar nesta matéria, se inferem os pressupostos que condicionam a responsabilidade (subjetiva) por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Dispõe o art.º 484º do Código Civil que “(…)”.
Interpretando o art.º 484º do Código Civil, Capelo de Sousa, em “Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 596 e segs., explica que, por crédito pode entender-se o prestígio da pessoa, ... gerador de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade ... ao passo que o bom-nome ou reputação abrangerá tudo o que se refere ao prestígio da própria pessoa ... no plano da lisura e do relevo da sua conduta social”.
Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, 2ª edição revista e anotada, vol. I, anot. ao art.º 484º, pág. 421, fazem corresponder ao prejuízo do crédito a diminuição da confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações, e ao prejuízo do bom nome a ofensa do prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida.
Recai sobre a autora a prova de todos os factos constitutivos do seu (pretenso) direito, de acordo com o princípio geral do ónus da prova previsto no art.º 342º, n.º 1, do CC.
A Central de Responsabilidades de Crédito, com o enquadramento legal fixado no Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro, constitui, no essencial, uma base de dados criada com o objectivo de apoiar as instituições financeiras na avaliação do risco na concessão de crédito, permitindo-lhes consultar informação agregada sobre o endividamento de quem lhes peça a concessão de crédito.
A informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação, por sua iniciativa ou a solicitação aos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões – cfr. artigos 1º, nº 1, alíneas a), b) e nº 2, e 2º, nºs 1 e 4, ambos do Decreto-lei nº 204/2008, de 14 de outubro.
Incorre em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, a instituição de crédito que comunica uma informação incorreta à Central de Responsabilidades de Crédito.
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19/5/2011 (proferido no Proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt) que o facto de os Bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respetiva situação devidamente codificada não lhes retira a responsabilidade pelas comunicações efectuadas. Mesmo o automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 3º do Decreto-Lei 204/2008, “As entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, nos termos da regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, referidos no número seguinte, e, quando requeridos pelo Banco de Portugal, todos os elementos de informação relativos a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido no estrangeiro pelas suas sucursais no exterior”.
Consta da Instrução nº 21/2008 [Regulamento da Central de Responsabilidades de Crédito] que “As entidades participantes são obrigadas a comunicar ao Banco de Portugal a informação relativa a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou colectivas, residentes ou não residentes em território nacional, competindo ao Banco de Portugal efectuar a centralização e divulgação dessa informação”.
Consta do ponto 2 que “Para efeitos do presente regulamento, considera-se:
2.3. Devedor: Pessoa singular ou colectiva interveniente numa operação de crédito, que assumiu perante as entidades participantes pelos menos um dos seguintes tipos de responsabilidades:
a) Responsabilidades de crédito efectivas, isto é, em que ocorreu a utilização dos montantes contratados.
b) Responsabilidades de crédito potenciais, isto é, em que ainda não ocorreu a utilização dos montantes contratados e que representem compromissos irrevogáveis por parte da entidade participante.
c) Responsabilidades por garantias prestadas.
d) Responsabilidades por garantias recebidas”.
O âmbito do dever de comunicação está definido no ponto 3: “(…)”.
A Instrução n.º 21/2008, publicada no BO n.º 1, de 15-01-2009, foi revogada pela Instrução n.º 17/2018 que dispõe, no ponto 3.2 Operações abrangidas: “(…)”.
Voltando aos presentes autos, da factualidade provada resulta que nas “responsabilidades de crédito relativas a 30 de Setembro de 2018”, da autora, divulgadas pelo Banco de Portugal - Central de Responsabilidades de Crédito consta a menção, na “informação comunicada pela instituição: Banco BIC Português, SA”: [segue-se a reprodução do que consta do ponto 13] (…)
Esta comunicação, pelo réu, ao Banco de Portugal, assentou nos seguintes pressupostos: [segue-se fundamentalmente a reprodução do que resulta dos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 12] (…)
A abertura de crédito constitui o contrato pelo qual o banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária – uma “linha de crédito” – por tempo determinado ou não e ficando o segundo obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. Este negócio pode revestir a modalidade de conta corrente designadamente quando o crédito disponibilizado possa ser mobilizável em tranches.
O contrato é fonte, para o cliente, do seu vínculo ao pagamento do dinheiro creditado, como dos demais acréscimos, em conformidade com as cláusulas concretamente convencionadas entre as partes.
Estipularam as partes que o prazo da abertura de crédito de seis meses “(…)”.
