Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1531/20.1T8LSB.L1-8
Relator: MARIA TERESA LOPES CATROLA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DIREITO DE REGRESSO/REEMBOLSO DA CGA
GRAU DE INCAPACIDADE DO LESADO
TABELA A CONSIDERAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: «1. A tabela a considerar para o efeito de avaliar a incapacidade do lesado resultante de acidente em serviço segundo o artigo 38/5 do Decreto-Lei 503/99, é a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Anexo I ao mesmo DL 352/2007, e não a Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, Anexo II do DL 352/2007, de 23.10, pois esta tabela apenas avalia legalmente as incapacidades dos lesados que os responsáveis civis são obrigados a indemnizar”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A…, autor/recorrente nos presentes autos, residente na Rua … Gondomar, intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra a Companhia de Seguros…, com sede na Rua ….., Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar ao Autor, a quantia global de 249.928,95 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros a contar desde a citação até integral pagamento e ainda juros em dobro sobre a diferença entre o valor proposto pela ré e o valor que vier a ser fixado pelo douto Tribunal.
Para o efeito, alega, em síntese, que no dia 28 de janeiro de 2017, por volta das 17:00 horas, ocorreu um acidente de viação na zona de acesso da A5 à Ponte 25 de Abril, em Lisboa, no qual foi interveniente o veículo por si conduzido, o ligeiro de passageiros de  matrícula …  e o veículo ligeiro de passageiros com matrícula …., conduzido por B…. e propriedade de D…., que havia transferido para a ré a responsabilidade civil através da apólice …. Em consequência do acidente, o autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que a ré deverá indemnizar.
Citada, a Ré … apresentou contestação. Aceitou a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente mas impugna os danos alegados pelo autor, nomeadamente no que respeita à IPP decorrente do acidente e os valores pedidos por referência aos montantes remuneratórios. Requer a citação da Caixa Geral de Aposentações e a improcedência parcial da acção, por em parte não provada, com a consequente absolvição da Ré de parte do pedido.
Citada a Caixa Geral de Aposentações, veio esta entidade deduzir pedido de reembolso dirigido à ré, devendo esta ser condenada a pagar-lhe a importância de € 49.182,60, correspondente ao montante necessário para suportar os encargos com a pensão anual vitalícia fixada ao autor (tendo em consideração o grau de incapacidade que lhe foi fixado pela Junta Médica da CGA de IPP de 35%), acrescida dos juros de mora que se vierem a vencer até integral pagamento.  Requer a procedência da ação.
A ré …. apresenta contestação ao pedido de reembolso apresentado pela Caixa Geral de Aposentações, requerendo a improcedência parcial do pedido.
Por requerimento datado de 26 de outubro de 2022 a Caixa Geral de Aposentações requereu a ampliação do pedido, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 93 447,13 (noventa e três mil quatrocentos e quarente e sete euros e treze cêntimos), correspondente ao montante necessário para suportar os encargos com a pensão anual vitalícia fixada a A…. como reparação do acidente ocorrido em 28 de Janeiro de 2017, acrescida dos juros de mora que se vierem a vencer até integral pagamento.
Em requerimento junto em 6 de março de 2023 o autor reduziu o pedido formulado. Invoca que já se encontra a ser abonado da sua pensão, pela CGA, declarando que opta por continuar a receber tal abono da CGA em detrimento da indemnização do acidente de viação.
Assim, o autor reduziu o pedido formulado contra a Ré …. no valor de 105.000,00 €, peticionado a título de dano patrimonial futuro. Acrescenta que desde a data em que se deveria ter iniciado o pagamento da pensão, 10-03-2018, até à data em que se iniciou, efetivamente o pagamento da referida pensão, o Autor nada recebeu e consequentemente deve a Ré …. pagar ao autor o valor das pensões desde março de 2018 a junho de 2022, num total de 58 meses, tendo em conta que as pensões são pagas a 14 meses por ano, que totaliza a quantia de 26.176,20 €.
Por consequência, reduz o pedido na quantia de 78.823,80 € (105.000,00 € - 26.176,20 €), fixando o valor total do pedido contra a ré em 171.105,15 € (cento e setenta e um mil cento e cinco euros e quinze cêntimos).
Foi proferido despacho que dispensou a realização de audiência prévia, elaborou despacho saneador e despacho que identificou o objeto do litígio e os temas de prova.
Após junção de relatório pericial, foi designado dia para a realização da audiência final.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo,  e a final proferiu-se Sentença, onde se decidiu:
“A. Julgo parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condeno a ré Companhia de Seguros …..
1. A pagar ao autor …. a quantia de :
• €71.936,50 (setenta e um mil, novecentos e trinta e seis euros e cinquenta cêntimos [653,50+283,00+16.000,00+5.000,00+50.000,00], acrescida de juros de mora vencidos desde 22.5.2018 até 28.6.2023 contados ao dobro da taxa legal e nos vencidos e vincendos desde 29.6.2013 até integral pagamento, à taxa legal;
2. A pagar à Caixa Geral de Aposentações a quantia de:
• €44.000,00 (quarenta e quatro mil euros) acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
B. No mais, julgo improcedente por não provada a acção e dela absolvo a ré”.
O autor, não se conformando com a sentença proferida nos autos, que julgou parcialmente improcedente a ação, vem interpor recurso de apelação da sentença, limitando-o à apreciação das seguintes questões:
- Não apreciação e quantificação do dano patrimonial referente aos serviços de gratificados e à perda dos suplementos de turno e de patrulha;
- Quantificação do Dano Patrimonial Futuro, quando o mesmo já havia sido prescindido pelo Autor e reduzido o seu montante ao pedido;
- Redução do pagamento de pensões efetuadas pela CGA ao A. ao valor dos danos patrimoniais futuros.
- Valor apurado para adaptação do veículo para mudanças automáticas;
- Valores não recebidos a título de pensões pagas pela CGA, desde março de 2018 (data em que foi considerado incapaz para o serviço operacional e quantificada a sua incapacidade pela CGA) até julho de 2022 (data em que a pensão passou a ser paga ao Autor, por entrada em vigor da Lei 19/2021 de 08 de abril, que não atribuiu efeitos retroativos de natureza pecuniária), num total de 58 meses.
O autor/recorrente apresenta as seguintes conclusões:
“A) O Douto tribunal “ad quo” decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor, a quantia de € 71.936,50, acrescida de juros contados ao dobro da taxa legal e nos vencidos desde 22-05-2018 até 28-06-2023 contados ao dobro da taxa legal e nos vencidos e vincendos desde 29-06-2013 até integral pagamento.
B) Sendo:
- € 936,50 a título de despesas;
- € 16.000,00 a título de dano patrimonial futuro;
- € 5.000,00 a título de adaptação de veículo para caixa automática;
- € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais.
C) Antes do mais, convém salientar que o acidente em causa nos presentes autos foi considerado simultaneamente de viação e de trabalho.
D) Sendo que, o sinistrado, quanto à parcela correspondente à IPP, Dano Patrimonial Futuro, não poderia receber simultaneamente da seguradora de acidente de viação e do acidente de trabalho, que no caso em apreço é a Caixa Geral de Aposentações. Tendo de optar por receber de uma ou de outra, conforme a que lhe seja mais vantajosa.
E) Aquando da entrada da petição inicial, as indemnizações devidas pela Caixa Geral de Aposentações encontravam-se suspensas no seu pagamento até vir a ocorrer o desvinculo com a entidade empregado, no caso do Autor, PSP, só viria a ocorrer na idade da reforma.
F) Daí o Autor ter formulado o pedido dos Danos Patrimoniais Futuros, contra a Ré SEGURADORA, no valor de € 105.000,00.
