Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9337/19.4T8LSB-C.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PERÍCIA
IMPERTINÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário da responsabilidade do relator:
I- Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que o integram. Na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objeto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 94/5. Os tribunais administrativos têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas nos termos do art. 212°/3, da CRPortuguesa e art. 1° do ETAF, cingindo-se tal competência ao julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais
II- Considerando a identidade das partes e os termos da pretensão dos Autores compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão, é manifesto que se trata de matéria da competência dos tribunais comuns e em particular do tribunal recorrido, posto que se trata de aferir se os fundamentos invocados se enquadram ou não nos fundamentos da resolução do contrato de arrendamento previstos na lei, independentemente de saber se o fundamento invocado procede ou não.
III- As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas, pelo que só será de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
APELANTES/RÉUS: PP - Atividades Hoteleiras, Lda e outros co-réus “AA” e “BB”
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APELADO/AUTOR: “CC” E OUTROS AUTORES
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Com os sinais dos autos. Valor da acção 141.466,33 € (fixado na decisão recorrida)
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I. Inconformada com a decisão de 5/12/2023 (saneador), com o seguinte teor “... Arguiram os réus a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal. Em exercício do contraditório os autores pugnaram pela improcedência desta excepção. Apreciando, diremos decorrer do alegado na petição inicial que os autores invocam as deficientes condições de segurança inerentes ao funcionamento do estabelecimento instalado nas fracções como fundamento de resolução do contrato de arrendamento, sendo manifesta a competência dos Tribunais comuns para tramitar a presente acção... V – Meios probatórios Dos autores (fls. 26) 1. Admite-se a prova testemunhal arrolada. 2. Não sendo impertinente nem dilatória a perícia requerida, notifique-se a parte contrária nos termos e para os efeitos previstos no art.º 476º/1 do nCPC.”, dela apelou a Ré, em cujas alegações concluem suma:
1. as medidas e as localizações das portas do rés-do-chão e cave onde está instalado o estabelecimento comercial dos RR. e o material de construção do imóvel, em madeira, pertencem ao edificado e, por conseguinte, apenas dizem respeito, em exclusividade, aos AA.,
seus proprietários.
2. a concepção arquitectónica e técnica da cave também pertence ao edificado, apenas dizendo respeito, igualmente e em exclusividade, aos AA., seus proprietários.
3. não obstante, deram de arrendamento, em 1972, este mesmo rés-do-chão e cave para que nele fosse instalado e funcionasse este mesmo estabelecimento comercial que ora pertence aos RR.
4. e nunca, senão agora, no âmbito da presente acção, perante o Tribunal a quo, imputaram aos RR. qualquer desrespeito por normas técnicas contra incêndio, o que de resto fizeram em vagas alegações, meramente conclusivas.
5. quando é certo que, na sua qualidade de proprietários, poderiam ter suscitado tal questão muito antes e junto das entidades para tanto competentes, a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil ou a Câmara Municipal de Lisboa.
6. tudo se explicando pelo facto não escondido, antes assumido e confessado, de pretenderem vender o imóvel onde está instalado o estabelecimento dos RR. em conjunto com um outro imóvel contíguo, da sua propriedade, situado na Rua de (…), em Lisboa.
7. o Tribunal a quo apenas é materialmente competente para julgar causas e desde que estas não sejam legalmente atribuídas a tribunais de outra ordem jurisdicional, não sendo pois competente para aferir se o cumprimento de normas técnicas contra incêndio está ou não assegurado, porque, para tanto, é exclusivamente competente a Autoridade Nacional de Protecção Civil ou a Câmara Municipal de Lisboa consoante a classificação da categoria de risco.
8. ao julgar-se competente para o efeito, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, os arts. 40º e 117º da LOFTJ e os arts. 202º,
119º, 235º e 236º da Constituição da República
9. efectivamente, o Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, reservou também para a ANEPC ou para a CML a competência exclusiva para, no exercício da função administrativa, que evidentemente não cabe aos Tribunais, inspeccionar, fiscalizar e sancionar o não cumprimento das normas técnicas contra incêndio e bem assim a competência exclusiva para desencadear as consequências pelo não cumprimento dessas normas.
10. justamente por isso não lhe conferiu atribuições para a realização de perícias, confinando, por outro lado, e sobretudo, as consequências pelo incumprimento daquelas normas à aplicação de coimas e sanções acessórias em processo contra-ordenacional com recurso para os Tribunais Criminais.