Ensina PEDRO ROMANO MARTINEZ, em “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, página 61, que “em sentido técnico a denúncia corresponde ao meio de livre desvinculação em relações contratuais constituídas por tempo indeterminado. Para evitar que as partes fiquem vinculadas ao cumprimento de um contrato por um período indefinido, permite-se que uma parte o faça cessar; não estando o vínculo sujeito a um prazo de vigência, faculta-se a qualquer das partes a possibilidade de se desvincular, denunciando o contrato. Neste caso, a denúncia constitui o meio específico de fazer cessar um contrato de duração indeterminada”.
No artigo quinto desse contrato, foi estipulado que “Serão integralmente pagos, no termo deste Contrato, todos os valores que se mostrarem em dívida ao BPN”.
Assim, cessado o contrato, cessa o vínculo de o banco conceder crédito, ao mutuário. Por sua vez, o mutuário perde o poder de usufruir do crédito e passa imediatamente a onerá-lo o vínculo de restituição do saldo que ainda deva ao mutuante. Significa que a obrigação do mutuário de devolver o crédito concedido, nos exactos termos ajustados, decorre do contrato. Por força da denúncia, não há desoneração do mutuário de proceder ao reembolso do banco do saldo que ainda deva, bem como das demais quantias estipuladas no quadro negocial, dispondo, para o efeito, do prazo de quinze dias, ou seja, a antecedência prevista para a faculdade de denúncia.
Em suma, o pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo quinto do contrato, constituem, ainda, obrigação decorrente do contrato.
Face à factualidade provada, dúvidas não subsistem que o contrato de mútuo de 21/6/2016 resultou da renegociação. A questão consiste em saber se se trata de renegociação por incumprimento ou renegociação regular.
Na renegociação por incumprimento, as condições contratuais da operação de crédito foram alteradas em resultado do incumprimento com o plano de pagamentos acordado com a entidade devedora.
Na renegociação regular, as condições contratuais da operação de crédito foram alteradas por outro motivo que não tenha sido o incumprimento com o plano de pagamentos acordado com a entidade devedora.
O contrato de mútuo que veio a ser assinado em 21 de Junho de 2016, não foi motivado pelo incumprimento do plano de pagamentos vigente no contrato de abertura de crédito porquanto, na data da negociação daquele contrato, não se verificava uma situação de incumprimento. O contrato de mútuo surgiu da renegociação do contrato de abertura de crédito, associada à situação de não amortização das quantias utilizadas pela autora, no âmbito desse contrato. No momento da negociação, não se verificava qualquer situação que consubstanciasse incumprimento do contrato de abertura de credito. Não foi apurado se a não amortização da quantia utilizada foi motivada por dificuldades financeiras da autora ou por causa diversa.
Assim, entende este tribunal que a situação se enquadra na renegociação regular, pelo que não se mostra correcta a informação comunicada ao Banco de Portugal.
Verifica-se, assim, o pressuposto do facto ilícito.
Todavia, a autora não logrou demonstrar que desse facto resultaram prejuízos para si.
Não resulta dos factos provados a verificação de qualquer dano para a autora, nem o nexo de causalidade entre a informação incorrecta prestada pelo réu ao Banco de Portugal e a não celebração do contrato definitivo de compra e venda e, bem, assim, não resulta dos factos provados que essa informação tenha sido “causa directa de acesso negado ao crédito ou de acesso ao crédito”.
Não estando verificado o dano, nem o nexo de causalidade entre o facto e o suposto dano e uma vez que à autora incumbia demonstrar não só a atitude dolosa ou negligente do réu, mas, todos os pressupostos da responsabilidade civil que são cumulativos, fica logo afastada a hipótese de responsabilização desta.
Invoca a autora que em face da conduta do réu, viu-se privada do lucro de €140.000,00 que perspectivava obter com o negócio de revenda do imóvel objecto do contrato promessa.
A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro.
Quando se fala de “Perda de Chance” a ideia que está subjacente é a da possibilidade de indemnizar um dano intermédio e independente do dano final que se caracteriza pela probabilidade real, séria e considerável de obtenção de uma vantagem ou de evitamento de um prejuízo, cujo nexo de causalidade entre o facto e o dano final não fique demonstrado, mas sim a causalidade entre o facto e dano intermédio, o chamado dano da “Perda de Chance”.
Sobre a “perda de chance”, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido pelo em 15/11/2018, no âmbito do processo nº 296/16.6T8GRD.C1.S2 (acessível em www.dgsi.pt): (…) [faz-se a citação dos pontos I, II e III do respetivo sumário]
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, de 05-02-2013, no Acórdão proferido no Proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt): “(…)” [trata-se da citação dos pontos IX, X e XI do respetivo sumário]
Considerando a factualidade alegada - ou a omissão de matéria de facto - e demonstrada, também, nesta parte, a pretensão da autora soçobrará.
Improcede, portanto, a presente acção.»
