Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30927/21.0T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE CHANCE
ADVOGADO
FACTOS
CONFISSÃO
LITISCONSÓRCIO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
FRANQUIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Um facto pode ser confessado por um réu e impugnado por outro. A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente (art. 353/2 do CC). Isto pode conduzir a diferentes – e contrárias – fundamentações fácticas da decisão de direito.
II – O facto de a ré advogada não ter contra-alegado atempadamente na apelação interposta pela entidade patronal foi a causa adequada da perda da oportunidade, consistente e séria, da mãe do sinistrado a ver julgada improcedente aquela apelação, com a consequente manutenção da sentença que condenava a entidade patronal a pagar-lhe uma pensão anual vitalícia.
III – Isto porque, (i), a procedência da apelação se baseou na eliminação de um facto por falta de prova do mesmo, eliminação que bem provavelmente não seria decidida se tivesse havido contra-alegações e, (ii), mesmo sem aquele facto, se tivesse havido contra-alegações com a inerente necessidade de melhor reponderação, a decisão da apelação seria, bem provavelmente, outra.
IV – O facto de a ré advogada não ter apresentado o recurso de revista tempestivamente foi a causa adequada da perda da oportunidade, consistente e séria, da mãe do sinistrado a ver revogado, pelo STJ, o acórdão do TRL que julgou procedente a apelação, com a repristinação daquela sentença do TT.
V - O cálculo da indemnização desse dano deve ser feito aplicando-se ao resultado alcançável o coeficiente da probabilidade de o alcançar.
VI – Não se verifica a cláusula da exclusão da cobertura do seguro da advogada, por esta não ter feito a participação do sinistro antes do momento em que o fez, se o seguro retroactivo só teve início em 01/01/2018 e a advogada não tinha razões para pensar que iria ser demandada por responsabilidade civil relativa a factos ocorridos 2008.
VII - De qualquer modo, “são inoponíveis ao lesado as cláusulas de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora.”
VIII – Se a franquia não é oponível aos lesados, a seguradora tem de ser condenada a pagar toda a indemnização sem dedução de qualquer franquia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 31/12/2021, SCS, na qualidade de herdeiro da herança da sua falecida mãe, SeS, intentou a presente acção contra T, pedindo a condenação desta a indemnizar a mãe no valor de 30.000€.
Alega para tanto, em síntese, que a mãe e a ré celebraram um contrato de mandato forense; a ré exerceu esse mandato no processo 14/04.1TT que correu termos no Tribunal de Trabalho; o pedido da mãe, no TT, foi julgado procedente e a sentença foi objecto de recurso pela parte vencida; em sede de recurso, a Srª advogada nada comunicou à mãe até à decisão final desfavorável e, ao comunicar tal decisão, a Srª advogada não esclareceu à mãe os motivos da mesma, nem remeteu cópia dela; a mãe, na pessoa do autor, residente no estrangeiro, deslocou-se a Portugal propositadamente para falar com a ré, tendo-a procurado durante o período de uma semana, mas esta não o atendeu, nem pessoalmente, nem ao telefone; em sede de recurso, veio a verificar-se que a Srª advogada apresentou contra-alegações extemporâneas (artigo 7 da PI); a Srª advogada apresentou recurso do acórdão [do TRL], também extemporâneo. Com grave prejuízo para a mãe, dado que a sentença assim revogada reconhecia a esta a pensão anual vitalícia de 5.970,58€, devida desde Dezembro de 2003; bem como subsidiariamente a pensão anual vitalícia de 840€, sendo posteriormente, de 1.120€; o comportamento da Srª advogada configura em abstracto abandono de patrocínio e falta de esclarecimentos sobre o andamento do processo; a obrigação da Srª advogada era a de realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pela mãe se viesse a produzir, utilizando, com diligência, os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse da cliente; o advogado deve actuar da forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, assumindo responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada. A apresentação tempestiva de contra-alegações de recurso era um meio da Srª advogada defender em sede de recurso a posição da mãe do autor de manutenção da decisão recorrida. A apresentação tempestiva de recurso da decisão do acórdão do TRL, era essencial para a defesa dos interesses da mãe. O comportamento contrário retirou à mãe a possibilidade de se defender naquela acção, de ver apreciados os seus argumentos, as suas razões e as eventuais provas que os suportariam. É normal, provável e previsível que, sem o exercício dos meios de defesa disponíveis, os interesses da mãe naqueles autos ficassem prejudicados. O abandono, ou negligência, da defesa da mãe causou a irremediável perda de oportunidade de revisão da decisão desfavorável pelo STJ, da qual poderia resultar a revogação do acórdão do TRL e manutenção da decisão do TT. Os danos causados com a perda da oportunidade de actuar convenientemente nos referidos autos para a defesa dos interesses da mãe correspondem ao que esta deixou de ganhar com o trânsito em julgado do acórdão do TRL.
O autor apresentou uma certidão de uma escritura notarial de habilitação de herdeiros e um acordo de partilha entre eles (com assinaturas reconhecidas notarialmente) “dos créditos litigiosos [da mãe] resultantes a respeito de compensação devida à de cujus pela Drª [ré]. Avaliação: 30.000€”, adjudicando tal direito ao autor, que pagou tornas aos três irmãos.
A ré contestou, excepcionando a prescrição do direito (porque já tinham decorrido mais de 3 anos desde a data em que se verificou a extemporaneidade da revista) e a ilegitimidade do autor (porque o autor está desacompanhado dos demais irmãos), e, impugnando parte dos factos: é falso que não tenha comunicado à autora a decisão judicial; não é por falta de contra-alegações que um recurso pode ser prejudicado, uma vez que tal direito é facultativo; o TRL alterou a matéria de facto; com esta alteração, a decisão de Direito não podia vir a ser outra senão a revogação da sentença do TT, porque o STJ não podia alterar a decisão da matéria de facto; pelo que é irrelevante a apresentação da revista fora de prazo; ou seja, a ré não causou qualquer prejuízo à autora daquela acção; a ré requereu, ao abrigo do art. 316/3-a do CPC, a intervenção principal provocada da Seguradora, uma vez que esta detém um contrato de seguro profissional com a Ordem dos Advogados portugueses onde a ré se encontra profissionalmente representada; a ré ainda disse, no art. 33: Correspondem à verdade os factos constantes dos artigos […] 7 […] da PI e também, no artigo 45: “a ora ré veio a apresentar essas contra alegações, ainda que extemporâneas, é certo […].”
Tendo sido admitida a requerida intervenção principal provocada de litisconsorte voluntário e citada a seguradora, esta deduziu contestação, aderindo à posição da ré advogada quanto à excepção da ilegitimidade do autor e excepcionou ainda o seguinte: à data do início do período de seguro dos contratos celebrados, a ré advogada tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização; e impugnou: o STJ só conhece de direito, pelo que, uma vez que a questão a discutir era de facto, ainda que a ré tivesse recorrido atempadamente, a improcedência desse recurso era inequívoca. A seguradora impugnou, entre outros, o facto alegado no art. 7 da PI.
A contestação da ré seguradora foi notificada ao autor e à ré advogada. A ré advogada não disse nada, nem mesmo depois de notificada pelo autor do que este escreveu na resposta que se segue.
O autor respondeu às excepções, concluindo pela sua improcedência. Quanto à falta de cobertura temporal dos contratos de seguro o autor disse que “a questão da falta de cobertura do contrato de seguro é do âmbito de relação contratual alheia, designadamente, entre a [seguradora] e a ré, nada devendo pronunciar a esse respeito. […] Requer que a ré seja notificada para pronunciar-se sobre a eventual falta de cobertura do contrato de seguro com a referida interveniente.”
No despacho saneador julgaram-se improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e de prescrição.
Depois de realizado a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo-se a ré e a interveniente principal do pedido.
O autor recorre desta sentença - para que seja revogada e substituída por outra que em correcção do erro de julgamento julgue verificado também o dano e consequentemente determine a medida da responsabilidade civil devida pela ré ao autor -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem, sem alterações:
1\ O comportamento da ré reúne todos os requisitos para a constituição da responsabilidade civil incluindo o dano e a decisão recorrida deve ser revista em conformidade;
2\ O erro em causa deveria ter sido julgado no sentido de que a interposição tempestiva do recurso de revista ao STJ era dever da ré e que, violado, resultou em dano à recorrente de perda de chance, sério, real, considerável;
3\ A decisão recorrida resume as condições de viabilidade do provável recurso de revista alegado pelo autor à revisão de apenas matéria de direito interpretada com um resultado que não admitiria o recurso de revista alegado, todavia, dum modo não conforme à aplicação das normas então vigentes;
4\ O próprio despacho de 19/11/2008 é esclarecedor de que a contrario o recurso poderia ser admitido tivesse dado entrada antes de ter expirado o prazo para a respectiva interposição;
5\ Na vigência das normas actuais, bem como na das vigentes em 2004, o STJ pode censurar o mau uso feito pela Relação da faculdade de anulação da decisão da matéria de facto, por ter exorbitado dos limites fixados pelo então  art. 712/4 do CPC do DL 329/A-95, visto em tal hipótese ter sido cometida uma violação da lei o que constitui matéria de direito, logo de conhecimento oficioso pelo STJ.
6\ Competia então necessariamente ao STJ pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido, o que inclui evidentemente, também aquelas em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o STJ deixar de exercer os seus poderes de cognição, sob pena de ficar manietado para a correcta aplicação do direito, cf. ac. STJ de 15/11/2012.
7\ Acresce ainda que a aferição pelo STJ se um determinado facto encerra em si uma conclusão faz parte das suas competências, sendo certo que saber se o caso de trabalhar na agricultura doméstica é ainda considerar-se doméstica para os efeitos jurídicos em causa, era, devia ser e é inequívoca matéria da competência do STJ em face das normas a que se tem feito aqui referencia de admissão de recurso a esse STJ.
8\ In casu o recurso de revista tivesse sido interposto tempestivamente teria sido admitido cf. ao art. 721/1 vigente por violação de lei substantiva;
9\ Mantém o recorrente de que a probabilidade de ter vencimento favorável poderia ser igual à de não o ter, pedindo a indemnização proporcional à probabilidade favorável, ou seja, em 50% do valor da indemnização da causa.
As rés responderam ao recurso, defendendo a sua improcedência, no essencial aderindo à fundamentação da sentença recorrida; a ré advogada levanta ainda a questão prévia da falta de pagamento, pelo autor, de uma quantia igual à taxa de justiça devida como impulso do recurso, por esta não ter sido paga na altura devida.
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Questões a decidir: a prévia; a de saber se o pedido de indemnização por perda de chance devia ter sido considerado procedente e, no caso da resposta positiva a esta questão, a de saber se a seguradora deve ser condenada no pagamento da indemnização e sem ou com franquia.
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Questão prévia:
Os factos:
O autor, termina as alegações do recurso, apresentadas em tempo, com a seguinte menção: […] Protesta juntar em 10 dias comprovativo do pagamento da taxa de justiça com o DUC…; […].
Seis dias depois, o autor juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Apreciação:
O art. 642 do CPC dispõe: 1 - Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. 2 - Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta. […]
O art. 145 do CPC dispõe: 1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos. E o n.º 3 acrescenta: Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º
Assim, as cominações do art. 642 do CPC só se aplicam depois do prazo de 10 dias do art. 145/3 do CPC. Como o documento comprovativo do pagamento foi apresentado dentro desse prazo, não há lugar às cominações do art. 642 do CPC.
Pelo que improcede a questão prévia levantada pela ré advogada.
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Estão dados como provados os seguintes factos:
1\ SeS assinou um documento intitulado de “procuração” onde constituiu sua bastante procuradora a ré e lhe conferiu os poderes especiais para a representar no processo n.º 14/04.1TT, que correu termos no extinto Tribunal de Trabalho;
2\ No dia 22/06/2007 foi proferida sentença no referido processo com a seguinte parte dispositiva: «Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a\ Condeno a ré [entidade patronal] a pagar à autora uma pensão anual vitalícia no montante de 5.970,58€, devida desde 27/12/2003, a pagar em 14 prestações mensais até ao 3.º dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento; b\ Condeno subsidiariamente a ré [seguradora], no pagamento à autora da pensão anual e vitalícia de 840€, devido desde 27/12/2003 e que passará para 1.120€, após a idade da reforma da autora ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho; c\ Absolvo, no mais, as rés […].
3\ A sentença foi objecto de recurso pela parte vencida [tendo a ré, como advogada da autora, apresentado contra-alegações extemporâneas], tendo o Tribunal da Relação de Lisboa determinado, em 08/10/2008, que “(…) a resposta ao quesito 9.º deve ser alterada. Efectivamente, embora a testemunha LB tenha dito que a mãe do sinistrado era doméstica, sabemos, do seu depoimento, que não conhecia, directamente, a autora que vivia na Guiné. Por outro lado, SC, filho da autora, disse que a mãe era doméstica, mas vivia na agricultura. Deduz-se, desse depoimento, mais conhecedor do que o da testemunha anterior, por ser filho da autora, que a autora, vivendo na agricultura, não era doméstica. Assim, terá de dar-se como não provado que a autora é doméstica procedendo, nesta parte, o recurso.” [o facto entre parenteses recto foi acrescentado por este TRL, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, por estar confessado pela ré, como se verá mais à frente].