G) Acontece que, no decurso da presente ação, entrou em vigor a 1 de julho de 2022 (mês seguinte ao da estrada em vigor do OE 2022) a Lei 19/2021 de 08 de abril, que alterou a redação do at.º 41º do DL n.º 503/99 de 20 de novembro e o Autor passou a receber a sua pensão vitalícia, no montante de € 444,36.
H) Ora, perante esta alteração, o Autor, exercendo o seu direito de opção, optou por continuar a receber da CGA em preterição do valor já peticionado a título de danos patrimoniais futuros contra a Ré ….., daí ter vindo a reduzir o seu pedido na quantia dos € 105.00,00 peticionados.
I) Ora, encontrando-se reduzido tal valor e excluído do pedido, não existe qualquer duplicação de valores a receber, pelo Autor, a título de danos patrimoniais futuros!
J) Pelo que, salvo o devido respeito, o calculo efetuado, pela Mm.ª Juíza “a quo”, a páginas 19 e 20 da douta sentença recorrida, para apurar o Dano Patrimonial Futuro, resultante da incapacidade permanente parcial fixada para o direito civil, de 12 pontos, não tem qualquer razão de existir, uma vez que o Autor, reduziu essa parcela do seu pedido, optando por receber da CGA, no âmbito do acidente em trabalho.
K) Assim como, não faz qualquer sentido o entendimento da Mm.ª Juíza “ad quo”, ao entender que dos € 60.000,00, por si apurados, a título de indenização do dano patrimonial futuro, €44.000,00 correspondem a perda salarial (vencimento e suplementos) e € 16.000,00 correspondente aos serviços remunerados.??!?
L) Posto isto, além de não existir necessidade de quantificar um dano que já não se encontra peticionado, o valor peticionado a título de serviços remunerados /gratificados e dos suplementos de turno e de patrulha não podem ser quantificados por uma incapacidade de 12%, uma vez que o Autor ficou totalmente incapaz de os realizar, ou seja, diminuído em 100%.
M) Neste sentido, cfr. Artigos 33, a 36, 38, 43 e 44 e da matéria de facto dada como provada, que passaremos a transcrever:
“33. A 25.2.2018 através de ordem de serviço n.º 96, a PSP declarou o autor incapaz para o serviço operacional.
34. A partir de 25.02.2018 o autor passou a desempenhar funções administrativas.
35.Em consequência da impossibilidade de exercer serviços operacionais, o autor deixou de receber o Suplemento de Comando (supervisão Operacional) no valor mensal de 73,90 € e o Suplemento de Turno no valor de 150,01 €.
36. E deixou de poder integrar a escala de serviços remunerados, onde auferia a média mensal de 259,08 €.
38º Até 28.1.2017 o autor realizava os serviços gratificados 11 meses por ano.
43. Por causa das lesões na mão e pulso direito não pode utilizar a sua arma nem voltar a realizar provas de tiro.
44. Tendo devolvido à PSP a arma de serviço.”
N) Em suma, uma vez demonstrada e provada a incapacidade total do Autor na realização de serviço operacional, que implica diretamente a perda total quer dos suplementos de turno e de comando quer dos serviços de gratificados/remunerados, as contas não podem deixar de ser efetuados, como foram nos artigos 25º a 30º da petição inicial:
“25º- Como atrás referido, o Autor ficou impedido de realizar a escala de serviços gratificados, desde a data do acidente e devido á sua impossibilidade para realizar serviços remunerados, jamais poderá vir a realizá-los e poderia fazê-lo até á idade da reforma, ou seja, até aos 60 anos de idade, o Autor tinha 39 anos á data do acidente, o que lhe pressupunha uma média mensal de serviços remunerados de pelo menos 259,08 €, por mais 21 anos.
26º-Ora, o Autor realizava os serviços gratificados 11 meses por ano, logo, desde a data do acidente até à idade da reforma, poderia obter um rendimento anual de 2.849,88 €, o que perfaz a quantia de 59.847,48 €, ao longo dos 21 anos de vida ativa que ainda lhe restam.
27º-No entanto, tendo em atenção uma redução pela capitalização em juros (que neste momento se verifica uma taxa muito próxima dos 0%) por receber tudo de uma só vez e não dividido pelos 21 anos, mas não esquecendo uma atualização do valor de tais serviços, considera-se justa e equitativa a quantia de 53.000,00 €, a título de lucros cessantes dos serviços de gratificados auferidos extrassalário auferido pela PSP.
28º-Por outro lado, o Autor também deixou de poder usufruir dos suplementos de comando e turno, que foi suportado pela PSP e deixou de poder usufruir desde 25.02.2018, data em foi considerado incapaz para o serviço operacional e até à idade da reforma.
29º-Assim, desde 25.02.2018 até à idade da reforma, num intervalo de 19 anos, o autor deixou de poder auferir a quantia de mensal de 223,91 € (150,01€ + 73,90€), suplementos esses que eram pagos durante 12 meses, o que perfaz a quantia anual de 2.686,92 €. E ao longo dos 19 anos até à idade da reforma, o Autor vai deixar de receber a quantia de 51.051,48 €
30º-Que, igualmente, tendo em atenção uma redução pela capitalização em juros por receber tudo de uma só vez e não dividido pelos 19 anos, mas não esquecendo uma atualização do valor de tais serviços, considera-se justa e equitativa a quantia de 43.000,00 €, a título de lucros cessantes dos suplementos auferidos pela PSP, e que deixou de receber em consequência do acidente.
O) Valores que carecem de ser apreciados se sentenciados, e que o Douto Tribunal “ad quo” não se pronunciou.
P) Por outro lado, apesar de o autor ter escolhido receber, o dano patrimonial futuro, por parte da CGA, não poderá ficar prejudicado por uma Lei que veio a ser alterada.
Q) Ou seja, após a notificação, por parte da CGA ao autor, a informar da incapacidade de 35% com indicação do valor a receber de pensão desde 10-03-2018 até á alteração legislativa da Lei 19/2021 de 08 de abril, que alterou a redação do at.º 41º do DL n.º 503/99 de 20 de novembro que entrou em vigor a 1 de julho de 2022 (mês seguinte ao da estrada em vigor do OE 2022), em que o autor apenas até junho de 2022, que o autor deveria ter recebido pensão e não recebeu, durante 58 meses.
R) A responsabilidade civil do veículo …, causador do acidente, encontrava-se transferida para a Ré …., pelo que é esta responsável por todos os danos causador por aquele veículo, nomeadamente ao autor e á Caixa Geral de aposentações.
S) Assim, a Ré …., deverá ressarcir a CGA de todas as quantias que vier a pagar ao Autor e, consequentemente pagar ao autor todos os danos sofridos e que não foram ressarcidos, nomeadamente as pensões que deveria ter recebido e não recebeu, porquanto a alteração legislativa foi expressa ao afirmar que a sua entrada em vigor era sem efeitos retroativos de natureza pecuniária, ou seja:
- Ano de 2018 (março a dezembro + 2 subsídios), 12 meses x 430,02 € = 5.160,24 €;
- Ano de 2019 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2020 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2021 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2022 (janeiro a junho), 6 meses x 444,36 € = 2.666,16 €.
Tudo, num total de 26.176,20 €.
T) Por último, quanto ao montante sentenciado a título de adaptação de veículos para mudanças automáticas, fixa do em € 5.000,00, cumpre salientar que, de acordo com a matéria de facto provada: “57. O autor não consegue conduzir um veículo de caixa de velocidades manual e manípulos à direita”.