A Apelante defende que a sentença é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas a) e d), do CPC, alegando, em síntese, que:
- há falta de fundamentação quanto à matéria relativa ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, mormente a culpa, o que constitui causa de nulidade nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 615.º do CPC;
- na sentença foi omitida pronúncia quanto ao pedido de escusa, por motivo do sigilo profissional, feito pelas testemunhas DA e DC, o que constitui causa de nulidade nos termos do art. 615.º n.º 1, al. d), do CPC.
Apreciando.
Pese embora a Apelante invoque a alínea a) do n.º 1 do art. 615.º do CPC (nos termos do qual é nula a sentença quando não contenha a assinatura do juiz), é evidente que se pretendia referir à alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, que estabelece ser nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Trata-se de preceito legal cuja razão de ser se prende com o dever de fundamentar as decisões consagrado designadamente no art. 205.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual “(A)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E também no art. 154.º do CPC, que preceitua:
“1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Tem sido tradicionalmente defendido na jurisprudência que a nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC pressupõe a falta absoluta de fundamentação, não se bastando com a fundamentação escassa ou insuficiente. Neste sentido veja-se o acórdão do STJ de 03-03-2021, proferido no proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, como resulta do sumário com o seguinte teor:
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.”
No entanto, a jurisprudência, incluindo do STJ, e a doutrina mais recentes têm vindo a reconhecer que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente ao ponto de não possibilitar às partes a compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. A título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no processo n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do ponto 1. do respetivo sumário: “À falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”.
Atentando na fundamentação da sentença recorrida, que, no essencial, acima ficou reproduzida, parece-nos evidente que da mesma constam suficientemente especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de improcedência da ação.
Em particular, constatamos que da fundamentação de direito consta, expressa e implicitamente afirmado, o entendimento do Tribunal recorrido quanto à imputação à Ré da prática de um facto voluntário, ilícito e culposo, bem como diversas considerações no sentido da falta de demonstração de factos atinentes aos demais pressupostos da responsabilidade civil, isto é, o dano e o nexo de causalidade adequada entre tal facto e os (invocados) danos. Isso resulta claramente, além do mais, do parágrafo com o seguinte teor: “Não estando verificado o dano, nem o nexo de causalidade entre o facto e o suposto dano e uma vez que à autora incumbia demonstrar não só a atitude dolosa ou negligente do réu, mas, todos os pressupostos da responsabilidade civil que são cumulativos, fica logo afastada a hipótese de responsabilização desta.”
Assim, nenhuma razão assiste à Autora-Apelante quando defende que na sentença falta a fundamentação “quanto à matéria relativa ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”, pela que não se verifica a causa de nulidade em apreço.
Vejamos agora se procedem as demais conclusões atinentes à nulidade da sentença, designadamente se a sentença é nula por ser omissa quanto ao facto de as testemunhas DA e DC terem pedido escusa no âmbito do sigilo profissional, não havendo pronúncia sobre esse pedido, sua legitimidade e deferimento.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
De salientar ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que aludem os citados normativos legais, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, o acórdão do STJ de 10-01-2012, proferido no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, e o acórdão do STJ de 10-12-2020, proferido no proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, como se alcança do sumário deste último, com o seguinte teor: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”.
Na doutrina, sobre esta temática, destacamos, pela sua clareza, a explicação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 737: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608)”. Ensinam ainda estes autores, na anotação ao art. 608.º, págs. 712-713, que, na sentença, o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
Ora, no presente processo, na sentença apreciou-se o pedido (principal) indemnizatório formulado pela Autora e a respetiva causa de pedir (ficando prejudicada a apreciação do pedido acessório de juros), não indicando a Apelante nenhuma verdadeira “questão” sobre a qual tivesse sido omitida pronúncia.
É certo que na sentença não foi feita qualquer referência a um pedido de escusa por parte destas testemunhas, cujos depoimentos são apenas mencionados na motivação da decisão de facto, aí se referindo designadamente que a testemunha DA é bancária, exercendo as suas funções, desde 2017, na agência da Azambuja do Banco Santander, e que a testemunha DC é empregada bancária e exerce funções para o Montepio, na agência de Almeirim, acrescentando-se, além do mais, que “(A)ssumiu diminuta importância o depoimento prestado pelas testemunhas DA e DC porquanto, os respectivos depoimentos não incidiram sobre a situação da autora, mas sobre os procedimentos que são observados nas instituições bancárias onde exercem funções e em termos abstractos. Nada transmitiram ao tribunal sobre a capacidade financeira da autora, sobre eventual pedido de crédito de €200.000/€240.000,00 ou de quantia diversa entre a data da celebração do contrato promessa e a data no mesmo prevista como limite para a escritura de compra e venda.”