11. e entre essas coimas e sanções acessórias prevê-se apenas a interdição do uso de fracções autónomas, ou de partes dos edifícios, pelo prazo máximo de dois anos, não se prevendo o despedimento, o despejo do infractor, ainda que seja inquilino de outrem.
12. razão pela qual o disposto no art. 1083º, nº 2, do CC, única norma atributiva de competência material ao Tribunal a quo, é inaplicável ao caso sub judice, e razão também pelo qual o Tribunal o violou.
13. de facto, se esta norma fosse aplicável, cair-se-ia no inaceitável contra-senso de o infractor de normas técnicas contra incêndio, se fosse um inquilino, poder ser interditado do uso da fracção locada pelo prazo máximo de dois anos e, simultaneamente, dela ser definitivamente despejado, o que não faz sentido algum.
14. mas o legislador não quis semelhante absurdo, pretendendo apenas, perante a transgressão
daquelas normas técnicas, sancionar o infractor pela prática de um ilícito económico, não considerando o caso como de violação de uma relação contratual locatícia, sendo somente à violação desta relação que o art. 1083º, nº 2, se reporta e aplica.
15. e, enfim, quanto à requerida e deferida perícia, se é facto que o Tribunal a quo não é competente para conhecer do cumprimento ou incumprimento de normas técnicas contra incêndio, tal perícia, além de legalmente impossível por não constituir atribuição da ANEPC, nem da CML, é consequentemente inútil, a menos que se pretendesse com os seus eventuais resultados, em inadmissível violação do princípio dispositivo, colmatar a falta de alegação de factos essenciais concretos susceptíveis de subsunção no art. 1083º, nº 2.
16. neste aspecto, o Tribunal a quo violou não só o disposto no art. 467º, nº 1, do CPC, mas também, e sobretudo, o disposto no art. 24º do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, na medida em que tal perícia equivaleria, para todos os efeitos, incluindo os contra-ordenacionais, a uma fiscalização que não lhe cabe determinar.
17. termos em que se requer que V. Exas., revogando o douto despacho saneador na medida em que considerou o Tribunal a quo competente em razão da matéria e bem assim o douto despacho que deferiu a requerida perícia, absolvam os RR. da instância quanto ao pedido correspondentemente formulado pelos AA.
I.2. Em contra-alegações, concluem os Autores em suma:
a) Os RR. sabem perfeitamente que, (i) os Autores deduziram oposição à renovação dos contratos de arrendamento em causa nos presentes autos; (ii) o falecido RR. “AA” recebeu a oposição à renovação — chegou mesmo a falar com os Autores sobre a sua saída do R/C e CV e do Primeiro andar — mas, de repente, após alegada reunião com o seu Advogado, resolveu não sair (até hoje); os RR. sabem perfeitamente que não têm o direito de permanecer no estabelecimento (porque não existe contrato de arrendamento desde 31 de agosto de 2018). Os RR. sabem perfeitamente que o alegado na PI é verdade, e que o R/C e CV NÃO tem quaisquer condições de segurança, ou de salubridade, para o funcionamento de qualquer estabelecimento comercial, e sabem que estão a por os seus clientes claramente em perigo,  sabem perfeitamente que os Autores querem vender o prédio, e não perdem uma oportunidade para tentar obter algum benefício com qualquer potencial venda; inclusive, tentam negociar uma indemnização (à qual sabem perfeitamente não ter direito) com os potenciais compradores — compradores que acabam por perder o interesse no prédio assim que têm conhecimento (i) da permanência dos RR. no R/C e CV, e no Primeiro Andar e (ii) da existência da presente ação de despejo,  sabem perfeitamente que se estivessem numa situação normal de arrendamento, a esta altura estariam a pagar uma renda várias vezes mais elevada do que o montante que estão a depositar — nos termos do disposto no artigo 14.º n.º 3 do NRAU, sempre fora de prazo, e sem a penalização prevista na lei — porque dada a zona privilegiada de Lisboa em que está localizado o prédio, e dado o valor atual de mercado das rendas na cidade de Lisboa; se o R/C e CV e o Primeiro Andar estivessem arrendados no dia de hoje, o valor de mercado da renda seria no valor de vários milhares de euros.[Conclusões I a VII]
