Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
474/23.1T8TVD.L1-4
Relator: LUZIA CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
MOTIVAÇÃO
PERÍODO EXPERIMENTAL
DENÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1 - O contrato de trabalho temporário deve conter a indicação do respetivo motivo justificativo, através da menção concreta dos factos que o integram, sob pena de, omitindo-se o motivo ou sendo insuficiente a sua indicação, se considerar que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo.
2 – A suficiência da indicação do motivo da contratação não se confunde com a subsunção do motivo indicado àqueles que permitem a celebração do contrato nesta modalidade, sendo aquela condição de apreciação desta.
3 - Não estando a denúncia do contrato de trabalho no período experimental subordinada à invocação de qualquer motivo, não têm relevo modificativo da sua natureza os motivos invocados, o formalismo adoptado ou a qualificação dada para tal efeito extintivo.
4 - A demonstração dos factos reveladores do abuso de direito, conducente à paralisação dos efeitos da cessação do contrato no período experimental, compete ao autor (art.º 342.º do Código Civil).
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
        
Relatório
AA, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AC Consulting - Empresa de Trabalho Temporário Lda, pretendendo que a cessação do contrato de trabalho que lhe foi comunicada pela ré seja declarada como equivalente a um despedimento ilícito e nulo e que esta seja condenada a pagar-lhe:
a) €2.115,00 a título de indemnização por cessação ilegal de contrato de trabalho;
b) as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da ação a que acrescem as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, designadamente retribuições mensais normais e as referentes a férias, subsídios de férias e de Natal;
c) €5.000,00 de indemnização por danos morais;
d) €30,53 por retribuição de trabalho suplementar.
Subsidiariamente, para o caso de improcedência do pedido de declaração de ilicitude do despedimento, peticiona a condenação da ré no pagamento das retribuições vincendas por via da renovação sucessiva do período inicial de 31 dias de contrato até ao máximo legal, no valor de € 4.935,00.
Para tanto alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré com efeitos a partir de 03/03/2022 para exercer funções como empregada de refeitório na cantina da S___, em Torres Vedras, trabalhando 40 horas semanais e auferindo € 705,00 mensais de retribuição.
Apenas no final do mês de março lhe foi enviado, para assinar, juntamente com variada documentação, um contrato de trabalho temporário com a Ré, com data de início a 03/03/2022 e termo a 02/04/2022, invocando que, por falta de redução do contrato a escrito na data do seu início, o contrato deve ser considerado sem termo, o mesmo acontecendo por o mesmo não conter a descrição circunstanciada do motivo justificativo da celebração do contrato a termo certo
Mais alega que na semana de 28 a 31 de março recebeu em sua casa comunicação da ré, datada de 22/03/2022, transmitindo-lhe a cessação do contrato com efeitos a 06/04/2022, tendo prestado efetivo trabalho pela última vez no dia 01/04/2022, o que considera configurar um despedimento ilícito e que caso se considere não existir conversão do contrato de trabalho temporário para contrato de trabalho sem termo, teria a ré incumprido o pré-aviso de 15 dias previsto para a cessação de contrato por caducidade, pelo que o contrato se teria renovado por prazo idêntico ao inicial e terá assim direito às retribuições mensais relativas aos sete meses de contrato por cumprir por causa da cessação ilícita.
Alega ainda créditos salariais sobre a ré, incluindo relativos a um dia de trabalho suplementar, que no fim do mês de abril apenas recebeu €137,78 para fazer face às suas despesas diárias, e que esteve sem receber subsídio de desemprego até ao final de maio de 2022 pelo facto de a ré apenas ter cancelado a sua inscrição como trabalhadora na Segurança Social em 06/05/2022, vendo-se obrigada a pedir dinheiro emprestado para suportar as despesas normais do agregado familiar, composto também por dois filhos de 20 e 17 anos de idade, tendo, em consequência do despedimento e das dificuldades económicas sofrido grande desespero, ficado muito ansiosa e nervosa, tido perturbações do sono,  crises de tristeza, episódios de irritabilidade, sentindo-se humilhada e desanimada, sofrendo um intenso desgosto e ficado bastante abatida e desmotivada.
Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, a ré contestou, aceitando a celebração do contrato de trabalho com a autora com início em 03/03/2022 e termo em 02/04/2022, tendo no próprio dia 03/03/2022 enviado o contrato de trabalho temporário, via CTT, para a morada da Autora e que o mesmo nunca foi devolvido, assinado ou por assinar; que o contrato durou até ao dia 01/04/2022 data após a qual a Autora não mais se apresentou para trabalhar; que na sequência da comunicação da empresa utilizadora datada de 18/03/2022, no sentido de que não necessitava mais dos serviços da autora solicitando a cessação do contrato de trabalho, foi remetida à autora, no dia 22/03/2022, comunicação informando-a que o seu contrato de trabalho terminaria a 06/04/2022.
Mais alega que como à data em que a empresa utilizadora solicitou a cessação do contrato não havia recebido o contrato de trabalho assinado pela Autora, assumiu desde logo que se tratava de um contrato sem termo, pelo que o denunciou no decurso do período experimental, tendo indicado o cumprimento do aviso prévio apenas e só na medida em que a cliente disse que pretendia que aquela trabalhasse até ao dia 04/04/2022 e, por manifesto lapso de escrita, fez constar da carta que a cessação do contrato ocorreria a 06/04/2022, sendo que esta data ainda se compreendia no período experimental, inexistindo assim despedimento ilícito.
Apenas procedeu aos pagamentos à autora no final de abril, porque em regra faz os processamentos salariais no período compreendido entre o dia 21 de um mês a dia 21 do mês seguinte, pelo que sendo o dia 01/04/2022 o último dia trabalhado pela Autora, o processamento salarial e correspondente pagamento ocorreu apenas no final daquele mês de abril, e a comunicação da cessação do contrato à segurança social foi feita no prazo legal (até ao dia 10 do mês seguinte), não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade pelo não recebimento do subsídio de desemprego;
Finalmente alegou desconhecer a prestação de qualquer trabalho suplementar pela autora, que nunca lhe foi solicitado por si ou por intermédio da empresa utilizadora, nem a autora demonstra que o dia 5 de março fosse dia de descanso.
Peticionou ainda a condenação da autora como litigante de má-fé alegando que a mesma vem abusivamente exigir-lhe valores que sabe que lhe não são devidos.
Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador e dispensada a fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:
«1) Declaro que comunicação de cessação do contrato de trabalho descrita no ponto 10) dos factos provados consubstanciou um despedimento ilícito da Autora promovido pela Ré;
2) Condeno a Ré a pagar à Autora:
a) ... €2.115,00 (dois mil cento e quinze euros) a título de indemnização em substituição da reintegração;
b) ... as retribuições, incluindo subsídios de férias e de natal, no valor mensal (ilíquido) de €705,00 (setecentos e cinco euros), que a Autora deixou e deixe de auferir, desde 01.02.2023 até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzidas dos valores eventualmente recebidos pela Autora a título de subsídio de desemprego nesse mesmo intervalo temporal — que deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social - relegando-se a quantificação de tais montantes para posterior liquidação, em incidente a deduzir após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 358° e ss. do C.P.C.;
c) ... €800,00 (oitocentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
3) Absolvo a Ré do mais peticionado pela Autora;
4) Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.
 5) Condeno a Ré no pagamento de 5 (cinco) UC's de multa por litigância de má-fé.»
*
Inconformada a ré interpôs o presente recurso, pretendendo «pôr em crise a douta sentença no que respeita tanto à matéria de facto como à matéria de direito porquanto considera que o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto e errada interpretação e aplicação do Direito», pretendendo que a sentença seja revogada para o que apresentou as seguintes conclusões:
«A. Nos autos à margem referenciados, foi proferida sentença que julgou procedente a acção intentada pela autora, ora recorrida, tendo, consequentemente, condenado a ré, parcialmente, ora recorrente nos pedidos por aquela deduzidos.