Porém, é óbvio, ante o disposto no art. 417.º do CPC conjugado com o art. 135.º do Código de Processo Penal, que um (suposto) incidente de dispensa do sigilo profissional invocado pelas testemunhas não se trata de questão que deva ser apreciada na sentença, antes devendo ser oportunamente suscitada e decidida em momento anterior ao do encerramento da audiência de julgamento. A título de exemplo sobre a forma como se processa um tal incidente, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 24-11-2020, proferido no proc. n.º 881/17.9T8FNC-A.L1-1, disponível em www.dgsi.pt.
Sempre se dirá que, no caso dos autos, nada indica, antes pelo contrário, que uma tal situação tenha ocorrido, pois consta da ata da audiência que as aludidas testemunhas prestaram o seu depoimento, o que significa que não se escusaram a depor pelo motivo indicado. Lembramos que a ata da audiência é um documento autêntico, podendo a veracidade do aí exarado ser posta em causa, suscitando-se a sua falsidade ideológica ou material, em incidente de falsidade, nos termos conjugados dos artigos 372.º do CC e 451.º do CPC, o que não aconteceu nos presentes autos, pelo que temos de nos ater ao que ali consta.
Questão diferente é a de saber se porventura os depoimentos das testemunhas foram (ou não) prestados com violação do segredo profissional, com a consequente nulidade da prova assim produzida e se isso é passível de influir na decisão da matéria de facto. Porém, essa problemática não configura uma causa de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), antes releva no âmbito da impugnação decisão da matéria de facto.
Pelo exposto, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à arguição de nulidades da sentença.
Dos danos causados pela atuação (ilícita) culposa da Ré
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na sua alegação de recurso (mais precisamente no ponto II da motivação, intitulado II “Da matéria de facto dada como não provada e da qual se discorda”), a Apelante defende estar errada a decisão recorrida quando considerou como não provados os factos vertidos nos pontos k. l. e m., com o seguinte teor:
k. Por causa da menção de “renegociação por incumprimento”, no mapa das responsabilidades de crédito que consta do Banco de Portugal, a Autora tenha perdido a oportunidade de negócio para aquisição do prédio nos termos do contrato promessa e a expectativa de lucro, com a revenda do prédio e que o valor de mercado desse imóvel fosse de 440.000,00 €;
l. Por causa da menção de “renegociação por incumprimento”, no mapa das responsabilidades de crédito que consta do Banco de Portugal, a Autora tenha incumprido o contrato promessa de compra e venda, celebrado a 10-01-2018 e perdido o sinal entregue;
m. Com a frustração do negócio celebrado, a Autora tenha sido privada da expectativa de um lucro de 140.000,00 €.
Importa que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. E mais recentemente no AUJ do STJ de 17-10-2023, proferido no proc. n.º 8349/17.6T8STB.EI-A.S1, em que se decidiu uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, em cuja síntese final se afirmou designadamente que:
“(…) decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.”
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva. Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, proferido no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário:
“I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC;
E
Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.
III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.”
Também neste sentido destacamos o acórdão do STJ de 30-11-2023, proferido no proc. n.º 23356/17.1T8SNT.L2.S1, aí se afirmando precisamente que:
«O STJ vem reiteradamente afirmando (ver por todos o acórdão de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt), – que o regime do art. 640º consagra:
- um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto;
- um ónus secundário que se traduz na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.
De acordo com esta delimitação tem-se entendido que, não sendo consentida a  formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte,  gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do  tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175.
(…) Ora, como se diz no Acórdão do STJ de 07.09.2020, P. 2180/16.4T8CBR.C1.S1, “os concretos pontos de facto que se querem impugnar são de inscrição obrigatória nas conclusões do recurso de apelação.”
No mesmo sentido decidiu o recente Acórdão do STJ de 16.11.2023, P. 31206/15 (António Barateiro Martins): “Deve ser rejeitada a impugnação de facto quando, nas conclusões, o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, bem como os Acórdãos de 27.04.2023, P. 4696/15 (João Cura Mariano), e de 19.01.2023, P. 3160/16 (Nuno Pinto Oliveira), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
A circunstância de as conclusões do recurso de apelação não fazerem referência aos concretos pontos de facto que a Recorrente julgou incorrectamente julgados afecta a inteligibilidade do objecto do recurso, dificultando o exercício do contraditório pela parte contrária e a tarefa do julgador.»
Ainda a este respeito, destaca-se, na doutrina, a explicação de Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, págs. 165-166, pela sua síntese do sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
a) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
b) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
c) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
d) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
e) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente.”
Atentando nas conclusões da alegação de recurso, é manifesto que a Apelante não cuidou de aí especificar quais os concretos pontos de facto impugnados, pelo que não pode deixar de ser rejeitada a impugnação da decisão da matéria de facto, o que se decide.
