Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3515/23.9T8LSB.L1-8
Relator: AMÉLIA PUNA LOUPO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
CONTRADITÓRIO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O art.º 366º nº 1, em consonância com o art.º 3º nº 3 CPC, impõe a regra da audição prévia do Requerido, que só poderá ser postergada se e quando a sua observância colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência, não bastando, portanto, um qualquer vislumbrado risco, tem de ser um risco sério, manifesto, anormal, incomum.
II - O despacho em que se dispense a audição prévia do Requerido tem de ser fundamentado, impondo-se ao juiz uma ponderação casuística sobre a repercussão da citação prévia na eficácia ou utilidade da providência e uma pronúncia expressa de acordo com a avaliação que faça, só sendo legítima a dispensa do contraditório prévio se as circunstâncias do caso permitirem sustentar, em factos concretos decorrentes do requerimento inicial, a avaliação de que está iminente a lesão do direito pretendido acautelar não se compadecendo o perigo da verificação dessa lesão com a dilação inerente à observância do contraditório, ou se permitirem sustentar a avaliação de que o conhecimento prévio do procedimento cautelar permitirá ao Requerido actuar de molde a, seriamente, afectar o efeito prático ou a utilidade da medida cautelar solicitada, devendo ainda o juiz sopesar o eventual desequilíbrio que possa advir da concessão de uma tutela que, embora provisória, produz efeitos que podem ser irreversíveis.
III - O princípio do contraditório é uma pedra basilar do processo civil, não consistindo numa mera formalidade destinada a dar a conhecer ao demandado que contra ele foi deduzida uma determinada pretensão e de que dispõe do direito de defesa; o próprio momento em que lhe é facultado este direito pode ser determinante para o desenvolvimento e desfecho da lide, por lhe proporcionar, ou não, desde início apresentar as suas razões e elementos de prova antes de ser proferida qualquer decisão, desse modo podendo influenciar o sentido desta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1. M…, pessoa colectiva …, com sede …;
2. “S… Lda”, sociedade com sede …;
3. “E… Lda”, sociedade com sede …;
4. “SD… Lda”, sociedade com sede …;
5. V…, residente ….
6. “M… Lda”, sociedade com sede …;
7. “GP… Lda”, sociedade com sede …;
8. H…, residente …;
9. “A…Lda”, com sede …,
instauraram o presente procedimento cautelar comum contra
1. “D… Lda”, com sede …,
2. “R… S.A”, com sede …,
3. “R…B... Sucursal Portugal”, com sede … detentora e utilizadora da marca “…”,
alegando, em síntese, que todos os Requerentes são proprietários de veículos automóveis eléctricos da marca …, modelo …, que devidamente identificaram discriminadamente, produzidos pela marca … representada em Portugal pela 2ª Requerida, os quais foram pelos Requerentes adquiridos como veículos importados à 1ª Requerida, que é uma sociedade comercial vocacionada ao comércio de veículos automóveis eléctricos e híbridos sob a marca … e que se dedica à importação e exportação de veículos automóveis, comercialização, manutenção e reparação automóvel; por sua vez a 3ª Requerida é uma sociedade financeira com ligações à 2ª Requerida.
Os Requerentes negociaram com a 1ª Requerida e à mesma adquiriam os veículos como viaturas eléctricas integradas com todos os seus componentes, constando das facturas emitidas pela 1ª Requerida que no momento da venda dos mesmos os veículos não se encontram vinculados a qualquer contrato de aluguer de qualquer componente, nomeadamente das baterias que possibilitam a sua utilização, referindo que “esta viatura não carece de aluguer de baterias em Portugal” ou “Viatura sem aluguer de baterias (Bateria incorporada)”.
Aconteceu, porém, que vários meses após a aquisição e normal utilização das viaturas, sem que tenha sido detectado qualquer problema técnico decorrente de um uso normal e prudente, sem qualquer aviso ou sintoma de anomalia, os Requerentes viram-se impedidos de carregar as baterias dos seus veículos por motivo que desconhecem, passando a constar do display/visor a mensagem: “Carga recusada. Contrato Bloqu.”.
Tendo a esse propósito estabelecido contacto com a 1ª Requerida, que verificou não existir qualquer avaria ou anomalia nos veículos, tomaram os Requerentes conhecimento de que de forma concertada todas as suas viaturas foram remotamente bloqueadas entre os dias 22 a 23 de Dezembro 2022, mais lhes tendo a 1ª Requerida dito que o bloqueio apenas pode ser efectuado pelo fabricante ou por alguém a seu mando, sendo os únicos que poderiam revertê‑lo.
Assim, tendo contactado os concessionários oficiais da marca sobre o bloqueio, esses informaram os Requerentes que o que impedia a carga das baterias não era um qualquer problema técnico, mas sim um comando direccionado ao software do veículo enquanto não fosse com a 3ª Requerida realizado um contrato de aluguer de baterias ou a sua compra, uma vez que, alegadamente, os veículos não tinham baterias próprias.
E essa informação, de que é condição de desbloqueio a celebração de contratos de aluguer ou de compra de baterias com a …, detentora da marca …, evidencia ter sido ela a ordenante dos bloqueios ou quem deles beneficia, e que terá sido a 2ª Requerida, na qualidade de representante oficial da marca, que fornecerá à 3ª Requerida as informações de que esta necessita para proceder ao seu bloqueio ou que ela mesma efectuará o bloqueio directamente com intuito de, em conjunto com a 3ª Requerida, disso tirarem benefício.
Deste modo, os Requerentes demandam as três Requeridas por desconhecerem como efectivamente se processou o bloqueamento da admissibilidade de carga às baterias em cada um dos seus veículos e quem forneceu os elementos e os meios para que tal fosse possível.
Requereram a dispensa de citação prévia das Requeridas, com as demoras inerentes, e porque tal poderia comprometer a finalidade da providência. E requereram ainda a inversão do contencioso.
Para a final concluírem pedindo «que, realizadas as diligências probatórias requeridas, e sem a audiência prévia da Requerida (art.º 366.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), se digne julgar procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, ordenar o seguinte:
a. Serem as Requeridas obrigadas a proceder ao desbloqueio imediato e definitivo, por ser ilegal e abusivo, das viaturas que são propriedade dos requerentes;
b. Condenar as Requeridas no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória nos termos do n.º 1 do art.º 829.º-A do C.C., da quantia de €150,00 por cada dia de atraso, e por cada veículo, desde a data do decretamento da previdência até efectivo e definitivo desbloqueio das viaturas em causa nos presentes autos;
c. Nos termos do art.º 369.º do C.P.C., deve ser deferida a dispensa dos Requerentes de propor a acção principal, atendendo aos factos alegados».
Foi de imediato proferida decisão que terminou julgando «o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por provado e, consequentemente:
a) determino que todas as Requeridas procedam às actuações necessárias ao desbloqueio ou manutenção do desbloqueio das baterias incorporadas nos veículos identificados no ponto 4 da fundamentação de facto, posto que se mostrem asseguradas as condições de segurança para tais operações;
b) determino que cada uma das Requeridas, no prazo de cinco dias, esclareça qual ou quais as concretas operações materiais/jurídicas/informáticas necessárias para proceder a tal desbloqueio e que, de imediato, as concretize.
No mais, julgo improcedente o procedimento cautelar.
Notifique, sendo as Requeridas para se pronunciarem, querendo, relativamente à requerida inversão do contencioso. (…)».
Foram oportunamente apresentadas oposições pelas Requeridas “R… B…Sucursal Portugal” e “R…SA” (cfr. refªs 35236025 e 35241237).
A primeira delas arguiu (a) a sua falta de personalidade judiciária, (b) nulidade por falta de verificação dos requisitos para a dispensa do contraditório prévio, (c) não estarem reunidos os pressupostos para o deferimento da providência, e (d) impugnou os factos alegados pelos Requerentes, para a final concluir pela improcedência do procedimento cautelar e pelo indeferimento da inversão do contencioso.
Já a Requerida “R… SA” (a) suscitou o incidente do valor da causa e (b) a excepção de incompetência do Tribunal daí decorrente, (c) a nulidade da decisão de dispensa da prévia audição das Requeridas por falta dos respectivos pressupostos e ainda por falta de fundamentação, (d) a sua ilegitimidade substantiva, e (e) impugnou os factos articulados pelos Requerentes, concluindo no final em conformidade com as várias questões aduzidas ou pela improcedência da providência quanto a si, com a sua absolvição do pedido, e pelo indeferimento da inversão do contencioso.
Foi realizada audiência final, em várias sessões e com respeito pelo legal formalismo, após o que foi proferida sentença em cujo âmbito, em capítulo preliminar, foi apreciado e decidido:
(a) do valor da causa (suscitado pela 2ª Requerida R…), julgando-se «improcede a arguição de erro na fixação do valor da causa, bem como, consequentemente, os efeitos jurídicos que de tal invocação (incidente de verificação da causa, no âmbito de um procedimento cautelar) a 2.ª Requerida pretende retirar: incompetências, nulidades, invalidades, etc.», tendo sido mantido o valor de €30.000,01 que havia sido fixado na primeva decisão;
(b) da invocada nulidade decorrente da dispensa do contraditório (arguida pelas 2.ª e 3.ª Requeridas), que foi julgada improcedente.
As demais questões [na sentença enunciadas como (c) falta de personalidade judiciária da Requerida “R…B…Sucursal Portugal”, (d) ilegitimidade (substantiva) da 2.ª Requerida R…, (e) falta de requisitos para o decretamento da providência, e (f) verificação dos requisitos para a inversão do contencioso] foram apreciadas e decididas com o mérito da causa.
A sentença concluiu pelo seguinte dispositivo «Por todo o exposto, mantenho o decidido e, consequentemente:
 a) determino que se mantenha o desbloqueio ou manutenção do desbloqueio das baterias incorporadas nos veículos identificados no ponto 4 da fundamentação de facto, posto que se mostrem asseguradas as condições de segurança para tais operações;
b) dispenso os Requerentes de proporem acção para a apreciação dos pressupostos do direito ao desbloqueio referido em a), nos termos do disposto no art.º 369º, n.º 1, do CPC.
No mais, julgo improcedente o procedimento cautelar.»
É desta sentença que vêm recorrer as Requeridas “R…B…Sucursal Portugal” e “R…SA”.
Das suas alegações de recurso extraiu a Recorrente “R…B… Sucursal Portugal” as seguintes
CONCLUSÕES
«A. O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu manter a decisão cautelar proferida nos autos sem audição prévia das Requeridas, mais determinando que os Requerentes fiquem dispensados de propor a ação principal, julgando justificada a requerida inversão do contencioso.
B. A Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo tribunal a quo uma vez que a mesma contém graves erros de julgamento, resultantes de uma óbvia distorção da realidade factual como também da própria aplicação do direito, razão pela qual o presente recurso abrange matéria de facto e de direito.
C. Contrariamente ao que se impunha, o Douto Tribunal a quo julgou como provados os factos 2., 4. e 6., desconsiderando por completo, quer a prova documental junta aos autos, quer a prova testemunhal produzida.
D. Com efeito, não pode o Tribunal a quo considerar no facto provado como 2. que os veículos foram adquiridos com as baterias incorporadas, uma vez que tal facto é incorreto – como demonstrado nas alegações supra para as quais se remete -, podendo apenas dar como provado que essa era a convicção dos Requerentes.
E. Aliás, se concatenadas as faturas juntas pelos Requerentes no seu requerimento inicial como Doc. 13 a 21, com os protocolos que a Recorrente juntou como Doc. 1 a Doc. 12 da sua oposição, à luz do art.º 236.º do CC, facilmente se depreenderia que foram as declarações da D… que criaram nos Requerentes a convicção de que as baterias estavam incorporadas nos veículos adquiridos, não podendo contudo dizer-se que essa situação materialmente se verifica.
F. Além do exposto, uma vez que o Tribunal a quo referiu na sentença ora em crise que não sabe concretamente quem é o proprietário das baterias, parece óbvio que não pode, de todo, afirmar que as mesmas sejam propriedade dos Requerentes, que não são.
G. Quanto a esta matéria resultou inequivocamente demonstrado que as baterias respeitantes aos veículos adquiridos pelos Requerentes pertencem a uma Sociedade do Grupo … com sede na …, remetendo-se para os depoimentos identificados e transcritos nas alegações supra.
H. Por outro lado, se as baterias fossem dos Requerentes a questão do bloqueio nunca se tinha verificado, sendo que o bloqueio de carga sucede apenas e tão-só porque se tratam de baterias de aluguer pertencentes a uma entidade que não é parte nestes autos.
I. Consta dos autos prova suficiente e idónea de que as baterias dos veículos adquiridos pelos Requerentes não incorporavam as baterias, estando antes sujeitas à formalização de um contrato de aluguer.
J. Veja-se que, para cada um dos veículos dos autos existe um documento/protocolo que atesta a obrigatoriedade de aluguer de bateria (cfr. Doc. 1 a Doc. 12 juntos com a oposição e tabela constante do Art.º 35 das presentes Alegações de recurso).
K. Documentos estes que foram totalmente desconsiderados e que ditariam certamente uma decisão em sentido diametralmente oposto.
L. É que, em cada um destes documentos é possível até identificar qual o tipo de bateria e o seu valor mensal de aluguer.
M. Muito se estranhando que possa ter sido dado como provado que as baterias fazem parte dos veículos quando toda a prova constante dos autos – documental e testemunhal – aponta em sentido oposto, conforme demonstrado em maior detalhe nas Alegações supra, para as quais se remete.
N. Neste sentido, impõe-se que o referido facto provado como 2. seja alterado nos seguintes termos: 2- Todos os veículos foram adquiridos no Stand da 1.ª Requerida;
O. Mais devendo aditar-se, de forma autónoma e sequencial, os seguintes factos provados conexos:
3- Por força do teor das faturas emitidas pela 1.ª Requerida - (docs. 13 a 21) – era convicção dos Requerentes que as baterias faziam parte dos veículos;
4- As viaturas dos Requerentes não possuem baterias próprias, as quais são um componente de aluguer e serão propriedade de uma sociedade de direito belga que integra o grupo da ….
P. Relativamente ao ponto 4 da matéria de facto o mesmo contém uma redação, conforme se afere pela parte final das suas al. a), c), d), e) e i), que está em manifesta contradição com o facto dado como provado no ponto 12.
Q. Razão pela qual se impõe que este facto 4. seja expurgado de toda e qualquer referência à manutenção da situação de bloqueio, a qual não se verifica e está devidamente esclarecida nos autos, tendo como suporte probatório a confissão feita pelos Requerentes no requerimento junto aos autos em 14 de março de 2023, com a refª 35362558, onde informam que “Os requerentes informam o tribunal que todos os veículos se encontram já com as baterias desbloqueadas, sendo os últimos desbloqueios feitos a 24 de Fevereiro 2023.” e ainda a menção expressa efetuada, no dia 28 de abril de 2023, pela mandatária dos Requerentes, consignada em ata com a referida data, lá constando que: Consigna-se que a Ilustre Mandatária das Requerentes, transmitiu que veículos identificados nos autos, encontram-se todos desbloqueados.
R. Tendo por certo que todas as viaturas dos autos se encontram desbloqueadas será importante, cindir as situações em que o Douto Tribunal a quo tem elementos para colocar a data de desbloqueio ou não.
S. E assim, relativamente ao facto provado sob 4. a redação que se impõe é a seguinte:
- a) O M….,  que utiliza os veículos de matrículas … e …, em virtude de contrato de leasing, viu as baterias bloqueadas em 23 e 27 de Dezembro de 2022, situação desbloqueada em data não concretamente apurada mas que se situará até ao final do mês de fevereiro de 2023 (cfr. docs. n.ºs 2, 3, 19 e 32);
- c) A empresa E… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação desbloqueada sensivelmente uma semana antes da entrada da presente providência, ou seja, em finais de janeiro de 2023 (cfr. docs. n.ºs 5 e 13);
- d) A empresa SD… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação desbloqueada entre o dia 25 e o 28 de fevereiro de 2023 (cfr. docs. n.º s 6 e 14);
- e) V…, que utiliza os veículos de matrículas … e …, viu as baterias bloqueadas em 22 de Dezembro de 2022, situação desbloqueada em data não concretamente apurada mas que se situará no final do mês de fevereiro de 2023 (docs. 8 e 9);
- i) A… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação desbloqueada em data não concretamente apurada mas que se situará até ao final do mês de fevereiro de 2023 (docs. n.ºs 12, 21 e 34),
Tudo nos termos das Alegações supra para as quais se remete.