U) Ora, a necessidade de um veículo com mudanças automáticas é imperativa, pois como também ficou demonstrado o Autor tem uma filha menor e necessita de conduzir no seu dia a dia.
V) E, note-se que o Autor não peticionou o valor de aquisição de um veículo com mudanças automáticas, optando por peticionar o valor mínimo que entre seguradoras entenderam ser necessário para a adaptação do próprio veículo para caixa automática, previsto na Portaria n.º 679/2008 de 25 de junho, de € 7.300,00, sendo cero que tal valor até se encontra desatualizado face às sucessivas atualizações dos valores opostos na referida Portaria.
W) Ora, tratando-se de um dano efetivo e resultante da incapacidade do Autor em consequência do acidente em causa nos presentes autos, tal valor não tem de constituir uma mera “ajuda” financeira para adaptação do seu veículo, mas sim o seu pagamento na totalidade.
X) Sendo um valor apurado por todas as seguradoras, com estreita relação com as várias oficinas, cremos ser justo e adequado o valor aposto na referida portaria de € 7.300,00.
Y) A douta sentença recorrida ao violou, assim, o disposto nos art.ºs 564º e 566º ambos do Código Civil.
Termos em que,
Revogando-se a douta Sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre,JUSTIÇA!”
A interveniente principal Caixa Geral de Aposentações não se conformando com a sentença proferida nos autos, que condenou a ré Companhia de Seguros …. a pagar-lhe apenas a quantia de € 44.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, veio também interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1ª O artigo 38º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, determina que a confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.
2ª No nº 5 do referido artigo 38º, o legislador expressamente consagrou que a determinação das incapacidades permanentes é efectuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
3ª O artigo 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, no seu nº 3, determina que, uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra direito responsável, incluindo seguradora, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
4ª Ficou provado nos presentes autos, que o Autor, na sequência do acidente em serviço sofrido, foi a uma junta médica da Caixa Geral de Aposentações que, tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, lhe fixou um grau de desvalorização de 35%.
5ª Foi feita igualmente a prova da fixação à Autora do direito a uma pensão anual vitalícia nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, no valor de € 6 029,33, correspondente a um capital de € 93 447,13.
6ª Foi feita a prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da Ré.
7ª O tribunal de primeira instância violou 34º, 38º e 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências”.
A ré Companhia de Seguros ….. apresentou contra-alegações aos dois recursos interpostos, terminando com as seguintes conclusões:
“1. Vem o Autor interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo a 17 de agosto de 2023, que condenou a Ré …., ora Recorrida, no pagamento ao Autor, ora Recorrente, da quantia de 71.936,50€ (setenta e um mil novecentos e trinta e seis euros, e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 22/05/2018 até 28/06/2023 contados ao dobro da taxa legal e nos vencidos desde 29/06/2013 até integral pagamento, à taxa legal.
2. Isto porque, considera, em suma, que o Tribunal a quo não apreciou e quantificou o dano patrimonial referente aos serviços de gratificados e à perda dos suplementos de turno e de patrulha, quantificou o dano patrimonial futuro, quando o mesmo já havia sido prescindido pelo Autor e reduzido o seu montante ao pedido, reduziu o pagamento de pensões efetuadas pela CGA ao Autor ao valor dos danos patrimoniais futuros, apurou um baixo valor para adaptação do veículo para mudanças automáticas e, por último, sustenta ainda que deve ser ressarcido dos valores não recebidos a título de pensões pagas pela CGA, desde março de 2018 até julho de 2022, num total de 58 (cinquenta e oito) meses.
3. Neste sentido, peticiona que sejam fixados os montantes pecuniários de 43.000,00€ (quarenta e três mil euros) a título de lucros cessantes dos suplementos de comando e de turno, 53.000,00€ (cinquenta e três mil euros) a título de lucros cessantes referentes aos serviços de gratificados, 26.176,20€ (vinte e seis mil, cento e setenta e seis euros, e vinte cêntimos) pelas pensões que deveria ter recebido e não recebeu e 7.300,00€ (sete mil e trezentos euros) a título de adaptação do veículo para mudanças automáticas.
4. Considerando que o Autor optou por receber a indemnização pelo acidente em serviço em detrimento da indemnização do acidente de viação, tendo reduzido o pedido peticionado contra a Recorrida, não lhe assiste razão, sendo certo que tais valores serão devidos pela Recorrida à Caxa Geral de Aposentações, e não ao Recorrente.
5. Mais, atento às páginas 19 (dezanove) e 20 (vinte) da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo fixou os valores indemnizatórios para a perda salarial, na qual incluiu, efetivamente, os suplementos de comando e de turno, bem como os serviços remunerados.
6. Razão pela qual, não corresponde à verdade que o Tribunal a quo não se tenha pronunciado nem quantificado o dano patrimonial referente aos serviços de gratificados e à perda dos suplementos de turno e de patrulha.
7. Até porque, a sentença ora colocada em crise entendeu ser de fixar a indemnização em 60.000,00€ (sessenta mil euros), desconstruindo tal valor quando quantifica o montante de 44.000,00 € (quarenta e quatro mil euros) para o ressarcimento da perda salarial, em que especifica claramente que nele se engloba o vencimento e suplementos, e o montante de 16.000,00€ (dezasseis mil euros) para indemnizar a perda relativa aos serviços remunerados.
8. Atenta à matéria de facto dada como provada, o Recorrente ficou com uma desvalorização de 12 (doze) pontos, atribuída pelo INML, pelo que andou bem Tribunal a quo ao fixar o montante de 60.000,00€ (sessenta mil euros) a ser devido ao Autor pela perda salarial e serviços remunerados, consubstanciando um valor razoável e enquadrado dentro dos valores arbitrados em casos semelhantes pela jurisprudência superior.
9. Entende ainda o Recorrente que a Recorrida deverá ser condenada no pagamento de todos os valores não recebidos a título de pensões, desde março de 2018 até julho de 2022, valores esses que quantifica em 26.176,20€ (vinte e seis mil cento e setenta e seis euros, e vinte cêntimos).
10. Todavia, não assiste razão ao Recorrente, uma vez que a indemnização fixada para a perda salarial, que inclui o vencimento e os suplementos devidos, já incorpora o período compreendido entre março de 2018 e julho de 2022.
11. Ou seja, tendo sido fixado o montante de 44.000,00€ (quarenta e quatro mil euros) a título indemnizatório pela perda salarial, logicamente que tal montante incorpora a globalidade da perda de ganho na vida ativa do Recorrente, incluindo o período supra referido.
12. Pelo que, não pode colher o entendimento de que na fixação de tal montante o douto Tribunal a quo não teve em consideração os meses compreendidos entre março de 2018 e julho de 2022.
13. No que à adaptação do veículo concerne, veio o Recorrente discordar com o montante indemnizatório de 5.000,00€ (cinco mil euros) fixado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser fixado o valor de 7.300,00€ (sete mil e trezentos euros) previsto na Portaria n.º 679/2008, de 25 de Junho.
14. Acontece, porém, que tal Portaria não vincula, nem pode vincular o Tribunal na fixação dos danos, entre os quais se inclui a adaptação do veículo.
15. Por sua vez, o supra mencionado diploma estabelece um valor máximo para a indemnização pela a adaptação do veículo, e não mínimo, incorporado numa “tabela indicativa para proposta razoável em caso de despesas incorridas e rendimentos perdidos por incapacidade”, que representa uma mera indicação para efeito de proposta razoável, esgotando-se a aplicabilidade de tais critérios na fase extrajudicial de contratualização do valor da indemnização.