B. A recorrente põe em crise a douta sentença no que respeita à matéria de facto bem como à matéria de direito.
C. O tribunal a quo, pronunciando-se acerca da prova produzida nos autos, deu como provados os factos que infra se transcrevem:
D. Em consequência da cessação do contrato a Autora sentiu um grande desespero, ficou muito ansiosa e nervosa, muitas vezes teve crises de tristeza, pois não conseguia entender nem aceitar o facto de ter sido ignorada e desprezada pela Ré, sentiu-se muito humilhada e tem medo de novas experiências no mercado de trabalho, sofreu um intenso desgosto, passou a ficar facilmente enervada por causa do cansaço psicológico de estar permanentemente a tentar aceitar e entender na situação em que ficou e que para si era injusta, ficou bastante abatida e prostrada, com auto estima muito baixa, sentindo-se muito desmotivada e afetada em termos emocionais sentindo alterações no sistema nervoso;
E. O Sábado, dia 5 de março, correspondia a um dia de descanso semanal da Autora
F. A Ré procedeu ao envio de e-mail com o seguinte teor:
“De: AC Consulting - Lisboa [mail…] Enviada: 2 de março de 2022 12:53 Para: 'IS-BB (Controlo Gestão)' Cc: 'CC'; 'AC Consulting - Lisboa' Assunto: FW: EMPREGADA REFEITÓRIO -TT Importância: Alta Boa Tarde Da. BB,
A senhora está confirmada para amanhã iniciar funções. Obrigada, Com os melhores cumprimentos DD”
G. O contrato identificado no ponto 7) dos factos provados foi enviado para a Autora no dia 03.03.2022;
H. O contrato identificado no ponto 7) dos factos provados nunca foi devolvido à Ré, assinado ou por assinar.
I. No dia 18.03.2022 a empresa utilizadora comunicou à Ré que não necessitava mais dos serviços da Autora pelo que deveria cessar o contrato de trabalho, tendo remetido à Ré e-mail com o seguinte teor: “De: IS-BB (Controlo Gestão) [mailto:…..] Enviada: 18 de março de 2022 10:35 Para: CC Cc: 'Lisboa' Assunto: RE: EMPREGADA REFEITÓRIO -TT Bom dia, Dra. CC, pretendemos a rescisão desta senhora, AA para dia 4 de abril. Obrigada, BB”
J. A Ré fez cessar o contrato identificado no ponto 7) dos factos provados por denúncia no decurso do período experimental de 90 dias, ao abrigo do artigo 112° do Código do Trabalho, tendo indicado o cumprimento do aviso prévio na comunicação referida no ponto 10) dos factos provados, apenas e só na medida em que a sua cliente disse que pretendia que a Autora trabalhasse até ao dia 04/04/2022 e tendo ali feito constar que a cessação do contrato ocorreria a 06/04/2022 por manifesto lapso de escrita.
K. A Autora deixou de comparecer ao trabalho no dia 01.04.2022 sem nada comunicar à Ré.
L. Retira-se da douta sentença que a convicção do tribunal a quo se fundou unicamente nas declarações de parte prestadas pela autora, servindo-se do depoimento prestado pelas testemunhas EE amigo da autora, e FF, seu actual companheiro, para justificar o valor que atribuiu a título de indemnização por danos não patrimoniais, conforme se demonstrará.
M. Assim, e no que concerne à qualificação do contrato de trabalho temporário como contrato sem termo por falta de assinatura e por insuficiência do motivo justificativo bem assim como quanto à existência de despedimento ilícito da autora fundou o tribunal a quo a sua convicção apenas e só nas declarações de parte da autora, desconsiderando por completo o depoimento prestado pela testemunha da ré DD.
N. Nas declarações de parte deve o juiz apreciar livremente as declarações de parte salvo se as mesmas constituírem confissão.
O. No entanto em relação aos factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação porquanto não se pode olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação.
P. É de todo insensato que, sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, documentais ou testemunhais, o Tribunal quo tenha dado como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos, sendo por demais evidente que as declarações da autora incorreram em detalhes oportunistas em seu favor e numa imagem de autoapresentação em que pretendeu dar a melhor imagem de si própria relatando detalhes que favoreciam a posição que sustenta.
Q. Acresce que as declarações de parte da autora não apresentaram qualquer respaldo na restante prova produzida, designadamente a prova documental junta aos autos pelo que o tribunal a quo não poderia decidir, como decidiu, apenas tendo em conta a versão dos factos trazida aos autos por quem neles tem interesse directo, ou seja, a autora, aqui recorrida.
R. No que respeita à qualificação do contrato temporário como contrato sem termo, por insuficiência do motivo justificativo sempre se dirá que dispõe o artigo 175.º do CT, que «O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos:
a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento;
b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da actividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador;
c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes de dia;
d) Realização de projeto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial
S. Por outro lado, relativamente à admissibilidade do contrato de trabalho temporário, decorre do disposto no artigo 180.º, n.º 1, do CT, que «O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização». No que respeita à indicação do respectivo motivo justificativo, importa ter em consideração que, por força do disposto no artigo 177.°, n.º 2, do CT, a indicação do motivo justificativo do contrato de utilização de trabalho temporário deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, estipulando o artigo 181.°, n.º 1, alínea b), que o contrato de trabalho temporário deve conter o motivo justificativo, «com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.° e 413.°, com as necessárias adaptações».
T. Ora, salvo melhor apreciação, no caso vertente a menção “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da Entidade Utilizadora identificada no presente contrato, no âmbito do seu objecto de prestação de serviços de restauração coletiva, originado pela adjudicação deste tipo de serviço pela S___ relativamente ao seu refeitório, sem garantia de renovação, pelo que a referida adjudicação possui natureza temporária no desenvolvimento de um actividade por natureza sujeita a flutuações.
U. O recurso pela Empresa Utilizadora à contratação de trabalhadores temporários advém assim da necessidade de realizar o serviço supra precisamente definido e não duradouro, o que se fundamenta nos termos do disposto na segunda parte da alínea g) do artigo 140° n° 2 da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro”
V. Não se apresenta como genérica, antes pelo contrário, na medida em que identifica de forma bastante BBa factualidade real e concreta que deu origem à celebração dos contratos de utilização de trabalho temporário e correspetivo contrato de trabalho temporário.
W. Apresentando-se o contrato de trabalho temporário celebrado entre autora e ré válido e com apresentação de conteúdo suficiente e adequado a demonstrar a justificação invocada face à duração estipulada para o mesmo.
X. Salvo melhor opinião do texto do contrato de utilização de trabalho temporário em apreço nos autos e do correspetivo contrato de trabalho temporário transparece claramente nexo causal entre os invocados motivos e a concreta necessidade de contratação da autora
Y. Mas caso assim não entendesse o tribunal a quo, nunca a decisão tomada poderia passar por considerar o trabalho prestado à ré em regime do contrato de trabalho sem termo na medida em que, a falta de correspondência e de nexo causal entre os invocados motivos e a concreta necessidade de contratação da autora, teria como consequência a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário e também a nulidade do contrato de trabalho temporário (cfr. artigos 176.°, n.º 2, 177.°, n.º 5, e 180.°, n.º 2, todos do CT).
Z. Nos termos do disposto no artigo 176.º, n.º 3, do CT, «No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º».
AA. De igual modo, resulta do disposto no n.º 2 do artigo 180.º do CT que «É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º».
BB. Verifica-se, consequentemente, uma concorrência de duas nulidades. Tal concorrência de nulidades está regulada pelo artigo 180.º, n.º 3, do CT, de acordo com o qual «...considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo...».
CC. Ou seja, da referida nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho em apreço decorre que o trabalho é prestado à ITAU - INSTITUTO TÉCNICO DE ALIMENTAÇÃO HUMANA, S.A., em regime de contrato de trabalho sem termo.
DD. Ora tal apreciação, implicaria a absolvição da ré, aqui recorrente, tendo em conta que por força do disposto no artigo 180.°, n.º 3, do CT, se considera que a autora prestava o seu trabalho à utilizadora do trabalho temporário, em regime de contrato sem termo e aquela, não foi chamada como parte nos presentes autos.
EE. Quanto à condenação por danos não patrimoniais, andou mal o tribunal a quo ao condenar a ré no pagamento da quantia de 800,00€ à autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
FF. Na verdade, não é suficiente alegar que o despedimento autora lhe causou danos não patrimoniais. Cumpre alegar, e provar, danos relevantes a tal título, isto é, danos graves.
GG. No caso em apreço, com relevo nesta questão apurou-se que em consequência da perda do salário pago pela Ré por força da cessação do contrato e da realização do desconto de €117,50 efetuado na sua retribuição a título de indemnização por falta de aviso prévio, aliada à impossibilidade de imediatamente voltar a receber subsídio de desemprego, a Autora deixou de conseguir suportar as despesas do seu agregado familiar e teve de pedir dinheiro emprestado a EE e que em consequência da cessação do contrato e da privação de rendimentos a Autora sentiu-se desanimada e preocupada por não ter meios económicos para conseguir enfrentar as despesas normais consigo e com os seus filhos, tendo sofrido perturbações do sono (apenas conseguindo dormir poucas horas por noite) durante os meses de abril e maio de 2022, e tido episódios de irritabilidade, designadamente com os seus filhos.
HH. Não é suficiente alegar que o despedimento autora lhe causou danos não patrimoniais. Cumpre alegar, e provar, danos relevantes a tal título, isto é, danos graves.
II. Ora na situação aqui trazida não ficaram provados quaisquer danos e muito menos danos patrimoniais graves.
JJ. Para além do tribunal a quo ter sob valorizado o depoimento da autora ainda interpretou de forma errónea o que as testemunhas da autora - EE e FF.
KK. Nos termos do n°1 do artigo 496° do C.C. são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que dano é todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de caracter patrimonial ou não, de outrem (vide Prof. Vaz Serra, BMJ n° 84, pag. 8).
LL. Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, máxime de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, págs. 85 e 86, ed. de 1976).
MM. Como tal, não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
NN. Ou seja, apenas quando o trabalhador demonstre que, em consequência de um despedimento ilícito, ou de um qualquer outro incumprimento contratual por parte da sua empregadora, sofreu danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito é que tem direito a ser indemnizado.
00. Tal como se refere em Acórdão da RL de 24 de maio de 2007 (Processo n° 07A1187) os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrente de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.
PP. Todavia, a avaliação da respectiva gravidade tem - e deve - aferir-se de acordo com um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos (vide Antunes Varela, Obrigações em Geral, I, 9a edição, p. 628).
QQ. Ora, constitui orientação jurisprudencial consolidada que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n°1 do artigo 496° do C.C.