T. Também o ponto 6. dos factos provados não tem correspondência com a prova produzida nos autos, uma vez que, salvo o devido respeito, não pode dar-se como provado que os Requerentes não foram informados de quem procedeu aos bloqueios uma vez que essa informação consta dos e-mails que sustentam a matéria de facto dada como provada sob o ponto 5.
U. Naquelas informações escritas consta que “lamentamos todo o transtorno causado com o bloqueio de carregamento da sua bateria e reiteramos que o mesmo não foi realizado em Portugal pela …. Segundo a informação de que dispomos, esta Bateria estava registada noutra filial europeia da …, que, em consequência da alegada burla, não tinha qualquer informação sobre a importação do veículo e bateria para Portugal.”
V. A este respeito, esclareceu também a testemunha … (Diligencia_3515-23.9T8LSB_2023-04-28_15-41-13.mp3) que “… todas as viaturas que chegaram até nós, nós fizemos o pedido de desbloqueio ao país de origem, … (…) é com eles, são eles os responsáveis, nós nem temos recursos, são eles que o fazem.” – min. 6’24 a 6’50 .
W. Com efeito, resulta demonstrado nos autos à saciedade, quer pelos e-mails juntos pelos Requerentes, quer pelos depoimentos das testemunhas … e …, que os Requerentes foram informados que não foi a Recorrente quem praticou qualquer ato sobre as baterias, relevando a este respeito as transcrições pormenorizadas nas Alegações supra, para as quais se remete.
X. O que se impõe é que o referido facto n.º 6 seja retificado de modo a espelhar que a Recorrente informou os Requerentes que as baterias pertenciam a uma sociedade europeia do Grupo … e que foi essa entidade que procedeu ao bloqueio e desbloqueio da funcionalidade de carregamento das baterias, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
As 1.º e 3.ª Requeridas, quando confrontadas com os factos referidos em 2 a 4, tomaram posições públicas nos órgãos de comunicação social, sendo que os Requerentes podem desconhecer a forma concreta como remotamente puderam ter sido privados do uso dos seus veículos, contudo já se apurou que não foi nenhum dos três requeridos que promoveu esses bloqueios, sabendo-se que foi uma entidade com sede na …, a qual será a proprietária das baterias dos veículos adquiridos pelos Requerentes.
Y. Quanto aos factos não provados, entende a Recorrente que muitos existem que foram também incorretamente desconsiderados pelo Tribunal a quo, o que não se aceita quando os autos apresentam prova idónea a sustentar vários deles.
Z. Quanto à al. a) dos factos não provados - A sua intervenção foi de colaboração e interlocutora com a sucursal da …. – será de referir que o mesmo só pode ter sido considerado como tal se desconsiderados os depoimentos prestados nos autos, com especial o da testemunha …, que começa logo por referir que todos os nomes (dos Requerentes) lhe eram familiares.
AA. Além do mais, os e-mails enviados por esta testemunha aos Requerentes constam dos autos onde se verificam as informações por si efetivamente veiculadas que, conjugadas com o seu depoimento, revelam uma clara intenção de priorizar o tema do desbloqueio, de tudo tendo sido feito para intermediar a situação com a …, remetendo-se em detalhe para o teor das Alegações supra.
BB. Por assim ser, a Recorrente não se conforma que este facto não tenha sido julgado provado, entendendo antes que se impõe que esta alínea a) passe a constar dos factos provados com a seguinte redação:
- A R…B… sucursal em Portugal assumiu um papel ativo de colaboração com os Requerentes, servindo de interlocutora com a Sociedade da …, considerada o país de origem das baterias.
CC. Quanto à al. b) dos factos não provados, sem necessidade de bisar a argumentação já expendida, remete-se para a parte das alegações referentes ao ponto 6. dos factos provados.
DD. Quanto à al. d) dos factos não provados - A entidade que comercializa os veículos estava informada e tinha a obrigação de providenciar pela celebração dos contratos de aluguer de bateria pelos adquirentes dos veículos, dado que a mesma não adquiriu as baterias. – apontam os autos – cfr. Doc. 1 a Doc. 12 da Oposição – a existência e assinatura de um protocolo de entrega de bateria com consequente exigência de contrato de aluguer de bateria pela entidade adquirente, que no caso foi a …, que é uma sociedade de direito belga resultando claro que foi esta que adquiriu os veículos na Alemanha, conforme também demonstram os ditos documentos.
EE. Por se tratar de uma sociedade belga, a presunção é a de que os veículos circularão na Bélgica, daí a obrigação de aluguer e o país de origem das baterias ser a Bélgica e não a Alemanha.
FF. Os referidos veículos foram vendidos na Alemanha na modalidade de …, o que significa que a bateria de tração não faz parte do veículo, sendo apenas disponibilizada por meio de contrato de aluguer com a entidade do Grupo …respeitante ao país do comprador dos veículos, como aliás sustentam de forma cabal os documentos juntos pela Recorrente na sua Oposição.
GG. Nos veículos vendidos na Alemanha, a bateria pertencia primeiramente à B… SA N…D.., sendo que, naquela data, o locatário das baterias era o concessionário vendedor, cfr. informação comum a todos os veículos/relatórios de entrega das baterias (doc. 1 a doc 12 da Oposição).
HH. Como demonstram os documentos, as viaturas aqui em causa foram vendidas nesta modalidade porque foi a escolhida pelo comprador, o qual estava consciente e era conhecedor que os veículos que adquiriu não traziam incorporadas as baterias, apenas o chassis.
II. No caso concreto, sendo a empresa compradora dos veículos de direito Belga, o contrato de aluguer da bateria seria depois assumido pela …da Bélgica, passando esta a ser a proprietária das baterias respetivas.
JJ. A transferência da propriedade das baterias entre as empresas do Grupo … faz-se por transferência do imobilizado, conforme explicado pela testemunha …para o caso de regularização do aluguer em Portugal – gravação identificada como Gravação Diligencia_3515-23.9T8LSB_2023-04-28_15-12-32.mp3 – “alguns dos clientes que inclusivamente quiseram comprar as baterias, para nós foi uma carga de trabalhos, se assim posso dizer, tivemos de pedir a bateria ao imobilizado da … Bélgica (…) para a seguir conseguirmos vender a bateria a um terceiro senão não conseguíamos porque a bateria não é nossa.” – min. 10’56 a 11’15.
KK. Quanto à entidade compradora, tratando-se de informação constante de registo público e obrigatório, através de uma mera pesquisa no Google [ou outro motor de busca] poderia o Tribunal a quo ter obtido essas informações, ao abrigo do princípio do inquisitório.
LL. Sendo fácil aferir, via Google [ou outro motor de busca], que a …é uma sociedade belga representada pelo Sr. A….
MM. Já a Requerida D…, conforme atos públicos de registo obrigatório (acessíveis via https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx) tem como gerente registada a Sra. M…, sendo visível que se tratam de pessoas relacionadas, tendo dois apelidos em comum.
NN. Sem prejuízo do exposto, a verdade é que quem vem a público prestar declarações sobre este tema e em representação da vendedora dos veículos em Portugal é o Sr. A…, veja-se a este propósito a seguinte notícia (https://www.jn.pt/justica/financeira.....html/).
OO. Também na notícia do JN (https://www.jn.pt/justica/....html/) vem identificado quem representa o stand, não havendo dúvidas que é o Sr. A….
PP. Conforme alegado pela Recorrente, efetivamente é este também o Senhor que consta como CEO da …, conforme informação disponível no site desta marca e também copiada no texto das Alegações para as quais remete.
QQ. Sendo facto notório que o endereço de correio eletrónico aqui identificado, em página oficial da marca …– e também nas faturas juntas pelos Requerentes (Doc. 13 a 21 do requerimento inicial) - é o mesmo que se encontra nos documentos juntos pela Recorrente com a sua oposição.
RR. A Recorrente não tem dúvidas que estes factos se consideram factos notórios, acessíveis à massa dos cidadãos portugueses e, por isso, também acessíveis ao Tribunal via oficiosa, em pleno exercício das suas funções e em cumprimento do princípio do inquisitório.
SS. Mais, se tivesse o Tribunal a quo atentado às declarações de parte prestadas nos autos veria que todas elas mencionam o Sr. A…
“Sim, na altura quando me bloquearam o carro falei com o Sr. A…, que é o dono.” – min 9’36 a 9’47 da gravação identificada como Diligencia_3515-23.9T8LSB_2023-05-26_10-15-33, marcador 1.
TT. Referindo também esta testemunha que “Conheço porque é a empresa onde eu comprei o carro, que comprei-o à … e depois vim a saber que é a D….” - 7’16 a 7’26 da gravação identificada como Diligencia_3515-23.9T8LSB_2023-05-26_10-15-33, marcador 1.
UU. Impõe-se, assim, que a al. d) dos factos não provados seja aditada à matéria assente com a seguinte redação:
A entidade que comercializou os veículos em Portugal atua sob a marca …, tendo sido diversas vezes representada pelo Sr. A…, seja perante os Requerentes seja perante os meios de comunicação (media); o Sr. A… é o representante da sociedade que importou os veículos, a …, presumindo-se, portanto, que a 1.ª Requerida era conhecedora da obrigação de providenciar pela celebração dos contratos de aluguer de bateria, dado que a mesma sabia não ter adquirido as baterias.
VV. Já a alínea e) dos factos não provados não faz sentido algum porquanto está alegado e provado nos autos que todos os veículos em causa são elétricos da marca ….
WW. Quanto à bateria de tração, para não bisar o já expendido, remete-se para a argumentação supra aduzida quanto ao facto provado sob n.º 2 e também quanto à al. d) dos factos não provados, havendo nos autos suporte factual suficiente a comprovar que a bateria de tração não faz parte do veículo, sendo disponibilizada por meio da celebração de um contrato de aluguer.
XX. Sendo que, para os veículos matriculados em Portugal, como é o caso dos veículos dos Requerentes, o contrato de aluguer teria de ser celebrado com a entidade …, SA., conforme informações transmitidas aos Requerentes e que constam dos e-mails cujo teor é integralmente dado como assente no ponto 5 da matéria assente.
YY. E assim, por via da referida documentação, deverá considerar-se provado que, Para os veículos matriculados em Portugal, o contrato de aluguer teria de ser celebrado com a entidade …, SA., devendo, por isso, a alínea e) dos factos não provados ser aditada aos factos provados com a seguinte redação:
Os veículos em causa são elétricos da marca …, cuja bateria de tração não faz parte do veículo, sendo disponibilizada, nos veículos matriculados em Portugal, por meio de contrato de aluguer com a entidade … SA..
ZZ. Quanto à al. g) dos factos não provados - Para cada um dos veículos dos autos é possível consultar a informação constante da plataforma e verificar que estão sujeitos à celebração de contrato de aluguer de bateria, uma vez que esta não é parte integrante do mesmo (por não ter sido feita prova do alegado). – entende a Recorrente que se trata de facto notório, ou seja, acessível ao cidadão comum, pelo que não carece de outra prova que não a mera consulta do site mencionado na Oposição apresentada nos autos pela Recorrente - https://mobilize.....
AAA. Sendo possível, neste site, para cada um dos veículos dos autos, consultar informação sobre a cedência de baterias e verificar que estão sujeitos à celebração de contrato de aluguer de bateria, uma vez que esta não é parte integrante do mesmo.
BBB. Termos em que, este facto não provado deve ser aditado à matéria assente com a seguinte redação:
Para cada um dos veículos dos autos é possível consultar a informação constante da plataforma disponível no site da… - https://mobilize... - e verificar que estão sujeitos à celebração de contrato de aluguer de bateria.
CCC. Ainda relativamente à al. i) dos factos não provados - a … assinou o compromisso relativo a veículo elétrico com aluguer de bateria, onde consta expresso que o veículo adquirido tem uma bateria de aluguer e será obrigado a celebrar o respetivo contrato de aluguer de bateria – obviamente que tal facto se encontra amplamente provado pelo teor dos documentos juntos pela Requerente como Doc. 1 a Doc. 12, razão pela qual se impõe que este facto, com a redação que tem, seja transferido para a matéria de facto provada.
DDD. Quanto à al. j) dos factos não provados - Esta entidade que adquiriu as viaturas e a 1.ª Requerida pertencem à mesma marca, …, que atua no âmbito do comércio automóvel, nomeadamente de veículos elétricos, conforme resulta da página de internet em hppts://….pt/ Empresa e do logotipo que a requerida D…, Lda. usa nas faturas juntas aos autos como documentos 13 a 22; - novamente estamos perante factos notórios facilmente verificáveis pela conjugação das informações das faturas juntas pelos Requerentes com os protocolos juntos pela Recorrente e o site da ….
EEE. Sendo também de consulta pública o registo de marca junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, conseguindo, por isso, saber-se que a marca … foi registada, em 2017, a pedido da Sociedade …, LDA, NIF -…, cujo gerente era o Sr. A…, o que sucedeu até à declaração de insolvência da referida sociedade – 12 de agosto de 2019 –, cfr. print infra:
FFF. Existem demasiados factos notórios que foram ignorados pelo Douto Tribunal a quo, tendo-se por certo que, se assim não tivesse sucedido, o facto elencado em j) nos factos não provados estaria antes na matéria de facto, por se tratar de facto de conhecimento geral, amplamente justificado ainda pelo suporte documental acima referido.
GGG. No que refere à al. k) dos factos não provados - Na equipa da empresa aparece como CEO a pessoa que assina os documentos juntos como documentos 1 a 12 com a oposição. – a mesma está intrinsecamente relacionada com já o supra expendido quanto à al. d) dos factos não provados.
HHH. Sendo facto notório que o CEO da … é o Sr. A…, fácil é aferir que foi o mesmo quem assinou os contratos juntos pela Recorrente com a sua oposição, em representação da …, devidamente comprovado pelo teor do Doc. 12 junto pela Recorrente, do qual consta devidamente identificado o representante da …
III. As assinaturas apostas em todos os documentos juntos pela Recorrente não foram impugnadas e pertencem ao representante de facto da…, que, no caso, é o Sr. A….
JJJ. Impunha-se, pois, que o douto Tribunal a quo tivesse considerado como provado o teor da al. k) dos factos não provados, ou seja, que O CEO da …é a pessoa que assina os documentos juntos como documentos 1 a 12 com a oposição, ou seja, é também o representante da ….
KKK. Já a al. l) dos factos não provados - Sendo sócio gerente I…, ou seja a mesma pessoa que representa a primeira requerida; - também não entende a Recorrente porque não se encontra este facto na matéria assente porquanto, além de ser público o registo da Sociedade D… e lá constar como gerente a Sra. M..I…, a verdade é que é esta Senhora quem outorga a procuração forense em nome do Dr. …, conforme consta dos autos, inexistindo, por isso, dúvidas de que A Sra. I… é sócia-gerente da 1ª Requerida, facto que deve ser integrado na matéria dada como provada nestes autos.
LLL. Curioso será também alertar o Douto Tribunal ad quem que a D… – conforme ato público de registo copiado nas Alegações - é detida pela Sociedade Unipessoal … e pela Sra. I…, sendo que, também por via dos atos obrigatórios de registo, é possível aferir que a Sociedade Unipessoal …também já foi gerida pelo Sr. …:
MMM. É, pois, óbvio que é o Sr. A… quem age em nome deste Grupo de Sociedades portuguesas e, por ter sido aquele quem representou a … na compra dos veículos na Alemanha, obviamente que sempre soube que as viaturas que vendeu aos Requerentes não tinham as baterias incorporadas e que seria necessária a celebração de um contrato de aluguer, que nunca comunicou aos Requerentes nem cuidou de celebrar já que era sua ideia que essa obrigação se extingue com a exportação, afirmação esta que é pública - https://www... O responsável pela …, A…, em declarações ao Jornal … alega que mesmo que tenham contrato no país de origem, o contrato cessa com a exportação.
NNN. Não existem dúvidas que era conhecido da 1ª Requerida, seja dela gerente de facto a Sra. I… ou o Sr. A…, que as baterias não eram parte integrante dos veículos.