4\ Mais, determinou o TRL que “face aos escassos dados de facto alegados pela autora e dados como provados, não é possível extrapolar no sentido de que autora estava dependente do contributo do sinistrado, de modo a considerar que sem esse contributo não poderia dispor de uma habitação condigna ou não poderia prover às despesas correntes com a alimentação ou vestuário. Daí que tenhamos de concluir que a autora não logrou provar um dos requisitos essenciais do direito à reparação infortunística, ou seja, os factos donde possa deduzir-se a carência económica ou necessidade da contribuição do sinistrado, pressuposto da atribuição aos autores da qualidade de beneficiários legais, prova que competia à autora nos termos do art. 342/1 do CC (cf. acórdão de 17/04/2008).
5\ Por último decidiu este TRL que “em conformidade com os fundamentos expostos, alterar a matéria de facto dando como não provado o quesito 9.º;  revogar a sentença recorrida absolvendo a recorrente do pagamento da pensão em que foi condenada – decisão absolutória que se estende, obviamente, à seguradora condenada em termos subsidiários. Custas em ambas as instâncias pela recorrida.
6\ Por despacho de 19/11/2008, o TRL não admitiu o recurso de revista interposto pela SeS, porquanto “à data em que o recurso deu entrada no TRL – 03/11/2008 – já há muito havia expirado o prazo para a interposição do recurso.
7\ O autor participou da ré à Ordem dos Advogados, tendo sido proferido “parecer de arquivamento” onde os membros da Secção do Conselho de Deontologia de Lisboa deliberaram o seguinte: “Somos a propor à 1.ª secção o arquivamento dos presentes autos, em razão de prescritos, por terem decorrido mais de 5 anos da data da prática dos factos participados, sem ter ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo do decurso desse prazo prescricional.”.
8\ O autor participou numa escritura notarial de habilitação de herdeiros e num acordo de partilhas entre os herdeiros habilitados “dos créditos litigiosos [da mãe] resultantes a respeito de compensação devida à de cujus pela Drª [ré]. Avaliação: 30.000€”, acordo esse que adjudicou tal direito ao autor, que pagou tornas aos três irmãos [factos provados pela certidão da escritura e pelo acordo de partilha com assinaturas reconhecidas notarialmente, documentos não impugnados – factos aditados por este TRL ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC].
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A fundamentação da sentença recorrida:
O tribunal recorrido considerou como não provado que: c) as contra-alegações apresentadas pela ré em sede de recurso de apelação foram rejeitadas por se encontrarem fora do prazo.
Quanto a isto esclareceu:
No despacho saneador de 20/03/2023, o autor foi convidado a juntar aos autos certidão judicial que comprovasse que foram apresentadas pela ré contra-alegações de recurso extemporâneas, conforme invocado no artigo 7.º da petição inicial. Ora, compulsados os autos verifica-se que o autor juntou certidão judicial do acórdão proferido pelo ac. do TRL e do despacho a não admitir o recurso de revista (assim como as alegações deste recurso), mas nada juntou quanto às contra-alegações proferidas em sede de recurso de apelação. Ademais, na certidão judicial do acórdão proferido pelo TRL, pelo mesmo é referido que “a autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida”.
Quanto à improcedência de Direito da acção, o tribunal recorrido disse, em síntese:
O TRL procedeu a uma alteração da matéria de facto, considerando não provado que a mãe do trabalhador falecido era doméstica, razão pela qual concluiu que não estavam preenchidos os pressupostos essenciais do direito à reparação ínsitos no art. 20/-d da Lei dos Acidentes de Trabalho, julgando assim o recurso da entidade patronal procedente.
Dos factos provados entende-se que a ré, ao não ter cumprido o prazo para a interposição da revista, violou deveres deontológicos e profissionais do advogado, pelo que se conclui pela ilicitude do comportamento da ré, não tendo esta logrado ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide.
Já no que respeita ao dano, o autor invoca a violação de deveres profissionais da ré, fundando-se na figura da perda de chance.
Não se admite que qualquer chance tenha vigor suficiente para alicerçar uma pretensão indemnizatória, tendo a mesma que se reputar por real, séria e considerável.
Neste sentido foi o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 2/2022, de 26/01, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade".
Ora, tal dano consistente e sério traduz-se na probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável que se perdeu pela violação do contrato de mandato, probabilidade essa que se afere analisando qual seria o desfecho hipotético daquela acção, caso o contrato de mandato tivesse sido correctamente cumprido.
In casu, resulta evidente que a probabilidade de verificação de um resultado favorável caso a ré tivesse apresentado o recurso para o STJ dentro do prazo é praticamente inexistente.
Ainda que o recurso tivesse sido interposto em tempo, a verdade é que o STJ não iria alterar a matéria de facto assente pelo TRL, nomeadamente o facto de a mãe do trabalhador falecido ser doméstica.
Mais se acrescenta que a presente decisão seria a mesma ainda que tivesse sido dado como provado que a ré apresentou contra-alegações extemporâneas em sede de recurso de apelação porquanto as contra-alegações não são obrigatórias, nem tão-pouco essenciais, para o desfecho do recurso.
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Apreciação
O facto de a ré ter apresentado contra-alegações extemporâneas (na apelação interposta pela entidade patronal para o TRL) está, mais que admitido por acordo, confessado (artigos 352, 355/1-2, 356/1, 357/1 e 358/1, todos do CC, e 46 do CPC). A ré afirmou expressamente esse facto, desfavorável – desfavorável porque é um dos vários factos constitutivos do direito do autor -, e até o tentou tornar compreensível. Uma vez confessado o facto, a confissão (quando já não puder ser retirada), deve ser considerada pelo tribunal na decisão sobre a matéria de facto (veja-se Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 5.ª edição, 2023, Gestlegal, pág. 313, com referência aos artigos 413 e 465/1 – antes da reforma de 2013, eram os artigos 515 e 567/1). Sendo uma confissão judicial feita em articulado pelo mandatário da ré e não tendo havido um acto expresso de aceitação por parte do autor, ela (só) podia ser retirada até ao termo da discussão oral da causa (mesmo autor e obra, pág. 314) e não o foi.
Tendo sido confessado, o facto (de terem sido apresentadas contra-alegações extemporâneas) fica provado, mesmo que tenha havido um quesito sobre a matéria e esse quesito tenha tido resposta negativa.
É que a existência deste quesito justifica-se porque a seguradora impugnou o facto. Mas isso não afasta o relevo da confissão feita pela ré advogada, já que, no caso, o máximo que se pode defender é que há um litisconsórcio voluntário entre a ré advogada e a ré seguradora e, neste caso, por força do art. 353/2 do CC, a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente. Neste sentido, veja-se Lebre de Freitas, A confissão no direito probatório, Coimbra Editora, 1991, páginas 79 a 81. E isto ainda que tal possa, como diz Lebre de Freitas, conduzir a diferentes – e contrárias – fundamentações fácticas da decisão (situação que nada tem de estranho; para um outro caso de diferentes fundamentações de facto, veja-se o mesmo autor na Acção declarativa comum, 5.ª edição, 2023, Gestlegal, pág. 129, quanto à admissão por falta de impugnação por um dos réus).
É certo que a ré advogada também diz, na contestação, que apresentou contra-alegações atempadas, mas trata-se de uma evidente contradição com o que tinha acabado de afirmar especificada e fundamentadamente, com o que confessou o facto, sendo irrelevante estar depois a dizer o contrário [a sequência foi esta: 45º. A ora ré veio a apresentar essas contra alegações, ainda que extemporâneas, é certo, mas na convicção de que o prazo para o requerimento era de 10 dias e as alegações de 30 dias porque, ao tempo vigorava o Código de Processo de Trabalho, com a redacção dada pelo DL 480/99, de 05/11, cujo art. 81/5 remetia para o regime de revista do CPC, neste dispondo o art. 691 que tais prazos eram de 10 e 30 dias. E já agora, 46.º esclareça-se que a apresentação das contra-alegações pela recorrida [autora] no TT foi feita atempadamente.] 
É certo ainda que no ac. do TRL se diz que a autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, mas não pode deixar de se tratar de um evidente lapso, tanto mais que no texto do acórdão, depois, não é feita a mais pequena referência que seja às contra-alegações da autora. Tal como no recurso de revista, a ré, como advogada da autora, nunca diz que apresentou contra-alegações e que o TRL, indevidamente, não as considerou. Seja como for, esta fundamentação da decisão da matéria de facto da sentença do tribunal recorrido, não afasta a confissão feita pela ré na contestação da acção.
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Estando provado que a ré apresentou contra-alegações extemporâneas (no recurso de apelação interposto pela entidade patronal), há que discutir o relevo deste facto para a sorte da acção, o que implica discutir esse relevo na apelação da sentença do TT.
As rés e a sentença recorrida entendem que esse facto é inócuo, porque a apresentação da contra-alegação não é obrigatória e porque o TRL sempre teria que apreciar a questão mesmo sem contra-alegações.
Mas trata-se de uma desvalorização que não convence. Mesmo que seja como as rés e a sentença dizem, isso não quer dizer que as contra-alegações não possam levar à ponderação de razões que, sem elas, não seriam consideradas. Dizer o contrário equivale a afirmar que o trabalho de um advogado é sempre inócuo e não serve para nada. Mas qualquer jurista sabe que as contra-alegações, mesmo quando são más, podem sempre chamar a atenção para pontos que, de outro modo, poderiam escapar ao juiz. Pelo que não se pode dizer que, sempre, as contra-alegações são inúteis ou desnecessárias (ou que não são essenciais e por isso é irrelevante que não sejam apresentadas). E, mais, quando não são apresentadas, até podem indiciar que a posição da parte que não as apresenta não tem razões a seu favor, isto é, que é tão evidente a razão do recurso que a contraparte nem sequer se consegue defender, o que até poderá levar a que o juiz do tribunal de recurso considere a questão com menos atenção.
Veja-se:
O caso tratava de uma Senhora guineense que intentou uma acção contra uma entidade patronal às ordens de quem o filho morreu num acidente de trabalho de 26/12/2003 imputável a culpa da entidade patronal. A autora pedia que fosse fixada uma pensão anual a seu favor por ser solteira e doméstica, não recebendo qualquer pensão ou assistência do Estado, mas apenas a contribuição regular que o filho fazia para o seu sustento, sendo que aquele faleceu no estado de solteiro e sem que deixasse filhos.
Depois do julgamento, em 2007, foi dado como provado, na parte que importa (para alem do acidente de trabalho com culpa da entidade patronal) que o filho da autora ganhava pouco mais que o salário mínimo nacional, faleceu no estado de solteiro e sem companheira, não tendo deixado filhos; a mãe era a autora (facto r\), solteira, doméstica (resposta aos quesitos 8 e 9 – factos s\ e t\) pessoa doente (resposta ao quesito 10 – facto u\), que não recebe qualquer pensão social ou assistência do Estado (resposta ao quesito 11 – facto v\) e o filho contribuía regularmente com uma quantia que variava entre 150€ e 300€ para o sustento da autora (resposta ao quesito 13 – facto w).
Na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal de Trabalho disse, segundo transcrição do acórdão do TRL [não consta da sentença junta aos autos porque, lembre-se, antes da reforma de 2013 do CPC, a decisão da matéria de facto era feita em decisão autónoma da sentença]:
“A resposta aos quesitos 5 a 13 resultou da análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas LB e SC, que dos respectivos factos demonstraram possuir conhecimento por serem, o primeiro, amigo e colega de trabalho do Sinistrado e, o segundo, irmão do Sinistrado.
Quando desafiados a especificar as suas respostas, as testemunhas lograram fazê-lo, gerando no Tribunal a convicção de que falaram com verdade".
A entidade patronal recorreu da sentença que concedeu a pensão pedida pela autora. Nas conclusões do recurso dizia, na parte que importa, segundo transcrição feita pelo acórdão do TRL:
“G\ A conclusão que pelo facto de a autora ser solteira, não trabalhar e não ter qualquer fonte de rendimento social, dúvidas não restam que necessitava do auxílio do filho (página 11 da sentença) é excessiva;
H\ Não ter rendimento social é diferente de não ter qualquer fonte de rendimentos;
I\ O tribunal a quo considerou provados factos que não resultaram dos depoimentos gravados;
J\ Do depoimento gravado da testemunha LB, e com muita hesitação, resulta apenas que o sinistrado enviava dinheiro para a mãe. Não resulta do seu depoimento que a autora é uma pessoa doente e/ou que não tem rendimentos;
L\ Do depoimento gravado da testemunha SC, resulta que a autora exerce uma actividade, sendo agricultora.