b) ao contrário do alegado na alegação n.º (10) dos RR., são os RR. quem está a instrumentalizar o presente processo e os Tribunais para conseguir um objetivo ilegítimo: obter (até mesmo de potenciais compradores) uma indemnização à qual os RR. sabem não ter direito — chamando-se a atenção para a gravação da audiência prévia; o Tribunal é manifestamente competente para conhecer todos os pedidos formulados pelos Autores, designadamente: (i) o despejo dos RR. do R/C e CV e Primeiro Andar, com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento, por oposição à renovação; e (ii) o despejo dos RR. do R/C e CV e Primeiro Andar, com fundamento no artigo 1083.º n.º 2 do CC — o incumprimento das normas de segurança, agravado pelo facto do prédio se encontrar vazio (à exceção do R/C e CV e do Primeiro Andar ocupado pelos RR.), constitui incumprimento que pela sua gravidade e consequências tornam inexigível aos Autores manter o arrendamento. Os RR. não põem em dúvida a competência dos Juízos Centrais Cíveis para conhecer o despejo com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento (artigo 117.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto); mas não dizem qual seria (no entendimento dos RR.) o Tribunal competente para conhecer com o pedido de despejo com fundamento no artigo 1083.º n.º 2 do CC. É também obvio, que para além das consequências tipificadas pelos RR. nas suas alegações, o comprovado incumprimento das regras de segurança no estabelecimento deverá constituir fundamento de despejo (nos termos do disposto no artigo 1083.º n.º 2 do CC) dado que esse incumprimento, agravado pelo facto de o prédio se encontrar vazio (à exceção do R/C e CV e Primeiro Andar ocupado pelos RR.), tornam inexigível aos Autores manter o arrendamento! Desde logo porque a sua propriedade fica em risco! Caso contrário, estaríamos a admitir que a lei permitiria que o inquilino pudesse colocar a propriedade dos Senhorios em risco, e ainda por cima sem qualquer consequência! O que não se concebe, dado o direito de propriedade é um direito fundamental, e o artigo 1083.º n.º 2 do Código Civil é uma norma aberta, permitindo que outras situações (que não apenas as tipificadas nas alíneas da norma) determinem o despejo do inquilino, por tornarem inexigível aos Senhorios manter o arrendamento (como é o caso da situação em causa nos autos).[Conclusões IX a XIV] Termina pedindo a improcedência do recurso e a confirmação do decidido.
I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4 Questões a resolver:
a) Saber se o art. 1083º, nº 2, do CC, única norma atributiva de competência material ao Tribunal a quo, é inaplicável ao caso sub judice, e razão também pelo qual o Tribunal o violou, devendo concluir-se que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa é materialmente incompetente para conhecer da acção devendo os RR. Ser absolvidos da instância quanto ao pedido correspondentemente formulado pelos AA.
b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições conjugadas dos art.ºs 467º, nº 1, do CPC, mas também, e sobretudo, o disposto no art. 24º do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, na medida em que tal perícia equivaleria, para todos os efeitos, incluindo os contra-ordenacionais, a uma fiscalização que não lhe cabe determinar.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. Para além do teor da decisão recorrida acima transcrita interessam o seguinte documentalmente comprovados.
  • Os Autores propuseram a presente acção contra os réus onde pedem A primeira RR. (Arrendatária) condenada a (i) abandonar imediatamente as Frações correspondentes ao R/C e CV e Primeiro Andar do prédio sito na Rua (…), n°s 34, 36 e 38 em Lisboa, em consequência da CADUCIDADE EM 31 DE AGOSTO DE 2018 DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO, E A ENTREGAR AS MESMAS FRAÇÕES AOS AUTORES LIVRES E DEVOLUTAS DE PESSOAS E BENS, SENDO AINDA A PRIMEIRA RR. CONDENADA A (ll) PAGAR AOS AUTORES UMA INDEMNIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO DOBRO DO VALOR DA RENDA DURANTE TODO O PERÍODO EM QUE ESTÁ A OCUPAR ILICITAMENTE AS FRAÇÕES IDENTIFICADAS, INDEMNIZAÇÃO QUE NESTE MOMENTO É NO VALOR DE EURO 36900 (VALOR ACRESCIDO DE JUROS DE MORA À TAXA LEGAL, VENCIDOS E VINCENDOS ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO), CONFORME EXPOSTO SUPRA, SENDO AINDA A PRIMEIRA RR. CONDENADA A (IN) PAGAR AOS AUTORES UMA INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DE CHANCE, CORRESPONDENTE À DIFERENÇA