OOO. Por todo o supra exposto, é entendimento do Recorrente que foram carreados aos autos elementos de prova que ditam uma decisão da matéria de facto diversa daquela que foi proferida, a qual deverá por isso ser revogada e substituída por outra nos termos que acima melhor se explicitou.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
Da falta de personalidade judiciária da recorrente:
PPP. Conforme refere o art.º 13.º, n.º 1 do CPC “As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.”.
QQQ. Acrescentando o n.º 2 do referido normativo que “Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.”
RRR. A causa de pedir nestes autos radica no facto de os Requerentes terem adquirido à 1.ª Requerida os veículos melhor descritos nos autos, sendo esta a relação jurídica que justifica o pedido formulado pelos Requerentes nesta providência cautelar, na qual não interveio nem a Recorrente nem a sua administração principal, conforme comprovam os factos aduzidos pelos Requerentes no seu requerimento inicial bem como os documentos de compra (faturas) por estes juntos.
SSS. As relações jurídicas que se estabeleceram entre os Requerentes e a 1ª Requerida consistem na aquisição de veículos elétricos que, segundo os Requerentes, foram feitas na convicção de que não careciam do aluguer de baterias, uma vez que estas estariam incorporadas no veículo.
TTT. Estas afirmações que subjazem à formação da dita convicção nos Requerentes são, de forma clara e inequívoca, única e exclusivamente imputáveis à 1ª Requerida, que foi quem vendeu os veículos a todos e cada um dos Requerentes.
UUU. A Recorrente bem como a sua administração principal não conhecem nem têm obrigação legal de conhecer os contornos dos negócios celebrados pela 1.ª Requerida e os Requerentes, nomeadamente no que toca à prestação de informações, que tanto invoca o Douto Tribunal a quo a qualidade de consumidor dos Requerentes, o que nem se verifica, contudo olvida de assacar à 1ª Requerida qualquer tipo de responsabilidade pela prestação de informações falsas ou incompletas.
VVV. Quanto à Recorrente e à sua legitimidade processual entendeu o Douto Tribunal a quo que resulta do exame da certidão permanente junta a 26-05-2023, a 3.ª Requerida representa a “FIRMA: R… B…”, tendo actuado de forma concertada com a sua principal.
WWW. Salvo o devido respeito, nem sequer se entende donde se infere, de uma certidão comercial, que a Recorrente terá atuado de forma concertada com a sua principal quando o daquela certidão decorre é que a Recorrente usa a firma R…B…SUCURSAL PORTUGAL, sendo uma representação permanente da R.. B…, com sede em França.
XXX. O objeto social da Recorrente consiste – de forma sumária – em “Operações de crédito ou de banco, sob todas as formas, destinadas, ou não, ao financiamento da aquisição de bens ou serviços (…)”, daí que a R… B… seja conhecida como a entidade financeira do grupo, que é o que sucede.
YYY. A R..B…SUCURSAL PORTUGAL, ora Recorrente, não celebra contratos de compra e venda ou de aluguer, quer respeitem a veículos ou baterias, sendo que apenas intervirá em tais negócios se houver necessidade de financiamento por parte do adquirente/locatário, razão pela qual, a ora Recorrente nunca será a vendedora ou proprietária dos veículos ou suas baterias.
ZZZ. Além do exposto, também a Recorrente não praticou qualquer ato de bloqueio ou desbloqueio do carregamento das baterias, até porque sobre as baterias não detém nem se arroga a qualquer tipo de direito, sendo que, de resto, nem existe prova do contrário e nesse sentido obviamente que não pode o Tribunal a quo vir julgar improcedente a ilegitimidade passiva da Recorrente quando inexiste forma de lhe imputar qualquer ato relatado nos autos.
AAAA. Não se podendo admitir o entendimento de que a Recorrente agiu de forma concertada com a sua administração principal apenas e tão-só porque usa a firma R..B…, quando é certo que, não foi alegado pelas partes e muito menos provado, a sua administração principal tenha tido qualquer intervenção nas relações jurídicas expostas nos autos.
BBBB. Por outro lado, atuar como intermediário, salvo o devido respeito, não é o mesmo que atuar em representação, não se admitindo tal entendimento desde logo porque o Tribunal a quo nem consegue justificar em representação de que entidade é que a Recorrente teria atuado além de também o Tribunal a quo não cuida de concretizar uma única vez quem é a sua principal e que ato foi, por alguma destas, praticado.
CCCC. Ressalta a tentativa do Douto Tribunal a quo de fazer vingar a tese de desconsideração da personalidade jurídica de uma qualquer sociedade do Grupo …por um ato que o Tribunal, como o admite, não sabe quem é, ignorando que não existem atos que possam ser imputados à Recorrente ou à sua administração principal,
DDDD. Razão pela qual lhe falta personalidade judiciária para estar em juízo, o que faz com que a mesma se deva considerar parte ilegítima nos autos.
EEEE. Como foi dado como provado no ponto 5 da sentença em crise, a ora Recorrente informou os Requerentes de que “A R… S.A. (..) vem por este meio informar de que o veículo elétrico acima identificado adquirido por V. Exa. inclui uma bateria que é propriedade da … e que está sujeita a um contrato de aluguer de bateria.”.
FFFF. A R…é uma entidade distinta da Recorrente, com ela não se confundindo, cada uma tendo a sua personalidade jurídica própria.
GGGG. No caso, a R…, SA é uma sociedade comercial do Grupo .., cujo NIPC é o …, cujo objeto social passa pela Compra para revenda de veículos e acessórios de veículos, novos ou usados, por todos os meios permitidos por lei, agentes ou concessionários ou directamente ao público; Aluguer de veículos e acessórios e prestação de serviços complementares ou de forma autónoma à actividade de compra, revenda e aluguer; Gestão de carteira de títulos.
HHHH. Em Portugal, como referido pela testemunha …, sempre que seja detetado um veículo com aluguer de bateria não regularizado, como é o caso dos Requerentes, o procedimento passa pela emissão de um documento de venda à pessoa ou um contrato de aluguer da bateria, consoante a opção escolhida, sendo inequívoco que a entidade responsável por tal atuação, em Portugal, conforme facto dado como provado, é a R…e não a Recorrente R...B…Sucursal Portugal.
IIII. Portanto, a 3.ª Requerida e ora Recorrente não teve intervenção nos atos discutidos nos autos muito menos querendo prevalecer-se de qualquer “prévia prática de ilícito criminal de natureza informática – o tal bloqueio das baterias – por forma minorar aquilo que, segundo é sua convicção, terá sido uma burla sofrida por uma outra sucursal do grupo”.
JJJJ. Enquanto financeira que é, a Recorrente não tem qualquer tipo de interesse ou atuação na matéria em discussão nos presentes autos, não sendo, em caso algum, proprietária dos veículos ou baterias em causa, o que retira de forma evidente dos depoimentos das testemunhas … e…, para os quais se remete em maior detalhe nos termos das Alegações aduzidas.
KKKK. Não lhe competindo, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, provar quem é a proprietária das baterias nem quem procedeu ao bloqueio de carga das mesmas, sendo certo que, a ver da Recorrente, essa nem é prova que tenha lugar no âmbito de uma providência cautelar.
LLLL. Padece de grave erro de julgamento a convicção do tribunal recorrido ao entender que a Recorrente é parte legítima nestes autos por pretender iludir “as evidências de se ter apresentado como representante da marca, para gerir as consequências da tal actuação (e subsequente omissão ilícita do dever de reposição), para efeito de reconhecimento da personalidade judiciária.”
MMMM. Várias questões se levantam neste ponto e que não são de todo inócuas no plano jurídico e que, a ver da ora Recorrente, não mais decorrem de gritantes erros técnico-jurídicos, desde logo porque não cuidou o Tribunal a quo de explicitar qual a marca a que se refere e o que entende por representante da marca, será quem ostenta o sinal distintivo de comércio no plano das relações comerciais e que está devidamente legitimado a ostentar esse sinal no âmbito da sua atividade em virtude de um contrato de licença de marca com o seu titular?
NNNN. E se a resposta for afirmativa, importaria que o Tribunal a quo tivesse cuidado de identificar a marca a que se refere; será a marca …? …? Ou é a marca …?
OOOO. Não havendo devido esclarecimento quanto a esse aspeto na sentença ora em crise, a ora Recorrente não pode excluir a possibilidade de o Tribunal a quo se estar a referir à figura do Representante do Produtor (figura essa que, refira-se desde já, é apenas relevante para efeitos de relações jus consumeristas que, como se verá adiante, não é de todo a maioria ou se quer uma parte significativa das relações jurídicas que se discutem nos presentes autos).
PPPP. Nos termos do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, no seu art.º 2.º, al. q), por Representante do Produtor entende-se “qualquer pessoa singular ou coletiva que atue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou de centro autorizado de serviço pós-venda”.
QQQQ. Bastava o Tribunal recorrido atentar na certidão comercial da Recorrente para verificar, desde logo, que a mesma não pratica quaisquer atos de distribuição/venda de automóveis da marca …,
RRRR. Logo, não é “representante da marca”, isto é, na aceção de presumível Representante do Produtor.
SSSS. Não se alcança o sentido da Douta Decisão em crise quando refere que “Tal ensaio de argumento é completamente irrelevante juridicamente, porque assente em falácia (como não praticou o primeiro facto, não responde pela sua actuação subsequente; como o acto não foi praticado em Portugal – porque foi informático - então é irrelevante a sua actuação como sucursal, etc.).”
TTTT. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo excedeu largamente as suas atribuições conhecendo de matérias que não deveria conhecer, seja porque não são objeto do litígio seja porque não são sequer subsumíveis aos factos que se discutem nos autos, assim violando de forma intolerável o princípio do dispositivo a que está adstrito, procurando fazer (a sua) justiça a todo o custo, mesmo que não consiga subsumir nenhuma atuação da Recorrente a nenhuma norma jurídica.
UUUU. O papel do Tribunal não é substituir-se às partes, mas sim fazer uma correta aplicação do direito aos factos que resultem provados, tudo o que aqui não sucedeu, tentando o Tribunal a quo justificar a legitimidade processual da Recorrente a todo o custo quando não existe norma jurídica à qual possa subsumir tal decisão, bastando-se, antes, como meras e irrazoáveis convicções pré-concebidas.
VVVV. Mais, se a própria decisão ora colocada em crise refere que “Encerrada a audiência em 1.ª Instância, continua a ignorar-se que concreta entidade ou sociedade procedeu ao bloqueio das baterias” não pode o Tribunal a quo justificar a manutenção da decisão cautelar ou sequer a qualificação da Recorrente como parte legítima.
WWWW. Olvida ainda o Tribunal recorrido que pouco sentido faz manter uma decisão e dispensar os Requerentes da propositura da ação principal quando o real proprietário das baterias não fica abrangido pelo caso julgado desta decisão, assistindo-lhe, por isso, o direito de vir reivindicar as baterias por meio de ação autónoma e retirar qualquer efeito útil que esta decisão possa ter.
XXXX. Dito de outro modo, parece de suma clareza que esta decisão não é apta a resolver ou compor de forma definitiva o objeto do litígio.
YYYY. A solução comercial de aquisição ou aluguer das baterias até pode ter sido avançada pela Recorrente mas tal solução, a efetivar-se, seria por meio da R…, que é outra Sociedade do Grupo …, com personalidade jurídica própria.
ZZZZ. Sendo inequívoco que é exatamente esta a conclusão que se impõe das comunicações por mail que o Douto Tribunal a quo transcreveu como facto 5 da matéria assente e que demonstra que a Recorrente é parte ilegítima nestes autos, não havendo qualquer ato que tenha sido por si praticado e que possa perigar com os interesses dos Requerentes.
AAAAA. Interesses estes, diga-se, não ficam acautelados por esta decisão uma vez que a mesma não é suscetível de produzir efeitos sobre o terceiro proprietário das baterias, quando é certo que nenhuma das 3 Requeridas o é!
BBBBB. Não se aceitando como legítimo assacar responsabilidades à Recorrente como “representante da marca” – ainda que não devidamente discriminada – apenas porque respondeu e agilizou as questões levantadas pelos Requerentes, os quais procurou ajudar sem outras intenções que não dirigir a sua atenção para responsabilizar quem de facto praticou atos de especial relevo jurídico, a 1.ª Requerida, que não podemos ignorar, vendeu os veículos como se integrassem bateria própria quando sabia que isso não sucedia.
CCCCC. Tendo chegado a afirmar publicamente e mesmo ao Requerente … (…), conforme suas declarações de parte e notas da Mma. Juiz que “O argumento dele é que o contrato não seria válido, a partir do momento em que o carro foi importado.”
DDDDD. Por tudo quanto se disse, deve ser revogada a douta decisão recorrida, julgando procedente a exceção de ilegitimidade invocada pela Recorrente uma vez que não foi a mesma quem praticou qualquer um dos factos aduzidos nos autos, nem a sua administração principal, faltando-lhe, por isso, personalidade judiciária para estar em juízo, além de que inexiste qualquer suporte probatório que o consiga refutar.
Da falta de verificação dos fundamentos para o decretamento/manutenção da providência
EEEEE. A presente providência cautelar foi decretada sem o prévio contraditório das Requeridas, por ter entendido o Tribunal a quo “(…) que a audição das Requeridas poderia colocar [em causa] o fim da providência, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários (…)”.
FFFFF. Sem prejuízo da censura de tal decisão liminar, nesta fase, cumprirá apurar se, após a dedução de Oposição por parte das Requeridas e subsequente produção de prova, o Tribunal tem como entender que se mantêm os pressupostos de facto que determinaram a procedência.
GGGGG. Como é sabido, a procedência de um procedimento cautelar depende da verificação dos requisitos que vêm previstos no artigo 362.º do CPC, nos termos seguintes:
1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
HHHHH. No caso dos autos, os Requerentes alegam um direito de propriedade ou posse sobre os veículos adquiridos à 1ª Requerida, os quais foram objeto de um bloqueio de carga, o que justificou o recurso dos Requerentes à presente providência.
IIIII. Ignora, contudo, o Douto Tribunal a quo que todas as viaturas objeto destes autos se encontram desbloqueadas – cfr. facto 12 da matéria assente -, o que sucede senão antes, desde 24 de fevereiro de 2023, conforme informação prestada aos autos pelos Requerentes por via do requerimento que apresentaram em 14 de março de 2023 e, por isso, o justo receio não se verifica à data em que é prolatada a decisão ora em crise.
JJJJJ. Sendo que, conforme se veio a apurar no decurso da produção de prova, tal receio também já não se verificava à data de entrada desta providência cautelar, havendo vários veículos cuja carga da bateria foi desbloqueada em janeiro de 2023, ou seja, antes da entrada desta providência.
KKKKK. Ou seja, o receio de se encontrarem impossibilitados de utilizar os respetivos veículos, para a grande maioria dos Requerentes, já nem se verificava à data da instauração desta providência, muito menos se verificando agora, relevando, neste ponto, salientar que um dos factos provados é exatamente a questão de não existirem viaturas com baterias bloqueadas.
LLLLL. Mister se torna, pois, entender qual o receio adequadamente acautelado através da decisão recorrida, entendendo-se que será nulo!
MMMMM. Desde logo porque não existe “bloqueio” algum e depois porque o proprietário das baterias, que não é parte nesta providência cautelar, pode a todo o tempo vir reivindicar a propriedade das baterias.
NNNNN. É, pois nítido, que a decisão recorrida não se mostra suscetível de acautelar direito nenhum dos Requerentes além de que não é apta – de forma alguma – a resolver a definitiva composição do litígio, desde logo porque, salvo o devido respeito, entendeu o Tribunal a quo que estará em causa o direito de propriedade dos Requerentes sobre os veículos, o que obviamente não se coloca em causa,
OOOOO. Olvida, no entanto, que tal direito de propriedade sobre o veículo (chassis) não inclui necessária ou obrigatoriamente a propriedade sobre os seus componentes, neste caso, as baterias.
PPPPP. Tendo ficado demonstrado à saciedade que, numa fase incipiente da comercialização de viaturas elétricas no mercado automóvel, o aluguer de baterias surgiu como forma de mitigar o elevado preço dos veículos elétricos,
QQQQQ. Permitindo aos compradores/utilizadores que pudessem escolher o tipo de investimento que queriam, optando pela compra ou aluguer das baterias, sendo incorreta e infundada a interpretação do Douto Tribunal de que é de meridiana clareza que as baterias integram os veículos automóveis utilizados pelos Requerentes.