Dos pressupostos da responsabilidade civil
Tendo em atenção os factos que foram considerados provados na sentença, importa, por último, analisar se, como defende a Apelante, a sentença enferma de erros de julgamento, existindo uma contradição entre os fundamentos da sentença, na medida em que se deu como provado o que consta dos pontos 24 e 25 (ou seja, que o promitente vendedor notificou a Autora, em 21-02-2019, de que considerava o contrato-promessa definitivamente resolvido, fazendo seu o sinal entregue; e que a comunicação ao Banco de Portugal se destina a dar publicidade, dentro do sistema bancário, de toda a situação creditícia dos clientes) e se considerou verificada a prática de facto ilícito pela Ré, mas acabou por não se reconhecer o dano causado com a perda de sinal no valor de 60.000,00 € e não condenar a Ré a indemnizar a Autora nesse montante; no entender da Apelante, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, pois existe o ilícito (falsa informação prestada), existe o dano (perda direta do sinal e perda legítima da expectativa de lucro cessante), existe a culpa (o agente agiu com dolo ao ter conhecimento de que constava no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal do cliente uma menção que não era verdadeira e, ainda que este lhe pedisse, nada fez) e existe o nexo de causalidade entre o dano e facto ilícito.
Vejamos.
Embora a Autora e a Ré tenham celebrado, em 17 de maio de 2010, um “contrato de abertura de crédito” e, mais tarde, em 21-06-2016, um “contrato de mútuo”, destinando-se este último à “liquidação de responsabilidades no Banco BIC”, mais precisamente à liquidação de todas as quantias devidas por força do primeiro contrato (o qual veio a ser denunciado), a presente ação não se funda na responsabilidade civil contratual, isto é, no incumprimento (em sentido amplo) da prestação principal devida nesses contrato ou mesmo dos respetivos deveres acessórios. Na verdade, o que a Autora invoca é a responsabilidade civil delitual, pela violação de deveres de comunicação ao Banco de Portugal.
Assim, como entendeu o Tribunal recorrido, há que convocar o princípio geral que vigora no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, consagrado no n.º 1 do art. 483.º do CC, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Portanto, para que alguém incorra em responsabilidade civil extracontratual, suportando a respetiva obrigação de indemnizar, é necessário que estejam verificados os seguintes pressupostos:
a) o facto voluntário do agente, conduta humana (que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão) dominada ou dominável pela vontade;
b) a ilicitude desse facto, que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjetivo) ou de violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante, ou culpa do agente, em sentido amplo, que se traduz num juízo de censura ou reprovação da sua conduta, e que pode revestir a forma de dolo ou de negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
No quadro da responsabilidade civil por factos ilícitos, aquele que intenta uma ação de indemnização nela fundada tem de demonstrar que estão verificados todos os pressupostos acima referidos (podendo valer-se de presunções legais de culpa) para que o Tribunal possa concluir pela titularidade do direito à indemnização, constituindo tais pressupostos factos constitutivos do direito que o lesado se arroga (art. 342.º, n.º 1, do CC).
Na sentença recorrida considerou-se, expressa e implicitamente, que estavam verificados os três primeiros pressupostos. A Apelante sustenta que também estão verificados os demais pressupostos, isto é, que teve danos e que há nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo imputado à Ré e tais danos.
É sabido que a responsabilidade civil não dispensa o pressuposto da existência de dano, sem o qual não haverá obrigação de indemnizar, sendo aplicáveis neste âmbito as disposições dos artigos 562.º e ss. do CC. Sendo indispensável que dos factos provados resulte a existência de um dano efetivo, não há dúvida que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – cf. art. 564.º do CC. Tais “benefícios” ou vantagens patrimoniais até podem ser danos futuros, desde que previsíveis (cf. art. 564.º, n.º 2, do CC).
No caso dos autos, quanto aos alegados danos, não podemos acompanhar inteiramente as considerações feitas na sentença recorrida.
Efetivamente, ficou provado que, em consequência da resolução do contrato promessa pelo promitente vendedor, este fez seu o sinal entregue, ou seja, uma máquina à qual os outorgantes nesse contrato tinham atribuído o valor de 60.000 €. Ainda que não esteja provado se esse era o valor real de mercado da máquina, a perda da mesma não deixará de constituir um prejuízo indemnizável, contanto se possa considerar que aquela resolução se deveu ao facto de a Autora não poder cumprir o contrato promessa por lhe ter sido recusado o financiamento bancário de que necessitava para pagar a parte do preço em falta.