M\ Não se retira do depoimento das testemunhas supra identificadas qualquer resposta positiva aos quesitos 9, 10 e 11;
N\ Deve ser reapreciada a prova gravada, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas, LB e SC e, consequentemente, ser dada resposta negativa aos quesitos 9, 10 e 11.”
Disse, então, o TRL:
“O conteúdo dos mencionados quesitos [postos em causa] era o seguinte:
9\ A autora é doméstica?
10\ A autora é pessoa doente?
11\ A autora não recebe qualquer pensão social ou assistência do Estado?
A todos os mencionados quesitos foi respondido afirmativamente.
Na fundamentação da resposta positiva a estes quesitos a Sr.ª juíza fundou a sua convicção motivando-a do seguinte modo:
[…]
Foram ouvidos, nesta Relação, os depoimentos das testemunhas indicadas nas alegações de recurso de modo a apercebermo-nos de eventual erro no julgamento da matéria de facto.
E, reapreciando os depoimentos, temos de reconhecer que a resposta ao quesito 9 deve ser alterada.
Efectivamente, embora a testemunha LB tenha dito que a mãe do sinistrado era doméstica, sabemos, do seu depoimento, que não conhecia, directamente, a autora que vivia na Guiné.
Por outro lado, SC, filho da autora, disse que a mãe era doméstica, mas vivia na agricultura.
Deduz-se, desse depoimento, mais conhecedor do que o da testemunha anterior, por ser filho da autora, que a autora, vivendo na agricultura, não era doméstica.
Assim, terá de dar-se como não provado que a autora é doméstica procedendo, nesta parte, o recurso.
Já quanto à resposta aos quesitos 10 e 11 não vemos qualquer fundamento para alterar o decidido já que, ao contrário do que refere a recorrente, para o caso como o dos autos, saber-se se a autora era uma mulher doente não exige parecer clínico, bastando-nos os depoimentos das testemunhas que viveram junto da autora enquanto esta se manteve em Portugal e afirmaram, ambas, que a autora sofria de problemas nos ossos, e que, enquanto esteve em Portugal, necessitou de ir ao médico por causa disso — e ainda por outras causas não concretamente especificadas.
Face ao sobredito e analisados os depoimentos, entendemos ser de manter a resposta dada aos quesitos 10 e 11.
Termos em que se decide alterar apenas a resposta dada ao quesito 9, considerando-o não provado.”
No recurso para o STJ a ré, como advogada da autora nessa acção, defendeu o seguinte:
“[N]ão pode concordar com esta alteração, que não resulta dos depoimentos gravados, como é óbvio e que o próprio TRL esclarece, de modo inequívoco.
Com efeito, a alteração da resposta dada ao quesito 9 traduziu-se em concluir/deduzir que "... não era doméstica" e que "... vivendo na agricultura... a ora recorrida vivia na agricultura".
Ora bem, é o próprio acórdão sob recurso que põe a nu tamanha contradição entre os fundamentos e a conclusão, ou seja, os fundamentos confirmam que é doméstica e não agricultora.
Uma e outra testemunha, LB e o filho da ora Recorrente, SC, confirmaram que era doméstica, como se contém, expressamente, no acórdão sob recurso, que foi a resposta dada ao quesito 9 ("A autora é doméstica").
Esta resposta continua a ser verdadeira, na "tese" do próprio acórdão sob recurso, razão por que não pode concluir-se que seja "agricultora" e não seja "doméstica".
Aliás, uma e outra testemunha, no texto (escrito) do próprio acórdão, confirmaram que a recorrente era "doméstica", sendo certo que uma delas, o filho, SC, disse que "vivia na agricultura".
É que, por um lado, o facto de ser "doméstica" não a impedia de ser, simultaneamente, "agricultora", sendo certo que, por outro lado, uma "agricultora", na Guiné, não é sinónimo de uma "agricultora" ribatejana, em particular, em...
A resposta dada ao quesito 9 não pode, assim, ser alterada, com base nos dois depoimentos, iguais, independentemente de ter-se concluído o contrário, só porque se deduziu que o "filho da autora, que a autora, vivendo na agricultura, não era doméstica".
Os fundamentos não permitem logicamente retirar a ilação de que não era doméstica, mas agricultora.
Doméstica é a "profissão" de quem trabalha na "casa" (domus) e a outra é de quem trabalha (o)no "campo" (campus), na agricultura (ager, agri).
Ora, a recorrente, ainda que "viva na agricultura", na Guiné, sem grandes interpretações ou apreciações, facilmente se conclui que tal modo de "vida na agricultura", na Guiné, não lhe permite "viver da agricultura"!?...
Até há umas dezenas de anos atrás, em Portugal, a grande maioria das mulheres portuguesas, que viviam no "campo" (província), eram "domésticas", pura e simplesmente, e "viviam na agricultura", ainda que casadas com "agricultores" (stricto sensu), vegetando e sobrevivendo, quase miseravelmente, trabalhando nos campos.
Como é que é possível admitir-se que uma mulher rural (e não citadina), na Guiné, doméstica como quase todas, incluídas as mulheres dos pequenos pescadores e pequenos agricultores (casadas ou não), esta, a recorrente, que é solteira (resposta ao quesito 8), é doente (resposta ao quesito 10) e não recebe qualquer pensão social ou assistência do Estado (resposta ao quesito 11), vivendo no campo (ou na agricultura), sem mais, seja excluída de ser "doméstica", para passar a ser "agricultora", na Guiné, como se este estatuto lhe permitisse "viver da agricultura", o que é diferente de "viver na agricultura" ou "viver na pesca", na linguagem autóctone?
Verdadeiramente, nem em Portugal, com os "subsídios" da Comunidade Europeia, os agricultores conseguem sobreviver, quanto mais na Guiné!
Obviamente, não estamos a falar dos grandes "agricultores", com centenas ou milhares de hectares para cultivar, ou melhor, mandar cultivar!”
Apreciação:
Como decorre do art. 346 do CC, as afirmações das partes consideram-se verdadeiras quando é produzida prova positiva sobre elas pela parte que as fez e a parte contrária não produz prova que consiga tornar duvidosas aquelas afirmações.
No caso dos autos o quesito - a afirmação feita pela autora – era: “a autora é doméstica?”
As duas testemunhas da autora identificadas pelo ac. do TRL confirmaram que a autora era doméstica e a parte contrária não fez nenhuma prova.
Dir-se-ia, logo por aqui, que a decisão do TT de dar aquela afirmação como provada estava certa.
O acórdão do TRL sugere que a prova produzida pela a autora não devia ter convencido o TT, apesar de ambas as testemunhas terem afirmado, segundo o próprio acórdão, que a autora era doméstica.
O fundamento para tal, quanto à primeira testemunha, era o facto de ela não conhecer directamente a autora, que vivia na Guiné.
Ora, sugerir-se, sem mais, que o que diz a testemunha não deve convencer porque ela não conhece directamente a autora, não é fundamento adequado, pois que o regime processual civil não distingue a prova directa e indirecta, não atribuindo automaticamente menor relevo a esta.
Quanto à 2.ª testemunha, o acórdão escreve que “o filho disse que a mãe era doméstica, mas vivia na agricultura.” Ora, se o filho disse que a mãe era doméstica, está a confirmar a afirmação da autora. E a afirmação subsequente que ele terá feito [se ele tivesse feito tal afirmação, nesses precisos termos, a afirmação teria sido colocada entre aspas] e que o acórdão não pode deixar de saber que não faz sentido sem esclarecimentos – porque em português não se diz que “alguém vive na agricultura”, já que a agricultura é uma arte ou uma ciência ou uma actividade (utiliza-se o Dicionário da língua portuguesa contemporânea daa Academia das ciências de Lisboa, Verbo, 2001) e não algo em que se possa viver – não pode ser vista como desmentindo a anterior, porque o filho diz que a mãe é doméstica: não sendo a afirmação subsequente, só por si, sem mais, minimamente esclarecedora, ela não põe em dúvida a primeira afirmação.
Temos assim duas testemunhas que afirmam que a autora é doméstica, esta prova foi considerada suficiente pelo TT e o TRL não demonstra de forma minimamente convincente que aquela prova tenha sido duvidosa, pelo que o TRL não devia ter eliminado a afirmação dos factos provados.
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Assim sendo, quaisquer contra-alegações da autora, por mais fracas que fossem, teriam a virtualidade de, muito provavelmente, levar a que o TRL não tivesse eliminado a resposta ao quesito 9.
Ora, as alegações de revista da ré, como advogada da autora, embora com outros argumentos, nem sequer eram fracas, mas convincentes e demonstravam que a eliminação do quesito não devia ter ocorrido.
Se esses argumentos tivessem sido apresentados (pois que é provável que elas tivessem o mesmo conteúdo das alegações de revista), era muito provável que o TRL não tivesse eliminado tal resposta, ou seja, que o TRL não tivesse dado razão às alegações da entidade patronal em sentido contrário.
Considera-se que este ‘muito provável’, no caso, corresponde a um grau de probabilidade de bem mais de 50%, o que se diz para dar satisfação às exigências que os acórdãos do STJ têm feito sobre a matéria (sendo que a indemnização deste dano de perda de oportunidade é, no essencial, em Portugal, uma criação jurisprudencial).
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Com isto não se está a esquecer que, o facto de a ré, como advogada da autora, não ter contra-alegado, também pode ter contribuído para uma fundamentação da decisão menos sustentada e esclarecedora, com base num raciocínio que se poderá pôr assim: não há que fundamentar muito bem a decisão (i) se ela é evidente, tanto mais que a parte recorrida não contra-alegou, ou (ii) se a parte recorrida nem sequer está interessada no recurso, tal como demonstra o facto de não ter contra-alegado.           
Não se esquecendo isto, note-se que, por um lado, não está minimamente indiciado que houvesse algo mais que pudesse ser dito pelo TRL, pois que também a entidade patronal não disse nada mais. Ou seja, está indiciado que não há melhor fundamentação porque não a podia haver, tanto mais que, como já se disse acima, ela era necessária porque as expressões que terão sido utilizadas pela testemunha a que se deu credibilidade, precisavam de esclarecimento (nos termos já referidos). E, por outro lado, a necessidade de melhor e mais completa fundamentação, se houvesse contra-alegações, seria exactamente um dos efeitos que essas contra-alegações implicariam. E quando há necessidade de fundamentar melhor ou mais completamente uma decisão, sempre é necessário ponderar melhor os problemas. Ou seja, é também assim que as contra-alegações cumprem a sua função e, nem que fosse por isso, elas não se podem dizer serem irrelevantes por não serem essenciais.
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Mas o TRL podia, ao menos, ter esclarecido a resposta ao quesito, isto é, restringido a afirmação da autora, considerando-a provada, mas com restrições, ou seja, poderia ter dado como provado que a autora era doméstica, mas também agricultora?
Ser doméstica, pode ter o sentido de alguém que trabalha, como empregada, na casa de outrem, mas também o sentido de alguém que, sem remuneração, trata da administração, manutenção e arranjo da casa (dona de casa) – utilizou-se o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/dom%C3%A9stica, para além do já referido Dicionário da Academia. É este último sentido, no contexto, aquilo que foi entendido pelo TT e pelo TRL. A expressão doméstica, isoladamente, refere-se a uma dona de casa, sem remuneração. Se se quer acrescentar a remuneração, fala-se em empregada doméstica.
“Viver na agricultura” – que é diferente, como a ré dizia nas alegações de revista, de “viver da agricultura” - parece implicar apenas viver no campo. No caso, dado o enquadramento (“é doméstica, mas vive na agricultura”) e o teor das alegações de revista intempestiva da autora, admite-se que também queria dizer que a autora fazia alguns trabalhos no campo e deles conseguia retirar alguns frutos naturais para o seu consumo. Em nenhum caso, só por si, sem mais nada, quererá dizer, que, fazendo esses trabalhos, deixe de ser doméstica. E muito menos quererá dizer, só por si, que vive desses trabalhos. E menos ainda que viva exclusivamente ou suficientemente dos rendimentos desses trabalhos.
Portanto, considera-se que o TRL poderia restringir a resposta e dar como provado que a autora era doméstica, mas fazia alguns trabalhos no campo dos quais retirava frutos naturais para o seu consumo.
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Com a manutenção da decisão da matéria de facto, ou mesmo com este acrescento, o TRL já não poderia julgar a apelação procedente, pois que esta procedência se baseou, como se verá mais desenvolvidamente à frente, no essencial, na eliminação do quesito 9 (prefere-se tratar desta matéria mais à frente, a propósito da revista, porque o autor não a tratou aqui e, por isso, o seu lugar natural é mais à frente).
Assim sendo, a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, do recurso da entidade patronal, levaria, com o mesmo referido grau de probabilidade, à improcedência de todo o recurso de apelação.
Mas mesmo com a eliminação do quesito 9, como se verá mais à frente, o TRL, se tivesse tido que reponderar melhor a fundamentação de direito, por força de contra-alegações, não teria, muito provavelmente (embora com um grau de probabilidade não tão elevado), dado procedência à apelação, tanto mais que, um dos acórdãos do STJ (de 27/01/2007) em que se apoiou, possibilitava, claramente, a manutenção da sentença do TT.