ENTRE A MAIOR PROPOSTA DE COMPRA EFETIVAMENTE RECEBIDA NO MONTANTE DE EURO 5 400 000 (CINCO MILHÕES E QUATROCENTOS MIL EUROS) E O VALOR PELO QUAL OS PRÉDIOS FOREM EFETIVAMENTE VENDIDOS (O PRÉDIO DA RUA (…), conjuntamente com o prédio da Rua (…), conforme melhor exposto na presente PI); OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA. Ser declarada a resolução do Contrato de 26/09/2014 (contrato de arrendamento relativo ao R/C e CV do PRÉDIO SITO NA RUA (…) n° 34 E 36 E 38 EM LlSBOA, MELHOR IDENTIFICADO NA PI), BEM COMO DO CONTRATO DE 01/09/2014 (RELATIVO AO PRIMEIRO ANDAR DO MESMO PRÉDIO), POR VIOLAÇÃO DAS NORMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS PREVISTAS NO Regulamento, e das demais normas de segurança identificadas na PI, SENDO CONSEQUENTEMENTE DETERMINADO O DESPEJO DA FRAÇÃO CORRESPONDENTE AO R/C E CV E DA FRAÇÃO CORRESPONDENTE ao Primeiro Andar, sendo a primeira RR. (arrendatária) condenada a DESOCUPAR AMBAS AS FRAÇÕES IDENTIFICADAS NO PRAZO DE UM MÊS APÓS A CITAÇÃO E A ENTREGAR AS MESMAS AOS AUTORES LIVRES E DEVOLUTAS DE PESSOAS E BENS, E CUMULATIVAMENTE PAGAR UMA INDEMNIZAÇÃO AOS AUTORES CORRESPONDENTE AO DOBRO DO VALOR DA RENDA DE CADA UMA DAS FRAÇÕES, POR CADA MÊS DE OCUPAÇÃO ILÍCITA DE CADA UMA DAS FRAÇÕES IDENTIFICADAS; E. CUMULATIVAMENTE, INDEPENDENTEMENTE DE PROCEDER O PETICIONADO EM (1) OU EM (2), DEVERÃO OS RR. SER SOLIDARIAMENTE CONDENADOS A PAGAR AOS AUTORES UMA INDEMNIZAÇÃO, CORRESPONDENTE A Euro 51677,39 para ressarcimento dos danos causados em CONSEQUÊNCIA DA ATUAÇÃO ILÍCITA DOS RR., COM OS FUNDAMENTOS MELHOR DESCRITOS NA PI, ACRESCIDA DE JUROS VENCIDOS DESDE A DATA DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DA INQUILINA INICIAL (NO VALOR DE Euro 7888,94) e vincendos até efetivo e integral pagamento. Em suma alegam que são donos e legítimos proprietários da Fracção autónoma designada pela letra "A” correspondente a loja no rés-do-chão e cave, com entrada pela Rua (…), n°s 34 e 36, destinada a restauração e bebidas, com uso exclusivo de um terraço a tardoz, a nível do rés-do-chão, do prédio urbano situado na RUA (…), N° 34, 36 E 38 EM LISBOA, composto de cave, rés-do-chão e 3 andares e sótão, descrito com o número (…)-A da freguesia de Coração de Jesus e da Fração autónoma designada pela letra "B” correspondente ao primeiro andar, destinado a habitação, com entrada pela Rua (…), n° 38, do prédio urbano situado na RUA (…), N° 34, 36 E 38 EM LISBOA, composto de cave, rés-do-chão e 3 andares e sótão, em 1972, os Autores celebraram com a Sociedade Comercial denominada S&F LDA., pessoa coletiva n° ... (doravante. Inquilina Inicial), contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o qual teve por objeto o R/C e CV, o contrato de arrendamento foi sendo renovado e substituído por outros, até que em 26 de setembro de 2014, foi celebrado entre os Autores e a Inquilina Inicial um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo prazo de quatro anos (entre 1 de setembro de 2014 e 31 de agosto de 2018), que foi o último contrato de arrendamento que vigorou entre as partes, eram partes no identificado contrato os Autores, a Inquilina Inicial, assim como a Sociedade comercial denominada …, UNIPESSOAL LDA., pessoa coletiva n° …, com sede social na Estrada … Lisboa, que assumia no mesmo contrato a posição de Fiadora (doravante, Fiadora), no mesmo dia foi igualmente celebrado pelos Autores, pela Inquilina Inicial, e pela Fiadora, contrato de Confissão de Dívida (Doc. 6), no qual a Inquilina Inicial se confessa devedora aos Autores da quantia total de Euro 61700, referente a rendas vencidas em consequência do incumprimento do contrato de arrendamento identificado no referido documento a cláusula quinta da Confissão de Dívida, acima transcrita, refere o contrato de locação de estabelecimento comercial ("contrato de cessão de exploração”) celebrado entre a Inquilina Inicial e a Fiadora em 7 de abril de 2014, nos termos do qual a Inquilina Inicial deu em locação à Fiadora o estabelecimento comercial que funciona no R/C e CV — e que sempre foi explorado pela Inquilina Inicial (para a atividade de Bar e diversões, denominado San Payo Club) ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado com os Autores e do Alvará n° (…) emitido no dia 5 de abril de 1976 pela Camara Municipal de Lisboa — consistindo assim este contrato