Já quanto aos alegados lucros cessantes de 140.000 €, entendemos ser insuficiente a factualidade provada para que se possam ter como verificados tais danos. Com efeito, apenas se provou que a Autora visava proceder à revenda do referido prédio rústico que havia prometido comprar. No entanto, se essa revenda poderia vir a ser efetuada com uma “mais valia” (o que implicaria um valor de revenda superior ao da compra) é algo que não está minimamente demonstrado. Aliás, foi considerado não provado o que (de forma algo conclusiva) havia sido alegado pela Autora a esse respeito, designadamente que: a. Com a revenda do referido prédio rústico sito em …, freguesia de Aveiras de Cima, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo … da Secção …, a Autora visasse obter um lucro nunca inferior a 140.000,00 €; m. Com a frustração do negócio celebrado, a Autora tenha sido privada da expectativa de um lucro de 140.000,00 €. Logo, tal como parece ter sido perspetivado pelo Tribunal recorrido, a Autora apenas poderá ter “perdido a chance” de revender o prédio com um (eventual) ganho/mais valia.
Mas a “primordial” perda de chance a apreciar reporta-se obviamente à probabilidade de a Autora aceder ao financiamento bancário que perspetivava.
Ora, a figura da perda de chance, pela sua relativa novidade e tratamento, quer na doutrina, quer na jurisprudência, encontra-se numa espécie de “cruzamento”, entre o que são os danos e a relação de causalidade.
Sobre esta problemática, começamos por destacar a explicação sintética que consta da seguinte passagem do sumário do acórdão do STJ de 11-01-2017, proferido no proc. n.º 540/13.1T2AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“I - No nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e, em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória.
II - A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.
III - A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.”
Numa situação mais próxima da que nos ocupa, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2019, proferido no proc. n.º 1594/17.7T8VCT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo ora 1.º Desembargador-Adjunto:
«1- A participação de um facto, não verídico, à Central de Responsabilidades de Crédito junto do Banco de Portugal, constitui uma ofensa ao crédito e bom nome dos visados.
2- Incorre em responsabilidade civil por factos ilícitos a entidade financeira que efectuou uma comunicação de responsabilidades ao Banco de Portugal, indicando cada um dos dois créditos dos AA. como “vencido em litígio judicial”, quando devia ter efectuado a indicação de cada um deles como “renegociado”.
3- Só se pode afirmar a existência de danos patrimoniais causados por essa comunicação incorrecta na medida em que daí decorra a efectiva perda da oportunidade de obtenção do crédito visado pelos AA., sendo essa perda de oportunidade causadora de um dano, quer na vertente de despesas acrescidas pela não aquisição do bem a que se destinava o crédito visado, quer na vertente de ganhos ou vantagens que ficaram por receber em razão da não aquisição desse bem.»
Assim, há que prosseguir a nossa análise, lembrando que está consagrada no nosso ordenamento jurídico a doutrina da causalidade adequada: “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (art. 563.º do CC). Ou seja, “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar (Galvão Telles, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 578).
Quanto ao dano dito de “perda de chance”, figura amplamente tratada pela jurisprudência e doutrina, com destaque para o artigo de Patrícia Cordeiro da Costa “A perda de chance – dez anos depois”, publicado na Revista Julgar, n.º 42, 2020, Almedina, págs. 151-190, em que a autora termina, afirmando designadamente que (sublinhado nosso): “Já em data anterior havíamos afirmado nada obstar, a nosso ver, à consideração da perda da chance como um dano autónomo, verificadas que estejam determinadas condições. Volvidos estes anos, (…) continuamos a ver na doutrina de perda de chance uma solução, normativamente fundada e adequada à resolução das questões que convocam a sua aplicação.
A oportunidade perdida merece a tutela do Direito porque, à data da lesão, integra o património jurídico do lesado (património económico e património moral), sendo suscetível de avaliação económica e jurídica. Nessa medida, a perda de chance é indemnizável por consubstanciar a lesão da integridade daquele património – património entendido como uma soma de todos os valores juridicamente protegidos. Continuando a citar Rute Teixeira Pedro, a ressarcibilidade existe na medida em que a lesão dos interesses ligados ao dano corresponda à violação de uma norma ou de um vínculo contratual pré-constituído que conceda proteção (direta) àqueles interesses. A chance perdida não deixa de ser um valor conexo a um outro bem do lesado, pelo que a norma que tutela este último deve ser estendida para tutela daquela.
A chance não é, assim, apenas uma mera expetativa de facto, antes constitui uma das manifestações do outro bem jurídico com que está conexa. A norma tuteladora deste é, por sua vez, tuteladora daquela”.