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O autor defende que o recurso de revista da ré, como advogada da autora, poderia ter levado o STJ a rever a decisão do TRL quanto à eliminação da resposta ao quesito 9.
Trata-se da matéria das conclusões 5, 6, 7, 1.ª parte, e 8 do recurso, onde o autor reproduz, quase na íntegra, o sumário do ac. STJ de 15/11/2012 que não identifica devidamente mas que é o acórdão proferido no proc. 20071/1995.E1.S1.
Deixando de lado as considerações abstractas sobre os poderes do STJ que o autor retira daquele acórdão do STJ, a questão é a de saber se o STJ podia, no caso, revogar e substituir por outra, a decisão do TRL de eliminar a resposta ao quesito 9, questão sobre a qual o autor nada diz em concreto.
Ora, tudo aquilo que consta acima sobre a eliminação da resposta ao quesito 9 tem a ver com a decisão da matéria de facto fundada na apreciação de prova testemunhal, não em quaisquer razões de direito, pelo que, ao contrário do que o autor pretende, o STJ não poderia pronunciar-se sobre a questão e reverter a decisão do TRL de eliminar a resposta ao quesito 9.
Lembre-se que o STJ, no acórdão invocado pelo autor, disse:
“É às instâncias, e designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o STJ, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no artigo 722/2 do CP, na redacção aqui aplicável, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova […].
[…] e ainda, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 729/2-3 do CPC.”
Ora, o autor não apontou qualquer uma destas quatro situações.
Em suma, considera-se, tal como a seguradora nas contra-alegações, que o STJ não revogaria a decisão do TRL na parte em que elimina a resposta ao quesito 9.
*
O autor entende que, ao contrário do defendido pela sentença e pelas rés, o STJ podia ter alterado o decidido pelo TRL quanto ao Direito, se a ré, enquanto advogada da autora, tivesse interposto revista atempada do acórdão.
Na parte de Direito, o TT tinha escrito o seguinte:
“Nestes autos é a mãe do sinistrado quem reivindica o direito à reparação pela morte do mesmo, pelo que cumpre verificar se estão reunidos os pressupostos enunciados na alínea d) do n.º 1 do art. 20 da LAT, que contempla os "ascendentes […] quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento […]".
Em interpretação a este normativo tem a jurisprudência entendido de forma unânime que são 2 os requisitos para que possa atribuir-se a pensão a ascendentes: a carência económica ou necessidade do auxílio da vítima e a regularidade da contribuição da vítima para a sua alimentação (neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRE de 10/01/1984, CJTI, pág. 313 e de 02/02/2004, CJTII, pág. 264; do TRL de 08/02/1995 [0097804], 12/04/2000 [0077324] e 14/03/2001 [0022674 – só sumário], do TRP de 26/05/1997 [9740187 – só sumário], do TRC de 03/05/2001 [951-2001 – só sumário] e do STJ de 13/11/2002 [não consultado por este TRL por não o ter encontrado], 13/07/2004 [03S3875] e 10/03/2005 [transcrito abaixo] – os links foram todos colocados agora por este TRL]: este último resulta expresso da lei e o primeiro dela resulta implicitamente, quando refere que a contribuição se destina ao sustento do ascendente, sendo certo que a atribuição da pensão aos ascendentes emana do instituto da obrigação alimentar, previsto nos artigos 2003 e seguintes do Código Civil e apenas numa situação de carência económica daqueles se poderá verdadeiramente dizer que a vítima contribuía para o seu sustento ou alimentação. Tratando-se de factos constitutivos do direito que a autora se arroga, cabia a esta prová-los (art. 342/1 do CC).
Ora, considerando que a autora é solteira, não trabalha e não tem qualquer fonte de rendimentos social (cf. alíneas s a v da matéria de facto provada), dúvidas não restam de que necessitava do auxílio do seu filho. Por outro lado, este contribuía regularmente para o sustento de sua mãe, pelo que é mister concluir que a autora tem efectivo direito à reparação por morte de seu filho AS.
E o TRL, secção social, por sua vez, escreveu o seguinte:
“Vejamos, agora se, aplicando a lei aos factos assentes, é de concluir pela revogação da sentença conforme entende a recorrente, por não estarem verificados os requisitos enunciados no artigo 20/1-d da LAT.
Este normativo estabelece o seguinte:
1 - Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:
a) (...);
b) (...);
c) (…);
d) Aos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento: a cada, 10% da retribuição do sinistrado, não podendo o total das pensões exceder 30 % desta.
Não restam dúvidas estarmos perante um acidente de trabalho e a recorrente não põe em causa ser a responsável pelas consequências do acidente.
Apenas põe em causa que a autora tenha direito às prestações mencionadas na lei (art. 20/1-d da Lei 100/97 de 13/09) pois considera que a matéria dada como provada é manifestamente insuficiente para que à autora seja reconhecido esse direito, tanto mais que não ficou provado que a autora não tenha outras fontes de rendimento.
O art. 20/1-d da Lei 100/97 de 13/09, na linha da antecedente legislação sobre esta matéria, confere aos ascendentes o direito à reparação por acidente de trabalho de que resulte a morte, "desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento".
Existe regularidade quando há contribuições sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, feitas, por exemplo, à medida que o dador vai percebendo o seu próprio salário. Contribuição regular, na expressão do acórdão do STJ de 29/03/2000 (na revista n.º 357/99, da 4ª Secção), implica a "ideia de frequência, continuidade ...". Deste conceito ficam excluídas as contribuições esporádicas que não se destinam ao sustento dos beneficiários (vide Carlos Alegre, in "Acidentes de Trabalho", Almedina, 1995, pp. 95 e 96).
A jurisprudência, tanto no domínio das leis anteriores - concretamente, do art. 16-e da Lei 1942, de 27/07/1936, e da Base XIX/1-d da Lei 2127, de 03/08/1965 -, como no âmbito de vigência da Lei 100/97 [art. 20/1-d], tem exigido - dado o destino da contribuição (alimentos) - também a prova da necessidade daquele contributo para o sustento dos ascendentes e parentes sucessíveis (vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 08/08/1969 [acórdãos Doutrinais 95, p.1608], 14/06/1977 [BTE, 2.ª série, n.º 4, de Julho de 1977, p. 915], 26/07/1985 [BMJ 349/358 - 000996], 17/04/2002 [1693/01], 13/11/2002 [1585/02], 10/03/2005 [4451/04] e 02/11/2005 [2259/05] [este TRL só consultou o publicado no BMJ, não tendo encontrado nenhum dos subsequentes nem na base de dados da DGSI nem nos sumários do STJ no sítio respectivo – o § vem do acórdão do STJ de 24/01/2007, pelo que se estaria a referir a acórdãos a que a respectiva relatora tinha acesso particular -, e não procurou os dois primeiros, por já serem muito antigos].
Esta exigência decorre do disposto no n.º 1 do art. 2004 do CC que estabelece como critério definidor da medida dos alimentos a "necessidade daquele que houver de recebê-los", bem como o disposto na alínea b do n° 1 do art. 2013 que determina a cessação da obrigação de alimentos quando "aquele que os recebe deixe de precisar deles" (veja-se Paiva de Almeida, in Revista do Ministério Público n° 59, p.161).
O direito dos familiares do trabalhador às pensões surge, assim, como uma emanação do instituto da obrigação alimentar, sendo que esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como decorre do disposto nos artigos 2003 e do citado 2004, ambos do CC.
Não é necessário, para efeitos de atribuição da pensão, que a contribuição do sinistrado, além de regular, satisfizesse a totalidade das necessidades da beneficiária (cf. ac. STJ de 24/01/2007 [06S2711 – neste ac. do STJ cita-se o ac. do STJ de 20/02/1991 [002644], in Actualidade Jurídica 15º/16º, p.17; e acórdão acrescenta: sendo ainda irrelevante o montante de que os beneficiários concretamente beneficiavam em proveito próprio, desde que dele beneficiassem – estes parenteses rectos e o seu conteúdo foram colocados pelo presente acórdão deste TRL].
A história do preceito aponta também para a possibilidade de o sinistrado ter sido um co-contribuinte para o sustento do beneficiário (não, o único contribuinte). Com efeito, enquanto, no diploma normativo que antecedeu a Lei 2127 (art. 16-e) da Lei 1942), se dizia que a condição para o direito à pensão era que a alimentação estivesse "a cargo" das vítimas, o que supunha que toda a alimentação era da sua responsabilidade, nas Leis 2127 e 100/97 fala-se em contribuição "para o seu sustento", o que quer dizer que o trabalhador (sinistrado) não tinha, em vida, que suportar sozinho a totalidade do sustento do beneficiário da pensão (veja-se Carlos Alegre, in ob. cit., p. 96).
Podemos, assim, concluir que a condição estabelecida na citada alínea d\ do art. 20 da LAT se desdobra em dois requisitos:
1\ Regularidade da contribuição (no caso, concreto, por parte do filho da autora que veio a sofrer o acidente);
2\ E necessidade da contribuição (por parte da autora/ascendente).
Tal como se afirma no ac. do STJ de 22/11/2007 "... a necessidade ou carência que os ascendentes têm da contribuição do sinistrado para o seu sustento é um dos requisitos do direito à reparação infortunística, pelo que os factos integradores dessa necessidade são constitutivos desse direito e, como tal, têm de ser alegados e provados pelos ascendentes/autores" nos termos do art. 342/1 do CC.
E como se consignou no acórdão de 15/11/2006, "a carência dos ascendentes/autores, em termos de viabilizar o seu direito à reparação pelo acidente, pressupõe a prova necessária, que lhes cabe, da sua situação económica, onde avultam o nível dos seus rendimentos e das correspondentes despesas, em termos de o respectivo confronto permitir ajuizar sobre a efectiva necessidade da contribuição que lhes era prestada pelo sinistrado".
Tal necessidade traduz, como bem se sublinhou nos acórdãos do STJ de 15/11/2006 e de 24/01/2007, "um juízo de direito, a extrair dos pertinentes factos..."
Como resulta das conclusões da recorrente, é relativamente ao segundo requisito (necessidade) que surge a sua discordância.
Sustenta que o mesmo não está demonstrado.
E, a nosso ver, com razão.
Entendemos que os factos assentes não consentem a conclusão inequívoca de que a autora necessitava, para o seu sustento, da contribuição do filho, sendo insuficientes para o efeito.
Na petição a autora alegou, para fundamentar a necessidade da contribuição do sinistrado para o seu sustento, o seguinte […]: 4\ A autora, mãe do sinistrado/falecido é solteira e doméstica; 5\ É uma pessoa doente e, por isso, carecia da ajuda do seu falecido filho para o seu sustento. 6\ Vivia com o seu falecido filho, sendo que o sinistrado falecido era quem contribuía regularmente para o seu sustento com a quantia de 200€. 7\ A autora não recebe qualquer pensão social ou assistência do Estado.
Tais factos passaram à base instrutória, à excepção da filiação - que ficou assente, e da parte final do art. 5 ("e, por isso, carecia da ajuda do seu falecido filho para o seu sustento") por ser conclusivo.
Dos factos invocados, já de si exíguos para se concluir pela eventual necessidade da autora da contribuição do seu filho para o seu sustento (não foram invocados rendimentos e despesas correntes, v.g., em alimentos, medicamentos, vestuário, renda de casa... de modo a melhor poder aferir-se da necessidade da autora) ficou assente, apenas, que a autora, mãe do sinistrado, é uma pessoa doente, o sinistrado contribuía regularmente com uma quantia que variava entre 150€ e 300€ para o seu sustento, e não recebia qualquer pensão social ou assistência do Estado.
Mas não se provou que vivesse com o filho — os depoimentos gravados e reouvidos neste TRL até nos dão conta de que a autora viveria (e vive) na Guiné, - e que fosse doméstica (como acima dissemos, foi a própria testemunha SC, filho da autora, que afirmou que a mãe vivia na agricultura).
Assim, vistos os factos, apenas podemos vislumbrar com interesse para a questão, que é uma pessoa doente e que o sinistrado contribuía regularmente com uma quantia que variava entre 150€ e 300€ para o seu sustento, não recebendo qualquer pensão social ou assistência do Estado.
A invocada situação de doença da autora não significa que esteja incapacitada para o trabalho, sendo que o facto de não receber qualquer pensão social ou assistência do Estado, também não significa que não aufira outros rendimentos de actividade por conta própria ou alheia ou de outra proveniência.
Face aos escassos dados de facto alegados pela autora e dados como provados, não é possível extrapolar no sentido de que a autora estava dependente do contributo do sinistrado, de modo a considerar que sem esse contributo não poderia dispor de uma habitação condigna ou não poderia prover às despesas correntes com a alimentação ou vestuário.