RRRRR. A bateria não se considera necessariamente parte integrante do veículo, sendo antes um componente do mesmo.
SSSSS. Paralelamente aos veículos comuns, nos carros elétricos as baterias funcionam como se fossem o seu combustível, sendo que, em ambos os casos, o carro inclui um motor, o qual é, num carro elétrico, movido a eletricidade, e num veículo não elétrico, movido a gasolina ou outros combustíveis fósseis.
TTTTT. O motor será parte integrante de um veículo, o qual pode ser alimentado por via de energia elétrica ou de combustíveis fósseis, sendo que, no caso dos carros elétricos, a energia facultada ao motor – que transforma a energia elétrica em energia mecânica – é feita através de uma bateria.
UUUUU. Logo, o conceito técnico-jurídico do Tribunal a quo está errado, não tendo sequer qualquer norma legal capaz de o sustentar, e assim, partindo todo o raciocínio lógico de uma premissa errada, a decisão que lhe segue fica necessariamente inquinada de vício por má aplicação da lei, como aqui sucede.
VVVVV. Mais, havendo nos autos evidência de que as baterias não são dos Requerentes, o seu direito de propriedade sobre o chassis não faz presumir que abranja os referidos componentes, carecendo de fundamento toda a decisão em crise, especificadamente, no que diz respeito à existência do direito e ao justo receio.
WWWWW. Quanto aos danos de difícil reparação, questão que foi, aliás, suprimida da decisão ora em crise, convirá salientar que não resultou devidamente alegado nem provado nos autos quais os concretos danos que os Requerentes pretendem acautelar, muito menos se podendo concluir que se tratam de lesões graves e dificilmente reparáveis, sendo certo que a privação do uso dos veículos, se indemnizável, não é um dano que não seja reparável.
XXXXX. Quanto à adequação desta providência será importante realçar que a mesma não foi proposta contra quem de direito e que o seu decretamento não se mostra adequado a assegurar o direito ameaçado – quer seja o direito de propriedade, quer seja o direito de circulação.
YYYYY. Como também não é adequada esta providência uma vez que causa à Recorrente dano de igual ou maior dimensão, danos estes essencialmente reputacionais, colocando em causa todo o Grupo …I que atua no mercado automóvel há quase 5 décadas, operando no setor do financiamento automóvel com marcas líderes de mercado e que detém um elevado nível de especialização, profissionalismo e seriedade.
ZZZZZ. Tendo vindo a público várias notícias, sustentadas na presente providência e agora na decisão em crise, que criam na população geral a falsa perceção de que o Grupo … (e, por extensão, a ora Recorrente que atua no mercado como financeira desse grupo), tomou ações lesivas dos seus Clientes, o que não é verdade, sendo irrefutável que nenhuma sociedade do Grupo … ou …esteve envolvida nas vendas dos veículos aos Requerentes, muito menos lhes tendo criado a convicção de que as baterias estavam incorporadas no veículo e/ou que não careciam de aluguer.
AAAAAA. Portanto, tem-se por certo que a Recorrente viu abalada a sua credibilidade no mercado por factos que não praticou, o que, salvo o devido respeito, não se trata de dano inferior ao visado pela presente providência.
BBBBBB. No que respeita ao “fumus boni juris”, tal como é insuficiente a alegação do direito, não é exigida a certeza quanto à sua existência, bastando que esta possa afirmar-se com suficiente probabilidade.
CCCCCC. Já quanto ao “periculum in mora”, deve ser o corolário de um conjunto mais ou menos extenso de factos que, de acordo com regras da experiência, permitam afirmar a necessidade de uma intervenção judicial com vista a evitar a consumação, o agravamento ou a repetição da lesão.
DDDDDD. No caso, se a providência foi proposta contra quem não praticou o ato lesivo dos interesses dos Requerentes, torna-se óbvio que a decisão ora em crise nunca será suscetível de evitar o agravamento ou a repetição da lesão, impondo-se, por isso, que esta decisão seja revogada.
EEEEEE. Como é sabido, a finalidade específica da providência é evitar o dano proveniente da demora da tutela da situação jurídica, obviando ao denominado periculum in mora e se este faltar, isto é, se o requerente da providência não se encontrar na iminência de sofrer uma lesão grave e dificilmente reparável, a providência não pode ser decretada.
FFFFFF. A gravidade da previsível lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, passíveis de ressarcimento através de restituição natural ou de indemnização substitutiva, sendo o periculum in mora, verdadeiramente, um elemento constitutivo da providência requerida: a falta dele obsta ao seu decretamento.
GGGGGG. No caso dos autos, inexistindo impedimento à circulação dos veículos dos Requerentes e porque as partes não são as legítimas, será forçoso concluir que esta medida cautelar não pode ser mantida por falta de verificação dos seus mais elementares requisitos, previstos nos artigos 368º, 362º e nº 1 do 365º do CPC.
HHHHHH. Irrelevando nesta matéria a análise da licitude sobre a intervenção, por via informática, nos veículos dos Requerentes, que nem sequer é a sede própria para o efeito, muito menos servindo de requisito ao decretamento desta providência, desde logo por não consubstanciar facto provado e imputável à Recorrente ou, em rigor, a qualquer uma das partes requeridas.
Da inversão do contencioso
IIIIII. Nos termos do que dispõe o art.º 369.º, n.º 1 do CPC “o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.”.
JJJJJJ. No caso dos autos, entende o Tribunal que “Os Requerentes pedem, apenas, o cumprimento dos contratos e é evidente para qualquer pessoa que de boa fé que têm direito a exigi-lo.”.
KKKKKK. A Recorrente não celebrou nenhum contrato com os Requerentes, nem se vinculou a nenhuma obrigação de resultado, quem o fez foi a 1ª Requerida, conforme aliás resulta, à saciedade, da prova documental constante dos autos.
LLLLLL. Por outro lado, não foram apurados nos autos factos que permitam a definitiva composição do litígio, até porque, como bem refere o Douto Tribunal a quo, não existe certeza sobre a entidade que praticou o ato de bloqueio de carregamento, sabendo-se, no entanto, que tal facto não resultou provado como sendo atribuível a nenhuma das partes Requeridas.
MMMMMM. Também acresce que, se não se verificam os pressupostos necessários ao decretamento da providência, obviamente que não existem factos suficientes que permitam dispensar os Requerentes da propositura da ação principal.
NNNNNN. Não resultando de forma alguma claro que, estamos perante a evidência dos direitos dos Requerentes no seu estatuto de consumidores, o que não se verifica.
OOOOOO. Até porque, com exceção da Requerente H…, por falta e alegação e prova quanto ao modo de utilização do veículo, a verdade é que todos os restantes Requerentes utilizam os veículos ao abrigo de uma atividade profissional, concretizando, são veículos que se dedicam ao transporte de pessoas (TVDE).
PPPPPP. Como é sabido, dispõe o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que por Consumidor se entende uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
QQQQQQ. No caso dos autos, além da larga maioria dos Requerentes serem pessoas coletivas, resultou provado que os Requerentes utilizam os veículos no âmbito de uma atividade profissional e, por isso, é forçoso concluir que os mesmos não integram o conceito de consumidores.
RRRRRR. Mais, os Requerentes, a ver da Recorrente viram-se envolvidos numa venda que, além de defeituosa, integra a figura jurídica da venda de bem alheio.
SSSSSS. Nos termos do Artigo 892.º do Código Civil (doravante somente CC), “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar.”
TTTTTT. Sendo que, nos termos do art.º 894.º do CC, uma das consequências da nulidade da venda de bem alheio é a restituição do preço ao comprador de boa fé.
UUUUUU. Em alternativa, podem os compradores, aqui Requerentes, exigir à 1ª Requerida a obrigação de convalidação do negócio, isto porque, estando o comprador de boa-fé, como se acredita ser o caso, aquele pode exigir do vendedor a obrigação de sanar a nulidade da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido. (art.º 897.º do CC).
VVVVVV. Importa realçar que a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente mas não tem quaisquer efeitos no que se reporta ao dono da coisa, perante o qual aquela venda lhe é ineficaz.
WWWWWW. Ou seja, não se pode concluir de outra forma senão a de que o dono pode reivindicar a coisa, diretamente, do comprador do bem alheio, através das ações típicas de defesa da propriedade.
XXXXXX. Aplicado ao caso concreto, temos que uma sociedade belga do Grupo .., na qualidade de titular do direito de propriedade sobre as baterias e não tendo intervindo no negócio de compra e venda realizado entre os Requerentes e a 1ª Requerida, legalmente, tem o direito de reivindicar as baterias, mesmo junto dos Requerentes de boa fé,
YYYYYY. Cabendo ao vendedor (i) indemnizar o terceiro comprador de boa-fé, ou (ii) adquirir as baterias e sanar o vicio do negócio celebrado com estes (o qual se terá por convalidado).
ZZZZZZ. Controvertido que entendeu o Tribunal a quo o tema da propriedade das baterias, parece claro que inexiste fundamento para, em primeira linha, manter a providência, e depois para deferir a inversão do contencioso.
AAAAAAA. O Tribunal recorrido não cuidou de percecionar devidamente os factos provados e subsumi-los às normas jurídicas relevantes, razão pela qual, salvo o devido respeito, a douta decisão em crise encerra em si mesmo uma grave distorção jurídica que urge ser revogada e substituída por outra decisão que aplique, de forma correta e isenta, o direito aos factos provados.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA EM CONFORMIDADE, SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»

Por sua vez a Recorrente “R…, SA”, terminou as suas alegações de recurso com as seguintes
CONCLUSÕES
«A. A aqui Apelante não aceita, nem se conforma, com o sentido da Douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo sua firme convicção que merecem censura, quer a matéria de facto, quer a matéria de Direito consideradas pela douta Sentença de que ora se recorre.
B. Insurge-se a Recorrente, em primeira linha, contra a decisão proferida a propósito do incidente do valor da causa, o qual ditou que o Tribunal recorrido se julgasse competente para o Julgamento da demanda, quando não o era.
C. A R… igualmente não se pode conformar com o facto de a Mm. ª Juiz do Tribunal a quo ter considerado preenchidos os pressupostos de que dependeria o decretamento da providência sem a prévia audiência das Requeridas.
D. Vem o presente recurso igualmente interposto contra a ostensiva omissão de pronúncia do Tribunal, levada a efeito pela decisão sob escrutínio.
E. Entende a Recorrente que, considerando os elementos de que a Mmª Juiz do Tribunal a quo dispunha aquando da prolação da Douta Sentença, designadamente, a prova documental e testemunhal produzidas, lhe era possível e exigível um sentido de decisão diverso daquele que foi seguido, o qual se impunha, em ordem à conformidade da decisão com a legislação em vigor e, em ordem ao incremento da confiança geral no poder judicial.
F. No entendimento da Recorrente, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo apreciou de forma incorrecta a prova produzida, impondo-se uma alteração da matéria de facto dada como provada e não provada.
G. Densificando o que antecede, no entendimento da ora Apelante, a matéria contida nas alíneas “a), c), d), e) e i)”, do ponto “4.” da matéria assente, jamais poderia ter sido julgada provada pela Mm. ª Juiz do Tribunal a quo, pelo menos, nos termos em que o foi, já a matéria que integra o ponto “AB” da matéria tida por não provada, sempre deveria ter sido julgada provada.
H. É ainda firme convicção da aqui Apelante que se verificou um erro de julgamento, tendo ocorrido uma incorrecta subsunção dos factos ao Direito, sendo que, ainda que sem conceder, caso não assistisse qualquer razão à Apelante no que respeita à alteração da matéria de facto que perfilha, sempre se imporia que o sentido da decisão fosse diverso daquele que foi seguido.
I. Em adição ao quanto antecede, não fora o mesmo sobejamente suficiente para impor uma decisão diametralmente oposta à que veio a ser seguida pelo Tribunal recorrido, é firme convicção da aqui Apelante que a decisão proferida igualmente merece censura no que tange ao deferimento da inversão do contencioso, já que não se encontravam, in casu, preenchidos os pressupostos de que a mesma dependeria.
J. De facto, ainda de acordo com o entendimento da aqui Apelante, para fundamentar a decisão prolatada, o Tribunal a quo não se poderia ter socorrido da utilização indiscriminada de conclusões jurídicas, como sejam, a qualificação de determinadas condutas como “ilícitas”, para o que, sempre teria de apontar para os concretos pressupostos de que tal qualificação dependeria, o que, in casu, não se verificou.
K. No que à decisão relativa ao valor da causa respeita, andou mal o douto Tribunal a quo ao subsumir o caso dos autos ao preceituado no artigo 303.º, n.º 1 do CPC, considerando que, o caso sub judice, não respeita aos designados “interesses imateriais”, nos termos e para os efeitos do preceituado no referido preceito normativo.
L. Em consonância com o entendimento perfilhado pela Jurisprudência maioritária, para não dizer unânime, as acções sobre interesses imateriais correspondem àquelas em que o objecto não tem “expressão pecuniária”, o que não se verifica no caso vertente.
M. De facto, considerando a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo para afastar a aplicabilidade do artigo 302.º, n.º 1 do CPC ao caso dos autos, parece que no entendimento perfilhado pela Mm. ª Juiz do Tribunal a quo, tal artigo se cinge às designadas acções de reivindicação, o que, salvo melhor opinião, não corresponde à melhor interpretação daquele preceito legal.
N. Considerando que, in casu, o pedido dos Requerentes corresponde ao desbloqueio das baterias dos veículos de que os mesmos se arrogam proprietários, ou utilizadores, e não sendo possível utilizar tais veículos sem recurso às aludidas baterias, facilmente se conclui que, afinal, a pretensão dos Requerentes se prende com o exercício do direito de propriedade e direitos reais menores inerentes aos veículos, tornando-se inquestionável a aplicabilidade do artigo 302.º do CPC.
O. Assim, à falta de outros elementos, o valor da presente demanda sempre terá de corresponder a €246.719,00, [somatório do valor das diversas facturas juntas aos autos pelos Requerentes], facto que atribui competência aos Juízos Centrais Cíveis para o Julgamento da causa, conforme preceituado no artigo 66.º do CPC e alíneas a) e c), do artigo 117.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 63/2013, de 26 de Agosto,
P. Destarte, torna-se incontornável que este douto Tribunal ad quem revogue tal sentido decisão, substituindo-se ao Tribunal recorrido, julgando procedente a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão do valor da causa, de acordo com os artigos 576.º e alínea a), do artigo 577.º do CPC, ordenando-se a remessa do processo para o Tribunal competente, conforme preceituado no artigo 278.º do CPC, tendo-se por inutilizados todos os actos posteriores à propositura do procedimento cautelar.
Q. Já no que respeita à decisão de decretamento da providência cautelar sem o prévio contraditório das Requeridas, a mesma encontra-se ferida de nulidade, por violação do preceituado no artigo 366.º do CPC.
R. De facto, analisados os fundamentos utilizados pelos Requerentes, facilmente constatamos que os mesmos não se afiguram suficientes para determinar o desvio à regra, condizente com o prévio exercício do contraditório, desde logo, porque os mesmos expressamente referem que a prévia audição das Requeridas “poderia comprometer a finalidade da providência”, o que não corresponde ao conceito de risco sério contido na Lei.
S. O mesmo se verificando face à “fundamentação” contida, quer na decisão preliminar, quer na Sentença de que ora se recorre, não se encontrando preenchidos, de todo, os requisitos de que depende a dispensa da prévia audiência das Requeridas.
T. De facto, a Apelante não alcança em que medida é que o assegurar do prévio contraditório das Requeridas perigasse com o fim da providência, ou pudesse implicar prejuízos dificilmente reparáveis para os Requerentes/ Recorridos.
U. Ante o quanto se acha exposto, é firme convicção da ora Apelante que, no caso sub judice, se impunha a audiência das Requeridas antes de ser proferida qualquer decisão, sendo certo que, com a omissão desse acto legal e ao julgar essa mesma nulidade improcedente, com a decisão de que se recorre, a mesma encontra-se ferida de nulidade, de acordo com o estatuído no n.º 1, do artigo 366.º e n.º 1, do artigo 195.º do CPC, cabendo a este douto Tribunal Superior que se substitua ao Tribunal a quo, revogando a decisão recorrida e julgando verificada a aludida nulidade, com todas as devidas e legais consequências.