16. Ora, tendo em conta a matéria assente pelo Tribunal de que se recorre, o montante de 5.000,00€ (cinco mil euros) fixado para a adaptação do veículo é, efetivamente, o mais adequado e equitativo.
17. Por outro lado, a Chamada Caixa Geral de Aposentações veio também colocar em crise a douta sentença do Tribunal a quo, considerando que este interpretou e aplicou incorretamente o disposto nos artigos 34.º, 38.º e 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, peticionando pela condenação da Recorrida no pagamento 93.447,13€ (noventa e três mil quatrocentos e quarenta e sete euros, e treze cêntimos).
18. Todavia, pela Mma. Juiz do Tribunal a quo apenas foi dado como provado a percentagem de IPP considerada pela junta médica, não tendo sido demonstrado que o Autor tenha ficado com uma IPP de 26 (vinte e seis) pontos ou de 35% (trinta e cinco por cento) em virtude do acidente, conforme consta da alínea a) matéria de facto dada como não provada.
19. Não obstante a Recorrente tenha fundado o seu pedido na alegada IPP de 35% (trinta e cinco por cento) que o Autor padecida, não foi produzida prova bastante que comprovasse tal facto, razão pela qual assiste total razão ao Tribunal a quo em considerar como não provado tal facto.
20. Destarte, uma vez que a Recorrente não logrou produzir prova no que à IPP concerne, e tendo-se demonstrado que a IPP do Autor equivalia a 12 (doze) pontos, não podia, nem pode ser devido à Caixa Geral de Aposentações a totalidade do montante peticionado, que se baseava num facto agora dado como não provado!
21. Razão pela qual, o direito de regresso que assiste à Caixa Geral de Aposentações encontra-se, efetivamente, esgotado no montante de 44.000,00€ (quarenta e quatro mil euros), não assistindo à Recorrente qualquer outro direito de indemnização junto da …..Portugal.
22. Ao contrário, não pode a Recorrida acompanhar o entendimento do douto Tribunal de que se recorre, na parte em que este entendeu condenar a Ré ….. no pagamento de juros nos termos do artº 38º nº3, sobre o montante de 71.936,50 desde 22.5.2018 (data em que foi formulada a proposta) até a 28.6.2023 (data do encerramento da audiência final), pelo que se constata que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente o disposto no artigo 38.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
23. Por um lado, tal preceito estabelece o dever da seguradora em apresentar ao segurado uma proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, mas, por outro, determina ainda que se tal proposta for manifestamente insuficiente, deverá aquela pagar ao segurado juros de mora em dobro, mas apenas sobre a diferença entre o montante inicialmente proposto, e o montante que vier a ser fixado pelo Tribunal.
24. Destarte, tendo a Companhia de Seguros…. apresentado uma proposta inicial no valor de 10.500,00€ (dez mil e quinhentos euros), vindo a ser condenada no pagamento de 71.936,50€ (setenta e um mil novecentos e trinta e seis euros, e cinquenta cêntimos), a diferença entre o montante proposto e o montante fixado na douta sentença ascende aos 61.436,50€ (sessenta e um mil quatrocentos e trinta e seis euros, e cinquenta cêntimos) [71.936,50€ - 10.500,00€ = 61.436,50€].
25. Razão pela qual, considerando o douto Tribunal a quo que a proposta da Recorrida era manifestamente insuficiente, condenando a mesma ao pagamento de juros de mora em dobro, tais juros deverão ser calculados unicamente sobre a diferença entre o montante proposto e o montante fixado na douta sentença, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 38.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
26. Face ao exposto, contrariamente ao fixado na douta sentença de que se recorre, o cálculo dos juros de mora em dobro nunca poderá ser feito sobre a globalidade do valor da condenação, mas apenas sobre o montante de 61.436,50€ (sessenta e um mil quatrocentos e trinta e seis euros, e cinquenta cêntimos), que corresponde à diferença entre o montante proposto e o montante fixado na douta sentença.
Termos em que, Venerandos Juízes Desembargadores deve ser confirmada a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências, como é da mais inteira JUSTIÇA!”
Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
Sabendo que o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar, no caso concreto, consistem:
A) No recurso interposto pelo autor:
1. Não apreciação e quantificação do dano patrimonial referente aos serviços de gratificados e à perda dos suplementos de turno e de patrulha;
2. Quantificação do Dano Patrimonial Futuro, quando o mesmo já havia sido prescindido pelo Autor e reduzido o seu montante ao pedido;
3. Redução do pagamento de pensões efetuadas pela CGA ao A. ao valor dos danos patrimoniais futuros, nomeadamente valores não recebidos a título de pensões pagas pela CGA, desde março de 2018 (data em que foi considerado incapaz para o serviço operacional e quantificada a sua incapacidade pela CGA) até julho de 2022 (data em que a pensão passou a ser paga ao Autor, por entrada em vigor da Lei 19/2021 de 08 de abril, que não atribuiu efeitos retroativos de natureza pecuniária), num total de 58 meses  (conclusões P a S).
4. Valor apurado para adaptação do veículo para mudanças automáticas.
B) No recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações:
a) Valor a pagar pela ré à Caixa Geral de Aposentações.
III – Fundamentação de Facto.
Em sede de sentença, fixou o tribunal a quo, a seguinte Factualidade:
“Resulta apurada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 28 de janeiro de 2017, por volta das 17:00 horas, ocorreu um acidente de viação na zona de acesso da A5 à Ponte 25 de Abril, em Lisboa.
2. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …., conduzido pelo Autor e o veículo ligeiro de passageiros com matrícula …., conduzido por B…. e propriedade de D…., que se passam a designar, respetivamente, QX e JA.
3. O autor deslocava-se do trabalho para casa.
4. O proprietário do “JA” celebrara com a ré seguradora um contrato de seguro que garantia a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente da circulação daquele veículo, contrato esse titulado pela apólice nº …..
5. O local do acidente é constituído por uma estrada sem separador, com duas vias de trânsito e de sentido único.
6. Ambos os veículos circulavam na mesma via de trânsito, ou seja, na via da esquerda, atento o sentido de marcha.
7. O veículo seguro na ré seguia atrás do veículo conduzido pelo Autor.
8. O veículo JA embateu na traseira do veículo QX, nomeadamente, no vértice esquerdo.
9. O embate causou ao autor dores e hematoma no pulso direito.
10. Sofrendo o autor traumatismo do punho direito com fractura do semilunar.
11. O autor foi observado no Hospital de São Francisco Xavier, fez raio X, tendo-lhe sido aplicada tala gessada.
12. Posteriormente foi assistido nos serviços da PSP e também no Hospital Particular de Alfena, na especialidade de ortopedia.
13. Hospital este no qual foi sujeito a intervenção cirúrgica a 31.5.2017.
14. Com recessão parcial do escafoide cárpico ou semilunar com artroplastia de interposição, artroscopia para tratamento de lesões articulares e plastia tendinoso para oponência ou para a extensão do polegar.
15. O autor já havia sido seguido no Hospital Particular de Alfena, em consulta de ortopedia, no contexto de sequelas de traumatismo do punho direito, devido a trauma do punho em serviço ocorrido em 7-7-13.
16. No “Resumo da Informação Clínica” daquele hospital consta, além do mais, “Proponho para artroscopia do punho (8/Agosto/2013)…”, “2014-03-24 (…) Estava francamente melhor mas há 3 dias teve um traumatismo de extensão do punho”, “Antecedentes de impingement-cúbito cárpico punho dto em 2013 – submetido a artroscopia com bom resultado tendo tido alta em 2014. Em Janeiro/2017 foi vítima de acidente de viação com traumatismo do punho dto. Desde então com dor e impotência funcional. Clinicamente com dor e edema radiocárpico. Rx e TAC: fractura do semilunar com colapso”, “2019-10-07 (…) Andava bem. Queda há 5 dias com traumatismo do punho dto.”