RR. Cumpre assim destrinçar os que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação.
SS. Assim, é um dano considerável aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dqsi.pt.).
TT. No caso em concreto foi dado como provado pelo tribunal a quo que a autora deixou de conseguir suportar as despesas do seu agregado familiar e teve de pedir dinheiro emprestado a EE e que em consequência da cessação do contrato e da privação de rendimentos a Autora sentiu-se desanimada e preocupada por não ter meios económicos para conseguir enfrentar as despesas normais consigo e com os seus filhos, tendo sofrido perturbações do sono (apenas conseguindo dormir poucas horas por noite) durante os meses de abril e maio de 2022, e tido episódios de irritabilidade, designadamente com os seus filhos.
UU. Não ficou provada qualquer alteração ao estilo de vida autora em face do seu despedimento, na medida em que a autora continuou a fazer a sua vida com a normalidade de até então, não se afigurando que os danos alegados assumam um caracter de excepcionalidade, nem sequer de mediania, ou pelo menos que ultrapassem as fronteiras da banalidade em relação aqueles que sofre um qualquer trabalhador que é alvo de um despedimento e que justifiquem os montantes indemnizatórios atribuídos que se consideram completamente descabidos, despropositados, injustificados e excessivos tendo em conta não só o tempo de duração do contrato entre autora e ré - 15 dias de trabalho - como também o facto de se tratar de um contrato a termo certo, ou seja, um contrato que, contrariamente ao alegado e dado como provado não se podia afigurar com tão grandes perspetivas de futuro e de ascensão profissional.
W. Acresce que é completamente falso que a autora tenha ficado sem qualquer fonte de rendimento.
WW. Atente-se que o tribunal desconsiderou por completo, e nem sequer fez menção ao facto da autora (antes de iniciar a sua relação laboral com a ré) se encontrar a trabalhar num restaurante durante o período em que auferiu do subsídio de desemprego, ou seja, nunca ficou efectivamente sem qualquer tipo de rendimento, bem pelo contrário, auferiu de rendimentos pagos com os impostos de toda a sociedade portuguesa sem pagar os impostos inerentes a essa mesma actividade.
XX. Desconsiderou igualmente o Mmo. Juiz do Tribunal a quo as idades dos filhos que a autora estava preocupada em sustentar, 18 e 20 anos.
YY. De igual modo o tribunal a quo que valorizou o depoimento da testemunha EE para dar como provados os alegados danos não patrimoniais por aquela sofridos.
ZZ. Veio o tribunal a quo condenar a recorrente em litigância de má-fé por ter considerado que o seu comportamento foi desrespeitador da verdade e seriedade processuais, e incidiu sobre questão essencial do objecto do processo, sendo merecedor se censurabilidade em idênticos níveis.
AAA. Evidentemente não pode a ré, aqui recorrente, concordar com esta condenação.
BBB. Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave
a) Deduzir pretensão/oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa;
c) Praticar omissão grave do dever de cooperação;
d) Usar, de modo manifestamente reprovável, o processo ou os meios processuais, com o objetivo de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão - vd. n.º 2, art.º 542.º CPC.
CCC. A conduta processual da recorrente é desprovida de qualquer atuação dolosa, ou gravemente negligente, não sendo possível formular um qualquer juízo de censura sobre a mesma.
DDD. A recorrente estava legitimamente convicta dos fundamentos legais que entendeu serem aplicáveis ao caso.
EEE. Não se encontram preenchidos, no caso dos presentes autos, os requisitos do n.º 2, do artigo 542.º do CPC e, por tal efeito, nunca poderia a conduta da recorrente ser integradora do conceito jurídico da litigância de má-fé.
FFF. Pelo exposto se considera que nunca o tribunal a quo deveria ter condenado a aqui recorrente em litigância de má-fé na medida em que a mesma não violou nenhum dos normativos legais, nomeadamente o artigo 542° do CPC.»
*
A autora apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
«I - A Recorrente alega ter ocorrido erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto e errada interpretação e aplicação do Direito,
II - referindo, em resumo, e após elencar a totalidade dos factos dados como provados e não provados, que “retira-se da douta sentença que a convicção do tribunal a quo se fundou unicamente nas declarações de parte prestadas pela autora”, servindo-se apenas dos depoimentos prestados pelas 2 testemunhas por aquela indicadas para fundamentar o valor a atribuir a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo estes os únicos que parcialmente reproduz.
III - Ora, desde logo, tal afirmação peca por não ser fidedigna porquanto, ao contrário daquilo que a Recorrente sustenta, o Tribunal apreciou a prova e fundamentou a resposta dada aos factos dados como provados nas declarações da Autora, nos depoimentos das testemunhas indicadas por esta, no depoimento da testemunha indicada pela própria Ré, DD (tanto que as suas declarações foram documentadas no sistema habilus, rotação: 00.00.00 a 00.14.08 e a sentença delas faz referência) e, na sua maioria, conjuga tais declarações e/ou depoimento com toda a prova documental, que identifica, trazida que foi aos autos por ambas as partes.
IV - Além do que acima se disse, sempre se afirmará que o alegado pela Ré não consubstanciaria, ainda que verdadeiro fosse, uma errada apreciação da matéria de facto, não sofrendo a douta decisão de tal vício ou de qualquer outro.
V - Referindo-se na douta decisão recorrida, a propósito da fundamentação da matéria dada como provada, que “Ressalvados os factos admitidos por acordo das partes, por aceitação expressa ou falta de impugnação, o tribunal formou a convicção com base na apreciação crítica e conforme as regras de experiência comum das declarações de parte prestadas pela Autora e dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE (amigo da Autora há cerca de 20 anos), FF (companheiro da Autora, com quem reside em união de facto desde o verão de 2022, sendo namorados à data dos factos em apreço nos autos), e DD (administrativa de recursos humanos ainda trabalhadora da Ré - desde 2014 - embora já tenha apresentado rescisão do contrato, que ainda não produziu efeitos), conjugados com a prova documental junta aos autos (negrito nosso).”, nos termos que melhor se passam a enunciar por referência a cada um dos factos provados e não provados.
VI - Concretizando, de seguida, a douta decisão, expressa e especificadamente, quais confissões, declarações, depoimentos e/ou documentos em que se baseou para dar como provado cada ponto, cada facto, conjugando, sempre que possível, cada declaração ou depoimento com o documento relativo à matéria em questão, identificando-o pelo nome, número e, ainda, por remessa para as peças processuais aos quais foi (foram) anexo (anexos).
VII - Não colhendo, também por este motivo, a alegação da Ré/Recorrente no que toca à qualificação do contrato de trabalho temporário como contrato sem termo, por falta de assinatura e por insuficiência do motivo justificativo se ter fundado, apenas, na convicção do Tribunal e nas declarações da Autora/Recorrida, uma vez que na decisão o Tribunal aprecia o regime e os dois “planos que importam analisar relativamente ao CTT celebrado entre a Ré e a Autora: por um lado, a (in)observância da forma escrita; por outro lado, a insuficiência da concretização do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário.”
VIII - Chegando, sem dificuldade, à conclusão que a execução do contrato teve início sem que o mesmo estivesse previamente formalizado em documento escrito assinado por ambas as partes “pois que, embora se desconheça em que data a Ré redigiu e remeteu o contrato (já assinado pela Ré) à Autora, resulta comprovado que esta o recebeu e assinou em dia não apurado, mas não antes da semana de 21 a 25 de março de 2022. “e que
IX - ainda durante a sua execução (porque antes da data em que a Ré fez cessar os seus efeitos) foi suprida a falta de forma escrita em documento assinado por ambas as partes, ficando assim sanado o vício, não podendo qualquer das partes invocar a falta de documento escrito como fundamento para sustentar a qualificação do contrato como contrato sem termo “(sendo que a Ré sequer poderia invocar tal vício, mesmo que não tivesse ficado sanado, sob pena de incorrer em abuso de direito, pelas razões que adiante se explicarão)”.
X - As doutas alegações de recurso, apresentadas pela Recorrente, não respeitam o preceituado no art. 640.° do CPC., quanto à impugnação da matéria de facto vertida na decisão recorrida, à excepção (...) no que se refere à matéria da condenação em indemnização por danos morais, com todas as demais e legais consequências no que à “impugnação” da restante matéria de facto se refere.
XI - No que concerne à concretização do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário, verifica-se que os motivos/fundamentos indicados para justificar o recurso a este tipo de trabalho são “absolutamente genéricos e vagos, não explicitando em que medida existem necessidades temporárias de trabalho indispensáveis à celebração de tal modalidade de contrato de trabalho, nem permitindo estabelecer qualquer relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”, v. decisão recorrida.
XI - Como refere o Tribunal a quo, a este respeito, nem sequer se alega quando teria sido feita a adjudicação do serviço à empresa utilizadora nem por quanto tempo tal adjudicação teria sido feita e a referida justificação nem sequer contém factos que permitam concluir que a necessidade de trabalho seria temporária, nomeadamente que teria uma duração inferior aos dois anos de prazo máximo de celebração do CUTT e do CTT “(sendo que as necessidades temporárias ou transitórias do utilizador a que pretendam prover, devem reportar- se a necessidades que possam ser satisfeitas dentro dos limites máximos de duração legalmente estabelecidos para o contrato de utilização de trabalho temporário e, consequentemente, para o contrato de trabalho temporário)”.