de locação de estabelecimento comercial celebrado entre a Inquilina Inicial e a Fiadora em 7 de abril de 2014 um Contrato de Sublocação.O Contrato de Sublocação seria válido pelo período de cinco anos, com início em 7 de abril de 2014 e termo em 7 de abril de 2019, conforme cláusula quarta, com o Contrato de Sublocação, “AA”  (único sócio e gerente da Fiadora, conforme certidão permanente com o código de acesso 8844-7124-3086 (Doc. 8)), passou a explorar o estabelecimento que funciona no R/C e CV. Após a celebração do Contrato de Sublocação (em 7 de abril de 2014), os Autores, a Inquilina Inicial, e a Fiadora acordaram que as rendas devidas pelo arrendamento do R/C e CV e do Primeiro Andar, bem como, as prestações mensais acordadas na Confissão de Dívida, seriam pagas diretamente pela Fiadora (que no Contrato de Sublocação era sublocatária), em nome e por conta da Inquilina Inicial e assim era; os Autores recebiam mensalmente (através do terceiro RR. “BB”) os comprovativos de pagamento (pela Fiadora) das rendas referentes ao R/C e CV e ao Primeiro Andar, bem como das prestações mensais (pagas pela Fiadora) referentes à Confissão de Dívida, a Inquilina Inicial foi declarada insolvente pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central – (…)- Secção do Comércio – (…) de Lisboa, no dia 13 de julho de 2015, ao meio dia, no processo n° (…)28/15.0T8LSB de que os Autores nunca foram informados, após a data da declaração de insolvência da Inquilina Inicial, os Autores continuaram a receber as rendas devidas pelo arrendamento do R/C e CV e do Primeiro Andar, que continuaram a ser pagas pela Fiadora, o segundo RR. e o terceiro RR. continuaram a explorar o estabelecimento numa situação em que a Inquilina Inicial tinha sido declarada insolvente, sem o conhecimento ou consentimento dos Autores, a partir da data da declaração de insolvência da Inquilina Inicial (13 de julho de 2015), os Autores deixaram de receber as prestações mensais acordadas na Confissão de Dívida, o que levou os Autores a instaurar a ação declarativa de condenação que correu termos junto do JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA - JUIZ (…), COM O NÚMERO DE PROCESSO (…)442/16.2T8LSB. Só recentemente no âmbito da identificada ação (que correu termos junto do JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA - JUIZ (…), COM O NÚMERO DE PROCESSO (…)442/16.2T8LSB), é que os Autores tiveram conhecimento da insolvência da Inquilina Inicial, e por conseguinte, da EXTINÇÃO do Contrato de Sublocação por caducidade. O legal representante da Fiadora (o segundo RR. “AA”) bem como o RR. “BB” CONTINUARAM SEMPRE a explorar o estabelecimento que funciona no R/C e CV. O segundo RR. e o terceiro RR. SABIAM E NÃO PODIAM IGNORAR, que com a declaração de insolvência a Inquilina Inicial estava EXTINTA, o que determinou a caducidade do Contrato de Sublocação, já que DEIXOU DE EXISTIR uma das partes essenciais do contrato: a locatária, SABIAM que NÃO PODIAM BENEFICIAR DA TRANSMISSÃO DO DIREITO AO ARRENDAMENTO DO ESTABELECIMENTO. Em profunda e manifesta má-fé, e SEMPRE sem o conhecimento ou consentimento dos Autores, em 12 de janeiro de 2016, a primeira RR. adquiriu à massa insolvente da Inquilina Inicial o estabelecimento comercial que a Inquilina Inicial explorava no R/C e CV (objeto do Contrato de 26/09/2014). O contrato de transmissão de estabelecimento determinou que a primeira RR. adquirisse o direito ao arrendamento do R/C e CV, exactamente nas mesmas condições que a Inquilina Inicial, nos termos do Contrato de 26/09/2014, entendeu o Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 8 que com a declaração de insolvência da Inquilina Inicial, e com a aquisição do estabelecimento pela primeira RR., a cessão de exploração determinada pelo Contrato de Sublocação EXTINGUIU-SE, e, consequentemente, extinguiu-se a garantia dada pela Fiadora na Confissão de Dívida. Em 5 de julho de 2017, os Autores remeteram para a morada correspondente ao R/C e CV (Rua (…), n.