17. No item “conclusões” da Perícia de ortopedia do INML fez-se constar: “O examinando sofreu acidente de viação em 28/1/2017, de que resultou fratura de semilunar direito, a que foi tratado cirurgicamente, com exérese da 1ª fileira do carpo Tinha como antecedentes, um acidente de trabalho, em julho de 2013, afetando o punho direito, de que terá ficado com rigidez do punho, que não chegou a ser objeto de avaliação médico-legal na CGA. De acordo com registos contemporâneos, à data da alta do acidente anterior teria discreta rigidez do punho, com flexão dorsal de 60º e palmar de 50º (De acordo com a TNI em Direito civil, essas limitações articulares não seriam valorizadas).”
18. A 19.10.2021, e em consequência do acidente, o autor apresentava no membro superior direito cicatriz cirúrgica em face dorsal de terço inferior de antebraço (5 cm) com referência de sensação de hipostesia na área cicatricial; e
 limitação da mobilidade articular em flexão (0º-20, extensão (0º-10º), limitação no desvio radial estando o desvio cubital conservado e limitação em últimos graus de pronação; diminuição de força muscular em D4 e D5 para grau 3+/5.
19. E apresentava como fenómeno doloroso: face dorsal de punho direito que irradia para perímetro de punho e para a face medial de cotovelo.
20. Em consequência do acidente ocorrido a 28.1.2017 o autor sofreu:
Período de Défice Funcional Temporário Total de 405 dias.
Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 405 dias.
Quantum Doloris de 4/7.
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 12 pontos.
Dano Estético Permanente fixável no grau de dois pontos em sete.
Sequelas que são, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Dano Estético Permanente fixável no grau 2 /7.
21. Em 22-5-18, a Ré enviou ao Autor o relatório final de Avaliação do Dano Corporal no qual consta, além do mais, quantum doloris (entre 1 a 7) 4/7; Deficit Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 7; Acréscimo de Danos Futuros, sim; Dano estético (entre 1 a 7) 3/7; Prejuízo de afirmação pessoal (entre 1 a 5) 2/7; Repercussão nas Actividades Desportivas e de Lazer (entre 1 a 7) 2/7; necessidade futura de ajuda medicamentosa ou terapêutica, sim.
22. E apresentou a proposta de indemnização no valor global de € 10.500,00, cabendo € 7.500,00 ao dano biológico, € 2.000,00 ao dano estético e € 1.000,00 ao quantum doloris.
23. Proposta que não foi aceite pelo Autor.
24. A ré reembolsou a PSP em 9-5-18 da quantia de € 30.281,80, sendo €30.164,13 por Incapacidade Temporária Absoluta de 404 dias relativos a vencimentos e abonos, e € 117,67 referentes a despesas médicas diversas.
25. Por ofício de 04 de Junho de 2018, o Gabinete de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública remeteu à Caixa Geral de Aposentações, para efeitos de aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, o processo por acidente em serviço respeitante ao Chefe A ….. .
26. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 18 de Dezembro de 2018, considerou que das lesões apresentadas pelo sinistrado resultava uma incapacidade permanente parcial, atribuindo um grau de incapacidade de 35%.
27. Por decisão proferida em 29 de Março de 2019 pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi fixada ao autor uma pensão por acidente em serviço - pensão anual vitalícia no valor de € 6 029,33.
28. Na data do acidente referido em 1. o autor tinha 39 anos de idade.
29. Tinha a categoria profissional de Chefe da PSP.
30. Como resultado do acidente o autor ficou desde o dia 28-01-2017 até 01.08.2017 com uma Incapacidade Temporária Total e Incapacidade Temporária Geral e Profissional Parcial, entre 02.08.2017 e 08.03.2018.
31. Data esta em que teve alta.
32. Após a data da alta o autor foi avaliado por junta superior de saúde nos serviços da PSP, que lhe atribuiu uma Incapacidade Permanente Parcial de 44,42%, com incapacidade para o serviço operacional.
33. A 25.2.2018 através da ordem de serviço n.º 96, a PSP declarou o autor incapaz para o serviço operacional.
34. A partir de 25.02.2018 o Autor passou a desempenhar funções administrativas.
35. Em consequência da impossibilidade de exercer serviços operacionais, o autor deixou de receber o Suplemento de Comando (Supervisão Operacional) no valor mensal de 73,90 € e o Suplemento de Turno no valor mensal de 150,01€.
36. E deixou de poder integrar a escala de serviços remunerados, onde auferia a média mensal de 259,08 €.
37. Os valores referidos em 35. foram suportados pela PSP até 25.02.2018.
38. Até 28.1.2017 o autor realizava os serviços gratificados 11 meses por ano.
 39. E auferia o Salário Bruto Anual de 18.262,44 €, (salário base € 1.304,46 € x 14 meses);
40. O Autor sempre foi uma pessoa muito ativa praticando desporto regularmente.
41. Sentia prazer ao envergar a sua farda e em exercer a posição de chefia operacional.
42. Neste momento encontra-se a realizar serviço administrativo e com a certeza que nunca mais voltará a ser operacional, frustrando-se assim todo o seu sonho de ser um “verdadeiro” polícia.
43. Por causa das lesões na mão e pulso direito não pode utilizar a sua arma nem voltar a realizar provas de tiro.
44. Tendo devolvido à PSP a arma de serviço.
45. O autor tem uma filha menor, com quem adora brincar e pegar ao colo, o que também deixou de poder fazer.
46. O que lhe causa enorme desgosto.
47. Por causa das dores e da falta de força para se apoiar na mão direita as relações sexuais ficaram comprometidas.
48. O que deixa o autor triste em relação ao seu casamento.
49. Antes do acidente o autor e a sua mulher haviam planeado ter pelo menos dois filhos.
50. Plano que abandonaram, face à diminuição salarial e à diminuição de perspetivas de progressão na carreira.
51. O que deixa o autor triste.
52. O autor recorreu a consultas de psicologia, tendo acompanhamento que ainda mantém tendo sido medicado.
53. Em consequência do acidente efectuou sessões de fisioterapia.
54. Em portagens e bilhetes de autocarro, para se deslocar a consultas e tratamentos o autor despendeu a quantia de €653,50 €.
55. Em deslocações em veículo particular percorreu 4645 Km.
56. Gastando em combustível €283.
57. O autor não consegue conduzir um veículo de caixa de velocidades manual e manípulos à direita.
- Não se provou:
a) Que consequente do acidente o autor tenha uma IPP de 26 pontos ou de 35%.
b) Que consequente do acidente o autor tenha ficado ou tido diferentemente ou para além do que resultou provado:
défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, dano estético de 3/7, prejuízo de afirmação pessoal de 2/5, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de 2/7 e necessidade futura de ajuda medicamentosa ou terapêutica.
*
Não há outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa, revelando-se o mais alegado conclusivo ou matéria de direito”.
Embora conste da matéria de facto provada (facto n.º 26) a sujeição do autor a uma Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada a 18 de dezembro de 2018 e a aí atribuída incapacidade permanente parcial de 35%,  e a decisão proferida pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações de fixação ao autor de uma pensão por acidente em serviço- pensão anual vitalícia no valor de €6.029,33 (facto n.º 27) da referida factualidade não consta a data indicada como sendo a do início do pagamento da referida pensão, a data em que a mesma efectivamente se concretizou e o montante de capital calculado para suportar os encargos com a pensão vitalícia a pagar ao autor por acidente de trabalho sofrido.
