Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2197/23.2YLPRT.L1-6
Relator: JORGE ALMEIDA ESTEVES
Descritores: ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
PRAZO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do relator)
I- O art.º 1096º/1 do CCivil, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, não diz que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se o prazo de renovação estabelecido for inferior; diz antes que o contrato se renova pelos referidos períodos sucessivos de igual duração ou de 3 anos se o prazo de duração do contrato for inferior.
II- Tal norma não se refere, portanto, a prazos de renovação estabelecidos no contrato; estabelece apenas uma regra para o caso de nada ter sido previsto quanto à renovação, dizendo que esta ocorre pelo período estabelecido no contrato para a duração inicial, ou por 3 anos, se aquela duração for inferior.
III- Não se referindo o art.º 1096º/1 a prazos de renovação contratualmente estabelecidos, só resta concluir que a natureza supletiva do preceito, que resulta inequivocamente da expressão inicial “salvo estipulação em contrário”, refere-se a todo o teor do mesmo, ou seja, quer à estipulação de não renovação, quer à previsão de prazos de renovação inferiores a 3 anos, constituindo a interpretação no sentido da imperatividade quanto a este último aspeto uma distinção que nem a letra, nem o espírito do preceito comportam.
IV- A Lei 13/2019 vai no sentido de voltar a estabelecer um prazo inicial mínimo, que já foi de 5 anos, passou depois para um ano, mas que agora, por força da alteração ao art.º 1097º/1 do CCivil, se entendeu fixar nos 3 anos [o que se levou a efeito, não através da cominação da invalidade dos prazos de renovação inferiores a 3 anos, mas através da previsão da ineficácia da declaração de oposição à renovação por parte do senhorio antes de decorridos aqueles 3 anos, o que significa que não se pretendeu tirar validade às estipulações quanto aos prazos de duração, nem quanto aos prazos de renovação, constantes dos contratos], com a finalidade de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, como afirmado no preâmbulo constante do diploma.
V- Mas a previsão de um prazo inicial mínimo não tolhe em nada com a possibilidade de fixação de prazos de renovação distintos do prazo inicial e daí que não haja qualquer fundamento para usar o art.º 1097º/3 para interpretar o art.º 1096º/1 no sentido da imperatividade do prazo de renovação, até porque o art.º 1097º/3 não comina com a invalidade a fixação contratual de prazos de renovação inferiores a 3 anos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autora recorrente: MS,
Ré recorrida: LS,
A autora instaurou procedimento especial de despejo peticionando a desocupação da fração autónoma destinada a habitação, sita na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número …, tendo junto o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, o comprovativo do pagamento do imposto de selo, e o comprovativo do envio da comunicação prevista no artigo 1097.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil.
Para fundamentar o pedido, a requerente alegou que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes cessou, no dia 30 de Setembro de 2023, através de oposição à renovação do contrato, por si efetivada, com a antecedência prévia prevista na lei, e mediante carta registada com aviso de receção, não tendo a Requerida procedido à entrega do locado.
A requerida deduziu oposição alegando que ocorreu a renovação do contrato no dia 30 de Outubro de 2022, a qual, com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que alterou o disposto no art.º 1096º/1 do CCivil, foi pelo período de três anos, e não de um ano como estava previsto no contrato, pelo que o contrato de arrendamento em apreço apenas terá o seu término dia 30 de Outubro de 2025.
O tribunal a quo considerou, e bem, que já detinha todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa de mérito, pois a questão a decidir era meramente de direito, tendo convidado as partes a alegarem de direito, o que ambas fizeram.
De seguida foi proferida sentença que julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais e terminou com o seguinte dispositivo:
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a oposição totalmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) Indeferir a desocupação do locado peticionada pela Requerente MS;
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais”.
*
Inconformada com o decidido, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
I. A Recorrente vem interpor recurso da sentença proferida a fls… que julgou… (irrelevante pois não faz qualquer sentido reproduzir nas conclusões a decisão recorrida)
II. Porque discorda de tal decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso, o qual versa sobre matéria de direito.
III. Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” não aplicou devidamente a matéria de direito aos factos dados como provados.
IV. A única questão a ser conhecida é se o contrato de arrendamento para fins habitacionais objeto dos autos se renovou em 01 de Outubro de 2022 por um ano ou por três anos.
V. Para decidir com decidiu o Tribunal “a quo” fundamentou e concluiu da seguinte forma… (irrelevante pois não faz qualquer sentido reproduzir nas conclusões a decisão recorrida)
VI. Não pode a Recorrente aceitar a interpretação dada pelo douto Tribunal “a quo” ao disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil.
VII. A Recorrida encontra-se a residir no imóvel arrendado faz mais de 6 anos.
VIII. No entender da Recorrente, o disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro, tem natureza supletiva e não imperativa.
IX. A menção a “salvo estipulação em contrário” constante do disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, consagra que existe liberdade contratual das partes para fixarem prazos de renovação inferiores a 3 anos.
X. Aliás, tal menção a “salvo estipulação em contrário” já se encontrava expressa no disposto do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redação que se encontrava em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento in casu , ou seja, em 15 de Setembro de 2017.
XI. Contrato de arrendamento esse que as partes, expressamente, acordaram em colocar como prazo de renovação de um ano.
XII. Se a lei permite que as partes não prevejam nos contratos de arrendamento a sua renovação automática, não pode, ao mesmo tempo, impor que, caso exista essa renovação automática, esta tenha que ter uma duração mínima.