° 34 - 36, 1150-280 Lisboa) uma carta a declarar a sua intenção de não renovação automática do Contrato de 26/09/2014, cessando o contrato os seus efeitos em 31 de agosto de 2018. Não obstante estar endereçada à Fiadora (sócia da primeira RR. através da P… Lda.), a carta remetida em 5 de julho de 2017 foi enviada para a sede da primeira RR. (que corresponde à morada do R/C e CV), que recebeu a comunicação de intenção de não renovação do contrato de arrendamento E nada disse, conformando-se assim com a comunicação de intenção de não renovação do contrato de arrendamento. Apesar de terminados os contratos de arrendamento, os RR. continuaram a OCUPAR ambos os imóveis (tanto o R/C e CV, como o Primeiro Andar), e lá permanecem até hoje. O facto a primeira RR. não entregar o R/C e CV e o Primeiro Andar aos Autores — APESAR DE JÁ NÃO ESTAREM EM VIGOR AMBOS OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO QUE LEGITIMAVAM A SUA PERMANÊNCIA EM AMBAS AS FRAÇÕES — está a impossibilitar os autores de conseguir vender o prédio. Acresce ainda ao exposto, que o estabelecimento que funciona no R/C e CV está a funcionar ilegalmente, uma vez que não tem acessos de saída de emergência em caso de incêndio ou outras catástrofes, acessos esses que são obrigatórios. Os clientes da primeira RR. acedem ao estabelecimento através de uma entrada independente, que é composta por uma porta apenas (com uma largura entre 70 a 80 cm) que dá acesso ao rés-do-chão, para além da identificada porta existe apenas uma segunda porta (sem acesso direto à rua) que dá para o vão de escada do prédio, que fica por detrás do bar (ao nível do R/C), e que está sempre impedida, quer do lado do vão de escada do prédio, quer do lado de dentro, já que para aceder à porta os frequentadores teriam de saltar o balcão, ou um a um, teriam de conseguir passar pelo espaço estreito que fica entre o balcão e a porta. Para aceder à cave, os clientes são obrigados a descer umas escadas, cuja largura não permite que mais de duas pessoas as desçam (ou subam) ao mesmo tempo. A CAVE NÃO TEM SAÍDA INDEPENDENTE PARA A VIA PÚBLICA. Ainda a agravar mais a presente situação, o imóvel da Rua de (…) (bem como todo o prédio) está totalmente livre e devoluto de pessoas e bens. Pelo que Sem autorização ou conhecimento dos Autores, vários sem abrigo instalam-se no Imóvel da Rua de (…) (e nas outras Frações do prédio), e fazem fogueiras no chão, e outros atos, que comprometem a sua vida e a dos outros, para além de porem todo o prédio em risco (COM A AGRAVANTE DE QUE A CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO É EM MADEIRA (TABIQUE)), situação que tem causado um permanente transtorno e angústia aos Autores o facto de ambos os prédios (o prédio da Rua (…), n° 34, 36 e 38, e o prédio da Rua de (…)) serem confinantes, acrescido ao facto de ambos os prédios estarem desocupados (à excepção do R/C e CV e do Primeiro Andar), e de serem ambos construídos em madeira (tabique), determina um risco muito acrescido de incêndio provocado por qualquer pessoa que indevidamente ocupe algum dos prédios, incêndio este que facilmente se poderá alastrar a todo o bairro. Prevê o disposto no artigo 1083.° n.° 1 e 2 do CC, que o Senhorio pode resolver o contrato de arrendamento com fundamento em incumprimento que pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao Senhorio a manutenção do arrendamento. No caso concreto, as normas previstas no Regulamento são normas de segurança essenciais, cujo incumprimento pode trazer consequências graves não só para os Autores, mas também para os frequentadores do estabelecimento e para os moradores do bairro, conforme explicado na matéria de facto. As condições de segurança previstas no DL 220/08, de 11/11, não são observadas pela primeira RR., conforme concluirá a prova pericial que será oportunamente produzida, pelo que, nos termos do artigo 1083.° n° 2 do CC (que refere uma enumeração meramente exemplificativa das situações que podem constituir incumprimento que permita fundamentar a resolução do contrato de arrendamento), o contrato de 26/09/2014 (R/C e CV) e o Contrato de 01/09/2014 (Primeiro Andar), são assim resolvidos pelos Autores através da presente accão, nos termos do disposto no artigo 1084.° do CC, com fundamento em violação de normas de segurança (o Regulamento), num prédio que se encontra desocupado (à exceção das frações ainda abusivamente ocupadas pelos RR.), o que coloca em risco a subsistência do próprio prédio (atendendo ao risco de incêndio) e a vida e a segurança de todos os frequentadores do estabelecimento e das pessoas que vivem no mesmo bairro, sendo assim inexigível para os Autores manter ambos os contratos de arrendamento.