XIII - A própria Sentença recorrida, após tecer as suas considerações quanto à insuficiência da justificação, aponta para o que está consignado no “Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/26/2010 - Processo: 240/08.4TTCLD.L1-4, “(...) II- As empresas de trabalho temporário, ao celebrarem contratos de trabalho temporário, quanto ao motivo justificativo da celebração desse contrato não se podem bastar com uma mera reprodução do motivo mais ou menos vago que possa ter sido utilizado entre ela e o utilizador como justificativo da celebração do contrato de utilização de trabalho temporário - a menos que a justificação constante deste contrato já contenha os factos e as circunstâncias que permitam uma cabal justificação do próprio contrato de trabalho temporário a celebrar -, antes deve preocupar-se em obter do utilizador os elementos necessários à efectiva concretização dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho temporário nos termos exigidos pela lei, elementos que este lhe deve fornecer.”.
XIV - Exigências essas de fundamentação/indicação do motivo justificativo, previstas no artigo 181°, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, que o Contrato de Trabalho Temporário em causa não cumpriu e que tem como consequência a passagem daquele ao regime do contrato de trabalho sem termo - cfr. artigo 181°, n.º 2, do Código do Trabalho, como foi o caso.
XV - Não restaram dúvidas ao Tribunal que a comunicação (escrita) de caducidade do contrato referida no ponto 10) dos factos provados, configura um despedimento ilícito, porquanto não se fundamenta em qualquer uma das situações em que é legalmente admissível o despedimento por iniciativa do empregador; não configura qualquer denúncia do contrato no período experimental, mas sim uma comunicação da caducidade do contrato, como ficou demonstrado pelo próprio documento, pelo recibo de retribuição de final de contas e pela comunicação da cessação do contrato à segurança social feita pela Ré, onde foi indicado como motivo da cessação “Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344° e 345° do Código do Trabalho)”, ou seja caducidade.
XVI - Antecipando o Tribunal a quo as alegações da Recorrente quanto à pretensa nulidade e/ou consequências jurídicas das suas faltas, desde logo faz constar na douta decisão que “a invocação da falta de documento escrito pela Ré para dessa forma qualificar o contrato como um contrato sem termo que permitisse assim a denúncia do contrato durante o período experimental (situação que não corresponde ainda assim ao fundamento da cessação do contrato operada nos termos da comunicação referida no ponto 10) dos factos provados) sempre seria de qualificar como abuso de direito, na modalidade “venire contra factum proprium”, nos termos do disposto no artigo 334°do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo próprio fim económico e social que o artigo 181°, n.º 2, do Código do Trabalho pretende assegurar ao determinar que em caso de falta de documento escrito se considera o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, conduzindo a uma situação de flagrante injustiça.
XVII - acrescentando, ainda, o Tribunal nessa mesma senda de ideias, que “nunca se poderia a Ré prevalecer da deficiente justificação da contratação que determina a efetiva conversão do CTT em contrato de trabalho sem termo, que apenas a ela pode ser imputada (...), para vir invocar uma denúncia do contrato em período experimental apenas possível num contrato de trabalho sem termo e já inviável no CTT. “
XVIII - No que se refere à indemnização por danos não patrimoniais, o dano resulta, desde logo, do próprio despedimento e da consequente privação do rendimento de trabalho que neste caso não pôde sequer ser atenuado pela imediata retoma do pagamento do subsídio, com gravidade suficiente para ser merecedora do modesto valor que foi decidido atribuir, tal como referido nos factos dados como provados 14) a 21), por referência à prova documental elencada na fundamentação desses mesmos factos/pontos e tal como resultou do depoimento da Recorrida (Autora) - ( dia 23/06/2023, declarações registadas em acta entre as 09h46 e as 10:27, minutos 10:16 em diante) e do das testemunhas EE (dia 23/06/2023, declarações registadas em acta entre as 10:28 e as 10:34, minutos 04.00 a 6.30)e FF (dia 23/06/2023, declarações registadas em acta entre as 10:35 e as 10:45, minutos 01. a 14.20).
XIX - Resulta dos autos, tal como manifesta a douta decisão recorrida, que a Ré veio alterar a verdade dos factos e deduzir uma oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, nomeadamente, ao invocar que fez cessar o contrato de trabalho mediante denúncia no período experimental, por alegadamente, ter logo à data da comunicação da cessação considerado que o CTT seria na verdade um contrato de trabalho sem termo, por não lhe ter sido devolvido o contrato com a assinatura da Autora, quando na verdade é manifesto que nunca pretendeu denunciar o contrato em período experimental mas sim comunicar a sua caducidade, concedendo à Autora um pré-aviso que apenas seria devido em caso de caducidade, pagando à Autora a €33,00 a título de compensação pela caducidade do contrato e comunicando a cessação do contrato à Segurança Social, indicando como motivo da cessação “Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344° e 345° do Código do Trabalho)”, litigando, por isso, com indisfarçável má-fé.
XX - Litigou, igualmente, com má fé, ao impugnar a totalidade dos factos e, em simultâneo, confessar alguns deles e/ou juntar documentos que os comprovam, pelo que, sem mais, deverá ser julgado improcedente o recurso e manter-se, ao invés, a decisão recorrida, nos termos e com os fundamentos nela invocados.
XXI - Por fim, e por mero dever de patrocínio, não se pode deixar de dizer que as doutas alegações de recurso, apresentadas pela Recorrente, não respeitam o preceituado no art. 640.° do CPC., quanto à impugnação da matéria de facto vertida na decisão recorrida, à execpção (...) no que se refere à matéria da condenação em indemnização por danos morais, com todas as demais e legais consequências no que à “impugnação” da restante matéria de facto se refere.»
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O recurso foi adequadamente admitido quanto à forma, modo de subida e efeito.
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Recebidos os autos neste tribunal, foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer com o seguinte teor:
«Interposto pela Ré, o objeto do recurso prende-se com o considerar-se se existiu cessação do contrato de trabalho por caducidade ou por denúncia no período experimental, se devia ou não ter sido atribuída à A. indemnização por danos morais e foi correta a condenação da R. como litigante de má fé.
Entendendo que se está perante despedimento por caducidade em contrato sem dependência de termo, por isso ilícito, a sentença recorrida condenou a recorrente no pagamento das compensações devidas, descontando-se o recebido a título de subsídio de desemprego e condenando a R. a pagar essas quantias à Segurança Social, atribui à A. indemnização por danos morais e condenou a R. como litigante de má fé por litigar, voluntária e conscientemente, com adulteração dos factos.
Inconformada, recorre a apelante de facto e de direito.
Do Facto:
A apreciação e valoração da prova faz-se à luz do princípio da livre apreciação da prova. Se a decisão, quanto à matéria de facto, foi feita segundo a prudente e fundamentada convicção do julgador, não havendo erro manifesto no juízo feito ou evidente desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal, não haverá fundamentos válidos para a mesma ser posta em causa.
Do confronto dos documentos com os factos com base nos quais foram os factos respetivos dados por assentes, não se encontraram erros de apreciação ou desconformidades, dizendo-se o mesmo em relação aos factos sobre que recaiu o acordo das partes, pelo que sempre se chegaria às mesmíssimas conclusões a que chegou o julgador “a quo”.
No mais, salienta-se o exaustivo e acertado elenco dos factos dados como provados e não provados, acompanhados, em relação a todos, de judiciosa, crítica, cabal, sistémica e bem fundamentada explicação sobre o sentido da decisão.
Por aqui, não merece a sentença sob sindicância reparo, seja por recurso às concretas análises realizadas sobre cada facto em discussão, seja com base nas regras da experiência comum e usos gerais.
Do Direito:
A A. e a R., celebraram contrato de trabalho temporário, considerado como contrato de trabalho celebrado sem termo, não por via de vício formal (a forma escrita foi garantida já na execução do contrato e assim convalidou o vício), mas por insuficiente fundamentação e falta de relacionamento cabal entre a fixação do termo e a data do fim do contrato, contrato este que se executou durante cerca de mês e uma semana. 
Com base no ser “manifesto que nunca pretendeu denunciar o contrato em período experimental mas sim comunicar a sua caducidade, concedendo à Autora um pré-aviso que apenas seria devido em caso de caducidade e não de denúncia no período experimental, pagando à Autora a €33,00 a título de compensação pela caducidade do contrato e comunicando da cessação do contrato à Segurança Social indicando como motivo da cessação “Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344°e 345°do Código do Trabalho)”, ou seja caducidade”, considerou a sentença recorrida, e bem, estar-se perante despedimento ilícito, porque, além do mais, não precedido de processo disciplinar ou qualquer outro procedimento apto a validar qualquer tipo de cessação do contrato de trabalho sem dependência de termo.
Consequentemente, condenou a R. no pagamento de indemnização por danos morais (por considerar estarem reunidos os respetivos pressupostos), na compensação devida (descontando-se o que a A. tenha recebido como subsídio de desemprego e condenando a R. a pagar essas quantias à Segurança Social).
A condenação da R. como litigante de má fé é fundamentada e equilibrado o montante respetivo.
Face à matéria de facto dada como assente, outra não podia ser a decisão do Tribunal “a quo”.