V. Já no que tange à nulidade da douta Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia, basta ter presente o teor dos artigos 38.º a 41.º da Oposição oportunamente oferecida aos autos pela ora Apelante, para concluir que, com tal impulso processual, a mesma arguiu a nulidade da decisão proferida sem audiência das Requeridas, com fundamento na sua falta de fundamentação.
W. Ora, apesar da invocação da sobredita nulidade, a qual foi devidamente identificada pela Mm. ª Juiz do Tribunal a quo, conforme expressamente se extrai do teor da Sentença em crise, a verdade é que, a Mm.ª Juiz não toma qualquer posição acerca da mesma, termos em que, de acordo com o preceituado nos artigos 608.º e 615, n.º 1, alínea d) do CPC, a decisão encontra-se insofismavelmente ferida de nulidade, a qual segue expressamente arguida para todos os devidos e legais efeitos.
X. Já no que respeita à matéria de facto, mais concretamente, no que concerne à contida nas alíneas “a), c), d), e) e i)”, do ponto “4.” da matéria provada, referente à alegada manutenção da situação de bloqueio da possibilidade de carregar as baterias associadas aos veículos em discussão nos autos, em primeira linha, importa assinalar que, tal factualidade encontra-se em manifesta contradição com a contida no ponto 12. da douta Sentença, onde vem indiciariamente tido por provado que “Todos os veículos identificados nos autos deixaram de ter as baterias bloqueadas (cfr. informação prestada em audiência pela Ilustre Mandatária dos Requerente).”
Y. Mais, das declarações de parte dos Requerentes que foram ouvidos em juízo a 26-05-2023, mais concretamente, o Sr. … na qualidade de legal representante da sociedade comercial “E…, Lda.”, o Sr. …, na qualidade de legal representante da sociedade comercial “SD…, Lda.” e o Sr. V…, resulta que os mesmos confessaram que as baterias dos veículos que haviam adquirido à 1.ª Requerida se encontravam já desbloqueadas.
Z. Já de acordo com o Requerimento oferecido aos autos pelos Requentes a 14-03-2023, ao qual foi atribuída a referência 45004740, os mesmos confessam que todos os veículos em discussão no pleito se encontram já desbloqueados, termos em que, como bem se entenderá, impõe-se a alteração da factualidade supra transcrita de harmonia com essa mesma realidade, como consequência legal da confissão perpetrada pelos Requerentes.
AA. Ante o quanto antecede, impõe-se a alteração da referida factualidade por este Douto Tribunal Superior, passando constar das identificadas alíneas a seguinte reacção:
“4- Assim:
a) O M…, que utiliza os veículos de matrículas…e …, em virtude de contrato de leasing, viu as baterias bloqueadas em 23 e 27 de Dezembro de 2022, situação que foi entretanto desbloqueada (cfr. docs. n.ºs 2, 3, 19 e 32);
c) A empresa E… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi entretanto desbloqueada (cfr. docs. n.ºs 5 e 13);
d) A empresa SD… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi entretanto desbloqueada (cfr. docs. n.º s 6 e 14);
e) V…, que utiliza os veículos de matrículas … e …, viu as baterias bloqueadas em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi entretanto desbloqueada (docs. 8 e 9);
i) A…LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi entretanto desbloqueada (docs. n.ºs 12, 21 e 34);”
BB. Igualmente não se alcança como pôde o Tribunal a quo dar como não provada a factualidade contida em “AB.” da douta Sentença de que ora se recorre, coincidente com a disponibilidade de meios e concreta “intervenção” da R…SA no caso sub judice, factualidade essa que, no modesto entendimento da aqui Apelante, antes resultou plenamente provada.
CC. Principiando pela prova documental carreada para os autos, facilmente se constata que a ora Apelante não teve qualquer domínio ou intervenção na sequência de acontecimentos que ditaram a propositura do procedimento cautelar, nunca tendo assumido quaisquer démarches, comunicações, ou domínio relativos à importação dos veículos, à venda dos mesmos aos Requerentes, ou mesmo relativamente à questão associada ao aluguer das baterias, conforme bem se atesta pela absoluta ausência de elementos probatórios que a associem ao litígio.
DD. Mais, o próprio objecto social da R…SA, oportunamente junto aos autos com a sua certidão permanente de registo comercial, que consiste no “comércio de veículos automóveis, respetivas peças e acessórios, bem como o exercício da atividade de intermediário de crédito”, bem atesta que a actividade da Apelante nada tem a ver com o aluguer de baterias.
EE. Não fosse o que antecede suficiente, que no entendimento da Apelante era, da análise cuidada e atenta da prova testemunhal, designadamente do depoimento da Sra. …, o qual ficou gravado em acta no dia 28-04-2023, das 14:14 às 14:54 e ainda do Sr. …, o qual ficou gravado em acta no dia 28-04-2023, das 14:54 às 15:12, igualmente se retira a ilegitimidade substantiva da R…SA no caso sub judice.
FF. De facto, do depoimento da Sra. …, é possível retirar que, por um lado, a R…SA não se dedica ao sector dos veículos usados importados, bem assim, que a mesma nunca se dedicou ao negócio do aluguer de baterias, não dispondo de meios aptos a promover o bloqueio, ou desbloqueio de baterias, o que se retira do já identificado depoimento, [entre o minuto 08:33 e o minuto 09:04, entre o minuto 17:18 e o minuto 17:47, entre o minuto 21:17 e o minuto 21:39, entre o minuto 22:18 e o minuto 23:10 e entre o minuto 33:52 e o minuto 34:20].
GG. A iguais conclusões chegamos, se auscultarmos o depoimento do Sr. …, o qual, de forma absolutamente verosímil e espontânea, esclareceu que, através das ferramentas de diagnóstico, a R…SA e os seus concessionários têm acesso à informação relativa ao fundamento do bloqueio, ainda assim, não conseguem bloquear, ou desbloquear as baterias de tracção, mais informando que desconhece quem é a entidade que envia a mensagem remota que potencia a inibição de carregamento das baterias de tracção dos veículos, não tendo dúvida nenhumas de que essa entidade não é a R…. Tal factualidade resulta do já identificado depoimento, mais especificamente, entre o minuto 05:20 e o minuto 05:54, entre o minuto 06:30 e o minuto 07:36 e entre o minuto 10:34 e o minuto 11:03.
HH. Ante o quanto antecede, afigura-se à ora Apelante que a douta Sentença sob escrutínio enferma de ostensivo erro de julgamento, também no que à matéria de facto tida por não provada respeita, já que opera à distorção da realidade provada, quer documentalmente, quer através de factos notórios, bem assim, do que foi alegado de forma absolutamente verosímil pelas testemunhas inquiridas, resultando assim evidente, não só a impossibilidade de a R…SA promover ao bloqueio/ desbloqueio das baterias, mas também a ausência de qualquer intervenção no caso dos autos.
II. Destarte, resulta para a aqui Recorrente indiscutível a inadmissibilidade da manutenção dos aludidos factos contidos em “AB” na douta Sentença recorrida como não provados, antes se impondo que este Douto Tribunal de Recurso se substitua ao Tribunal a quo, julgando essa mesma factualidade por provada, nos termos e para os efeitos do preceituado no n.º 1, do artigo 662.º do CPC.
JJ. Perante a supra preconizada alteração da matéria de facto, donde se extrai que a Apelante não foi parte em qualquer operação de gestão dos contratos de aluguer das baterias em discussão nos autos, não ordenou o seu bloqueio, nem o subsequente desbloqueio, não dispondo igualmente de meios aptos a condicionar o funcionamento das baterias, seja executando por si qualquer operação, seja ordenando a qualquer entidade que o faça, e considerando que o pedido das Requerentes consiste no “desbloqueio imediato e definitivo (…) das viaturas que são propriedade dos requerentes”, facilmente se conclui que a decisão de decretamento da providência face à ora Apelante corresponde à condenação da mesma num objecto impossível, o que não é conforme ao Direito, impondo-se que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo seja revogada por este douto Tribunal ad quem, modificando-se a decisão proferida, por uma outra que julgue a R…SA parte substantivamente ilegítima no presente pleito, absolvendo a mesma dos pedidos das Requerentes, com todas as devidas e legais consequências.
KK. Sem prejuízo do quanto antecede, importa assinalar que, mesmo não viesse a ser dado provimento à alteração da matéria de facto nos termos referidos, o que sem conceder ora se admite por dever de patrocínio, sempre se impunha um sentido de decisão diverso, desde logo porque, no entendimento da ora Apelante, a própria utilidade e aptidão da douta Sentença de que ora se recorre para promover a justa composição do litígio encontram-se irremediavelmente comprometidas, considerando que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo confessa desconhecer a identidade da entidade que dispõe dos meios necessários em ordem ao bloqueio, ou desbloqueio das baterias.
LL. Vejamos, ao decretar a providência nos termos em que o fez, o Tribunal a quo não cuidou de acautelar que a decisão vinculasse a entidade que concretamente dispõe da possibilidade de bloquear, ou bloquear as baterias, com o que, resultou irremediavelmente condicionada toda e qualquer utilidade da Sentença, o que, salvo melhor opinião, colide com a proibição contida no artigo 130.º do CPC, impondo a revogação da Sentença proferida, o que, mui respeitosamente se requer.
MM. Em adição, importa assinalar que, atendendo ao pedido e à causa de pedir dos presentes autos, correspondendo o primeiro dos mesmos ao desbloqueio e manutenção do desbloqueio das baterias, e o segundo à alegada circunstância de se ter verificado um bloqueio ilícito dessas mesmas baterias (conforme vem alegado pelas Requerentes), apenas competia ao Tribunal a quo ocupar-se da questão da eventual ilicitude do bloqueio.
NN. Assim, ao pronunciar-se acerca da eventual responsabilidade do produtor (por via do mecanismo que permite o bloqueio), da licitude ou ilicitude de negócios jurídicos celebrados no estrangeiro, a Mm. ª Juiz determinou a nulidade da douta Sentença de que ora se recorre, por excesso de pronúncia, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi, artigo 608.º do CPC.
OO. Adicionalmente, ainda que o que antecede não se verificasse, que verifica, no entendimento da ora Recorrente, a douta Sentença sob escrutínio igualmente padece de erro de direito, ao ter subsumido o caso sub judice ao regime jurídico associado ao direito do consumo (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), bem assim, ao regime jurídico da venda de bens de consumo (fosse em aplicação do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, fosse do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro), desde logo porque, como resulta do próprio Requerimento Inicial, tal regime jurídico não se aplica ao presente pleito.
PP. O que antecede resulta, inequivocamente, da cuidada e conjugada análise da alínea a), do artigo 1.º-B e do n.º 1, do artigo 1.º- A do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, da alínea g), do artigo 2.º e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, bem assim, do disposto no n.º 2, da Lei n. º 24/96, de 31 de Julho, donde resulta que os Requerentes não preenchem os requisitos de que dependeria a sua qualificação como consumidores para efeitos de aplicação dos referidos diplomas, o que impõe a revogação da Sentença assim prolatada, com todas as devidas e legais consequências, já que a mesma assenta nessa mesma qualificação.
QQ. Mais se diga que igualmente andou mal a Sentença proferida no que ao decretamento da inversão do contencioso respeita, considerando que não se acham preenchidos os pressupostos legais de que dependeria uma tal decisão, mormente, os compreendidos no n.º 1, do artigo 369.º do CPC.
RR. De facto, um dos referidos pressupostos passa pelo facto de o Julgador adquirir a “convicção segura acerca da existência do direito acautelado”, pressuposto que, in casu, atendendo aos fundamentos factuais e jurídicos da Sentença recorrida, jamais se poderá julgar preenchido, já que a Mm. ª Juiz do Tribunal a quo não atendou a todos os factos relevantes para a decisão, desde logo, se quem vendeu os veículos aos Requerentes era proprietário da bateria.
SS. Ainda no que ao pressuposto que antecede concerne, não se consegue perceber em que medida poderia a Mm. ª Juiz considerar que o procedimento cautelar havia adquirido todos os elementos relevantes para a boa e definitiva decisão do pleito, quando a situação material controvertida está a ser investigada pelas competentes instâncias criminais, existindo já, inclusivamente, detenções, apreensões, entre outras, não sendo de ignorar que a factualidade que venha a ser revelada terá seguramente preponderância para a decisão de fundo dos presentes autos.
TT. Por fim, basta revisitar o que ficou já exposto acerca do desconhecimento acerca da concreta entidade que operou, ou ordenou, o bloqueio das baterias, para perceber que a douta Sentença não se acha adequada à composição definitiva do litígio, outro dos pressupostos da referida inversão do contencioso, termos em que, impõe-se a este douto Tribunal Superior que revogue a decisão assim proferida, substituindo-se ao Tribunal recorrido através do indeferimento de tal pretensão dos Requerentes.
UU. Por tudo quanto antecede, torna-se inevitável e imperioso que este douto Tribunal ad quem, aprecie devidamente as questões suscitadas, modificando e revogando a douta decisão em conformidade com o Direito e Justiça.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e por essa via:
a) Deve ser dado provimento à excepção dilatória de incompetência do Tribunal recorrido, nos termos supra preconizados, com todas as devidas e legais consequências;
subsidiariamente,
b) Deve ser dado provimento à nulidade aduzida, por via da dispensa da prévia audiência das Requeridas, nos termos supra preconizados, com todas as devidas e legais consequências;
subsidiariamente,
c) Deve ser dado provimento à nulidade aduzida, por via da omissão de pronúncia, nos termos supra preconizados, com todas as devidas e legais consequências;
subsidiariamente,
d) Deve o douto Tribunal Superior substituir-se ao Tribunal Recorrido, alterando a matéria de facto nos termos supra preconizados;
e) Deve ser revogada a Douta Decisão do Tribunal a quo, substituindo-se este Douto Tribunal Superior àquele, julgando a acção improcedente, absolvendo a Requerida/Recorrente do pedido, com todas as devidas e legais consequências; subsidiariamente,
f) Deve ser revogada a Douta Sentença recorrida, no que à inversão do contencioso concerne, nos termos supra preconizados, sendo indeferida a pretensão dos Requerentes, com todas as legais consequências, fazendo-se assim,
A COSTUMADA E SÃ JUSTIÇA.».
*
Os Recorridos (Requerentes da providência) apresentaram contra‑alegações a ambos os recursos, pugnando pela manutenção do decidido.
*
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
**
É sabido que nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, tendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que essa limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Por outro lado, dentre as questões que lhe caiba conhecer, o Tribunal apenas apreciará aquelas cujo conhecimento não fique prejudicado por outras precedentemente conhecidas, o que importa que as questões suscitadas pelo recorrente sejam apreciadas de acordo com a sua ordem de precedência lógica.
Assim, sem prejuízo de alguma questão de conhecimento oficioso e de a apreciação de alguma ou algumas questões ficar prejudicada pelo conhecimento de outra ou outras, as questões a decidir são as seguintes:
(a) Nulidade da decisão que dispensou o contraditório prévio – ou seja, se ocorreu violação do princípio do contraditório – e se, face à improcedência da arguição dessa nulidade (decidida na sentença), esse vício determina a nulidade da sentença recorrida (ambos os recursos);
(a.i) subsidiariamente, se a decisão que recaiu sobre a arguição daquele vício padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não ter tomado posição acerca da invocada falta de fundamentação da decisão de dispensa do contraditório prévio (recurso da R..SA);
(b) Valor da causa e, em decorrência dele, incompetência do Tribunal em razão do valor (recurso da R…SA);
(c) Alteração da matéria de facto (ambos os recursos);
(d) Errada aplicação do Direito aos factos/falta de verificação de fundamentos para o decretamento/manutenção da providência (ambos os recursos) com repercussão na invocada falta de personalidade judiciária da Recorrente “R…B..” e com repercussão na invocada ilegitimidade substantiva da Recorrente R…SA;
(e) Nulidade da sentença por excesso de pronúncia (recurso da R…SA);
(f) Falta de pressupostos para a inversão do contencioso (ambos os recursos).
II – FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
«1- Os Requerentes compraram ou utilizam veículos eléctricos automóveis, que são todos veículos eléctricos da marca …, modelo …;
2- Todos os veículos foram adquiridos no Stand da 1.ª Requerida, com baterias incorporadas, em normal funcionamento, possibilitando a submissão a cargas sempre que fosse necessário, cfr. será normal na utilização deste tipo de veículo (docs. 13 a 21);
3- Entre 22 e 23 de Dezembro, os referidos veículos viram as suas baterias bloqueadas remotamente, por meios informáticos, o que impede as respectivas utilizações (docs. n.ºs 22 a 27);
4- Assim:
a) O M…, que utiliza os veículos de matrículas … e …, em virtude de contrato de leasing, viu as baterias bloqueadas em 23 e 27 de Dezembro de 2022, situação que se mantém (cfr. docs. n.ºs 2, 3, 19 e 32);
b) A empresa S… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi desbloqueada em 02 de Fevereiro de 2023 (cfr. doc. n.ºs 4, 18 e 30);
c) A empresa E…LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que se mantém (cfr. docs. n.ºs 5 e 13);
d) A empresa SD…LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que se mantém (cfr. docs. n.º s 6 e 14);
e) V…, que utiliza os veículos de matrículas … e …, viu as baterias bloqueadas em 22 de Dezembro de 2022, situação que se mantém (docs. 8 e 9);
f) M…, LDA que utiliza o veículo de matrícula…, viu a bateria bloqueada em 23 de Dezembro de 2022, situação que foi desbloqueada em 03 de Fevereiro de 2023 (doc. n.º 15);
g) GP…LDA, que utiliza os veículos de matrícula … e …, viu as baterias bloqueadas em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi desbloqueada em 05 de Janeiro de 2023 (docs. 10 e 16, 20, 28 e 33);
h) H…, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que foi desbloqueada em 02 de Fevereiro de 2023 (cfr. docs. n.ºs. 11, 17 e 31);
i) A… LDA, que utiliza o veículo de matrícula …, viu a bateria bloqueada em 22 de Dezembro de 2022, situação que se mantém (docs. n.ºs 12, 21 e 34);
5- Quando os Requerentes se procuraram inteirar do sucedido, a 3.ª Requerida informou:
- Em 02-02-2023: “(…) Exmo(a) Sr(a) GP… LDA - …, VIN: …
A …. S.A. (…) vem por este meio informar de que o veículo elétrico acima identificado adquirido por V. Exa. inclui uma bateria que é propriedade da … e que está sujeita a um contrato de aluguer de bateria.
Alertamos que para continuar a poder utilizar a referida bateria e evitar o seu bloqueio, deverá regularizar a situação junto da … nos próximas 30 (trinta) dias a contar da data de receção da presente comunicação, podendo para este fim adquirir a mesma bateria, ou proceder à ativação do contrato de aluguer.
Para regularizar a sua situação deverá iniciar o seu processo Online, através da página … na área de Baterias, onde poderá consultar a bateria em questão e iniciar o processo de ativação ou aquisição da mesma.
https://www....
Com os nossos melhores cumprimentos, Departamento de Gestão de Baterias … (…)” – doc 29
- Em 01-02-2023: “(…) Estimado Cliente, Antes de mais, lamentamos todo o transtorno causado com o bloqueio de carregamento da sua bateria e reiteramos que o mesmo não foi realizado em Portugal pela ….
Segundo a informação de que dispomos, esta Bateria estava registada noutra filial europeia da …, que, em consequência da alegada burla, não tinha qualquer informação sobre a importação do veículo e bateria para Portugal.
No seguimento do seu processo de desbloqueio de bateria … equipada no veículo …, após análise da documentação enviada e estando sensível a … para a sua situação, foram encetados esforços para conseguirmos apresentar condições especiais para a aquisição da bateria em causa.
Valor Bateria: 0€
Valor Final: 0€
Esta proposta é válida pelo prazo de 15 dias a contar da Data de envio da mesma.
Ao ver a sua situação regularizada connosco através da compra da bateria passará a beneficiar de um certificado de garantia de bateria.
O pagamento relativo à aquisição da bateria em causa deverá ser realizado por transferência bancária, para o IBAN indicado em baixo, devendo de seguida enviar-nos o comprovativo da referida transferência, bem como os dados de faturação.
IBAN PT50 ….
Estamos a acompanhar o pedido de desbloqueio temporário junto da filial europeia …, que segundo as últimas informações, já procedeu ao desbloqueio da mesma.
Ficamos a aguardar a sua resposta à proposta enviada com vista à resolução definitiva desta situação. Com os nossos melhores cumprimentos, Departamento de Atenção Cliente ….  (…)” – cfr. doc. 30;
- Em 31-01-2023: “(…) Estimado Cliente, Antes de mais, lamentamos todo o transtorno causado com o bloqueio de carregamento da sua bateria e reiteramos que o mesmo não foi realizado em Portugal pela ….
Segundo a informação de que dispomos, esta Bateria estava registada noutra filial europeia da …, que, em consequência da alegada burla, não tinha qualquer informação sobre a importação do veículo e bateria para Portugal.
No seguimento do seu processo de desbloqueio de bateria …, equipada no veículo …, após análise da documentação enviada e estando sensível a …para a sua situação, foram encetados esforços para conseguirmos apresentar condições especiais para a aquisição da bateria em causa.
Valor Bateria: 7380.00000000000€
Valor Final : 3690.00000000000€
Esta proposta é válida pelo prazo de 15 dias a contar da Data de envio da mesma.
Ao ver a sua situação regularizada connosco através da compra da bateria passará a beneficiar de um certificado de garantia de bateria.
O pagamento relativo à aquisição da bateria em causa deverá ser realizado por transferência bancária, para o IBAN indicado em baixo, devendo de seguida enviar-nos o comprovativo da referida transferência, bem como os dados de faturação.
IBAN PT50…
Estamos a acompanhar o pedido de desbloqueio temporário junto da filial europeia…, que segundo as últimas informações, já procedeu ao desbloqueio da mesma.
Ficamos a aguardar a sua resposta a proposta enviada com vista à resolução definitiva desta situação.
Com os nossos melhores cumprimentos,
Departamento de Atenção Cliente …  (…)” – cfr. doc. n.º 31
- Em 05-01-2023: “(…) Estimado/a Cliente, Desde já lamentamos toda a situação que nos descreveu, e acrescentamos que a … Services não compactua com qualquer tipo de burla ou falta de verdade.
No seguimento do exposto por V. Exa, informamos que as baterias com os VIN's indicado são de aluguer conforme poderá verificar no nosso site: https://....
Uma vez que a viatura foi imediatamente vendida a um terceiro após chegada a Portugal, conforme informação facultada, é possível fazer o contrato diretamente em nome de V. Exa desde que concorde com a data inicio igual à que consta na data de transmissão da DAV.
Para emissão de novos contratos de aluguer de bateria, solicitamos a seguinte documentação:
- KM/ANO que pretende contratar (https://....)
- Certidão Permanente (se for empresa)
- Comprovativo de morada
- Comprovativo do IBAN
- Cópia do CC ou BI ou Título de Residência e nº contribuinte
- Ficha de Política de Privacidade
- DAV (se não tiver a DAV em alternativa a fatura de compra + o DUA)
Após a receção dos documentos será emitido o contrato que deverá ser assinado e rubricado e enviado para a… juntamente com o comprovativo de um seguro da bateria, no valor a indicar, consoante o modelo e data da matrícula, com os direitos ressalvados á ….
Aproveitamos também a oportunidade para informar que poderá também realizar aquisição da bateria, eliminando assim a necessidade de cedência contratual e facilitando qualquer processo de venda da viatura em causa.
Para melhor facilidade no tratamento dos seus emails, agradecemos que utilize esta referência em futuras comunicações sobre este processo.
Com os melhores cumprimentos,

DEPARTAMENTO DE APOIO AO CLIENTE
Telef.: +351 … (chamada para a rede fixa nacional) (…)” – cfr. doc. n.º 32
- Em 05-01-2023: “(…) Estimado/a Cliente, No seguimento do seu pedido, informamos que em caso de ausência de contrato de aluguer ou aquisição da bateria, a … Services sendo a proprietária da mesma pode proceder ao bloqueio do carregamento.
Com os melhores cumprimentos,

 DEPARTAMENTO DE APOIO AO CLIENTE Telef.: +351 … (chamada para a rede fixa nacional) (…)” – cfr. doc. n.º 34
- Em 04-01-2023: “(…) Estimado/a Cliente, No seguimento do exposto por V. Exa, informamos que a bateria com o VIN indicado é de aluguer conforme poderá verificar no nosso site:
https://....
Informamos que os contratos iniciais têm de ser emitidos em nome do importador.
Uma vez que a viatura foi imediatamente vendida a um terceiro após chegada a Portugal, conforme informação facultada, é possível fazer o contrato diretamente em nome de V. Exa desde que concorde com a data inicio igual à que consta na data de transmissão da DAV.
Para emissão do novo contrato de aluguer de bateria, solicitamos a seguinte documentação:
- KM/ANO que pretende contratar (https://...)
- Certidão Permanente (se for empresa)
- Comprovativo de morada com menos de 3 meses de validade
- Comprovativo do IBAN com menos de 3 meses de validade
- Cópia do CC ou BI ou Titulo de Residência e nº contribuinte
- Ficha de Política de Privacidade - DAV (se não tiver a DAV em alternativa a fatura de compra + o DUA)
Após a receção dos documentos será emitido o contrato que deverá ser assinado e rubricado e enviado para a … juntamente com o comprovativo de um seguro da bateria, no valor a indicar, consoante o modelo e data da matrícula, com os direitos ressalvados á ….
Aproveitamos também a oportunidade para informar que poderá também realizar aquisição da bateria, eliminando assim a necessidade de cedência contratual e facilitando qualquer processo de venda da viatura em causa.
Para melhor facilidade no tratamento dos seus emails, agradecemos que utilize esta referência em futuras comunicações sobre este processo.
Com os melhores cumprimentos,
… (…)” – cfr. doc. 34
- Em 10-01-2023: “(…) Estimado Cliente, Sr.ª …
No seguimento ao exposto por Vossa Excelência, informamos:
a) O bloqueio das baterias foi efectuado pelo país de origem das mesmas;
b) Deverá junto do site da … (…) verificar o estado da bateria (COMPRA/ALUGUER) e/ou solicitar a aquisição da mesma;
c) Poderá solicitar ajuda pelo correio electrónico (apoio@....pt). – doc. n.º 36
6- As 1.º e 3.ª Requeridas, quando confrontadas com os factos referidos em 2 a 4, tomaram posições públicas nos órgãos de comunicação social, sendo que os Requerentes continuam sem ser informados de como é possível, remotamente, terem sido privados do uso dos seus veículos, e, ainda, qual dos três requeridos promoveu esses bloqueios e que entidade, na prática, os efetuou (cfr. endereços de correio electrónico indicados no douto Requerimento Inicial);
7- Os Requerentes, cujas baterias foram desbloqueadas receiam que tal desbloqueio tenha sido temporário, porque os veículos têm uma ferramenta que vem implementada de fábrica nos automóveis, sem que tivessem sido advertidos do fim a que se destina, podendo a qualquer altura terceiro bloquear o sistema de carregamento elétrico e impossibilitar os seus utilizadores de usar as viaturas;
8 - A … é produtora dos veículos da sua marca, tendo permitido/operado a inclusão do sistema de bloqueio referido em 3 (conforme resulta da referida qualidade de produtora).
Na sequência da dedução de Oposições
9 - Foi criada uma plataforma em setembro de 2022 e pode ser acedida: Baterias … (….pt), na qual qualquer interessado (potenciais compradores de veículos, atuais proprietários de veículos) pode verificar se determinado veículo tem associado um contrato de aluguer de bateria.
10- Os Sistema OBD dos veículos identificavam todos, às datas dos respectivos bloqueios e até que fossem efectuadas as competentes alterações em sistema: “Carga recusada. Contrato bloqu.” - cfr. doc. s 22 a 27, juntos com o Requerimento Inicial);
11- Relativamente aos veículos dos presentes autos com as matrículas
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
… (n.º de chassis: …)
as 2.ª e 3.ª Requeridas são detentoras de documentos identificados como “Protocolo relativo à entrega da bateria e à exigência de contrato de aluguer de bateria pela entidade …”, conforme cópias juntas como docs. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 da Oposição da 3.ª Requerida, estando convictas das suas autenticidades.
12- Todos os veículos identificados nos autos deixaram de ter as baterias bloqueadas (cfr. informação prestada em audiência pela Ilustre Mandatária dos Requerente).
Factos não provados
Da douta Oposição da RCI:
a. A sua intervenção foi de colaboração e interlocutora com a sucursal da Bélgica.
b. O bloqueio foi efetuado pela sucursal com domicílio na Bélgica
c. Os veículos circulavam na Bélgica e tinham um contrato de aluguer da bateria entre a entidade da Bélgica e os proprietários dos veículos
d. A entidade que comercializa os veículos estava informada e tinha a obrigação de providenciar pela celebração dos contratos de aluguer de bateria pelos adquirentes dos veículos, dado que a mesma não adquiriu as baterias.
e. Os veículos em causa são elétricos da marca …, sendo que a bateria de tração não faz parte do veículo, sendo disponibilizada, nos veículos matriculados em Portugal, por meio de contrato de aluguer com a entidade …, SA. (não provado porquanto no artigo 64 da douta Oposição se misturam genericamente várias alegações, para se concluir quanto ao caso concreto dos veículos dos autos, sendo que nada se provou quanto a intervenção, no caso, da …, SA. ou quanto à existência de contratos de aluguer relativos às baterias dos autos, por absoluta falta de prova do alegado);
f. Este tem sido o procedimento adotado na produção e venda destes veículos elétricos da marca …, não havendo venda de veículos com a bateria incorporada (por se ter feito prova do contrário, conforme depoimentos das testemunhas arroladas pela 3.ª Requerida).
g. Para cada um dos veículos dos autos é possível consultar a informação constante da plataforma e verificar que estão sujeitos à celebração de contrato de aluguer de bateria, uma vez que esta não é parte integrante do mesmo (por não ter sido feita prova do alegado).
i. E a … assinou o compromisso relativo a veículo elétrico com aluguer de bateria, onde consta expresso que o veículo adquirido tem uma bateria de aluguer e será obrigado a celebrar o respetivo contrato de aluguer de bateria (conforme cópia junta como doc. 12);
j- Esta entidade que adquiriu as viaturas e a 1.ª Requerida pertencem à mesma marca, …, que atua no âmbito do comércio automóvel, nomeadamente de veículos elétricos, conforme resulta da página de internet em hppts://….pt/ Empresa e do logotipo que a requerida D…, Lda. usa nas faturas juntas aos autos como documentos 13 a 22;
k- Na equipa da empresa aparece como CEO a pessoa que assina os documentos juntos como documentos 1 a 12 com a oposição.
L- Sendo sócio gerente I…, ou seja, a mesma pessoa que representa a primeira requerida;
M- Não houve qualquer venda das baterias dos veículos indicados nos presentes autos por parte da sua legitima proprietária;
N- Não tendo sido celebrado qualquer contrato de aluguer de bateria para os veículos em causa, a entidade proprietária das baterias foi obrigada a proceder ao bloqueio das mesmas (cfr. artigo 94 da Oposição da 2.ª Requerida);
T-Nessa data a proprietária das baterias nem tinha conhecimento de quem eram os utilizadores das mesmas ou em que local se encontravam.
U- A proprietária das baterias tolerou a situação durante alguns meses na expetativa de a mesma ser resolvida e serem celebrados os contratos de aluguer de bateria.
V- Contudo, tal não ocorreu e a situação tornou-se incomportável, pelo que foi necessário tomar as diligências de bloqueio das baterias.
X- Como entidade mais próxima do ocorrido e com o fim de resolver a situação a 3.ª Requerida prestou todo o seu apoio e colocou-se à disposição, tendo prestado as informações necessárias.
Z-Nessa medida, foi solicitado o contato com a entidade responsável pelo aluguer das baterias em Portugal, a …, SA., para que a situação fosse regularizada.