Lembramos ainda o citado artigo de Rute Teixeira Pedro, “Reflexões sobre a Noção de Perda de Chance à Luz da Jurisprudência”, publicado no e-book CEJ “NOVOS OLHARES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL”, edição atualizada em setembro de 2019, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ReponsCivil_2018.pdf, em que a autora encerra com as seguintes observações conclusivas: “Como vimos, a noção da perda de chance apareceu, como uma criação pretoriana, para dar resposta a um dos problemas que resultam da presença da álea na realidade que o direito é chamado a conformar. Na verdade, esta noção surgiu, no âmbito da responsabilidade civil, por causa da dificuldade (impossibilidade) verificada na afirmação do nexo de causalidade entre um determinado ato que se equaciona ser fundante da responsabilidade do seu autor e a frustração da concretização, em detrimento da pessoa que se apresenta como lesado, de um determinado resultado futuro. Por este ser de consecução incerta, não obstante a probabilidade de aquele ato ter sido a causa real da perda deste resultado, não se consegue afirmar que, sem aquele ato, o resultado se teria efetivamente produzido. A multiplicidade de fatores intervenientes no encadeamento causal, em que o ato de terceiro frustrador das chances se inclui, explicam a dificuldade sentida ao nível do requisito da causalidade.
Perante o défice de protecção detetado, equaciona-se a possibilidade de a tutela reparatória da entidade intermédia que, naquelas posições, se pode individualizar: a possibilidade de alcançar o resultado final. Emerge, assim, a noção da perda de chance que, visando a resolução do problema diagnosticado, garante a tutela ressarcitória a posições jurídicas de sujeitos, que reúnem os requisitos propiciadores de um efeito final benéfico, mas de consecução incerta.
O reconhecimento do direito à indemnização pelo dano assim autonomizado pressupõe a reunião de um conjunto de pressupostos que impedirão um excessivo alargamento da tutela reparatória que a figura propicia. Assim, é, como vimos, indispensável a existência de uma chance, quid cuja perda será ressarcida. Acresce que, para que o seu desaparecimento mereça reparação, necessário se torna que essa chance se revele séria, consistente, pessoal e merecedora de tutela jurídica, o que só, à luz do caso particular, poderá ser averiguado. Para que um tal dano seja ressarcido deverão, também, estar verificados os demais requisitos de que depende o nascimento de uma obrigação de indemnizar.
Apesar das dificuldades que não podem ser negligenciadas, a consideração das chances como entidades autonomamente relevantes, para efeitos ressarcitórios, constituindo um desenvolvimento de outras figuras presentes no ordenamento jurídico português, consubstanciará um aggiornamento do regime jurídico aplicável à responsabilidade civil, sem intervenção do legislador, em ordem à promoção da tutela efetiva do lesado.”
Por economia, remetemos igualmente para as referências jurisprudenciais elencadas no acórdão de 01-07-2021, relatado pela ora Relatora e cujo coletivo foi também integrado pelo ora 2.º Desembargador Adjunto, proferido no proc. n.º 1047/19.9T8PDL.L1, disponível em www.dgsi.pt, completando-as com a menção ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022 (DR 1.ª série, n.º 18, de 26 de janeiro), que veio estabelecer a seguinte uniformização: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
No caso dos autos, muito embora esteja provado que a Autora perspetivava obter crédito, com o recurso à banca, para pagar o remanescente do preço fixado no contrato promessa (cf. ponto 19), é evidente que os factos provados, em particular os que constam do ponto 25. (que a comunicação ao Banco de Portugal da identificação do tipo de negociação e da situação de cada contrato, se destina a dar publicidade, dentro do sistema bancário, de toda a situação creditícia dos clientes), não permitem concluir que a razão pela qual o contrato promessa foi incumprido pela Autora tenha sido a recusa pelas instituições bancárias de que era cliente em conceder-lhe crédito para financiar essa compra e que essa recusa se tenha devido à informação referida em 13.