Assim, mantendo-se inalterada a matéria de facto, merece a decisão recorrida confirmação, improcedendo o recurso.»
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões  suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, as questões a decidir nos presentes autos são:
1 - impugnação da matéria de facto;
2 – se o contrato de trabalho celebrado entre as partes deve ser considerado um contrato sem termo;
3 – em caso afirmativo, se tal contrato vincula a empresa utilizadora e não a ré (empresa de trabalho temporário);
4 - se a cessação do contrato, promovida pela ré, configura um despedimento ilícito;
5 – se a autora tem direito a indemnização por danos morais;
6 – se a ré litigou de má-fé.
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Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
«1) No final do mês de fevereiro de 2022 a Autora teve conhecimento de uma vaga para o exercício das funções de empregada de refeitório na cantina da S___, em Torres Vedras (explorada pela ITAU — Instituto Técnico de Alimentação Humana S.A.) e foi a uma entrevista de trabalho com a responsável de tal unidade, de nome GG, que lhe transmitiu que a vaga já estava ocupada;
2) Porém, a 2 de março foi contactada por SMS pela referida GG, dirigindo- se à cantina da S___ para falarem pessoalmente, tendo aquela perguntado se a Autora podia começar a trabalhar de imediato, trabalhando 40 horas semanais e ganhando o salário mínimo nacional à data, ou seja, €705,00 mensais, ao que Autora respondeu que sim;
3) Tendo a Autora perguntado se era um contrato temporário ou se seria um contrato para entrar nos quadros como efetiva, a GG disse-lhe que se gostassem do seu trabalho que seria para continuar pois era sempre preciso alguém no refeitório, que por norma, era assegurado por duas colegas;
4) Nesse mesmo dia 02.03.2022, pelas llh40m, a referida GG remeteu a BB, dos recursos humanos da ITAU, um e-mail com o seguinte teor: “Bom dia BB. Venho por este meio confirmar entrada de AA dia 03.03.2022 com horário rotativo 07:00 — 16:00 e 09:00 — 18:00. Obrigada. GG. Responsável de Unidade.
5) Ainda no mesmo dia 02.03.2022, pelas 12h41m, a referida BB remeteu à Ré um e-mail que, além de reproduzir o e-mail referido no ponto anterior, consignava o seguinte teor: “Assunto: PW: EMPREGADA REFEITÓRIO — TT (...) Bom dia Dra. CC, HH di% que não vai mais para a substituir na S___ confirmar esta senhora para entrar amanhã. Obrigada. BB.
6) No dia 3 de março a Autora iniciou efetivamente funções na cantina explorada pela ITAU na S___, em Torres Vedras, sem assinar previamente qualquer contrato de trabalho escrito com a Ré nem com qualquer entidade;
7) Em data não apurada a Ré redigiu um contrato de trabalho temporário a termo certo, com início em 03.03.2022 e termo a 02.04.2022, em que ambas figuram como outorgantes, para o exercício pela Autora das funções de empregada de refeitório, sob as ordens, direção e fiscalização da empresa utilizadora do seu trabalho — ITAU — Instituto Técnico de Alimentação Humana S.A. -, durante 40 horas semanais, de segunda-feira a domingo, com duas folgas semanais rotativas, auferindo a retribuição base mensal de €705,00, consignando em tal contrato a seguinte justificação para a contratação:
«motivo de recurso»: “alínea g) do art. 140.0 Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. O presente contrato de trabalho tem o seu fundamento no art. 175.° n.º 1 , ex vi do art. 140.° n.º 2 alínea g da lei n.º 23/2012 de 25 de Junho, que procede à terceira alteração ao código do trabalho aprovado pela lei n.º 7/ 2009 de 12 de Fevereiro e, especificamente na execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da entidade utilizadora identificada no presente contrato, no âmbito do seu objeto de prestação de serviços de restauração coletiva, originado pela adjudicação deste tipo de serviço pela S___, relativamente ao seu refeitório, sem garantia de renovação, pelo que a referida adjudicação possui natureza temporária no desenvolvimento por natureza sujeita a flutuações. O recurso pela empresa utilizadora à contratação de trabalhadores temporários, advêm assim da necessidade de realizar o serviço supra precisamente definido e não duradouro, o que se fundamenta nos termos do disposto na segunda parte da alínea g) do art. 140.º, n.°2 da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro
8) Em data não apurada a Ré remeteu à Autora, por correio, o contrato referido no ponto anterior, já assinado pela Ré, para assinatura pela Autora;
9) A Autora recebeu o contrato pelo correio em dia não apurado, mas não antes da semana de 21 a 25 de março de 2022, e assinou-o;
10) A Ré elaborou e remeteu à Autora, pelo correio, em data não apurada, comunicação escrita com o seguinte teor:
“Assunto: Carta de Cessação de contrato
Lisboa, 22 de Março de 2022 Exm°(a) Sr.(a)
Vimos pela presente informar que iremos proceder à rescisão do Contrato de Trabalho Temporário que mantêm com a A.C CONSULTING para prestar serviços à ITAU — Instituto Técnico de Alimentação Humana, SA, sendo o seu último dia a 06-04-2022.
De acordo com a Lei será dado o devido pré-aviso, que contará a partir da data de hoje.
A AC CONSULTING”
11) A Autora recebeu a comunicação referida no ponto anterior na semana de 28.03.2022 a 31.03.2022;
12) O último dia de trabalho efetivo da Autora foi a 01.04.2022;
13) À data da cessação da cessação do contrato de trabalho da Autora persistia a necessidade de prestação da atividade para que foi contratada;
14) No recibo de retribuição (final) de abril de 2022, a Ré efetuou um desconto de €117,50 na retribuição da Autora a título de indemnização por falta de aviso prévio, que posteriormente lhe foi devolvido em diligência de conciliação nos Serviços do Ministério Público do Cadaval;
15) A Ré pagou à Autora os créditos salariais apurados no recibo de retribuição (final) de abril de 2022, no valor líquido de €203,43, em duas prestações, sendo a primeira em 29.04.2022 no valor de €137,78, e a segunda em 06.05.2022, no valor de 65,65;
16) A Ré processava os salários com referência ao período compreendido entre o dia 21 de um mês e o dia 21 do mês seguinte;
17) A Ré comunicou a cessação do contrato de trabalho da Autora à Segurança Social no dia 06.05.2023, com efeitos reportados a 02.04.2022, indicando como motivo da cessação do contrato ‘Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344° e 345° do CT)”;
18) No princípio de abril a Autora foi ao Centro de Emprego para retomar a receção do subsídio de desemprego, tendo sido informada que ainda estava inscrita como trabalhadora da Ré e que era preciso esta comunicar a sua desvinculação, pelo que apenas voltou a receber subsídio de desemprego a partir do fim de maio de 2022;
19) Em abril de 2022 a Autora era viúva, vivia em sua casa e tinha a seu cargo dois filhos, de 20 e 17 anos, tendo de suportar as despesas normais de eletricidade, telefone, internet, água e gás, para além da alimentação;
20) Em consequência da perda do salário pago pela Ré por força da cessação do contrato e da realização do desconto de €117,50 efetuado na sua retribuição a título de indemnização por falta de aviso prévio, aliada à impossibilidade de imediatamente voltar a receber subsídio de desemprego, a Autora deixou de conseguir suportar as despesas do seu agregado familiar e teve de pedir dinheiro emprestado a EE;
21) Em consequência da cessação do contrato e da privação de rendimentos a Autora sentiu-se desanimada e preocupada por não ter meios económicos para conseguir enfrentar as despesas normais consigo e com os seus filhos, tendo sofrido perturbações do sono (apenas conseguindo dormir poucas horas por noite) durante os meses de abril e maio de 2022, e tido episódios de irritabilidade, designadamente com os seus filhos;
22) A Autora prestou 5 horas de trabalho entre as 08h00m e as 13h00m do dia 5 de março — Sábado.»
E foram considerados como não provados os seguintes factos:
«1) Em consequência da cessação do contrato a Autora sentiu um grande desespero, ficou muito ansiosa e nervosa, muitas vezes teve crises de tristeza, pois não conseguia entender nem aceitar o facto de ter sido ignorada e desprezada pela Ré, sentiu-se muito humilhada e tem medo de novas experiências no mercado de trabalho, sofreu um intenso desgosto, passou a ficar facilmente enervada por causa do cansaço psicológico de estar permanentemente a tentar aceitar e entender na situação em que ficou e que para si era injusta, ficou bastante abatida e prostrada, com auto estima muito baixa, sentindo-se muito desmotivada e afetada em termos emocionais sentindo alterações no sistema nervoso;
2) O Sábado, dia 5 de março, correspondia a um dia de descanso semanal da Autora;
3) A Ré procedeu ao envio de e-mail com o seguinte teor:
“De: AC Consulting - Lisboa [mail…]
Enviada: 2 de março de 2022 12:53 Para: 'IS-BB (Controlo Gestão)'
Cc: 'CC'; 'AC Consulting - Lisboa'
Assunto: FW: EMPREGADA REFEITÓRIO -TI Importância: Alta Roa Tarde Da. BB,
A senhora está confirmada para amanhã iniciar funções.