AA- Com vista a evitar danos reputacionais face à evolução do caso, tendo-se verificado que a primeira requerida não cumpriu com a sua obrigação de promover a celebração dos contratos de aluguer de bateria, mesmo sem haver contato dos adquirentes dos veículos, as baterias foram desbloqueadas, em momentos não concretamente apurados.
AB- A sucursal Belga da …, SA. é proprietária das baterias
Da douta Oposição da 2.ª Requerida (…)
AB- Nem a R… S. A., nem a marca, dispõem dos meios aptos a promover o bloqueio, ou desbloqueio das viaturas.
A 2.ª Requerida não foi parte no processo de decisão relativo ao bloqueio das baterias, o qual desconhece. (Por se ter feito prova do contrário; há uma infraestrutura informática que foi accionada, de forma que as Requeridas não concretizam, e através da qual foi operado primeiro o bloqueio e depois o desbloqueio das baterias).».

Relevam ainda os seguintes aspectos fácticos retirados da tramitação processual:
A - Do relatório da sentença inicialmente proferida consta a pronúncia sobre a dispensa do contraditório prévio, nos seguintes termos : «Em face do exame da documentação constante dos autos, do qual resulta, à saciedade, a demonstração dos factos essenciais à procedência da providência, e dado que a audição das Requeridas poderia colocar [em risco] o fim da providência, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários, dispenso a abertura do contraditório e consigno que os autos reúnem, desde já, elementos bastantes para a decisão – cfr. artigos 366º e 369º, nº 1 a contrario do Código de Processo Civil.»
B – Na sentença final, que se encontra sob recurso, num capítulo dedicado às questões processuais invocadas que podem ser conhecidas em momento prévio à motivação de facto, foi apreciada e decidida a invocada nulidade da decisão de dispensa do contraditório prévio, nos seguintes termos:
«A 2.ª e 3.ª Requeridas invocam que não se verificam os pressupostos para a dispensa de contraditório, previstos no artigo 366.º do Código de Processo Civil.
Depois, concluem que a decisão seria nula, por violação da acima citada disposição e por falta de fundamentação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 366.º do Código de Processo Civil que o tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
No caso, foi dispensa da audição das Requeridas com a seguinte fundamentação:
“Em face do exame da documentação constante dos autos, do qual resulta, à saciedade, a demonstração dos factos essenciais à procedência da providência, e dado que a audição das Requeridas poderia colocar o fim da providencia, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários, dispenso a abertura do contraditório e consigno que os autos reúnem, desde já, elementos bastantes para a decisão – cfr. artigos 366.º e 369.º, n.º 1 a contrario do Código de Processo Civil. (…)”.
Ora, o que resultava indiciado à data da dispensa do contraditório é que o Grupo Económico … estava a actuar à margem da legalidade, como poder de facto, tendo lançado mão dos recursos informáticos de que dispunha para colocar particulares, empresas e, até, uma Junta de Freguesia, “de joelhos”, ao não poderem utilizar os veículos automóveis que haviam comprado.
Assim sendo, o procedimento cautelar não visava prevenir um mal mas, sim, impedir a sua continuação, num quadro de actuação ilícita, levado a cabo por um grupo económico internacional que, num jogo de espelhos, se pretende manter atrás da actuação de uma sucursal (a 3.ª Requerida) que, muito embora não assumisse o bloqueio das baterias procurava ir aproveitando a situação de necessidade dos proprietários para os forçar a celebrarem negócios de aluguer ou de compra de baterias. Tudo desconsiderando em absoluto o facto de os veículos assegurarem (previsivelmente) as necessidades dos seus proprietários.
 A situação que resultava e que resulta indiciada não foi própria de um Estado de Direito. Daí a necessidade de reposição imediata da legalidade.
 Como se isto não bastasse, aberto o contraditório, a 2.ª e 3.ª Requeridas assumem estas posições: os factos não lhes são imputáveis e são terceiras relativamente àqueles, estão muito solidárias com os Requerentes, mas o Tribunal tem que revogar a providência.
Tudo para dizer que, s.m.o., é por demais evidente que perante a situação de perturbação da ordem constitucional em que os Requentes foram colocados (porque se viram privados em massa da utilização dos seus veículos) e perante a evidência de que lhes assistiam os direitos à reposição da possibilidade de utilização dos seus veículos, havia que proteger a legalidade democráticas e, depois, perceber se haveria alguma razão para esta anomalia de funcionamento do mercado automóvel.
Acaso a 2.ª e 3.ª Requeridas não hajam compreendido a gravidade do ocorrido e que perante tal gravidade havia que repor a legalidade antes de mais, fica agora explicada de forma mais clara a razão de não terem sido ouvidas, completando-se a fundamentação do despacho que dispensou o contraditório.
Pelos fundamentos expostos, improcede a arguição de nulidade decorrente da dispensa de contraditório.»

Tratando-se de nulidade que vem também arguida neste recurso como geradora de nulidade da própria sentença, o Tribunal a quo, em cumprimento do art.º 641º nº 1 CPC (após baixa à 1ª instância para tal) pronunciou-se a seu respeito e desatendeu-a nos seguintes termos:
«i) Da alegada violação de contraditório prévio (conclusões Q a U das doutas alegações):
As doutas conclusões são do seguinte teor:
“(…)”
Vejamos.
A Recorrente insiste na verificação de arguição de nulidade, por indevida preterição do contraditório, em razão de, em seu entender, à data do despacho de 13-02-2023, não ocorrer “risco sério” da audição fazer perigar o fim ou a eficácia da providência.
A douta Oposição é do seguinte teor no que respeita à dispensa do contraditório:
“(…)
21.º Com a propositura do procedimento cautelar, pugnaram os Requerentes pelo decretamento da providência cautelar “sem a audiência prévia da Requerida”, ou seja, sedimentando a sua pretensão no plasmado no n.º 1, do artigo 366.º do CPC, foi requerido a este douto Tribunal que proferisse uma decisão sem previamente assegurar o contraditório das Requeridas, o que, para
22.º Perscrutada a Petição oferecida, é possível constatar que, para justificar o pedido assim aventado, os Requerentes limitam-se a reputar o bloqueio das viaturas de criminoso e ilegal,
23.º Mais invocando o prejuízo causado pela situação,
24.º Prejuízo que, sempre de acordo com o que vem alegado, não se “compadece com a morosidade da justiça”.
25.º Com efeito, a par de não alegarem factualidade legalmente apta a obstar ao exercício do contraditório pelas Requeridas antes da decisão da presente providência cautelar, os Requerentes chegam mesmo a expressar que “a audição prévia com as demoras inerentes, poderia comprometer a finalidade da providência, (…)”, (negrito e sublinhado nossos).
Ora,
26.º Ressalvando o devido respeito por mais douto entendimento, o escopo do preceituado no aludido n.º 1, do artigo 366.º CPC, não visa o acolhimento de situações em que o exercício do contraditório “poderia”, hipoteticamente, comprometer o desiderato da providência.
Vejamos,
27.º O princípio do contraditório constitui corolário essencial do processo civil, conforme bem se alcança do n.º 3, do artigo 3.º do CPC, nos termos do qual “Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.”.
28.º Ademais, de acordo com o preceituado no aludido n.º 1, do artigo 366.º do CPC, “O tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”,
29.º Daí se retirando, sem necessidade de grande labor interpretativo que, a regra imposta pelo legislador corresponde ao exercício do direito ao contraditório pelo Requerido, o que bem se entende, já que se afiguraria dantesco que a prossecução da Justiça se bastasse apenas com a versão dos factos de uma das Partes.
30.º Aqui chegados, cumpre abrir um brevíssimo parêntesis, no sentido de evidenciar que, o comando legal contido no referido n.º 1, do artigo 366.º do CPC, estabelece um efectivo poder vinculado ao julgador, o qual terá de ser cumprido com base em critérios de pura legalidade.
Fechado o breve parêntesis, e
31.º Renovando o respeito que a douta Petição merece à Requerida, sempre se refira que, a argumentação apresentada pelos Requerentes, abstractamente, prestar-se-ia ao preenchimento do requisito designado “periculum in mora”, de todo o modo, cumpre não olvidar que tal não poderá ser confundido com os fundamentos que determinam a abolição do prévio exercício do contraditório.
32.º Sobre este conspecto, revisitem-se os ensinamentos do Professor António Santos Abrantes Geraldes, nos termos dos quais, “(…) para que o procedimento decorra sem audição do requerido é, pois, necessária a constatação de que existe risco sério para o fim ou eficácia da providência.”.
E continua,
33.º “A expressão legal logo aponta para a adopção de um critério objectivo, o qual, aliás, é o que mais se adequa à natureza da função jurisdicional, não bastando, por isso, um simples temor não concretizado suficientemente em factos.”.
34.º Com efeito, o procedimento cautelar, ainda que com a prévia audição da contraparte, já consubstancia, per si, uma assinalável limitação ao exercício de defesa do Requerido, apenas justificável com o facto de se almejar um bem maior, que obriga à contração do pleno exercício de defesa,
35.º Ainda assim, não se nos afigura que a sonegação do prévio exercício do contraditório se possa bastar com esse mesmo fundamento.
36.º Ante o quanto vem exposto, afigura-se à Requerida que, in casu, se impunha a este douto Tribunal que houvesse conferido às visadas com o procedimento cautelar, a possibilidade de exercer o contraditório antes de ser prolatada qualquer decisão, termos em que,
37.º Com a omissão desse acto legalmente prescrito, encontra-se a douta decisão irremediavelmente ferida de nulidade, nos termos do preceituado nos artigos 366.º, n.º 1 e 195.º, n.º 1, ambos do CPC, nulidade processual que expressamente segue arguida para todos os devidos e legais efeitos.
38.º Ainda que assim não fosse, o que ora se admite sem nunca conceder, a douta decisão sempre se encontraria irremediavelmente ferida de nulidade, por falta de fundamentação.
Vejamos,
39.º A “fundamentação” da decisão da preterição da prévia audiência dos interessados acha-se no seguinte: “Em face do exame da documentação constante dos autos, do qual resulta, à saciedade, a demonstração dos factos essenciais à procedência da providência, e dado que a audição das Requeridas poderia colocar o fim da providência, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários, dispenso a abertura do contraditório (…)”, [negrito e sublinhado nosso].
Ora,
40.º Sempre ressalvando o devido respeito por mais douto entendimento, o dever de fundamentação contido no artigo 154.º do CPC não se acha cumprido com uma simples remissão para o teor de um artigo, ou transcrição de um trecho do mesmo, termos em que,
41.º Ao incumprir o dever de fundamentação, a douta decisão encontra-se ferida de nulidade, nos termos do preceituado nos artigos 154.º e 195.º, n.º 1, ambos do CPC, nulidade processual que expressamente segue arguida para todos os devidos e legais efeitos. (…)”
A 2.ª Requerente entende que o direito ao contraditório deveria ter prevalecido perante a sua actuação ilícita.
Compreende-se tal afirmação, mas a mesma tem que ser reconduzida não a uma arguição de nulidade dos Despachos Finais, mas à nulidade do próprio procedimento.
Ora, s.m.o., as nulidades previstas no artigo 617.º do Código de Processo Civil reportam‑se ao texto da decisão e, não, àquelas que, no entender das partes, possam ter ocorrido no procedimento.
Mas, na realidade, esta questão foi já tratada quer no Despacho de 13-02-2023, quer no Despacho Final de 25-07-2023 – que mantém a decisão de dispensa do contraditório, e com o qual a 2.ª Requerida continua a discordar.
Mas essa discordância já se reporta a argumentos de fundo, não a falta de argumentos.
Ora, uma coisa é discordar dos argumentos de uma decisão outra, diversa, é dizer que a mesma não está sustentada em argumentos.
Em suma, se a decisão não estiver fundamentada, será nula, mas, se estiver errada nos seus fundamentos, será ilegal.
Só que a omissão de argumentos e a correcção/bondade dos argumentos constituem questões diferentes, que têm que ser configuradas sob formas diferentes.
Bem vistas as coisas, a 2.ª Requerida discorda dos argumentos constantes dos despachos de 13-02-2023 e de 25-07-2023.
Ora, se discorda dos argumentos é porque eles estão lá pois, caso contrário, não poderia discordar de algo que não existe.
De qualquer das maneiras, vejamos:
Dispõe o artigo 366.º do Código de Processo Civil que o tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
As providências cautelares destinam-se quer à prevenção de um dano, quer à sua sustação e à reposição da legalidade. Foi esta última situação que ocorreu.
Com efeito, e sempre sem prejuízo do máximo respeito por diverso entendimento, aquando da entrada em juízo da Providência já se verificava o dano decorrente da prática ilícita da 2.ª Requerida que, através do recurso a mecanismos de inteligência artificial, fez parar dezenas de veículos, sem qualquer explicação/contraditório.
Assim, verificando-se um dano à data da entrada em juízo do douto Requerimento Inicial, já não é possível convocar a possibilidade de aplicação da última parte da norma acima transcrita, que prevê os casos em que a providência visa a prevenção do dano.
Em suma, quando se verifica dano, nem tão pouco não se torna necessário aferir se existe perigo de o exercício do contraditório pôr em perigo o fim ou a eficácia da providência, pois o fim/eficácia da providência só se verifica com o seu decretamento. É o que sucede no caso dos procedimentos especialíssimos de restituição provisória de posse, arrolamento e arresto.
E, neste caso, é manifesto que a providência requerida é antecipatória, como sucede no caso dos acima mencionados procedimentos cautelares especiais, visando obviar à continuidade da produção de um dano já ocorrido.
Nesse sentido, sem prejuízo do máximo respeito por diverso entendimento, sendo visada uma tutela antecipatória, a mera alegação da ausência de “perigo” na continuação da situação ilícita e danosa anteriormente criada, convocada por reporte à previsão da acima citada norma, tem que ser desatendida, pois nem tão pouco estava em causa uma situação de perigo de eficácia da providência mas, sim, uma situação de antecipação da cessação do dano, isto é, da própria possibilidade da sua execução.
Pelo exposto, não ocorreu qualquer nulidade, pelo que mantenho, nos precisos termos, as minhas anteriores decisões.» (cfr. despacho refª 431638986).
*-*
Atenta a ordem de precedência lógica das questões suscitadas, a primeira que importa decidir é a de saber se ocorreu a violação do princípio do contraditório e se tal vício, traduzindo-se na preterição de um acto que a lei impõe e com influência na decisão da causa enquadrável na previsão do nº 1 do art.º 195º do CPC, gera a nulidade da sentença recorrida.
Coloca-se, assim, a questão de saber se a sentença é nula por estar inquinada pela nulidade processual originada pelo não cumprimento do contraditório prévio.
Na análise a realizar importa distinguir entre nulidades processuais e nulidades da sentença.
De forma sintética pode dizer-se que as nulidades da decisão judicial -seja ela despacho, sentença ou acórdão - decorrem do conteúdo destes actos do Tribunal, ocorrendo quando tais decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam].
Já as nulidades processuais “consistem em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo estipulado e, a que a lei faça corresponder, ainda que de modo não expresso, uma invalidade, mais ou menos extensa, dos actos processuais” (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, pág. 176; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 52).
Portanto, as nulidades da decisão respeitam ao conteúdo da peça decisória e são as previstas no art.º 615º nº 1, e as nulidades processuais respeitam à prática de acto não previsto na tramitação definida ou à omissão de um acto que é imposto por essa tramitação, ou seja, trata‑se de nulidades atinentes ao acto como trâmite, quer na perspectiva de acto pertencente a uma sequência processual quer quanto ao momento em que o acto deve ou pode ser praticado nessa tramitação, e estão previstas nos artºs 186º e seguintes do CPC.
Em presença de nulidades processuais a regra é a de que (sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso – art.º 196º do CPC) deve a parte que tenha interesse na eliminação ou na repetição regular do acto reclamar perante o Tribunal onde as mesmas tenham sido (alegadamente) cometidas (art.º 197º CPC) e dentro dos prazos previstos para o efeito (artºs 198º e 199º, nº1). E arguida a nulidade perante o Tribunal onde ela tenha tido lugar compete ao juiz decidi-la, cabendo então recurso dessa decisão (embora com as limitações mencionadas no art.º 630º nº 2 do CPC // cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24).
“Esta solução de reclamação perante o juiz do tribunal onde foi cometida a nulidade deve ser igualmente aplicada nos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecte na sentença, mas que não se reporta a nenhuma das alíneas do art.º 615º, nº 1, do CPC. Assim, embora a mesma afecte a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que, precipitadamente, foram extraídas ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24).