Na verdade, a Autora não logrou provar a factualidade que a esse propósito alegou, tendo sido considerado não provado, além do mais, que:
b. No início de janeiro de 2019, a Autora tenha iniciado o processo de acesso ao crédito junto de várias instituições bancárias, nomeadamente da agência sita no Cartaxo da Caixa Económica Montepio Geral e da agência sita em Azambuja, do Santander Totta, para obter o financiamento de 240.000,00 € (duzentos e quarenta mil euros) e que este valor fosse necessário para realizar a escritura definitiva de aquisição do prédio rústico identificado no contrato-promessa;
c. A Autora não tivesse tido quaisquer incidentes, enquanto cliente da Caixa Económica Montepio Geral e do Santander Totta;
d. A Caixa Económica Montepio Geral e o Santander Totta tenham comunicado à Autora que não tinha sido aprovado o crédito por esta solicitado e que a ser aprovado, teria uma taxa de juro mais penalizadora e sem possibilidade de financiamento a cem por cento;
e. A Autora tenha sido informada, pelas instituições Caixa Económica Montepio Geral e o Santander Totta que, na análise de risco de cliente, tinha surgido uma questão que impedia o financiamento nos termos pretendidos e que esse facto consistia na circunstância de, no mapa de responsabilidades bancárias, emitido pelo Banco de Portugal, surgir um crédito, do Banco Bic Português, com a menção "Renegociação por incumprimento”;
f. A Autora tenha questionado o Réu sobre a menção de “renegociação por incumprimento”, nas responsabilidades de crédito que consta do Banco de Portugal e que aquele lhe tenha dito que “desconhecia o porquê”;
g. A Autora tenha solicitado ao Réu que comunicasse, de imediato, ao Banco de Portugal que essa menção não correspondia à verdade e tenha solicitado que corrigisse a situação;
h. Na sequência da solicitação feita pela Autora, o Réu nada tenha feito além de apresentar como solução ser o próprio a financiar o crédito pretendido por aquela, mas com condições e taxa de juro altíssima;
i. Não tenha restado outra alternativa, à Autora, senão antecipar o pagamento do empréstimo concedido em 21-06-2016;
k. Por causa da menção de “renegociação por incumprimento”, no mapa das responsabilidades de crédito que consta do Banco de Portugal, a Autora tenha perdido a oportunidade de negócio para aquisição do prédio nos termos do contrato promessa e a expectativa de lucro, com a revenda do prédio e que o valor de mercado desse imóvel fosse de 440.000,00 €;
l. Por causa da menção de “renegociação por incumprimento”, no mapa das responsabilidades de crédito que consta do Banco de Portugal, a Autora tenha incumprido o contrato promessa de compra e venda, celebrado a 10-01-2018 e perdido o sinal entregue.
Portanto, dos factos provados não resulta demonstrada uma efetiva perda da oportunidade de obtenção do crédito visado pela Autora, nem que a atuação da Ré possa ser tida como adequada à produção do dano atinente à perda da máquina entregue como sinal avaliada no contrato promessa em 60.000 € e/ou do hipotético (não demonstrado) lucro cessante de 140.000 €.
É que, atentando nos factos provados, nada indica que, em virtude da informação em apreço, uma qualquer concreta instituição bancária tenha feito uma avaliação do risco do crédito bancário no sentido da recusa da sua concessão ou da sua concessão em moldes “inaceitáveis”. Face ao objetivo da Autora (a revenda do imóvel em questão), nada indica que não tenha podido - muito menos por causa da informação prestada ao Banco de Portugal pela Ré - obter um empréstimo de modo a cumprir o contrato promessa, avançando rapidamente para a revenda, de modo a minimizar as despesas inerentes ao crédito.
Não se pode olvidar que a Autora dispôs do prazo de 1 ano para assegurar o financiamento pretendido, tratando-se de sociedade comercial cuja gerência - até pelo objeto social daquela e pela experiência anterior - estava seguramente preparada para negociar este tipo de contratos e resolver as inerentes dificuldades, tanto assim que escassos 2 dias depois de ter sido notificada da resolução do contrato promessa até veio a liquidar todo o valor em dívida por referência ao contrato de crédito celebrado em 21-06-2016 (cf. ponto 23).
Portanto, dos factos provados não resulta que a atuação da Ré, nas condições normais da vida societária da Autora, fosse idónea a causar os danos patrimoniais invocados, pois não está sequer provado que a Autora tenha solicitado financiamento a uma ou mais instituições bancárias e que esta(s) tenha(m) recusado conceder-lho. Naturalmente, se a gerência da Autora não cuidou, com a antecedência adequada à sua real situação financeira (que se desconhece qual seria, pois nada foi alegado a esse respeito), de acautelar que, em finais de janeiro de 2019, estaria em condições de obter/dispor dos meios financeiros necessários para pagar a parte do preço da prometida compra e venda, não se poderá queixar da mera circunstância de existir uma informação tida por incorreta na Central de responsabilidades do Banco de Portugal, informação essa absolutamente inócua e irrelevante para o caso, pois não afetou nenhuma hipotética análise de risco que poderia ter sido feita.
Ademais, sendo certo que se desconhece em absoluto qual era o valor de mercado do aludido prédio rústico e que a Autora não logrou provar, como lhe incumbia, os factos reveladores da existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pela Ré e os invocados danos, parece-nos inevitável concluir que não ficou demonstrada a consistência e seriedade de um dano atinente à perda de chance de revenda daquele prédio, não se podendo considerar que os interesses em causa (a revenda do prédio prometido vender) tenham ficado comprometidos devida à violação pela Ré de uma norma (ou de um vínculo contratual pré-constituído) que concedesse proteção direta àqueles concretos interesses.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.
Vencida a Autora-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se em consequência, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Autora-Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 21-03-2024
Laurinda Gemas
António Moreira
Vaz Gomes