Assim, e considerando o período temporal indicado pelo autor, e a prova documental junta aos autos, e não impugnada pelas partes, e ao abrigo do disposto no artigo 662/1 do CPC, deverá ser aditada à matéria de facto provada a seguinte factualidade:
58. O início de pagamento do valor mensal de €430,02, correspondente à pensão anual vitalícia no valor de €6.029,33,  a suportar pela Caixa Geral de Aposentações, estava previsto para o dia 10 de março de 2018 (documento n.º 1 junto com o requerimento do autor datado de 6 de março de 2023).
59. O pagamento do valor mensal de €430,02 apenas se iniciou em julho de 2022.
60. O montante necessário para a Caixa Geral de Aposentações suportar os encargos com a pensão vitalícia do recorrente é € 93 447,13.
IV. Fundamentação de Direito
A- Recurso interposto pelo autor:
1. Não apreciação e quantificação do dano patrimonial referente aos serviços de gratificados e à perda dos suplementos de turno e de patrulha (conclusões K a O).
Alega o autor que o valor peticionado a título de serviços remunerados/gratificados e dos suplementos de turno e de patrulha não podem ser quantificados por uma incapacidade de 12%, uma vez que o Autor ficou totalmente incapaz de os realizar, ou seja, diminuído em 100%.
Entende que devem ser fixadas as quantias a título de lucros cessantes tal como calculadas nos artigos nos artigos 25 a 30 da petição inicial.
Vejamos a factualidade considerada provada na decisão recorrida:
 “33. A 25.2.2018 através de ordem de serviço n.º 96, a PSP declarou o autor incapaz para o serviço operacional.
34. A partir de 25.02.2018 o autor passou a desempenhar funções administrativas.
35. Em consequência da impossibilidade de exercer serviços operacionais, o autor deixou de receber o Suplemento de Comando (supervisão Operacional) no valor mensal de 73,90 € e o Suplemento de Turno no valor de 150,01 €.
36. E deixou de poder integrar a escala de serviços remunerados, onde auferia a média mensal de 259,08 €.
38º Até 28.1.2017 o autor realizava os serviços gratificados 11 meses por ano.
43. Por causa das lesões na mão e pulso direito não pode utilizar a sua arma nem voltar a realizar provas de tiro.
44. Tendo devolvido à PSP a arma de serviço.”
- Suplementos de Comando e de Turno
Relativamente aos suplementos de Comando (Supervisão Operacional) e de Turno, estes, incluídos na remuneração mensal do recorrente, foram considerados pelo tribunal recorrido (leia-se a fls. 23 da sentença: “Como resulta dos documentos juntos pela CGD (leia-se CGA), a pensão atribuída autor teve por pressupostos: a retribuição anual de €24.572,77, correspondendo à retribuição mensal de €1.596,39 vezes 14 meses e €2.223,31 de retribuições acessórias e a atribuição de incapacidade de 35%”) quando discrimina os rendimentos auferidos por aquele para cálculo da pensão pela Caixa Geral de Aposentações.
A este título o recorrente nada pode haver nesta ação pois optou pela pensão da Caixa Geral de Aposentações.
Por isso, e nesta parte, não merece censura a decisão recorrida.
- Serviços remunerados /gratificados
Em consequência da impossibilidade de poder efetuar serviços operacionais (Ordem de serviço de 25 de fevereiro de 2018) o  autor deixou de  poder integrar a escala de serviços remunerados, onde auferia a média mensal de €259,08.
Até 28 de janeiro de 2017 (data em que ocorreu o acidente em causa nos autos) o autor realizava os serviços gratificados 11 meses por ano e auferia uma média mensal de €259,08.
Estes serviços gratificados não foram englobados na remuneração, sendo incertos quanto à sua realização e valor (embora tenha sido apurada uma média mensal).
Constituindo um rendimento autónomo, para procedermos ao  cálculo da indemnização devemos ter em conta o rendimento médio anual de €2.500,00, os 21 anos que faltam para a reforma, a perda total e a taxa de juro de 2%, que totaliza a quantia de €42.528,02 (com arredondamento para os €43.000,00).
Procede parcialmente e nesta parte o recurso.
2. Quantificação do Dano Patrimonial Futuro, quando o mesmo já havia sido prescindido pelo Autor e reduzido o seu montante ao pedido (conclusões D) a K).
Alega o autor que com a entrada em vigor em 1 de julho de 2022 da Lei 19/2021, de 8 de abril, que alterou a redacção do Decreto-Lei 503/99, de 20 de novembro, passou a receber a sua pensão vitalícia no montante de €444,36 e, exercendo o seu direito de opção, optou por continuar a receber da CGA em preterição do valor já peticionado a título de danos patrimoniais futuros contra a Ré SEGURADORA , e por isso veio a reduzir o seu pedido na quantia dos € 105.00,00 peticionados, não existindo qualquer duplicação de valores a receber. Sustenta que o cálculo efetuado pelo Mmo juiz a quo, a páginas 19 e 20 da douta sentença recorrida, para apurar o Dano Patrimonial Futuro, resultante da incapacidade permanente parcial fixada para o direito civil, de 12 pontos, não tem qualquer razão de existir, uma vez que o Autor, reduziu essa parcela do seu pedido, optando por receber da CGA, no âmbito do acidente em trabalho. Não há necessidade de quantificar um dano que não se encontra peticionado.
Apreciemos.
Na petição inicial, o autor tinha deduzido o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €105.000,00 a título de danos patrimoniais futuros.
Em requerimento datado de 6 de março de 2023 o autor veio reduzir este pedido para o valor de €78.823,80.
Ora, se é certo que o autor já havia reduzido este pedido, também é certo que o cálculo do dano patrimonial futuro, na vertente dos lucros cessantes, sempre teria de ser feito, atendendo ao pedido de reembolso deduzido pela Caixa Geral de Aposentações.
Assim, embora formalmente, este segmento pudesse estar inserido na parte da sentença que aprecia o pedido formulado pela Caixa Geral de Aposentações, o mesmo não é despiciendo, como mais abaixo se verá.
3. Redução do pagamento de pensões efetuadas pela Caixa Geral de Aposentações ao autor  ao valor dos danos patrimoniais futuros, nomeadamente valores não recebidos a título de pensões pagas pela CGA, desde março de 2018 (data em que foi considerado incapaz para o serviço operacional e quantificada a sua incapacidade pela CGA) até julho de 2022 (data em que a pensão passou a ser paga ao Autor, por entrada em vigor da Lei 19/2021 de 08 de abril, que não atribuiu efeitos retroativos de natureza pecuniária), num total de 58 meses  (conclusões P a S).
Alega o autor que a ré … deverá ressarcir a Caixa Geral de Aposentações de todas as quantias que vier a pagar ao Autor e, consequentemente pagar ao autor todos os danos sofridos e que não foram ressarcidos, nomeadamente as pensões que deveria ter recebido e não recebeu, porquanto a alteração legislativa foi expressa ao afirmar que a sua entrada em vigor era sem efeitos retroativos de natureza pecuniária, ou seja:
- Ano de 2018 (março a dezembro + 2 subsídios), 12 meses x 430,02 € = 5.160,24 €;
- Ano de 2019 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2020 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2021 (janeiro a dezembro + 2 subsídios), 14 meses x 436,90 € = 6.116,60 €;
- Ano de 2022 (janeiro a junho), 6 meses x 444,36 € = 2.666,16 €.
Tudo, num total de 26.176,20.
Sustenta o autor que ao ter escolhido receber o dano patrimonial futuro por parte da Caixa Geral de Aposentações, não pode ficar prejudicado por uma lei que veio a ser alterada,  e por isso deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de €26.176,20, a título de pensões correspondentes a 58 meses e verificada a incapacidade pela Caixa Geral de Aposentações de 35%.