E no caso, nas suas oposições, as Recorrentes invocaram perante o Tribunal a quo a nulidade decorrente da preterição do contraditório prévio; nulidade sobre a qual o Tribunal a quo se pronunciou, e decidiu, na sentença final.
Acresce, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in (GPS) CPC Anotado Vol. I, 2ª ed., p. 792 (em anotação ao art.º 615º): “(…) que nem sempre esta distinção [entre as nulidades processuais e as decisórias] é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (v.g cumprimento do contraditório (…)) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.”.
E conforme se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/01/2015 (proc. 1378/14.4TBMAI.P1, Rel. M. Pinto dos Santos), “a violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art.º 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida. Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação”.

Portanto, considerando o que fica exposto, o vício arguido, a verificar-se, traduzir-se-á numa nulidade intrínseca da sentença sendo o presente recurso o meio próprio para a invocar.

Aqui chegados, observemos o art.º 366º nº 1 CPC. Dispõe o mesmo que “O tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.
Portanto, a regra contida no preceito é a da audição prévia dos Requeridos, o deferimento do contraditório constitui a excepção.
Trata-se de emanação do regime geral contido no art.º 3º nº 3 CPC porque o princípio do contraditório é um princípio estruturante do nosso sistema processual civil, e por isso a lei impõe ao juiz o dever de observá-lo e fazê-lo cumprir em todas as fases do processo, “não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (artigo 3º nº 3 do CPC).
E esse princípio deve ser observado mesmo no domínio dos procedimentos cautelares, salvo nos casos em que o legislador, atentas particulares características de alguns procedimentos, expressamente estabeleceu o diferimento do exercício do contraditório para momento posterior ao decretamento da providência, como ocorre na restituição provisória da posse e no arresto.
O art.º 366º nº 1, em consonância com o art.º 3º nº 3 CPC, impõe a regra da audição prévia do Requerido, que só poderá ser postergada se e quando a sua observância colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência (cfr. citado artigo 366º nº 1), não bastando, portanto, um qualquer vislumbrado risco, tem de ser um risco sério, manifesto, anormal, incomum.
Também por isso o despacho em que se dispense a audição prévia do Requerido tem de ser fundamentado. Como anotam Abrantes Geraldes e outros ( in “Código de Processo Civil Anotado” acima citado, em anotação ao art.º 366º), «a decisão sobre a dispensa ou não do contraditório não constitui um reflexo de um poder discricionário (art.º 152.º, n.º 4), antes correspondendo ao exercício de um poder vinculado, pelo que deve ser fundamentada (art.º 154.º, n.º 1)».
Impõe-se ao juiz uma ponderação casuística sobre a repercussão da citação prévia na eficácia ou utilidade da providência e uma pronúncia expressa de acordo com a avaliação que faça, só sendo legítima a dispensa do contraditório prévio se as circunstâncias do caso permitirem sustentar, em factos concretos decorrentes do requerimento inicial, a avaliação de que está iminente a lesão do direito pretendido acautelar não se compadecendo o perigo da verificação dessa lesão com a dilação inerente à observância do contraditório, ou se permitirem sustentar a avaliação de que o conhecimento prévio do procedimento cautelar permitirá ao Requerido actuar de molde a, seriamente, afectar o efeito prático ou a utilidade da medida cautelar solicitada (caso a mesma venha a merecer provimento), devendo ainda o juiz sopesar o eventual desequilíbrio que possa advir da concessão de uma tutela que, embora provisória, produz efeitos que podem ser irreversíveis.
O princípio do contraditório é efectivamente uma pedra basilar do processo civil, não consistindo numa mera formalidade destinada a dar a conhecer ao demandado que contra ele foi deduzida uma determinada pretensão e de que dispõe do direito de defesa; o próprio momento em que lhe é facultado este direito pode ser determinante para o desenvolvimento e desfecho da lide, por lhe proporcionar, ou não, desde início apresentar as suas razões e elementos de prova antes de ser proferida qualquer decisão, desse modo podendo influenciar o sentido desta.
Na verdade, “Actualmente vigora uma concepção ampla do princípio do contraditório, nos termos da qual, além do direito de conhecer a pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão, a ambas as partes, em plena igualdade, é garantido o direito a intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, prova e direito, só estando dispensado em casos de manifesta desnecessidade”. De facto “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais (…) garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2022, proc. 491/16.8T8BCL-E.G1, Rel. Margarida Almeida Fernandes, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Rel. Fernando Samões).
Por isso, o contraditório diferido revela-se um contraditório “defeituoso”, porque não permite ao Requerido um contraditório pleno nos moldes em que lhe seria possível exercê-lo ao abrigo do disposto nos artigos 366º e 367º do CPC, por introduzir na defesa um desequilíbrio ao nível dos meios de reacção, dos meios de prova e das condições da respectiva produção, que a parte não teria se tivesse sido efectuado o contraditório prévio (neste sentido cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/06/2018, pº 298/16.2T8FNC-D.L1-1, Rel. Ana Isabel Mascarenhas Pessoa).
O que antecede revela quanto a violação do contraditório prévio pode influenciar o exame e/ou a decisão da causa. Por isso esse vício, a verificar-se, produz a nulidade do acto/despacho determinativo do diferimento do contraditório (cfr. art.º 195º nº 1 CPC) e gera a nulidade de todos os actos ulteriores, designadamente da sentença (cfr. art.º 195º nº 2 CPC), porque se trata de um acto originário, fundador, do qual todos os termos subsequentes dependem.
No caso vertente os Requerentes da providência solicitaram a dispensa de citação prévia das Requeridas, para tanto alegando nos artºs 61º a 73º do requerimento inicial o que segue:
«61.º
Para que o procedimento cautelar seja conhecido sem prévia audição das Requeridas é necessária a constatação da existência de um risco sério para o fim ou eficácia da providência (art.º 366.º n.º 1 do C.P.C.).
62.º
A actuação das Requeridas que procederam ao bloqueio das viaturas é criminosa, ilícita, e sem qualquer assento legal e deverá ser punida em sede própria, por meio de competente acção a ser intentada pelos lesados.
63.º
Há famílias e empresas que dependem da utilização destes veículos, para poderem ter rendimentos e subsistir.
64.º
A continuidade dos prejuízos avultados que estão a ter neste momento os requerentes, não se compadece com a morosidade da justiça, pois há casos em que esta situação se está a tornar insustentável, sendo os veículos o único modo de sustento de muitos dos requerentes que deles necessitam para trabalhar.
65.º
Inclusive alguns foram adquiridos com recurso a crédito, que tem de continuar a pagar. Cfr.Tabela I
66.º
Acresce que, não há fundamento legal que legitime a actuação das requeridas.
67.º
A permitir-se a continuidade desta conduta (ilegal e abusiva) de bloqueio de cargas de bateria, poderá levar algumas das empresas e particulares que dependem da utilização dos automóveis, a ficarem em situação económica insustentável.
68.º
Devendo o desbloqueio ser imediato e definitivo, tendo em consideração que há automóveis que estão a ser desbloqueados, mas de forma não permanente para depois, caso os proprietários se neguem a subscrever “contratos de compra” ou “aluguer”, serem confrontados com novos bloqueios. Cfr. Informam a 3.º Requerida nos DOCS. 30 e 31.
69.º
Assim a procedência da presente providência cautelar é urgente e essencial a que seja reposta a legalidade.
70.º
O que indicia, para os Requerentes, o fundado receio de lesão grave dos seus direitos, e a sua difícil reparação, pois que é latente os danos causados diariamente pela impossibilidade de fruírem dos seus automóveis.
71.º
Assim, e face ao acima exposto, não resulta da providência, dano maior do que aquele, que com a mesma, os Requerentes pretendem evitar, aliás, em bom rigor se diga que, nem se perceciona que danos em concreto poderá resultar para as Requeridas, o decretamento da presente providencia.
72.º
Pelas razões apontadas, a audição prévia com as demoras inerentes, poderia comprometer a finalidade da providência, pelo que se requer seja esta decretada sem qualquer audiência.
73.º
Encontram-se satisfeitos todos os pressupostos legais para que a providência cautelar seja decretada de imediato e sem audição prévia das requeridas.»

Salvo o devido respeito, essa alegação quadra-se com o fundado receio da produção – no caso da manutenção e agravamento - de lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos Requerentes, como aliás resulta do título que os mesmos atribuíram a esse segmento do seu requerimento inicial, a que chamaram “do justo receio de lesão grave e dificilmente reparável no direito dos Requerentes”. 
Mas esse constitui requisito geral do procedimento cautelar comum (cfr. art.º 362º nº 1 CPC) e não é confundível nem sobreponível aos pressupostos da dispensa do contraditório prévio; estes mostram-se enunciados no já citado art.º 366º nº 1 CPC e radicam na existência de risco sério para o fim ou eficácia da providência.
Logo que apresentado em juízo o presente procedimento cautelar o primeiro acto judicial praticado foi a prolação de sentença, em cujo seio foi decidida a dispensa do contraditório prévio, nos seguintes termos : «Em face do exame da documentação constante dos autos, do qual resulta, à saciedade, a demonstração dos factos essenciais à procedência da providência, e dado que a audição das Requeridas poderia colocar [em risco] o fim da providência, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários, dispenso a abertura do contraditório e consigno que os autos reúnem, desde já, elementos bastantes para a decisão – cfr. artigos 366º e 369º, nº 1 a contrario do Código de Processo Civil.» (cfr. facto supra em A.).
Como se vê, acerca da dispensa da audição prévia das Requeridas apenas se afirma que a mesma poderia colocar em risco o fim da providência, fazendo-se tão só uso da expressão da lei sem que, e salvo o devido respeito, se revele porque é que nas circunstâncias concretas do caso e face aos factos possíveis conhecer através do requerimento inicial tal risco existia, pelo que aquela afirmação, desprovida da revelação dos elementos, designadamente factuais, que conduziram a essa avaliação por parte do Tribunal, se traduz numa afirmação meramente conclusiva.
Invocada pelas 2ª e 3ª Requeridas, e ora Recorrentes, perante o Tribunal a quo a nulidade resultante da dispensa do contraditório prévio, sobre a mesma recaiu pronúncia na sentença final que se mostra sob recurso, nos seguintes termos:
«A 2.ª e 3.ª Requeridas invocam que não se verificam os pressupostos para a dispensa de contraditório, previstos no artigo 366.º do Código de Processo Civil.
Depois, concluem que a decisão seria nula, por violação da acima citada disposição e por falta de fundamentação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 366.º do Código de Processo Civil que o tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
No caso, foi dispensa da audição das Requeridas com a seguinte fundamentação:
“Em face do exame da documentação constante dos autos, do qual resulta, à saciedade, a demonstração dos factos essenciais à procedência da providência, e dado que a audição das Requeridas poderia colocar o fim da providencia, que consiste no assegurar na possibilidade do gozo dos veículos de que os Requerentes são proprietários, dispenso a abertura do contraditório e consigno que os autos reúnem, desde já, elementos bastantes para a decisão – cfr. artigos 366.º e 369.º, n.º 1 a contrario do Código de Processo Civil. (…)”.
Ora, o que resultava indiciado à data da dispensa do contraditório é que o Grupo Económico … estava a actuar à margem da legalidade, como poder de facto, tendo lançado mão dos recursos informáticos de que dispunha para colocar particulares, empresas e, até, uma Junta de Freguesia, “de joelhos”, ao não poderem utilizar os veículos automóveis que haviam comprado.
Assim sendo, o procedimento cautelar não visava prevenir um mal mas, sim, impedir a sua continuação, num quadro de actuação ilícita, levado a cabo por um grupo económico internacional que, num jogo de espelhos, se pretende manter atrás da actuação de uma sucursal (a 3.ª Requerida) que, muito embora não assumisse o bloqueio das baterias procurava ir aproveitando a situação de necessidade dos proprietários para os forçar a celebrarem negócios de aluguer ou de compra de baterias. Tudo desconsiderando em absoluto o facto de os veículos assegurarem (previsivelmente) as necessidades dos seus proprietários.
 A situação que resultava e que resulta indiciada não foi própria de um Estado de Direito. Daí a necessidade de reposição imediata da legalidade.
 Como se isto não bastasse, aberto o contraditório, a 2.ª e 3.ª Requeridas assumem estas posições: os factos não lhes são imputáveis e são terceiras relativamente àqueles, estão muito solidárias com os Requerentes, mas o Tribunal tem que revogar a providência.
Tudo para dizer que, s.m.o., é por demais evidente que perante a situação de perturbação da ordem constitucional em que os Requentes foram colocados (porque se viram privados em massa da utilização dos seus veículos) e perante a evidência de que lhes assistiam os direitos à reposição da possibilidade de utilização dos seus veículos, havia que proteger a legalidade democrática e, depois, perceber se haveria alguma razão para esta anomalia de funcionamento do mercado automóvel.
Acaso a 2.ª e 3.ª Requeridas não hajam compreendido a gravidade do ocorrido e que perante tal gravidade havia que repor a legalidade antes de mais, fica agora explicada de forma mais clara a razão de não terem sido ouvidas, completando-se a fundamentação do despacho que dispensou o contraditório.
Pelos fundamentos expostos, improcede a arguição de nulidade decorrente da dispensa de contraditório.» (cfr. facto supra em B).
De novo salvaguardado o devido respeito, por muito louváveis que sejam os argumentos expendidos eles não denotam porque razão a observância do contraditório prévio poria em risco sério o fim ou a eficácia da providência. E é apenas e só isso que cabe aferir para afastar a regra geral da audição prévia dos Requeridos em procedimento cautelar.
A esse respeito, observando o requerimento inicial e a pretensão nele expressa, o que se verifica é que as baterias de tracção dos veículos dos Requerentes foram bloqueadas não aceitando carregamento e a medida cautelar solicitada foi a de que as baterias fossem desbloqueadas por forma a passarem a aceitar carga.
Considerando que as baterias estavam bloqueadas[1] e pretendendo-se o seu desbloqueamento sem restrições, pergunta-se – usando uma expressão coloquial – se as baterias bloqueadas estavam e de bloqueadas não passavam, em que é que a citação prévia das Requeridas poderia causar risco, ademais sério, à utilidade ou ao efeito prático da providência que consistia em que fossem desbloqueadas? Não se vislumbra.
Acresce que os Requerentes expressamente referiram demandar as três Requeridas por desconhecerem como efectivamente se processou o sistema de bloqueamento da admissibilidade de carga às baterias em cada um dos seus veículos e quem forneceu os elementos e os meios para que tal fosse possível.
Ora, no desconhecimento da intervenção ou nível de intervenção de cada uma das Requeridas no evento lesivo, não poderia deixar de se ter em conta que a sua audição prévia contribuiria para clarificar e até dissipar aquela incerteza expressa no requerimento inicial, o que inevitavelmente relevaria para a decisão no que toca à imputação dos actos lesivos e à definição da medida cautelar susceptível de dirigir às Requeridas ou a alguma delas.
Aqui chegados, não resta se não concluir que efectivamente não estavam reunidos os requisitos necessários, que são excepcionais, para a dispensa do contraditório prévio, devendo, outrossim, ter sido observada a regra da audição prévia das Requeridas.
Trata-se, como vimos acima, de violação do princípio do contraditório susceptível de influir no exame e/ou na decisão da causa, importando a nulidade da decisão que dispensou a audição prévia das Requeridas e que acarreta a nulidade do processado a partir do requerimento inicial, designadamente da sentença que fica afectada de nulidade intrínseca.
Por conseguinte, devem proceder os recursos com fundamento na primeira questão acima enunciada, quedando-se prejudicado o conhecimento das demais.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar as apelações procedentes, por ter ocorrido violação do princípio do contraditório prévio, declarando-se a nulidade de todo o processado a partir do requerimento inicial, designadamente a sentença que fica afectada de nulidade intrínseca.
Custas a cargo dos Recorridos.
Notifique.

Lisboa, 07/03/2024
Amélia Puna Loupo
Marília Leal Fontes
Ana Paula Duarte Olivença
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[1] Algumas, de acordo com os Requerentes, haviam já sido desbloqueadas, mas provisoriamente.