Obrigada,
Com os melhores cumprimentos DD”
4) O contrato identificado no ponto 7) dos factos provados foi enviado para a Autora no dia 03.03.2022;
 5) O contrato identificado no ponto 7) dos factos provados nunca foi devolvido à Ré, assinado ou por assinar;
6) No dia 18.03.2022 a empresa utilizadora comunicou à Ré que não necessitava mais dos serviços da Autora pelo que deveria cessar o contrato de trabalho, tendo remetido à Ré e-mail com o seguinte teor:
“De: IS-BB (Controlo Gestão) [mail…] Enviada: 18 de março de 2022 10:35 Para: CC Cc: 'Lisboa'
Assunto: RE: EMPREGADA REFEITÓRIO -TF
Bom dia, Dra. CC, pretendemos a rescisão desta senhora, AA para dia 4 de abril.
Obrigada,
BB”
7) A Ré fez cessar o contrato identificado no ponto 7) dos factos provados por denúncia no decurso do período experimental de 90 dias, ao abrigo do artigo 112° do Código do Trabalho, tendo indicado o cumprimento do aviso prévio na comunicação referida no ponto 10) dos factos provados, apenas e só na medida em que a sua cliente disse que pretendia que a Autora trabalhasse até ao dia 04/04/2022 e tendo ali feito constar que a cessação do contrato ocorreria a 06/04/2022 por manifesto lapso de escrita;
8) A Autora deixou de comparecer ao trabalho no dia 01.04.2022 sem nada comunicar à Ré.»
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Apreciação
1 – Impugnação da matéria de facto
Começamos, segundo a ordem imposta pela precedência lógica (cfr. art.º 608.º, n.º 1 CPC), por apreciar a questão atinente à matéria de facto.
Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efectivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe, não apenas a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º CPC, mas também, e antes de mais, a consideração da matéria de facto que se encontre plenamente provada por acordo das partes nos articulados, por documentos ou por confissão reduzida a escrito nos termos do art.º 607º, nº 4 CPC, desde que relevantes para a decisão a proferir atentas todas as soluções jurídicas possíveis.
Tal atuação da Relação relativamente à matéria de facto que se encontre plenamente provada, pode ser da iniciativa do tribunal, em obediência à aplicação das regras de direito probatório material (cfr. arts. 354.º e 358.º, 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, todos do Código Civil e 574.º, nºs 2 e 3 e 587º, n.º 1 CPC) e pode ser suscitada pelo recorrente, o qual pode impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo possam determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.
Assim, estando em causa meios de prova subtraídos à livre apreciação do julgador, a impugnação da matéria de facto com esse fundamento não está sujeita aos ónus a que se refere o art.º 640.º CPC.
Já quanto está em causa a apreciação de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do cumprimento dos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, importa ter presente o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência de 17/10/2023[i].
Analisado o requerimento de interposição do recurso verifica-se que a recorrente, manifestando embora a sua discordância quanto a parte da decisão da matéria de facto, não cumpre os supra mencionados ónus, seja porque, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões especifica quais os concretos pontos da matéria de facto que considera erradamente julgados, seja porque não indica qual a decisão que no seu entender deveria ser proferida, seja porque, nesta parte com exceção do que se refere aos factos relativos aos danos não patrimoniais, não indica com precisão os meios de prova que determinariam decisão diversa, referindo-se ao depoimento da autora e ao depoimento de testemunhas, mas sem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso.
Nessa medida, impõe-se a rejeição da impugnação da matéria de facto.
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2 - Se o contrato de trabalho temporário celebrado entre as partes deve ser considerado um contrato sem termo.
O tribunal “a quo”, depois de acertadas considerações quanto ao enquadramento jurídico aplicável aos contratos de trabalho temporário, considerou que:
«No caso em apreço nos autos são dois os planos que importam analisar relativamente ao CTT celebrado entre a Ré e a Autora: por um lado, a (in)observância da forma escrita; por outro lado, a insuficiência da concretização do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário.
No que concerne à primeira vertente resulta dos factos provados que necessariamente a execução do contrato teve início sem que o mesmo estivesse previamente formalizado em documento escrito assinado por ambas as partes pois que, embora se desconheça em que data a Ré redigiu e remeteu o contrato (já assinado pela Ré) à Autora, resulta comprovado que esta o recebeu e assinou em dia não apurado, mas não antes da semana de 21 a 25 de março de 2022.
Todavia, desta forma, ainda durante a sua execução (porque antes da data em que a Ré fez cessar os seus efeitos) foi suprida a falta de forma escrita em documento assinado por ambas as partes, ficando assim sanado o vício (…)
Verifica-se assim que os motivos/fundamentos indicados para justificar o recurso ao trabalho temporário são absolutamente genéricos e vagos, não explicitando em que medida existem necessidades temporárias de trabalho indispensáveis à celebração de tal modalidade de contrato de trabalho, nem permitindo estabelecer qualquer relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
(…)
Face a tudo o exposto conclui-se que o CTT em apreço não cumpriu as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 181°, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, verificando-se uma manifesta insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, que determina se considere que o trabalho é prestado à Ré (enquanto empresa de trabalho temporário) em regime do contrato de trabalho sem termo - cfr. artigo 181°, n.º 2, do Código do Trabalho.»
Ora, quanto à questão da inobservância da forma escrita, a pretensão da recorrente dependia estritamente do sucesso da impugnação da matéria de facto, pelo que, a decisão de rejeição suprarreferida inviabiliza definitivamente o sucesso da apelação.
No que respeita à insuficiência do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário acompanha-se na integra a decisão da 1.ª instância, quer quanto às normas aplicáveis, quer quanto à apreciação do teor da cláusula contratual na qual o motivo se encontra consignado.
Tal cláusula tem o seguinte teor: «motivo de recurso»: “alínea g) do art. 140.º Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. O presente contrato de trabalho tem o seu fundamento no art. 175.° n.º 1 , ex vi do art. 140.° n.º 2 alínea g da lei n.º 23/2012 de 25 de Junho, que procede à terceira alteração ao código do trabalho aprovado pela lei n.º 7/ 2009 de 12 de Fevereiro e, especificamente na execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da entidade utilizadora identificada no presente contrato, no âmbito do seu objeto de prestação de serviços de restauração coletiva, originado pela adjudicação deste tipo de serviço pela S___, relativamente ao seu refeitório, sem garantia de renovação, pelo que a referida adjudicação possui natureza temporária no desenvolvimento por natureza sujeita a flutuações. O recurso pela empresa utilizadora à contratação de trabalhadores temporários, advêm assim da necessidade de realizar o serviço supra precisamente definido e não duradouro, o que se fundamenta nos termos do disposto na segunda parte da alínea g) do art. 140.º, n.°2 da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro»
Em conformidade com o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa, só excepcionalmente o legislador laboral admite a celebração de contratos de trabalho a termo, neles se incluindo os contratos de trabalho temporário.
As exceções àquele princípio são as situações em que está em causa a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à sua satisfação (art.º 140º, nº 1 do C.T.), nomeadamente, as previstas no art.º 140°, n° 2 do Código do Trabalho (doravante CT), aqui aplicável por força do disposto pelos arts. 180.º, n.º 1 e 175.º, n.º 1 do CT, estatuindo-se no art.º 181.º, n.º 1, al. b) do mesmo Código que o contrato de trabalho temporário deve conter, entre outras, a indicação do respetivo motivo justificativo, a qual deve ser feita pela menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sob pena de, omitindo-se o motivo ou sendo insuficiente a sua indicação, se considerar que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo (art.º 181, nº 2 do CT).
Tal como acontece relativamente à contratação a termo, trata-se de uma exigência que visa o controlo externo da legalidade da contratação e cuja justificação última se encontra no citado princípio constitucional, constituindo uma formalidade “ad substanciam” (cfr. ainda que a respeito da indicação do motivo nos contrato de trabalho a termo propriamente dito, mas com inteira aplicação no âmbito do contrato de trabalho temporário o Ac. STJ de 02/12/2013, o Ac. RL de 14/04/2010, o Ac. RL de 24/02/2015 e o Ac. RP de 05/06/2023[ii]).
De salientar que a omissão do motivo ou insuficiência da sua indicação no contrato de trabalho temporário, não se confunde com a celebração do contrato de trabalho temporário fora das situações em que tal tipo de contratação é legalmente admissível, caso que, a verificar-se, determina a nulidade do termo estipulado, considerando-se o trabalhador vinculado à empresa de trabalho temporário por contrato de trabalho sem termo, como estatuído pelo art.º 180.º, n.º 2 do CT..
Significa isto que a suficiência da indicação do motivo da contratação não se confunde com a subsunção do motivo indicado àqueles que permitem a celebração do contrato nesta modalidade, sendo a suficiência do motivo condição de apreciação da legalidade do mesmo.
No caso dos autos a recorrida fez apelo às disposições do art.º 140.º, n.º 2, al. g) do Código do Trabalho, o qual dispõe que:
«Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.
Assim, importa aferir se foi cumprida a exigência de indicação do motivo justificativo, ou seja, se foi feita a indicação expressa no contrato dos concretos factos suscetíveis de se reconduzirem à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho.
Refere-se este preceito à execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. Trata-se de permitir a contratação a termo em dois núcleos de situações:
a) quando está em causa a execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa;
b) quando está em causa serviço (estranho ou não à atividade da empresa) que têm uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada[iii].
Defende a recorrente que no contrato de trabalho temporário está suficientemente indicado o motivo justificativo da contratação.