Daí que tenhamos de concluir que a autora não logrou provar um dos requisitos essenciais do direito à reparação infortunística, ou seja, os factos donde possa deduzir-se a carência económica ou necessidade da contribuição do sinistrado, pressuposto da atribuição aos autores da qualidade de beneficiários legais, prova que competia à autora nos termos do art. 342/1 do CC (cf. ac. STJ de 17/04/2008).
Por esse motivo tem de soçobrar a pretensão da autora e, consequentemente, ser revogada a decisão ora em crise.”
A ré, como advogada da autora, escreveu então:
“No art. 20/1-d da LAT apenas se exige:
... quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento...".
As pensões aos ascendentes, neste caso, resultantes de acidente de trabalho, nada têm a ver com a "necessidade" de alimentos, prevista no Código Civil.
A relação comparativa das pensões por morte, em consequência de acidente de trabalho mortal, com as pensões alimentícias, entre parentes, pode fazer-se, mas é inequívoco que os pressupostos ou requisitos de umas e outras são distintos.
Na actual LAT, exigem-se dois requisitos, ou sejam, incapacidade sensível para o trabalho e contribuição regular para o sustento do ascendente, por parte do sinistrado para com este.
Nada mais se exige, neste preceito da LAT.
Quanto à "incapacidade sensível", transcreve-se do próprio acórdão, quando nega a alteração das respostas aos quesitos 10 e 11:
... saber-se se a autora era uma mulher doente não exige parecer clínico, bastando-nos os depoimentos das testemunhas... enquanto esta se manteve em Portugal e afirmaram, ambas, que a autora sofria de problemas nos ossos e que, enquanto esteve em Portugal, necessitou de ir ao médico por causa disso - e ainda por outras causas não concretamente especificadas."
Por outro lado, como já vimos, ficou provado que a autora é "pessoa doente", razão por que o tribunal não pode afastar o primeiro dos requisitos, ou seja, "afectados de doença... que os incapacite sensivelmente...".
Não pode também afastar-se o segundo dos requisitos, ou seja, a contribuição regular para o seu sustento, tendo ficado provado que "contribuía regularmente com ... entre 150€ e 300€ para o sustento da autora" (resposta ao quesito 13 — al. W dos factos provados).
A doença dos ossos e outras que a obrigavam a ir ao médico, quando esteve em Portugal, significa incapacidade sensível (que a LAT não quantifica), por um lado e a contribuição regular para o seu sustento, por parte do falecido, decorrente de sinistro mortal de acidente de trabalho, por outro lado, são os requisitos necessários e suficientes, constitutivos do direito às pensões. A LAT nada mais exige. A "necessidade", hoc casu, quando muito, comparada a pensão da LAT com o instituto da pensão de alimentos, no CC, traduzir-se-ia, apenas, na circunstância de o sinistrado mortal haver contribuído regularmente para o sustento de sua mãe, recorrente. A LAT configura a contribuição regular para o seu sustento com aquela carência ou "necessidade".
O acórdão sob recurso violou, assim, de forma patente, o disposto no art. 20/1-d, da LAT, na medida em que ficou provada a doença incapacitante (sensível) e a contribuição regular para o sustento da recorrente, ainda que não fosse "doméstica" e fosse "agricultora'', que o não é.
Estas duas últimas actividades são absolutamente indiferentes para a bondade dos presentes autos.”
Apreciação:
Na área do direito privado comum a questão dos requisitos da atribuição de uma pensão a um ascendente que recebia, de um seu filho que morre vítima de um acidente imputável a um terceiro, uma contribuição regular para o seu sustento, é tratada como um problema de reparação de uma perda (da contribuição de alimentos do filho) que o ascendente teve por causa desse acidente, culpa desse terceiro, de que foi vítima, não de fixar uma pensão de alimentos de que o ascendente necessitasse.
Assim, apenas por exemplo, veja-se o ac. deste TRL de 09/06/2022, proc. 1896/20.5T8FNC.L1-2:
VIII\ Em caso de morte, é de relevar, para efeitos de indemnização ao cônjuge sobrevivo e a uma filha menor enquanto não tiver completado a sua formação profissional, art. 495/3 do CC, a perda da contribuição para os encargos da vida familiar que o cônjuge, entretanto falecido, proporcionava ao agregado familiar, descontados dos 25% pela culpa da vítima.
IX\ Ela não se fixa, pois, como se fosse uma prestação alimentar, mas sim atendendo àquele contributo, pelo período de tempo previsível – que vai para além da reforma - durante o qual ele seria prestado, não fora a morte da vítima.
No texto daquele acórdão escreve-se:
“No caso está em causa um cônjuge e uma filha menor (e enquanto esta não tiver completado a sua formação profissional), que viviam com a vítima.
Nestes casos, parafraseando o acórdão do STJ de 08/06/2017, proc. 1524/10.7TBOAZ.P1.S1, na indemnização prevista no art. 495/3 do CC, está em causa a perda do contributo proporcionado pelo falecido para os encargos familiares (artigos 1675/1 e 1676 do CC). Trata-se de um direito próprio de quem tiver a posição de exigir alimentos à vítima de lesão mortal. Nas palavras de Antunes Varela “o prejuízo - a ter em conta - é o que [para ela] - para a pessoa carecida de alimentos – advém da falta da pessoa lesada”, sendo “por este prejuízo que a indemnização se mede” (Das obrigações em geral, vol. 1.º, 9.ª ed., Almedina, pag. 647).
Não se trata de fixar uma prestação alimentar, ou seja, é independente da efectiva necessidade de alimentos (o que afasta as objecções da seguradora), mas sim de calcular “a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou (…) poderia eventualmente prestar”, não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhe proporcionaria (acórdão deste STJ de 11/07/2006, [proc. 06B1835] citado no acórdão do STJ de 19/02/2014, proc. 1229/10.9TAPDL).
Neste sentido, também, Gabriela Páris Fernandes, no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD/UCE, Dez2018, páginas 346-347, que invoca no mesmo sentido, ainda, os acórdãos do STJ de 12/10/2006, proc. 06B2520, de 04/05/2010, proc. 111/04.3TBMUR.P1.S1, de 02/12/2010, proc. 2519/06.0TAVCT.G1.S1, de 26/11/2015, proc. 598/04.4TBCBT.G1.S1, e de 19/10/2016, proc. 1893/14.0TBVNG.P1.S1, e Vaz Serra e Heinrich Hörster, A propósito de uma ‘não-leitura’ do art. 495/3, 1.ª alternativa, do CC, feita por quem tenha a sua pré-compreensão jurídica moldada pelo § 844/2, frase I, do BGB, RDE 1983, ano IX, n.ºs 1 e 2, páginas 331-340. A que se podem acrescentar, ainda, por exemplo, os acórdãos do STJ de 17/06/2008, proc. 08A1599, que será referido abaixo para o pedido de reembolso do ISS, e o de 10/04/2019, proc. 73/15.1PTBRG.G1.S1.”
Acrescente-se, nos termos do ac. do STJ de 11/07/2006:
III - Há lugar à indemnização do dano previsto no art. 495/3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos e, tão só determinados nesse preceito os titulares da indemnização a que se refere, isto é, a quem é devida, o seu montante não é balizado pela medida de prestação alimentar reportada ao disposto nos arts. 2003/1 e 2004/2, todos do CC.” E no texto: o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art. 495/3, é, como, aliás, a própria letra desse preceito inculca (nota: Na verdade, o art.495/3 refere tão-somente a possibilidade de exigir alimentos) independente da necessidade efectiva de alimentos (nota:  Ver Vaz Serra, RLJ, 108º/183-1).
E nos do acórdão do STJ de 12/10/2006:
As autoras, esposa e filha da vítima, tinham direito a exigir alimentos do falecido, logo estão em condições de beneficiar da indemnização pelos danos decorrentes da perda de capacidade de ganho da vítima. O facto de a autora exercer uma actividade laboral e auferir a respectiva remuneração não a inibe de poder beneficiar daquela indemnização. É que o direito a exigir alimentos foi afectado irremediavelmente pelo lesante, redundando num prejuízo para o titular na medida em que a indemnização por este dano é atribuída por direito próprio a quem pode exigir alimentos do lesado. Como se afirma no ac. STJ de 08/07/2003 o que agora aqui está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte. O mesmo se diga em relação à filha, que se viu igualmente privada desta fonte de réditos futuros, pelo que esse direito de indemnização é um direito próprio, nele não interferindo o facto da mãe estar a contribuir para o seu sustento.
Dizendo as coisas de outro modo, não há hoje dúvida de que o direito à indemnização previsto no art. 495/3 do CPC – caso paralelo substancialmente em todos os aspectos ao dos autos - não está dependente dos pressupostos do direito a alimentos, entre eles o da necessidade de alimentos. E nada parece justificar que o direito a uma pensão/indemnização por acidente de trabalho imputável a uma entidade patronal dependa de um conjunto de condições mais exigente.
Se R, condutor de um veículo provoca um acidente que causa a morte de T que prestava alimentos à mãe, R tem de indemnizar a mãe, que perdeu uma fonte de rendimentos, sem que se tenha de discutir se a mãe precisava dessa fonte de rendimentos; o que é que justifica que, se R for uma entidade patronal, já só o tenha de fazer se a mãe precisar dessa fonte de rendimentos? Trata-se de um privilégio, de um benefício, sem qualquer justificação material.
A verdade, no entanto, é que, quer o Tribunal de Trabalho quer o TRL demonstram, com ampla menção de jurisprudência, que era outro o entendimento da jurisprudência laboral, que já vinha de há muito, e a situação não mudou, entretanto, nem mesmo depois das alterações do Código de Trabalho de 2009 e da Lei de 2009 que regulou a matéria dos acidentes de trabalho (embora se pudesse defender, por exemplo, que tendo esta lei criado o requisito de o ascendente ter rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social, 1.º, que este requisito é o que vem concretizar a necessidade da pensão do filho sinistrado pelo ascendente, e, 2º, que ele até aí não existia).
Assim, para além dos acórdãos citados pelo TT e pelo TRL, vejam-se, no mesmo sentido do por eles defendido, os seguintes:
Ac. do STJ de 19/12/1980, proc. 000165 (só sumário): Concorrem, os dois requisitos a que a lei 2127, na sua Base XIX/1-e, condiciona o direito a pensão por parte do pai do sinistrado: o de que este carecia do auxílio do filho e o de que esse auxílio lhe era prestado pelo filho com carácter de regularidade.
Ac. do STJ de 17/01/1985, proc. 000898 (só sumário): I - A disjuntiva "ou" constante da alínea a [é evidente o lapso: quer-se referir à al. e\ como se vê já a seguir e resulta da norma em questão – parenteses deste TRL] da Base XIX da Lei 2127, de 03/08/1965 está relacionada com os parentes sucessíveis, pois, só em relação a estes é que há limites de idade. II - Como resulta da letra expressa da lei "a doença física e mental" a que se refere a Base XIX/1-e - doença física ou mental que produza incapacidade - respeita apenas aos parentes sucessíveis e não aos ascendentes, pois que, para estes está contemplada no n.º 2, da mesma Base. III - Para que o pai de um sinistrado tenha direito a pensão por morte do filho, basta que se prove: a\ Que carecia do auxílio do filho; b\ Que este contribuía para alimentação do pai com carácter de regularidade. IV - Tanto a doutrina como a jurisprudência têm-se pronunciado no sentido de que o condicionalismo da lei, só respeita aos "parentes sucessíveis" e não aos "ascendentes". V - Tendo-se assentado que aquele requisito - doença física ou mental que incapacita para o trabalho - está ligado apenas aos outros parentes sucessíveis e não aos ascendentes, é irrelevante a alegação e prova de que o ascendente estivesse afectado de doença física ou mental que o incapacitasse para o trabalho à data do acidente que vitimou o seu filho.
Ac. do TRL de 08/02/1995 [0097804: II - Contribuindo o falecido sinistrado, com carácter de regularidade, com a totalidade do seu salário mensal, de 61.360$, auferido como ajudante de motorista, para as despesas diárias e para a alimentação de todo o seu agregado familiar, constituído por ele, por seus pais e por um irmão, menor à data do acidente, e considerando as dificuldades da vida em 1992, é de concluir que todo o seu agregado familiar carecia do seu auxílio económico, incluindo seu pai, não obstante este ser motorista e auferir mensalmente 100.000$].
Ac. do TRL de 12/04/2000 [0077324, só sumário: I - O direito à pensão por parte dos ascendentes da vitima de um acidente de trabalho está dependente de dois requisitos: a - a contribuição regular do sinistrado para o sustento dos familiares; b - que estes necessitem desse auxilio. II - Este último requisito não está expressamente previsto na Lei, mas está implicitamente contido no primeiro. III - A Lei, ao falar em contribuição para o sustento indica claramente que [não] é necessário que o sinistrado suporte todas as despesas necessárias ao sustento dos respectivos beneficiários, bastando que ele contribua para elas e que os beneficiários careçam desse contributo. IV - Não é portanto, necessário que o beneficiário prove que não possui outros meios de subsistência ou que não aufere uma parte do seu próprio sustento, bastando-lhe provar que o sinistrado contribuía para o seu próprio sustento. V - O tribunal deve ponderar sempre se a contribuição prestada era destinada ao sustento dos beneficiários e se estes dele necessitavam, não segundo um padrão mínimo de subsistência, mas antes segundo um padrão de vida normal de um agregado familiar na situação concreta dos beneficiários. [o ‘não’ acima entre parenteses, foi agora colocado por este TRL, decorrendo logicamente do sumário que a sua omissão se deve a lapso]]
Ac. do STJ de 30/04/2002, proc. 01S1810 […] No entanto, a mesma sentença acabou por absolver os réus do pedido por a então autora, mãe do sinistrado, não ter feito prova da regularidade da contribuição deste para o seu sustento, nem da necessidade, por parte dela, dessa contribuição.