  • Em contestação os réus concluem pela improcedência do pedido de 3 por inadmissível pela absolvição da instância dos réus em razão da incompetência absoluta do tribunal para conhecer do pedido de 2 pelo indeferimento da perícia pedia pelos Autores por impertinência também pela procedência das excepções opostas à pretendida caducidade dos  contratos de arrendamento dos autos, por alegada e pretensamente válida oposição à renovação dos mesmos, declarando-se, pelo contrário, que tais contratos vigoram na ordem jurídica, absolvendo-se, consequentemente, os RR. do pedido deduzido em 1. Impugnam os factos e em relação à excepção da incompetência absoluta do tribunal para conhecer do pedido formulado em 2 em suma dizem que os Autores não alegam não alegaram qualquer facto concreto e essencial do qual decorra que no locado já ocorreram eventos que, pela sua excepcional gravidade e reiteração, lhes tornou objectivamente inexigível a manutenção do arrendamento, o motivo invocado pelos AA. para a resolução do contrato, ainda que se verificasse, apenas diz respeito às autoridades públicas encarregadas da fiscalização do estabelecimento tratando-se de matéria do foro contra-ordenacional, e o estabelecimento encontra-se a funcionar em pleno, se os AA. entendem que não respeita as condições exigidas pelas leis e regulamentos, sempre poderiam desencadear junto das autoridades públicas competentes uma acção de fiscalização, o que nunca fizeram e muito menos alegaram, trazendo aos autos os respectivos resultados, de sorte que, na absoluta ausência de factos concretos e essenciais subsumíveis no disposto no art. 1083º do CC, o Tribunal é incompetente em razão da matéria para aferir se o estabelecimento da R. funciona ou não em desrespeito pelas invocadas leis e regulamentos e, portanto, para conhecer do tema e dele tirar quaisquer consequências de direito.
    III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
    III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4, 639, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
    III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
    III.3. Saber se o art. 1083º, nº 2, do CC, única norma atributiva de competência material ao Tribunal a quo, é inaplicável ao caso sub judice, e razão também pelo qual o Tribunal o violou.
    III.3.2. Indiscutível que é função da relação jurídica tal como é configurada pelo Autor que se afere a competência material do Tribunal. Trata-se de uma acção que visa a título principal a declaração de caducidade dos contratos de arrendamento dos autos e a desocupação dos espaços arrendados pelos réus ou em alternativa a resolução dos mesmos com o fundamento na violação pelos réus das normas de segurança relativas à exploração do estabelecimento comercial que exploram nos espaços em causa e no entendimento que os Autores defendem que tal constitui fundamento para a resolução dos contratos em causa, o que os réus contestam.
    III.3.3. A competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91 e acórdãos do Tribunal de Conflitos de 4-7-2006, proc. 11/2006, de 26.9.96 (Ap. D.R., p. 59), 27.2.02, procº. n° 371/02, 9.3.04, proc.° n° 4/03, 23.9.04, proc.° n° 5/04, Acs. do STA de 12-01-88, proc.° n.° 24.880, in Ap. D.R., p. 106 e do STJ de 6-06-78, in BMJ, 278, 122. No mesmo sentido ver ainda o Ac. do STJ de 14-5-2009, proc. 09S0232, sublinhando, todavia, que o tribunal, apesar de atender apenas “aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada (causa de pedir e pedidos) não está vinculado às qualificações jurídicas do autor”.
    III.3.4. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que o integram. Na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objeto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 94/5. Os tribunais administrativos têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas nos termos do art. 212°/3, da CRPortuguesa e art. 1° do ETAF, cingindo-se tal competência ao julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais[2].Assim sendo, os tribunais administrativos e fiscais serão os competentes para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais. Esta qualificação transporta, como o entende a doutrina, duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Deste modo, podemos entender por relações jurídico-administrativas as (a) que se estabelecem entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos, desde que não haja nas mesmas indícios claros da sua pertinência ao direito privado (b) em que um dos sujeitos, pelo menos, actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (c) em que o sujeito público ou privado actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público. Será, pois, à luz do conceito de relação administrativa que as alíneas do art. 4.º do ETAF devem ser lidas e interpretadas, posto que, essencial para que a competência seja deferida aos tribunais administrativos é que o litígio se insira no âmbito de uma relação dessa natureza, o mesmo é dizer numa relação onde a administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público.