Discordamos, tal como o fez o tribunal “a quo”.
A justificação constante do contrato, que acima reproduzimos, é manifestamente genérica, sendo omissa quanto a factos essenciais ao cumprimento pela mesma das finalidades a que se destina.
Os únicos factos concretos que constam da mesma são que a empresa utilizadora tem por objeto a prestação de serviços de restauração coletiva e a adjudicação de serviços desse tipo relativamente ao refeitório da S___. Tudo o mais são afirmações valorativas desprovidas de qualquer lastro factual e como tal irrelevantes.
Lendo a cláusula contratual da qual consta a indicação do motivo da contratação, fica sem se saber quando foi feita a adjudicação dos serviços à empresa utilizadora, qual o período de duração previsível do contrato de prestação de serviços, qual o motivo que determinou a necessidade de contratação de mais uma trabalhadora e qual o motivo pelo qual tal contratação tinha a duração de um mês e não outra.
Concordamos, pois, com os fundamentos e com a conclusão a que chegou o tribunal “a quo”, de que o contrato de trabalho temporário “em apreço não cumpriu as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 181°, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, verificando-se uma manifesta insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, que determina se considere que o trabalho é prestado à Ré (enquanto empresa de trabalho temporário) em regime do contrato de trabalho sem termo - cfr. artigo 181°, n.º 2, do Código do Trabalho.”.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
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3 - Se tal contrato vincula a empresa utilizadora e não a ré (empresa de trabalho temporário).
A resposta a esta questão já resulta do que decidimos a propósito da 2.ª questão analisada, mas, atentos os fundamentos invocados pela recorrente, justifica-se acrescentar algumas considerações.
Diz a recorrente que importa, no caso, ter em conta o disposto pelo art.º 180.º, n.º 3 do CT, concluindo que da aplicação de tal preceito ao caso dos autos, decorreria que o contrato de trabalho se deveria considerar celebrado com a empresa utilizadora e não com a expressa de trabalho temporário, motivo pelo qual devia esta ser absolvida.
Prevê a disposição legal invocada pela recorrente que “Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no nº 2 do artigo 176.º ou no nº 5 do artigo 177º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no nº 6 do artigo 173º.”
Sobre esta questão dir-se-á apenas que, nem se vislumbra que a norma invocada pela recorrente teria aplicação no caso dos autos (a estipulação do termo não foi considerada nulo ao abrigo do art.º 180.º, n.º 2 do CT e desconhece-se em absoluto o teor do contrato de utilização), nem a questão foi discutida nos autos, ou apreciada em 1.ª instância.
Ora, como refere António Santos Abrantes Geral «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processa contenha os elementos imprescindíveis.»
Por isso, tendo esta questão apenas sido suscitada nas alegações de recurso, sendo, por isso, uma questão integralmente nova e não sendo a mesma do conhecimento oficioso, este tribunal está impedido de sobre ela se pronunciar.
Improcede, também nesta parte o recurso interposto.
*
4 - Se a cessação do contrato, promovida pela ré, configura um despedimento ilícito.
Temos por adquirido que entre a recorrente e a recorrida vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 03/03/2022 que cessou, como é aceite por ambas as partes, em 06/04/2022.
A cessação do contrato foi da iniciativa da recorrente que, como resulta da matéria de facto provada, enviou à recorrida, que a recebeu na semana de 28/03/2022 a 31/03/2022, a seguinte comunicação escrita:
“Assunto: Carta de Cessação de contrato
Lisboa, 22 de Março de 2022 Exm°(a) Sr.(a)
Vimos pela presente informar que iremos proceder à rescisão do Contrato de Trabalho Temporário que mantêm com a A.C CONSULTING para prestar serviços à ITAU — Instituto Técnico de Alimentação Humana, SA, sendo o seu último dia a 06-04-2022.
De acordo com a Lei será dado o devido pré-aviso, que contará a partir da data de hoje.
A AC CONSULTING”
A questão colocada a este tribunal consiste em determinar se esta comunicação, pela qual a recorrente operou a cessação do contrato de trabalho configura um despedimento ilícito, como concluiu o tribunal “a quo” ou por denuncia no período experimental, como defende a recorrente.
Estando em causa um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a sua cessação estaria, em princípio, sujeita ao cumprimento das formalidades e à procedência dos motivos justificativos do despedimento, seja individual, seja coletivo, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação (cfr. art.º 340.º do CT), exigências que entroncam nas garantias constitucionais da segurança do emprega e da proibição dos despedimentos arbitrários consagradas no já mencionado art.º 53.º da CRP.
Nessa medida, se nada mais houvesse a considerar, a comunicação suprarreferida, como concluiu o tribunal “a quo” configuraria um despedimento ilícito, por, tratando-se de uma decisão unilateral da empregadora, ter sido consumado fora das condições legalmente admissíveis, por ausência do imprescindível procedimento (art.º 381.º, al. c) do CT).
O legislador consagrou, contudo, a possibilidade de o empregador (e também o trabalhador) se desvincular do contrato sem que para tal tenha que cumprir qualquer específico procedimento[iv], desde que denuncie o contrato num determinado período de tempo imediatamente após o início da execução do contrato, ou seja, durante o período experimental (art.º 114.º, n.º 1 do CT).
E nessas situações o empregador não está obrigado a invocar qualquer motivo, consagrando-se aquilo que a doutrina[v] e a jurisprudência[vi] vêm denominando de “direito ao silêncio” sobre os motivos subjacentes à decisão de denunciar.
Importa ainda referir que, face ao regime do CT, a denuncia do contrato no período experimental traduz-se numa mera declaração de cessação do contrato, não tendo assim qualquer relevo modificativo da sua natureza quaisquer motivos invocados, o formalismo adoptado ou a qualificação técnica dada para tal efeito extintivo e não havendo, em princípio, lugar ao controlo dos motivos que a originaram[vii].
Nem por isso, o direito de denuncia do contrato no período experimental pode ser exercido arbitraria ou abusivamente.
Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho[viii], «o facto desta denúncia ser incondicionada não significa, no entanto, que seja insindicável e que possa ser exercida em moldes abusivos, ou seja, que contrariem a função para que foi instituído o próprio período experimental.»
Tal não significa que “(…) a denúncia só possa ser motivada por razões atinentes ao desempenho profissional ou que seja vedado ao empregador denunciar o contrato no período experimental quando os motivos da decisão sejam suscetíveis de fundamentar outras formas de cessação (…).”[ix] [x]
Em resumo, o contrato de trabalho pode cessar validamente por denuncia do empregador no período experimental, sem necessidade de observância de qualquer procedimento específico, sem necessidade de invocação de qualquer motivação e sem que a invocação pelo empregador de um qualquer outro motivo para a cessação do contrato invalide a aplicação do regime da cessação no período experimental, desde que não se verifique uma situação de exercício abusivo do direito à denuncia no período experimental (art.º 334.º do Código Civil).
No caso dos autos, o tribunal “a quo” considerou que a cessação do contrato no período experimental invocada pela recorrente era abusiva, concluindo que, dada a ausência de qualquer procedimento, a recorrida foi ilicitamente despedida.
O contrato de trabalho em causa era, como resulta do supra exposto, um contrato por tempo indeterminado, pelo que, na falta de qualquer estipulação em contrário (art.º 112.º, n.º 5 do CT), o período experimental tinha a duração de 90 dias (art.º 114.º, n.º 1, al. a) do CT).
A comunicação da cessação do contrato, datada de 22/02/2022, produziu efeitos em 06/04/2022, pelo que, tendo o contrato sido iniciado em 03/03/2022, tal comunicação ocorreu no decurso do período experimental.
Na mesma comunicação não foi invocado qualquer motivo, limitando-se a recorrida a dizer que iria proceder à rescisão do contrato e não obsta a que se considere que o contrato cessou no período experimental o facto de a recorrente ter feito menção ao cumprimento do aviso prévio, pois, mesmo que no caso não fosse exigível aviso prévio (art.º 114.º, n.º 2 e 3 do CT “a contraiu”) e ainda que tal menção feita pela recorrente nos pudesse remeter para a cessação do contrato por caducidade (art.º 344.º, nº 1 do CT), como resulta do acima exposto, a invocação pelo empregador de um qualquer outro motivo para a cessação do contrato não invalida a aplicação do regime da cessação no período experimental.
Por isso, não concordamos com a afirmação do tribunal “a quo” segundo a qual a comunicação da cessação do contrato feita pela recorrente “não configura qualquer denúncia do contrato no período experimental, mas sim uma comunicação da caducidade”.
Por outro lado, ainda que se considerasse que a recorrente comunicou à recorrida a cessação do contrato por caducidade, o que não consta do teor da comunicação, mas se poderia inferir do facto de do próprio recibo de retribuição de final de contas constar o pagamento de €33,00 à recorrente a título de compensação pela caducidade do contrato (o que apenas seria devido nos casos de comunicação da caducidade com contrato nos termos do disposto no artigo 344°, n.º 2, do Código do Trabalho) e pela comunicação da cessação do contrato à segurança social feita pela Ré onde foi indicado como motivo da cessação “Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344° e 345° do Código do Trabalho)”, ou seja caducidade, tal não poderia, sem mais, configurar uma situação de abuso de direito.