Ac. do STJ de 10/03/2005, 04S4091:  I - A atribuição do direito à pensão por acidente de trabalho mortal relativamente aos ascendentes do sinistrado, nos termos previstos no artigo 20/1-d da Lei 100/97, de 13/09, não se basta com a demonstração de que o sinistrado contribuía regular e periodicamente para o seu sustento, sendo ainda necessário provar que aqueles careciam dessa contribuição; II - Provando-se nos autos que o sinistrado "contribuía mensalmente com 25.000$ para as despesas do seu agregado familiar, deixando de o fazer a partir de Março ou Abril de 2000, quando os pais lhe disseram para juntar tal dinheiro para as despesas do seu casamento previsto para Agosto seguinte", não é possível concluir que os ascendentes se encontrassem numa situação de dependência económica, a justificar o direito de reparação. III - O requisito da regularidade da contribuição para o sustento dos ascendentes, que decorre do artigo 20/1-d da Lei 100/97, não é aplicável ao direito de reparação por despesas de funeral, o qual, como flui do artigo 50 do DL 143/99, de 30/04, deverá ser reconhecido a quem provar ter suportado essas despesas.
Ac. do STJ de 24/01/2007, proc. 06S2711: I - O reconhecimento do direito à pensão a favor dos ascendentes do sinistrado de acordo com o art. 20/1-d da LAT depende de uma condição que se desdobra em dois requisitos: (1.º) regularidade da contribuição para o sustento dos ascendentes, por parte do sinistrado, e (2.º) necessidade da contribuição, por parte dos beneficiários. II - A necessidade dos ascendentes não tem que ser absoluta, nem total, nem deve aferir-se por padrões de mínima subsistência ou indigência. III - O ónus da prova dos factos que integram tais requisitos recai sobre os autores/ascendentes, por se tratar de matéria constitutiva do direito que se arrogam (art. 342/1 do CC). IV - O STJ tem competência para conhecer do erro na fixação da matéria de facto quando esteja em causa a violação do art. 514 do CPC. V - A afirmação/conclusão da Relação de carecerem os autores do contributo do sinistrado para o seu sustento não constitui uma ilação de facto extraída no desenvolvimento lógico dos factos provados (questão de facto) mas um juízo de direito que corresponde à afirmação do segundo requisito estabelecido no art. 20/1-d da LAT. […] IX - Ao prever que no caso de morte “as prestações” serão “iguais à retribuição”, o art. 18/1-a da LAT deve interpretar-se no sentido de que agrava as prestações genericamente fixadas no art. 20 (para os casos de responsabilidade objectiva), determinando que a referência passe a ser a própria retribuição. X - Em conformidade com a proposição anterior, se houver vários beneficiários legais, a soma das pensões agravadas a que têm direito em caso de responsabilidade subjectiva coincide com o valor da retribuição do sinistrado, não estando sujeitas, nem à limitação percentual de cada um, nem à limitação percentual total das pensões (ambas previstas no art. 20 da LAT), efectuando-se o rateio na medida do necessário a perfazer o valor da retribuição (do sinistrado).
Ac. do TRP de 31/01/2007, proc. 0616620: I - O direito à pensão devida por acidente de trabalho a ascendentes e a outros parentes sucessíveis não é automático, dependendo da demonstração de que o sinistrado contribuía com regularidade para o sustento deles e que eles tinham necessidade dessa contribuição.
Ac. do STJ de 22/11/2007, proc. 07S1699: I - O direito à pensão a favor dos ascendentes depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: a percepção pelos ascendentes, com carácter regular, de uma contribuição pecuniária por parte do sinistrado; a necessidade, ou carência, da assinalada contribuição para o sustento dos beneficiários. II - A exigência da necessidade da contribuição funda-se na constatação de que o direito consagrado no art. 20/1-d da LAT aprovada pela Lei 100/97, de 13/09 é uma emanação do instituto da obrigação alimentar e esta apenas existe a favor das pessoas que não possam prover integralmente ao seu sustento (artigos 2003 e 2004 do CC). III - Cabe aos ascendentes/autores o ónus de alegar e provar os factos integradores desses requisitos por serem constitutivos do direito à reparação (art. 342/1 do CC). IV - A carência dos autores, em termos de viabilizar o seu direito à reparação pelo acidente, pressupõe a prova necessária da sua situação económica, onde avultam o nível das suas remunerações e das correspondentes despesas, pois só esse confronto permite ajuizar sobre a efectiva necessidade da contribuição que lhes era prestada pelo sinistrado. V - Dos factos, provados, de o pai do sinistrado/autor ser agricultor e estar a receber uma pensão social de cerca de € 42 em virtude de acidente de trabalho que o incapacitou, não se retira, em termos lógicos ou de experiência comum, que autor se limita a fazer um amanho de terras a nível doméstico, com diminuto valor económico e que os rendimentos do agregado familiar dos autores geram uma capitação diminuta, inferior ao valor do salário mínimo, pelo que não está demonstrada a carência, por parte dos autores, da contribuição do sinistrado para o respectivo sustento.
Ac. do STJ de 01/07/2009, proc. 715/03.1TTBRR.S1: 1. O direito dos ascendentes e parentes sucessíveis à pensão por morte de vítima de acidente de trabalho depende do preenchimento de dois requisitos, a saber: (i) a contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos beneficiários; (ii) a necessidade dessa contribuição para o seu sustento. 2. Contribuindo, mensalmente, o sinistrado com uma quantia não concretamente apurada para as despesas comuns do agregado familiar, está verificado o primeiro requisito de que a lei faz depender o direito à pensão. 3. A exigência da necessidade da contribuição do sinistrado para o sustento daqueles beneficiários funda-se na constatação de que o direito dos familiares da vítima à pensão, consagrado no artigo 20/1-d da Lei 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento. 4. Provando-se que a irmã do sinistrado estava desempregada e não auferia qualquer rendimento, é de concluir que dependia dos rendimentos dos restantes elementos do agregado familiar, pelo que se mostra preenchido o requisito da necessidade da contribuição do sinistrado para o seu sustento.
Ac. do STJ de 25/11/2009, proc. 331/07.9TTVCT.P1.S1: […] 4. O direito dos ascendentes à pensão por morte de vítima de acidente de trabalho depende do preenchimento de dois requisitos: (i) a contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos beneficiários; (ii) a necessidade dessa contribuição para o seu sustento. 5. A exigência da necessidade da contribuição da sinistrada para o sustento daqueles beneficiários funda-se na constatação de que o direito dos familiares da vítima à pensão, consagrado no artigo 20/1-d da Lei n.º 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento. 6. Não resultando da factualidade provada qual a relevância que o contributo da sinistrada assumia para o sustento dos autores, não se pode concluir que estes tinham necessidade dessa contribuição para fazerem face às respectivas despesas pessoais, pelo que não se mostram preenchidos os necessários requisitos para a atribuição da pensão por morte da sinistrada aos seus ascendentes.
Ac. do STJ de 24/02/2010, proc. 709/03.7 TTBRG.P1.S1: IV - O art. 20/1-d da LAT ao fazer depender a atribuição da pensão por morte aos ascendentes do sinistrado da contribuição regular deste para o sustento daqueles, não viola o princípio da igualdade previsto no art. 13 da CRP, relativamente àquele que beneficia da pensão por morte por estar casado com o sinistrado no regime de separação de bens ou porque com ele vivia em união de facto, nos termos da alínea a) do mesmo preceito legal. V – […] tais situações não são essencialmente típicas da relação familiar entre ascendentes e descendentes ou entre irmãos, em que a lei contempla a mera eventualidade de, face a circunstâncias concretas de necessidade de sustento de uns e de possibilidade económica dos outros, haver lugar à obrigação de alimentos. VI - A diferença entre as referidas situações justifica, e explica, em termos razoáveis e proporcionados, a diferença de tratamento normativo. VII - Não estando provados factos que demonstrem que o sinistrado vinha a contribuir com regularidade para o sustento dos autores (seus pais e irmã), e que estes careciam ou necessitavam dessa contribuição – sendo certo que a estes competia alegar e provar tais factos, como beneficiários da reclamada reparação –, improcede o pedido de condenação das rés no pagamento das pensões anuais e vitalícias e despesas de transporte.
Ac. do TRP de 05/03/2012, proc. 467/08.9TTVCT.P1: I - Para se demonstrar o direito dos ascendentes à pensão de acidente de trabalho por morte não basta alegar e provar a qualidade de beneficiário, mas também que o sinistrado contribuía com regularidade para o sustento daqueles e que eles careciam do auxílio da vítima. II – A palavra “sustento” tem o significado de “alimento”, “amparo”, “protecção”, mas, só por si, e desacompanhada de outros elementos de facto, não significa que os autores estavam dependentes da contribuição mensal do sinistrado.
Ac. do TRE de 07/01/2013, proc. 848/10.8TTSTB.E1: III - Numa acção especial emergente de acidente de trabalho, sujeita ao regime previsto pela Lei 98/2009, reclamando a ascendente do falecido sinistrado o direito à pensão por morte, e, mostrando-se provado, na fase do saneador, que a mesma, é viúva e aufere uma pensão de valor superior à pensão social, a mesma não pode preencher os requisitos legalmente exigidos para a qualidade de beneficiário. Tal questão, porém, tem a ver com o mérito da acção.
Ac. do TRC de 28/11/2013, 1124/11.4TTLRA.C1: I – De harmonia com o disposto nos artigos 49/1-d e 57/1-d da LAT (Lei 98/2009, de 4/09), só tem direito a pensão por morte do sinistrado o ascendente que aufira rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro desse valor. II – Ao fazer-se corresponder o “valor mensal” dos rendimentos auferidos pelo ascendente ou ascendentes ao valor da pensão social, a única interpretação possível do disposto no art. 49/1-d da LAT é que o valor dessa pensão social corresponde ao montante mensal legalmente fixado para tal pensão e já não ao duodécimo do montante global auferido anualmente, incluindo o 13º e o 14º meses.
Ac. do STJ de 11/12/2013, proc. 631/03.7TTGDM-A.P1.S1: I - Ao abrigo da Lei 100/97, as pensões dos beneficiários, em caso de morte do sinistrado num acidente de trabalho resultante de uma actuação culposa do empregador, correspondem à retribuição anual da vítima, distribuída por cada um deles nos termos estabelecidos no artigo 20.º, da citada lei. […]
Ac. do TRL de 09/07/2014, proc. 172/12.1TTFUN.L1-4: I - De acordo com o preceituado nos artigos 49/1-d e 57/1-d da Lei 98/2009, de 04/09, só têm direito a pensão por morte do sinistrado o ascendente que aufira rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro desse valor. II - Assim, e adoptando a actual lei infortunística laboral um critério distinto da anterior LAT (art. 20/1-d da Lei 100/97), ainda que se prove que o sinistrado contribuía regularmente para o sustento dos ascendentes e que estes careciam desse auxílio, desde que os rendimentos destes excedam esses valores, não lhe assiste o direito a pensão por morte do primeiro.
Ac. do TRE de 30/03/2017, 1983/15.1T8PTM.E1: O reconhecimento da titularidade do direito à pensão, conferido a ascendentes pelo art. 57/1-d da Lei 98/2009, de 04/09, depende da prova em juízo, que a eles incumbe, da situação económica prevista no art. 49/1-d do referido diploma.
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Ou seja, a jurisprudência laboral, bem ou mal não interessa para o caso, sempre considerou que um dos requisitos do direito de indemnização da perda, por um ascendente, da contribuição que um descendente lhe fazia regularmente, dependia, ainda, da carência dessa contribuição para o ascendente, ao arrepio, claramente, da jurisprudência cível sobre questão paralela.
E isso não mudou mesmo com a Lei 98/2009 a qual, ela sim, veio  aditar um requisito para a atribuição da pensão ao ascendente (que, diga-se, como acima se disse, pode ser visto como o requisito que concretiza a necessidade da pensão e, por isso, se pode dizer que até então não existia; ou seja, que ele não é um 3.º requisito mas o 2.º requisito, da necessidade, concretizado e criado com esta lei):
Artigo 57 - Titulares do direito à pensão por morte
1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
[…]
d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º [: “com rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu conjugue ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor.]