Analisemos.
Não tem razão o autor. A indemnização global fixada no processo refere-se a todo o período de incapacidade passada e futura e por isso o autor não tem direito a receber qualquer outra quantia relativamente ao período que indica.
Improcede o recurso nesta parte.
4. Valor apurado para adaptação do veículo para mudanças automáticas (conclusões T a Y).
Insurge-se o autor com a quantia fixada na sentença recorrida - €5.000.00- a título de adaptação de veículo para mudanças automáticas. Considera que a necessidade de um veículo com estas mudanças é imperativa e por isso entende ser justo e adequado o valor aposto na  Portaria 679/2008, de 25 de junho de  € 7.300,00.
A ré contra-alegou sustentando que o valor contido na referida Portaria não vincula, nem pode vincular o Tribunal na fixação dos danos, entre os quais se inclui a adaptação do veículo e por isso, considerando a factualidade provada, bem andou o tribunal a quo, em fixar o montante de €5.000,00.
Analisemos.
O autor alega que necessita de conduzir no seu dia a dia.
Os factos apurados não confirmam esta alegação.
A respeito desta matéria apenas resultou provado que: “57. O autor não consegue conduzir um veículo de caixa de velocidades manual e manípulos à direita”.
A Portaria 679/22, de 25 de agosto, no anexo IV, com a epígrafe “Tabela indicativa de valores para proposta razoável em caso de despesas incorridas e rendimentos perdidos por incapacidade sugere, no ponto 2, para despesas emergentes, a quantia “até 7.500,00 para adaptação de veículo” (sublinhado nosso).
Não tendo resultado provado qual o custo da adaptação do veículo do autor de manual para automático (caso a mesma seja possível), e a natureza meramente indicativa ou sugestiva do valor referido na Portaria, temos até por generosa a quantia fixada na decisão recorrida. Na falta de quaisquer elementos que permitam alterar esta decisão, a mesma não mesma censura e por isso deverá ser mantida nesta parte.
Improcede o recurso nesta parte.
B- O recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações:
Alega a Caixa Geral de Aposentações que a ré  deveria ter sido condenada a pagar a esta entidade o montante por esta peticionado (€ 93 447,13), tendo resultado provado que o autor na sequência do acidente em serviço sofrido, foi a uma junta médica da Caixa Geral de Aposentações que, tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, lhe fixou um grau de desvalorização de 35%. Foi feita também a prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da ré e a prova da fixação ao autor do direito a uma pensão anual vitalícia nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, no valor de € 6 029,33.
Vejamos.
O regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas encontra-se, presentemente, regulado pelo Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro (com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 59/2008, de 11 de setembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 11/2014, de 6 de março, 82-B, de 31 de dezembro, pelos Decretos-Leis n.ºs 33/2018, de 15 de maio e 84/2019, de 28 de junho e, ainda, pela Lei 19/2021, de 8 de abril).
Nos termos consignados no artigo 2.º do referido D.L. n.º 503/99, o diploma é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como, aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes e, ainda, aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.
No n.º 1 do artigo 3 deste diploma estabelecem-se diversos conceitos operativos, definindo-se, na alínea b) que o “Acidente em serviço” consiste no “acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública”, esclarecendo-se no artigo 7/1 que “acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho”.
No Capítulo IV do referido D.L. n.º 503/99, de 20 de novembro estabelecem-se os termos de responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações.
Assim, se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral, as quais serão atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição, sendo que no cálculo das pensões é considerada a remuneração sujeita a desconto para o respectivo regime de segurança social (cfr. artigo 34.º, n.ºs. 1, 4 e 5).
Nos termos do artigo 38.º, n.º 1, do D.L. n.º 503/99, a confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações, sendo que, no caso de acidente em serviço, a aferição será efetuada por um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado, procedendo-se à determinação das incapacidades permanentes de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (n.º 5 do mesmo artigo).
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma legal, as prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis: a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional; b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade parcial inferior a 30 /prct., resultante de acidente ou doença profissional; c) Com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.
O incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 41.º determina a perda das prestações periódicas correspondentes ao período do exercício da atividade, sem prejuízo de revisão do grau de incapacidade.
No artigo 46.º do D.L. n.º 503/99 estatui-se o regime de responsabilidade de terceiros, nos seguintes termos:
“1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.
2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.
3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
4 - Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável.
5 - Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.
6 - Nos casos em que tenha havido lugar à atribuição de prestações de caráter indemnizatório simultaneamente pela Caixa Geral de Aposentações, I. P., e pelo regime geral de segurança social, o valor a deduzir pela Caixa nos termos do n.º 4 corresponde à parcela da indemnização por danos patrimoniais futuros paga pelos terceiros responsáveis na proporção que o montante das suas prestações represente no valor global atribuído por ambos os regimes.”.
Assim, nos termos do aludido artigo 46.º, n.º 3, ocorrendo um acidente, simultaneamente de viação e de serviço, imputável a culpa de terceiro e em que é sinistrado um subscritor da C G A., esta entidade, depois de proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, goza do direito de regresso contra aquele terceiro responsável, incluindo seguradoras, com vista ao reembolso do capital de remição que pagou pela reparação da respectiva incapacidade permanente (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de julho de 2017).
Interpretando este normativo, referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de julho de 2020 que: “Este preceito estabelece, portanto, que uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
Os factos constitutivos deste direito, que a norma qualifica como direito de regresso, parecem assim ser i) os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, ii) os factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e iii) a existência de uma decisão definitiva sobre o pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o regime jurídico de acidentes de serviço e das doenças profissionais, no âmbito da Administração Pública.
Existe uma diferença entre o direito de regresso previsto nos nºs. 1 e 2 e o direito de regresso previsto no n.º 3 do preceito.
Naqueles números prevê-se o direito dos serviços que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no referido regime jurídico contra o terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional. Trata-se, portanto, do direito de que são titulares os serviços com o qual o trabalhador tem o vínculo profissional, ao serviço do qual este se encontrava aquando do acidente. O seu direito depende de o serviço ter pago ao seu funcionário prestações previstas no regime jurídicos dos acidentes em serviços, designadamente despesas de assistência médica e remunerações, e tem por medida o valor efectivamente pago ao trabalhador a esse título.
O n.º 3 refere-se já não ao direito dos serviços de que o trabalhador é funcionário, mas ao direito da Caixa Geral de Aposentações.
No caso de sofrer um acidente de serviço, o trabalhador tem o direito à reparação dos seus danos em dinheiro recebendo, designadamente, a remuneração no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço ou doença profissional, e uma indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro).
Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte do trabalhador é à Caixa Geral de Aposentações que compete a avaliação e a reparação dos danos sofridos pelo seu subscritor (artigo 5.º, n.º 3). O direito consagrado no n.º 3 do artigo 46.º reporta-se a esta obrigação pecuniária da Caixa Geral de Aposentações perante o trabalhador.
No entanto, uma vez que em grande parte essa obrigação se estrutura mediante pagamentos que irão ser feitos no futuro ao longo da vida do trabalhador, a norma legal em apreço não confere à Caixa Geral de Aposentações um direito de regresso que se vá constituindo à medida que cada pagamento vá sendo feito e na medida de cada pagamento efectuado. A norma atribui à Caixa Geral de Aposentações um direito de regresso cuja medida e extensão é o valor do capital calculado nesse momento como necessário para assegurar o pagamento do conjunto das prestações, incluindo as prestações futuras.