De facto, a demonstração do abuso de direito, conducente à paralisação dos efeitos da cessação do contrato no período experimental, competia à autora enquanto facto constitutivo (art.º 342.º do Código Civil).
E adiantamos já que a autora não cumpriu tal ónus.
O tribunal “a quo” considerou que se fosse de qualificar a comunicação da cessação do contrato como uma denúncia do contrato no período experimental nunca poderia a Ré invocar a falta de tal documento escrito alegando que a Autora não lhe devolveu o contrato assinado (facto não provado), para dessa forma vir, como fez, alegar que considerou existir um contrato sem termo e que por isso denunciou o contrato em período experimental, assim tentando obstar ao reconhecimento de uma situação de despedimento ilícito, já que a assinatura do contrato, já após semanas da sua execução, se ficou a dever à própria Ré que não assegurou que o contrato era assinado por ambas as partes antes de colocado em execução, remetendo-o em data não apurada à Autora, que o recebeu apenas quando já estavam decorridas cerca de três semanas de execução do contrato e então o assinou, concluindo que a invocação da falta de documento escrito pela Ré para dessa forma qualificar o contrato como um contrato sem termo que permitisse assim a denúncia do contrato durante o período experimental  sempre seria de qualificar como abuso de direito, na modalidade “ventre contra factum proprium”.
Não concordamos com este entendimento por várias ordens de razão.
Primeiro, a matéria de facto provada não permite concluir que a recorrente só enviou o contrato à recorrida para assinatura após o início da execução do contrato para se poder prevalecer da possibilidade de o denunciar no período experimental, o que era condição para que a situação dos autos pudesse configurar abuso de direito[xi]. Diga-se, que, de resto, se fosse essa a intenção da recorrente, bastava-lhe nem sequer ter enviado o contrato à recorrida.
De todo o modo, nem sequer se pode concluir que a assinatura do contrato pela autora cerca de três semanas após o início de execução do contrato se ficou a dever à recorrente, pois, ignora-se em que data é que o contrato foi efetivamente enviado à recorrente, bem como qual o motivo pelo qual a autora só o recebeu na semana de 21 a 25 de Março de 2022.
Segundo, como resulta do supra exposto, o vínculo entre a recorrida e a recorrente não foi considerado sem termo por falta do contrato escrito ou da sua assinatura, não se verificando a premissa de que partiu o tribunal “a quo”, para considerar que era abusiva a invocação pela recorrente de tal vício como fundamento para a licitude da denuncia do contrato no período experimental.
Na verdade, só pode abusar do direito quem é seu titular e considerando o tribunal que a falta de assinatura foi sanada, sendo válido o contrato de trabalho temporário, então, não poderia ser reconhecido à recorrente o direito de denunciar o contrato no período experimental, por o mesmo, atenta a duração do contrato de trabalho temporário (30 dias), já ter decorrido no momento da cessação do contrato (06/04/2022) – art.º 112.º, n.º 2, al. b) do CT. Sendo assim, não se colocaria a questão do abuso de direito.
Considerou ainda o tribunal “a quo” que a recorrente também não se poderia prevalecer da deficiente justificação da contratação, motivo que determinou a efetiva “conversão” do contrato de trabalho em contrato de trabalho sem termo, pois a mesma só a ela pode ser imputada.
Ora, não pomos em causa que, tal como afirmado na sentença, cabia à recorrente a elaboração do contrato, mas também nesta parte não se provaram quaisquer factos que permitam concluir pelo abuso de direito, pois, ainda que seja da responsabilidade da recorrente a formalização do contrato e a concretização do motivo justificativo da sua celebração, nada na matéria de facto provada permite concluir que o contrato foi insuficientemente fundamentado com o objetivo de a recorrente poder vir a invocar que o mesmo deveria ser considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como fundamento para se poder prevalecer do prazo mais alargado do período experimental.
Por conseguinte, ao contrário do tribunal “a quo” concluímos que a comunicação da cessação do contrato efetuada pela recorrente à recorrida configura a denúncia lícita do contrato de trabalho no período experimental, não podendo, consequentemente, manter-se a sentença na parte em que concluiu que a recorrida foi despedida ilicitamente e condenou a ré a pagar-lhe a indemnização de antiguidade substitutiva da reintegração e as retribuições intercalares.
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5 – Se a autora tem direito a indemnização por danos morais.
Como causa de pedir do direito à indemnização por danos não patrimoniais a autora invocou a ilicitude do despedimento.
Face ao disposto pelos arts. 323.º, n.º 1 do CT e 483.º do Código Civil, são, quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimoniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (não bastando um mero incómodo); (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
No caso concreto, improcedendo a declaração de ilicitude do despedimento, fica desde logo inviabilizada a possibilidade de se reconhecer à autora o direito a indemnização, já que não está verificado o seu pressuposto essencial, isto é, a ilicitude da atuação da recorrente.
Por isso, também nesta matéria, será de julgar o recurso procedente.
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6 – Se a ré litigou de má-fé.
Diz-se litigante de má-fé, aquele que com dolo, ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com fim de conseguir objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – art.º 542º do Código de Processo Civil.
O Tribunal “a quo” condenou a recorrente como litigante de má-fé porque entendeu que a recorrida manifestamente veio “alterar a verdade dos factos e deduzir uma oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar ao invocar que fez cessar o contrato de trabalho mediante denúncia no período experimental por alegadamente ter logo à data da comunicação da cessação considerado que o CTT seria na verdade um contrato de trabalho sem termo por não lhe ter sido devolvido o contrato com a assinatura da Autora, quando na verdade é manifesto que nunca pretendeu denunciar o contrato em período experimental mas sim comunicar a sua caducidade, concedendo à Autora um pré-aviso que apenas seria devido em caso de caducidade e não de denúncia no período experimental, pagando à Autora a €33,00 a título de compensação pela caducidade do contrato e comunicando da cessação do contrato à Segurança Social indicando como motivo da cessação “Fim do contrato de trabalho a termo (artigo 344° e 345° do Código do Trabalho)”, ou seja caducidade, litigando por isso com evidente má-fé.”
Não concordamos com esta posição.
Por um lado, porque, tal como se pode ler no Ac. do STJ de 11/12/2003[xii] “a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu”.
Por outro lado, uma vez que, com fundamento, além do mais, na irrelevância dos argumentos aduzidos pelo tribunal “a quo” quanto à existência de abuso de direito e que foram os mesmos invocados para a condenação como litigante de má-fé, chegámos à conclusão inversa da do tribunal “a quo”, considerando procedente a tese defendida pela recorrente, afigura-se-nos evidente que aquela condenação deixou de ter fundamento.
*
No que respeita às custas, atento o disposto pelo art.º 527.º do CPC, importa considerar que o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade, sendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
É vencida a parte que não obtém a satisfação (total ou parcial) dos seus interesses e como se refere no Ac. do STJ de 06/12/2017[xiii], cujo entendimento se subscreve: «I. O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão.
II. A decisão de facto inserida em sentença ou acórdão não constitui ato decisório autónomo, assumindo antes a natureza de fundamento no quadro e economia da decisão final ali proferida.»
Nessa medida, a improcedência ou rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, sem repercussão na decisão final não importa em juízo de procedência parcial da apelação nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas.
Por isso, ainda que a impugnação da decisão da matéria suscitada pela recorrente tenha sido rejeitada, tendo a mesma obtido vencimento na apelação, ficando a autora/recorrida integralmente vencida, são da sua responsabilidade as custas quer na 1.ª instância, quer no recurso, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário com que a mesma litiga.
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Decisão
Por todo o exposto acorda-se julgar a apelação procedente e, em consequência:
- revogar a sentença na parte em que declarou a ilicitude do despedimento da autora e condenou a ré a pagar-lhe indemnização de antiguidade, retribuições vencidas desde 01/02/2023 até ao trânsito em julgado da sentença e indemnização por danos não patrimoniais [pontos 1), 2), als. a), b), c) do dispositivo];
- revogar a sentença na parte em que condenou a ré como litigante de má-fé [ponto 5) do dispositivo];
- alterar o ponto 4) do dispositivo, condenando-se a autora nas custas em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
*
Nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
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Lisboa, 06/03/2024
Maria Luzia Carvalho
Francisca Mendes
Paula Penha
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[i] Relatora Conselheira Ana Resende – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, disponível também em www.dgsi.pt.
[ii] Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[iii] A este propósito veja-se Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pag. 629, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pag. 596 e Jorge Leite, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, questões laborais, Ano XIII, 2006, pag. 12.
[iv] “A declaração de denúncia no período experimental não está sujeita a forma especial, como decorre do princípio geral da liberdade de forma, dada a ausência de disposição legal em contrário” – Pedro Furtado Martins, A Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed. Revista e atualizada, pag. 628.
[v] Neste sentido, Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, página 492.
[vi] Ac. do STJ de 22/06/2017, acessível em www.dgsi.pt.
[vii] Ac. da RC de 07/04/2016, acessível em www.dgsi.pt.
[viii] Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5.ª ed., Almedina, p. 203.
[ix] Pedro Furtado Martins, A Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed. Revista e atualizada, pag. 626.
[x] Ac. do STJ de 22/06/2017, supracitado.
[xi] Ac. RE de 23/10/2014, acessível em www.gdsi.pt.
[xii] Acessível em www.dgsi.pt.
[xiii] Idem.