*
Entretanto, fique já esclarecido, a ré, embora como advogada da autora, nas alegações de revista acrescentava ainda mais um requisito para a atribuição da pensão aos ascendentes; mas sem razão, porque, como resulta do acórdão do STJ de 17/01/1985 embora referente a norma com número diferente mas com conteúdo idêntico, e resulta hoje ainda mais claro com o confronto com o disposto no art. 57/1-c da Lei 98/2009, que contém a matéria desse requisito em causa, ele só se refere aos filhos e adoptados, não aos ascendentes.
Assim:
Artigo 57 - Titulares do direito à pensão por morte
1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
[…]
c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º; [1 - Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições: a) Idade inferior a 18 anos; b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado; c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado; d) Sem limite de idade, quando afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.]
*
Em suma: a nível ao Direito não há dúvida que os tribunais da relação e o STJ exigiam, em 2007 e 2008, como já antes exigiam e continuaram e continuam a exigir ainda hoje, para além do requisito da contribuição regular, o requisito da necessidade da contribuição do descendente.
*
Sendo um dos requisitos da procedência do pedido a prova de que a autora estava numa situação de necessidade da contribuição que o filho lhe enviava com regularidade, este requisito, mesmo sem o facto 9, podia considerar-se preenchido?
É esta, no fundo, a tese da ré enquanto advogada da autora na revista intempestiva que interpôs para o STJ e, adiante-se desde já, considera-se que está correcta.
Tendo em conta os factos dados como provados pelo TRL, sabe-se que:    
A autora, mãe do sinistrado, era solteira e pessoa doente [factos S e U]; o filho/sinistrado, que auferia 426,47€€ do seu trabalho por conta de outrem [factos A e M], contribuía regularmente com uma quantia que variava entre 150€ e 300€ para o seu sustento [facto W]; a autora não recebia qualquer pensão social ou assistência do Estado [facto S].
Ora, com estes factos, tendo em conta alguma da jurisprudência citada acima – principalmente o STJ de 24/01/2007, proc. 06S2711, transcrito em grande parte pelo ac. do TRL proferido em recurso da sentença do TT [nesse caso do STJ, por exemplo, a mãe, beneficiária, trabalhava nas limpezas por conta de outrem, recebendo um rendimento desse trabalho e não há, nem se exige, qualquer confronto entre rendimentos e despesas, ao contrário do que parecem exigir outros acórdãos que tratam da questão quase como se estivesse em causa a fixação da uma prestação alimentar] - era perfeitamente possível concluir que a autora tinha necessidade do dinheiro com que o seu filho contribuía para a sua subsistência.
Veja-se:
O salário mínimo nacional em 2003 era de 356,60€ (DL 320-C/2002, de 30/02). O SMN corresponde a um valor estimado como equivalente ao mínimo necessário para que um trabalhador possa viver, supostamente, com o mínimo de dignidade humana (veja-se, por exemplo, o que sobre isto consta do ac. do TRL de 15/09/2022, proc. 1496/19.2T8LSB.L1-2). O filho auferia um salário 19,60% mais elevado que o salário mínimo nacional. Por isso, a retirada, regular, de 150 a 300€ - um a dois terços daquele salário -, para entregar à mãe (solteira, doente, sem qualquer pensão ou assistência do Estado), para o sustento dela, não correspondia, de certeza, a um capricho dele. De resto, é isso mesmo que resulta do facto W, onde se diz que esse valor era para o sustento da mãe. Não faz parte da lógica das coisas, nem daquilo que o mais das vezes acontece, que alguém que ganha pouco mais do que o SMN se desfaça regularmente de 1 a 2/3 dele, para o dar para o sustento da mãe, solteira, doente, sem pensão nem assistência do Estado, se esta não carecesse dessa contribuição (acrescente-se, ainda, mas em excesso de fundamentação, que com a identificação das partes e com discussão ocorrida, se sabia que se estava a discutir o direito de uma Senhora guineense pela morte de um filho a trabalhar em Portugal como emigrante. Ora, segundo as regras da experiência comum das coisas, daquilo que o mais das vezes acontece, sabe-se, principalmente em Portugal, país de emigração permanente desde há séculos, que as famílias não se separam, com os filhos a irem viver para países distantes, para receberem salários que mal dão para o mínimo necessário para viver, e que apesar disso remetem parte desse salário regularmente aos pais, se estes não precisarem da ajuda dos filhos para viver).
Por isso, mesmo sem o facto 9, era perfeitamente natural que o STJ alterasse a decisão de direito com base na conclusão, retirada daqueles factos provados, de que a autora tinha necessidade da contribuição que o filho lhe prestava (pelo que a seguradora não tem razão quando escreve que “ainda que tivesse sido interposto recurso de revista tempestivamente, não vislumbramos que o mesmo pudesse alterar a decisão recorrida – o que significa que, da extemporaneidade do recurso de revista não resultou qualquer dano para a mãe do autor”; tal como a não tem a ré advogada quando escreve nas contra-alegações que: a probabilidade de verificação de um resultado favorável às pretensões da falecida […] caso a ré tivesse apresentado o recurso para o STJ dentro do prazo era praticamente inexistente.)
E o STJ tinha competência para alterar o decidido, porque se tratava de uma conclusão retirada dos factos provados como decorre do que antecede.
Neste mesmo sentido, veja-se o que diz, de novo, o ac. do STJ de 24/01/2007:
“[A]o concluir dos factos dados como provados que os autores “careciam, efectivamente, desta contribuição para o seu sustento”, é defensável afirmar-se que o tribunal recorrido estava, ainda, a emitir um juízo (de valor) sobre matéria de facto. Acontece que não podemos esquecer que tal juízo de valor corresponde à afirmação da condição estabelecida na citada alínea d do art. 20 da LAT - que, como se referiu, se desdobra em dois requisitos (regularidade e necessidade) -, o que lhe confere um manifesto sentido jurídico. Com efeito, ao concluir dos factos dados como provados, onde se inclui o facto notório [o facto notório, introduzido pelo TRL, era: “um dado comum (e que, por isso, não carece de demonstração) que a necessidade de realização deste tipo de trabalho (de limpeza) decorre, em regra, da verificação de situações de precariedade de rendimentos”], que os pais da vítima careciam do contributo mensal do filho para o seu sustento, o tribunal mais não faz do que concluir pela verificação do pressuposto da “necessidade”, integrante da condição prevista naquela disposição.
Não se estando perante uma presunção judicial, impõe-se apreciar se o juízo de valor jurídico emitido pela Relação está ou não correcto. E a resposta, como atrás já se antecipou, não pode deixar de ser afirmativa, face aos factos dados como provados, apreciados no seu conjunto (contribuir mensalmente o trabalhador/sinistrado para a alimentação dos pais, estar o pai desempregado, dedicar-se a mãe a trabalhos de limpeza, sabido que o recurso a estes trabalhos está associado a situações de precariedade de rendimentos, e não terem aqueles outras fontes de sustento).
Era, assim, lícito concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, no sentido da verificação da necessidade do contributo do sinistrado para sustento dos ascendentes, para efeitos de aplicação do citado art. 20/1-d, sendo certo que a “necessidade”, para este efeito, não tem que ser absoluta nem total, nem aferir-se por padrões de mínima subsistência ou indigência.
Mesmo sem terem sido alegados, em concreto, quais os rendimentos auferidos pela autora com os trabalhos de limpeza, nem as despesas dos autores, os factos apurados pelas instâncias são suficientes para suportar aquele juízo de valor jurídico.”
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Entretanto, diga-se que a 2.ª parte da conclusão 7 do autor - “saber se o caso de trabalhar na agricultura doméstica é ainda considerar-se doméstica para os efeitos jurídicos em causa, era, devia ser e é inequívoca matéria da competência do STJ […]” – esquece que não consta dos factos provados que a autora trabalhasse na agricultura doméstica e que, portanto, o STJ não poderia fazer qualquer construção com essa base (embora com o acrescento referido acima talvez já a tivesse que fazer).
Na mesma linha, é errada a argumentação das contra-alegações da seguradora ao dizer que “Ao contrário do alegado pelo autor recorrente, o recurso de revista para o STJ não poderia alterar a matéria de facto assente. Isto é, o STJ não poderia ter alterado a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, designadamente, o facto dado por provado, de que [a mãe do autor] vivia da agricultura, não sendo, por isso, doméstica.” O TRL não deu, de modo algum, como provado isto. O TRL limitou-se a eliminar a resposta ao quesito 9, ou seja, a retirar dos factos provados o facto T e o acrescento referido acima não dá suporte, nem de longe, à conclusão, da seguradora, de que a autora vivia da agricultura.
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Voltando ao que se estava a dizer, considera-se que a procedência do recurso da autora era provável, só com aqueles factos.
E essa probabilidade era maior se aos factos provados fosse acrescentado o facto retirado pelo TRL, isto é, que a autora era doméstica (no sentido, claro, no contexto, de dona de casa, sem remuneração), mesmo que com o acrescento de que também retirava, dos trabalhos no campo, frutos naturais para o seu consumo.
Ora, já se viu acima que o TRL não teria com grande probabilidade eliminado aquela resposta/facto se a advogada da autora tivesse apresentado contra-alegações tempestivas (com o conteúdo que tinham as alegações da autora na revista) e o TRL as pudesse ter tido em consideração.
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Em suma: se a ré, como advogada da autora, tivesse contra-alegado tempestivamente no recurso de apelação era muito provável que o recurso da entidade patronal seria improcedente e que, portanto, a mãe do autor não teria perdido a pensão que lhe tinha sido atribuída pelo TT. E, mesmo sem isso, se a advogada da autora tivesse interposto recurso de revista tempestivo, era possível, que o acórdão do TRL que decidiu em sentido contrário fosse revogado e substituído por outro que repristinasse a sentença do TT, mesmo sem a resposta positiva ao quesito 9.
Sendo assim, não se pode dizer, como o faz a ré advogada nas contra-alegações do recurso, “mal-grado as [suas] obrigações estatutárias […], nomeadamente os deveres estatuídos no art. 100/1-b do E.O.A., sempre será uma faculdade de exercício e de livre escolha do mandatário optar pela estratégia “A” ou proceder com uma resposta “B”, não podendo ser constrangido ou “obrigado” a praticar qualquer acto que entenda individualmente não dever praticar, não podendo da prática de um acto, extrapolar-se qualquer ilicitude no cumprimento do mandato.”
Um advogado não pode deixar de contra-alegar num recurso, quando desse recurso pode resultar a revogação de uma decisão que reconhece um direito indemnizatório ao seu cliente e as contra-alegações podem diminuir esse risco, como no caso dos autos. Tal como não pode deixar de recorrer contra uma decisão que revoga uma sentença que atribui uma indemnização ao seu cliente, pois que, sem esse recurso, o desaparecimento dessa indemnização se torna definitivo.
Isto é o que decorre, entre o mais, dos artigos 92/2 [: O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas] e 95/1 [: Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: […] b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade; […] e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas] do EAO da Lei 15/2005 de 26/01 [era este o Estatuto que estava em vigor à data].
Nos termos do ac. do STJ de 24/03/2017, proc. 389/14.4T8EVR.E1.S1, o tipo de situações referidas acima, “estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio”, o qual lembra que “na jurisprudência têm sido considerados integrativos de falta de diligência profissional casos como os de falta de contestação no prazo legal (acórdão do STJ de 01/07/2014, proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1), omissão de interposição de recurso (ac. do STJ de 04/12/2012, proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1; ac. do STJ de 04/07/2013, revista 298/10.6TBAGN.C1.S1) ou da sua falta de tempestividade (ac. do STJ de 11/07/2013, revista n.º 5030/04.0TBCSC.L1.S1) […].”
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Assim sendo, este TRL chega à conclusão oposta a que chegou a sentença recorrida, isto é, de que a exigência feita pelo AUF 2/2022, do STJ de 05/07/2021, publicado no DR Iª série, de 26/01/2/2022, de que “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério” está preenchida (não tendo, por isso, razão a seguradora quando, nas contra-alegações, diz que “o entendimento não poderá ser outro que não a ausência total de dano, ainda que da óptica da perda de chance, pelo que só poderá ser a seguradora absolvida do pedido, porquanto não estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por parte da ré advogada, não se verificando, por isso, a transferência de qualquer responsabilidade para a seguradora.”)
Estão assim preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, também o dano, o único que era negado pela sentença recorrida.
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Assim sendo, trata-se agora de fixar a indemnização devida por esse dano, que não é o dano final da perda da acção, mas o dano da chance ou oportunidade de não ter perdido a apelação ou de ter ganho a revista (em relação aos quais se verifica o nexo de causalidade – art. 563 do CC -, da forma demonstrada acima), se não fosse o comportamento ilícito (por falta de cumprimento do contrato de mandato) da ré como advogada da mãe do sinistrado.