    III.3.5. Considerando a identidade das partes e os termos da pretensão dos Autores compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão, é manifesto que se trata de matéria da competência dos tribunais comuns e em particular do tribunal recorrido, posto que se trata de aferir se os fundamentos invocados se enquadram ou não nos fundamentos da resolução do contrato de arrendamento previstos na lei, independentemente de saber se o fundamento invocado procede ou não. De resto os réus, tão-pouco, dizem que tal questão se integra na competência dos tribunais administrativos e fiscais, como poderia eventualmente inferir-se do alegado, e não o dizem porque no caso em apreço não se está a dirimir um litígio emergente de relação jurídica administrativa e fiscal. Improcede pois, nesse ponto, a apelação.
    III.4. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições conjugadas dos art.ºs 467º, nº 1, do CPC, mas também, e sobretudo, o disposto no art. 24º do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, na medida em que tal perícia equivaleria, para todos os efeitos, incluindo os contra-ordenacionais, a uma fiscalização que não lhe cabe determinar.
    III.4.1. Os recorrentes suportam-se no art art.º 467/1, mas a verdade é que se não descortina em que medida é que a ordem de notificação dos réus para se pronunciar sobre o conteúdo do disposto no art.º 467/1 possa constituir violação do seu conteúdo. Aí diz-se que a perícia requerida por qualquer das partes é requisitada a estabelecimento laboratório ou serviço oficial apropriado ou quando tal não seja possível ou conveniente realizada por um único perito nomeado pelo juiz entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa. A decisão recorrida suporta-se no art.º 476/1 e não no 467/1. De resto, o que os recorrentes questionam é justamente a pertinência da perícia. Nos termos do art.º 388 Código Civil, “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”. Assim, segundo Adriano Vaz Serra, a perícia (antigamente denominada por arbitramentos) não necessariamente averiguará factos que tenham deixado vestígios, que demande inspeção ou exame ocular ou, ainda, que sirva para determinar o valor de bens ou direitos. A perícia é simplesmente realizada por supor possuírem os peritos conhecimentos especiais que o juiz não possui.[3] O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. O exposto não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas. Apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas. Pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa (Ac. RG. de 8.1.2013: Proc. 4042/08.0TRBC1.-A.G1.dgsi.Net). Os réus, entre o mais, dizem que o estabelecimento é, tal como os seus congéneres da cidade de Lisboa, fiscalizado amiúde e de surpresa pela Câmara Municipal, pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, pela Polícia Municipal, pela PSP e pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, nunca lhe foi feito levantado qualquer auto de notícia por infracção penal ou contra-ordenacional, a porta de entrada do estabelecimento mede exactamente 1 metro e 38 centímetros de largura, é dotada, do lado de dentro, da chamada fechadura anti-pânico, que permite desencadear a imediata abertura da porta para o exterior em qualquer caso de emergência, seja um incêndio, uma inundação ou uma intoxicação do ar, há ainda uma outra porta, também ela dotada de fechadura anti-pânico, que abre para o nº 38 de polícia e daí para a via pública, existem, na cave, portas corta-fogo, extintores, detectores de incêndio, central de incêndio, detectores de fumo e extractores de fumo, o estabelecimento está ainda dotado de lâmpadas de emergência para a hipótese de faltar a energia eléctrica. Existe, pois, controvérsia em torno das condições de segurança do estabelecimento razão pela qual se deve concluir que a diligência não é impertinente. Improcede também neste ponto, a apelação.

    IV- DECISÃO.
    Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
    Regime da Responsabilidade por Custas: as custas são da responsabilidade dos apelantes que decaem e porque decaem (art.º 527 1 e 2)

    Lxa., d.s. 07-03-2024
    Vaz Gomes
    José Manuel Monteiro
    Laurinda Gemas.
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    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013,  atento o disposto no art.º 6, n.ºs 1 e 4 da referida Lei, na medida em que a acção é de 2019, sendo a decisão recorrida de 2023; ao Código referido, na redacção dada pela referida Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
    [2] Nos termos do estatuído no artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais o fator atributivo da competência aos tribunais administrativos radica na existência de uma relação jurídica administrativa, que pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-07-06, Relatora: MICAELA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
    [3] 3 SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Provas: direito probatório material. In: Boletim do Ministério da Justiça, nº 110, novembro, 1961, p. 154