É por isso que para a constituição do direito de regresso a norma não exige a demonstração de que a CGA efectuou o pagamento das quantias reclamadas: uma vez que se trata de um capital destinado a assegurar o pagamento da totalidade das prestações, incluindo prestações futuras, esse pagamento não estará, por definição, feito, ainda que possa estar iniciado.
Percebe-se assim que o facto constitutivo do direito de regresso (deva ele ser classificado como verdadeiro direito de regresso ou de sub-rogação legal) da Caixa Geral de Aposentações (é só desse que tratamos) seja não o pagamento ao trabalhador lesado das prestações a que o mesmo tem direito em consequência do acidente de serviço ou tão pouco o início do seu pagamento, mas apenas a decisão definitiva da Caixa Geral de Aposentações que reconheça ao trabalhador o direito às prestações. A decisão definitiva da entidade com competência legal para avaliar e reparar os danos, concretiza o direito do trabalhador ao recebimento dessas prestações e faz nascer a obrigação da Caixa de pagar as prestações cujo direito reconheceu.
O objectivo da norma parece aceitável. Uma vez que existe um responsável directo pelos danos e é sobre este em última instância que recai a obrigação de indemnizar os danos que causou, a intervenção da Caixa Geral de Aposentações tem somente a função de garantir que o trabalhador será sempre indemnizado, mesmo que o responsável civil não o faça ou não tenha meios económicos para o fazer. Por isso, decidido em definitivo que o trabalhador tem direito a uma prestação, a CGA não poderá recusar-se a pagá-la ao trabalhador assim que este lha exija, pelo que está justificado que o esforço da reunião do capital necessário ao pagamento dessas prestações (presentes e futuras) recaia de imediato sobre o responsável pelas lesões que as determinaram”.
No trecho em apreciação nos autos está em causa a relação entre a seguradora e um outro responsável pelos danos sofridos pelo autor – a Caixa Geral de Aposentações. Ora, como se esclareceu em Acórdão do Supremo Tribunal  de Justiça datado de 2 de abril de 2019, “o direito que este tipo de entidades exerce contra a seguradora para reaver os pagamentos efectuados, ao abrigo do artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública (o “direito do pagador”) não é, apesar da letra da lei, um direito de regresso em sentido próprio.
Trata-se, em rigor, de um “direito de reembolso”, na expressão de Brandão Proença [“Natureza e prazo da prescrição do 'direito de regresso' no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, in: Cadernos de Direito Privado, 2013, n.º 41, pp. 29 e s.], que promana da sub-rogação (normalmente de origem legal) desta entidade nos direitos do lesado. Afirma este autor que “o 'direito de regresso' e o 'direito de sub-rogação' mais não são do que, em circunstâncias diferentes, idênticos direitos de reembolso (ou de regresso latu sensu) das quantias pagas, ex vi legis, a título provisório e por obrigados (não responsáveis) secundários, direitos esses a 'construir' substancialmente de forma semelhante, com uma natureza que não é, nem deve ser a do direito do lesado ressarcido e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito e, em rigor, a considerar extinto.
Independentemente da sua exacta qualificação, o direito da CGA dirige-se contra o terceiro responsável pelo acidente ou seguradora respectiva, e nasce “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade” (art. 46º, nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99).”.
Nos autos, não há qualquer controvérsia sobre a natureza do acidente que vitimou o autor, simultaneamente, de trabalho e de viação, imputável a terceiro, seguro na ré.
Mais resultou provado que:
“26. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 18 de Dezembro de 2018, considerou que das lesões apresentadas pelo sinistrado resultava uma incapacidade permanente parcial, atribuindo um grau de incapacidade de 35%.
27. Por decisão proferida em 29 de Março de 2019 pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi fixada ao autor uma pensão por acidente em serviço - pensão anual vitalícia no valor de € 6 029,33”.
E resultou não provado que:
“Que consequente do acidente o autor tenha uma IPP de 26 pontos ou de 35%” (alínea a) dos factos não provados).
Embora, à primeira vista, possa parecer existir uma contradição entre o facto provado n.º 26 e o facto não provado constante da alínea a), o certo é que a mesma não se verifica. A factualidade provada respeita a fls. 6 da certidão emitida pela Caixa Geral de Aposentações  e cujo teor não foi impugnado pela ré- a realização de uma Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações no dia 18 de dezembro de 2018 e a atribuição ao autor de uma incapacidade permanente parcial de 35%; o facto não provado respeita à incapacidade do autor em termos de responsabilidade civil. Para esta incapacidade vale o relatório de avaliação do dano corporal que fixou a incapacidade em 12 pontos.
Ora, sabemos que a tabela a considerar para o efeito de avaliar a incapacidade do lesado resultante de acidente em serviço segundo o artigo 38/5 do Decreto-Lei 503/99, é a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Anexo I ao mesmo DL 352/2007, e não a Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, Anexo II do DL 352/2007, de 23.10, pois esta tabela apenas avalia legalmente as incapacidades dos lesados que os responsáveis civis são obrigados a indemnizar.
Por sua vez, o art. 1º do DL 352/2007 dispõe que: “São aprovadas a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constantes respectivamente dos anexos I e II ao presente decreto-lei e que dele fazem parte integrante.”. Enquanto o art. 2º, nº 1, do mesmo diploma estatui que: “1 — A incapacidade do sinistrado ou doente no âmbito do direito do trabalho e a incapacidade permanente do lesado no domínio do direito civil são calculadas respectivamente em conformidade com as duas tabelas referidas no artigo anterior, observando -se as instruções gerais e específicas delas constantes”.
Cada uma das Tabelas funciona, de acordo com a sua própria lógica, dentro do quadro legal pressuposto, e com fins específicos.
Para que a Caixa geral de Aposentações possa exercer o seu direito ao reembolso vale a incapacidade atribuída pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, baseada na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, e não a Tabela para Avaliação da Incapacidade Permanente em Direito Civil.
Aplicada a Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro (Cálculo das Pensões de Acidente em Serviço), o montante necessário para suportar os encargos com a pensão do recorrente é € 93 447,13.
Com o pedido a Caixa Geral de Aposentações pretende, tão só, exercitar o direito de reembolso, que lhe assiste, e que legalmente lhe é conferido pelo artigo 46/3 do Decreto-Lei 503/99.
Procede, por isso, o recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações.
-  Os juros
Insurge-se a ré quanto ao modo de fixação de juros na decisão recorrida.
Contudo, a ré não interpôs recurso subordinado relativamente a esta matéria, e por isso, tal questão não será apreciada pelo tribunal de recurso.

V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
A- No recurso interposto pelo autor - em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:
1. Aditar a parcela de €43.000,00 (quarenta e três mil euros) ao valor a pagar pela ré Companhia de Seguros … ao autor ….., assim aumentado para o valor global de €114.936,50 (cento e catorze mil novecentos e trinta e seis e cinquenta cêntimos) (€71.936,50 + €43.000,00).
B- No recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações: julgar procedente o recurso interposto e em consequência alterar o valor a pagar pela ré Companhia de Seguros … à interveniente Caixa Geral de Aposentações de €44.000,00 para €93.447,13 (noventa e três mil quatrocentos e quarenta e sete euros e treze cêntimos), correspondente ao cálculo de capital necessário para pagamento por esta da pensão vitalícia por acidente de trabalho ao recorrente.
Custas pelo recorrente/autor e pela recorrida Companhia de Seguros… na proporção dos decaimentos.
Escrito e revisto pela Relatora.

Lisboa,  21 de março de 2024
Maria Teresa Lopes Catrola
Maria do Céu Silva
Cristina Lourenço