O cálculo da indemnização desse dano deve ser feito, nos termos propostos por Rute Teixeira Pedro, Responsabilidade civil do médico, páginas 228-231 (mais desenvolvido agora nas Reflexões sobre a noção de perda de chance à luz da jurisprudência, num e-book do CEJ de 2018, páginas 208-209), assim: “[…] por um lado, determina-se a utilidade económica alcançada com a verificação do resultado final; por outro lado, afere-se a probabilidade de o alcançar; o montante da indemnização traduz-se no valor daquela utilidade reduzida em proporção de um coeficiente que se refira a esta probabilidade” (citada por Paula Távora Vítor, Crédito compensatório e alimentos pós-divórcio, Almedina, Out2020, págs.166-169 e 352-353). Quando não for possível fixar o grau de probabilidade (de uma oportunidade consistente e séria), a indemnização será fixada com recurso à equidade.  
Assim, por exemplo, o acórdão do STJ de 14/09/2023, proc. 4202/17.2T8BRG.G1.S1: […] a indemnização a arbitrar pela perda de oportunidade não visa compensar um prejuízo efectivo, mas apenas uma probabilidade de o mesmo ter ocorrido, pelo que o valor do benefício que a oportunidade perdida poderia proporcionar ao lesado deve ser deduzido de um coeficiente de redução proporcional ao grau de probabilidade de o obter. Como já acima constatámos não foi definido na matéria de facto apurada um grau de probabilidade quantificado da chance […]. Apenas se ajuizou, perante a factualidade apurada que essa probabilidade era séria e consistente, sendo, por isso, a perda da respectiva oportunidade merecedora de uma compensação, justificando-se, por isso, nos termos do artigo 566/3 do CC, que se arbitre o montante indemnizatório, com recurso a um juízo de equidade, que pondere todas as circunstâncias do caso.
Ac. do STJ de 05/05/2020, proc. 27354/15.1T8LSB.L1.S2: […] IV. Para o cálculo do dano da perda de chance, deve fazer-se uma dupla avaliação: em primeiro lugar, a avaliação do dano do dano final para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se deverá aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, sendo que o resultado de tal operação constituirá a indemnização a atribuir pela perda de chance. V. Só não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal julgará com recurso à equidade em conformidade com o disposto no art. 566/3 do CC.
No caso dos autos, o resultado final da acção originária está demonstrado pela sentença do TT: uma pensão anual vitalícia de perto de 6000€ anuais, logo, muito superior ao valor da indemnização pedida pelo autor, que era de 30.000€.
A probabilidade da mãe do autor – cujo direito está agora encabeçado no autor – manter essa indemnização se não fosse o incumprimento do contrato pela ré como sua advogada, era, como se viu, elevada, bem acima dos 50%.
Tendo o autor, no recurso, “reduzido” o pedido para 15.000€, torna-se desnecessário estar a concretizar melhor o grau de probabilidade acima dos 50%, pois que o valor de 15.000€ sempre seria ultrapassado, o que não seria lícito por força do limite imposto por aquele pedido feito no recurso.
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Da responsabilidade da seguradora
Esta questão (que inclui, também, por força do art. 320 do CPC, a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado) não foi apreciada pelo tribunal recorrido por estar prejudicada pela decisão de improcedência do pedido de indemnização pela perda da chance. Sendo esta revogada, impõe-se o conhecimento daquela, por força do art. 665/2 do CPC.
Para o efeito foi dado cumprimento ao art. 665/3 do CPC: o autor voltou a dizer que esta questão só dizia respeito à ré advogada e à seguradora, pelo que não se pronunciou sobre ela; a seguradora repetiu aquilo que já tinha dito na contestação e aproveitou para se pronunciar (em cerca de 1/3 da peça) sobre a questão principal sem o poder fazer; a ré advogada nada disse.
Posto isto,
Para já os factos que importam para a decisão desta questão:
A\ A seguradora ré celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice de seguro n.º … [a seguradora refere o n.º 22A e a apólice que junta refere o n.º 21A e diz respeito ao período de 01/01/2021 a 01/01/2022, sendo que a seguradora não põe em causa o n.º 20A indicado pela ré advogada, pelo que se considera que é uma questão de anos e de períodos, sendo a apólice igual para todos eles].
B\ O primeiro contrato de seguro anual teve data de início a 01/01/2018, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes, correspondentes às anuidades de 2019, 2020, 2021 e 2022.
C\ A ré seguradora assumiu perante o Tomador de Seguro – Ordem dos Advogados – nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
D\ Garante os prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros no âmbito do exercício da advocacia, até ao limite de capital seguro [150.000€ por sinistro - cláusula 6.A- das condições particulares] e nos termos expressamente previstos (e não excluídos) nas referidas condições particulares – cfr. artigo 2/1 das Condições Especiais do Contrato.
E\ Estabelece-se uma franquia de 5.000€ por sinistro, não oponível a terceiros lesados (cláusula 10ª das condições particulares).
F\ Segundo a o artigo 1.8 das condições especiais, Data Retroactiva é expressão que tem a seguinte definição: Data a partir da qual o dolo, erro, omissão ou negligência cometidos pelo segurado são abrangíveis por esta apólice, caso venha a ocorrer reclamação durante o período de seguro. Para efeitos da presente apólice, o período de retroactividade é ilimitado, de acordo com as Condições Particulares.
G\ Nos termos previstos no artigo 3/-a das condições especiais – exclusões - “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.
H\ Nos termos do art. 4 das condições especiais - DELIMITAÇÃO TEMPORAL - É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que apresente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou b) Contra o segurador em exercício de acção directa; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroactiva.  
I\ Nos termos da cláusula 7 - ÂMBITO TEMPORAL – das condições particulares: O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade.
J\ O autor, em nome próprio e em representação da mãe, moveu em 27/05/2015 processo disciplinar contra a ré advogada relativamente aos factos aqui em discussão, o qual correu termos junto do Conselho de Deontologia de Lisboa, sob o n.º de processo …/2015-L.
K\ Na sequência da referida participação e, consequente, abertura de processo disciplinar, foi proferida, em .../…/2017, decisão de arquivamento, com fundamento em que se encontrava precludido desde 2013 o prazo de propositura da acção, uma vez que já haviam decorrido mais de cinco anos, contados desde 2008.
Os factos A\ e I\ estão admitidos por acordo, já que não foram impugnados quer pelo autor quer pela ré advogada; os factos J\ e K\ estão admitidos por acordo, por terem sido alegados quer pelo autor quer pela ré advogada e aceites pela ré seguradora; todos eles são agora aditados aos factos provados, por este TRL, ao abrigo do disposto nos artigos 663/2 e 607/4 do CPC.
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Os factos provados, eficazes em relação à ré seguradora, não incluem a apresentação intempestivas das contra-alegações na apelação, como se explicou acima. Mas também já se disse acima que mesmo sem a eliminação do facto correspondente à resposta ao quesito 9, era bem provável que o STJ revogasse o acórdão do TRL por poder chegar à conclusão de que a autora necessitava da contribuição do filho, pelo que, tendo em conta a transferência, por força do contrato de seguro, da responsabilidade da ré advogada para a seguradora, incluindo a derivada de factos que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da apólice, a seguradora deve ser condenada no pagamento da indemnização concretizada acima.
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A ré seguradora quer beneficiar da cláusula de exclusão 3/-a do contrato de seguro, porque, na data de início do contrato de seguro, 01/01/2018, a ré advogada tinha perfeita e absoluta consciência de factos/circunstâncias [são os factos J\ e K\] que, com grande razoabilidade, podiam gerar reclamação e/ou acção judicial de responsabilidade civil; não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência desse risco.
Mas, até ao momento em que foi deduzida esta acção, depois da qual a ré advogada fez intervir a seguradora, a ré advogada não tinha nenhuma razão para saber que contra si (ou uma seguradora) ia ser dirigido um pedido de indemnização pelos factos relativos ao processo intentado no TT. Com efeito, até então nunca tinha sido formulado tal pedido e em 2015 – mais de 7 anos depois dos factos – apenas foi apresentada uma participação contra ela na Ordem dos Advogados, que foi arquivada em meados de 2017 por prescrição. Ou seja, não há razão para dizer que antes desta acção a ré advogada teve conhecimento de factos ou circunstâncias que pudessem razoavelmente fazer esperar que ela ou uma seguradora viessem a ser demandadas civilmente.
Em suma, não se encontra preenchida a cláusula de exclusão da cobertura do contrato de seguro que transferia a eventual responsabilidade civil da ré, enquanto advogada, para a seguradora, pelo que a seguradora deve responder no lugar da advogada a pagar a indemnização que era da mãe ao autor e que foi adjudicada ao autor. Mas perante o lesado, respondem ambas, solidariamente.
De qualquer modo, e como refere o ac. do TRE citado abaixo e invocado pela própria seguradora, “em caso de responsabilidade profissional civil de advogado, não é oponível ao cliente lesado a falta de participação do sinistro à Seguradora por parte daquele advogado.” Isto porque está em causa o seguro referido no art. 104 do actual EOA (o aplicável no caso). “É notório que esta norma impõe a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de todos os advogados portugueses não suspensos, pelo que se trata de um seguro obrigatório [neste sentido, vide o ac. do TRL de 22/09/2015, proc. 1496/09.0YXLSB.L1-1], pretendendo realizar o interesse público da salvaguarda da posição do cliente do advogado, garantindo-lhe a efectividade do direito de indemnização perante a actuação do advogado geradora de responsabilidade. Daí que não seja oponível ao lesado a falta de participação do sinistro por parte do [réu advogado], como resulta do art. 101/4 do DL 72/2008, de 16/04 […], sendo inoponíveis ao lesado, as excepções de direito material fundadas nas relações estabelecidas entre o tomador do seguro e/ou o segurado e a seguradora, máxime, quando as mesmas se prendem com o incumprimento por parte do segurado de deveres contratualmente fixados, sem prejuízo do exercício do direito de regresso por parte da seguradora [como diz o ac. do STJ de 26/06/2015, proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1]; conclui-se, pois, que a falta de participação por parte do [réu advogado], não implica a desresponsabilização da […] ré seguradora pelo cumprimento das coberturas acordadas no contrato de seguro descrito nos autos – assinalando-se que seria absurdo que a autora, lesada pela defeituosa actuação profissional, ficasse ainda mais desprotegida pelo incumprimento do dever contratual de participação do sinistro por parte do [réu advogado].”
(no mesmo sentido, o ac. do TRE de 05/11/2020, proc. 4606.18.3.7T8STB.E1); e também o ac. do STJ de 16/12/2020, proc. 17592/16.5T8SNT.L1.S1: Significa isto, tal como se afirmou nos acórdãos do STJ, de 16/05/2019, proc. 236/14.7TBLMG.C1.S1, e de 11/07/2019, proc. 5388/16.9T8VNG.P1.S1, que, no confronto da cláusulas contratual prevista no artigo 3/1-a das Condições Particulares da Apólice […], com a norma imperativa do art. 101/4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL 72/2008, de 16/04, prevalece esta última, pelo que não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as excepções de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respectivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo. No mesmo sentido, cf. ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 14/12/2016, proc. 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, e de 26/05/2015, processo 231/10.5TBSAT.C1.S1)
Pelo que esta excepção sempre teria de ser julgada improcedente em relação ao autor.
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A ré segurada invoca a existência de uma franquia de 5.000€, para defender que o valor da mesma deve ficar a cargo da ré advogada
Refere, nesse sentido, o acórdão do Tribunal de Évora de 08/11/2018, processo n.º 139/14.5T8BJA.E1: Foi assim estabelecida uma franquia ao capital seguro, como permitido pelo art. 49.º, n.º 3, do DL 72/2008, tratando-se de uma parcela da indemnização que ficará exclusivamente a cargo do segurado e que será deduzida do valor a pagar pela 3.ª ré Seguradora. José Vasques explica que a franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe e que normalmente é o segurado. O que importa é que ao pagar a indemnização a seguradora deduza logo aí o valor da franquia. A franquia tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade do segurador em pequenos sinistros, obstando aos custos administrativos inerentes. Deste modo, reconhece-se à 3.ª Ré Seguradora o direito de deduzir na indemnização o valor da franquia contratualmente acordada, procedendo nesta parte a ampliação do âmbito do recurso que deduziu.
A ré seguradora, esquece, no entanto, que no caso do contrato de seguro em causa nos autos, a franquia, como se viu, não é oponível aos terceiros lesados, ou seja, ao autor, precisamente ao contrário do que acontecia no caso do seguro analisado no ac. do TRE invocado pela seguradora. Pelo que a ré advogada fica responsável por 5000€, mas apenas perante a seguradora, respondendo esta integralmente perante o autor.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por este acórdão que julga a acção parcialmente procedente, condenando-se agora solidariamente a ré advogada e a seguradora a pagarem ao autor 15.000€ de indemnização e a ré advogada a reembolsar a seguradora dos 5.000€ de franquia.
Custas de parte, na acção, pelo autor e pelas rés, em partes iguais.
Custas de parte, no recurso, pelas rés (em partes iguais).
Lisboa, 07/03/2024
Pedro Martins
Paulo Fernandes da Silva
Inês Moura