XIII. Quem pode não renovar, há-de poder impor que esta tenha uma vigência diferenciada (a maiori ad minus).
XIV. O entendimento da Recorrente resulta não apenas da interpretação literal do disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, mas também da sua interpretação sistemática, vislumbrando-se, no seu conjunto, o disposto nos artigos 1095º, nº 2, 1096º, nº 1 e 1097º, nº 3, todos do Código Civil.
XV. O limite mínimo dos três anos de arrendamento dá-se ao abrigo do disposto no artigo 1097º, nº 3 do Código Civil, que estipula que a primeira renovação ao contrato de arrendamento, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, e não ao forçar uma renovação do contrato pelo mínimo de três anos ao abrigo do disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil.
XVI. No presente caso em concreto, a primeira renovação do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos apenas se deu passados 5 anos da celebração do mesmo, mostrando-se já cumprida a imposição imposta pelo disposto no artigo 1097º, nº 3 do Código Civil.
XVII. Assim, é entendimento da Recorrente que aquando da primeira renovação 01 de Outubro de 2022, o contrato renovou-se por um ano e não por três anos como o douto Tribunal “a quo” entendeu.
XVIII. Assim, a oposição à 2ª renovação do contrato de arrendamento, comunicada pela Recorrente à Recorrida, por carta remetida em 20 de Fevereiro de 2023 e recebida em
22 de Fevereiro de 2023, produziu os seus efeitos, visto ter sido feita com observância da antecedência exigida pela al. b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil.
XIX. Não pode a Recorrente aceitar que para o Tribunal “a quo” possam existir contratos de arrendamento para fins habitacionais de um ano não renováveis, mas já não pode existir contratos de arrendamento habitacional com prazo certo de 5 anos renovável por 1 ano, o que, salvo melhor opinião, não parece ter sido, de todo, a intenção do legislador, com a alteração que levou a cabo com a Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro.
XX. Conforme refere Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1278/22.4YLPRT.L1-7 DE 10-01-2023, Relator Luís Filipe Pires de Sousa, entre outros:
“… A tese … segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático.”
XXI. Bem assim como refere Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661: «Ora, já se viu que o nº1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.»
XXII. Salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu.
XXIII. O Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito, violando o disposto no artigo 1096º, nº 1 e 1097º, nº 1, alínea b) e nº 3, ambos do Código Civil.
*
A recorrida apresentou contra-alegações e as seguintes conclusões:
A. A Recorrida impugnou o Procedimento Especial de Despejo iniciado pela Recorrente com o fundamento de cessação por oposição à renovação pelo senhorio;
B. Sucede que quando o contrato de arrendamento foi celebrado, 15 de setembro de 2017, com início a 1 de outubro de 2017, estava em vigor a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto;
C. Assim, dispunha o art.º 1096.º, n.º 1 do Código Civil que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte”;
D. A expressão “salvo estipulação em contrário” deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação;
E. Assim, segundo este art.º, o contrato em causa que teria o seu término em 30 de setembro de 2022, renovar-se-ia por mais 5 anos, ou seja, até 30 de setembro de 2025;
F. Porém, durante a vigência do contrato, surgiu uma nova alteração, agora operada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro;
G. Na redação atual, dada pela Lei n.º 13/2019, (em vigor desde 13 de fevereiro de 2019):
“Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”;
H. Ou seja, passou agora a possibilitar-se que a renovação se operasse pelo período do contrato, mas também de 3 anos se a duração do contrato fosse inferior;
I. No caso em apreço, o período do contrato era 5 anos, pelo que o prazo a considerar seriam os 3 anos, ou seja, o contrato teria o seu término a 30 de setembro de 2025;
J. Explicando a interpretação da redação atual deste n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, refere Maria Olinda Garcia (Alterações em Matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, Março 2019, páginas 11-12):
«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação;
Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo;
Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos;
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência;
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9.»;
K. No caso em apreço, tal não se poderia aplicar uma vez que a Recorrente como é visível na carta enviada à Recorrida indica como fundamento para a oposição à renovação do contrato de arrendamento, o facto de necessitar do imóvel em causa para a sua neta;
L. No caso dos autos aplica-se a redação dada pelo art.º 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019;
M. Importa salientar que a Lei n.º 13/2019 não contém qualquer norma de direito transitório para aplicação da nova redação do referido art.º 1096.º aos contratos em curso, pelo que a questão terá de ser solucionada com recurso ao princípio geral de aplicação das leis no tempo previsto no art.º 12.º do Código Civil;
N. É também neste sentido o entendimento de Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019, considerando que “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil”);
O. Do exposto decorre que ao contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos é aplicável a redação do art.º 1096.º introduzida pela Lei n.º 13/2019, a qual se encontrava em vigor aquando da renovação do contrato ocorrida em 30 de setembro de 2022;
P. Podemos, por isso, concluir, salvo melhor opinião, que em 30 de setembro de 2022 o contrato não se renovou por um ano, mas sim pelo prazo de três anos;
Q. Assim, e salvo melhor entendimento, no caso em apreço, o período do contrato era 5 anos, pelo que o prazo a considerar serão os 3 anos (redação do art.º 1096.º introduzida pela Lei n.º 13/2019), ou seja, o contrato terá o seu término a 30 de setembro de 2025;

FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, a questão a apreciar é unicamente respeitante à interpretação do art.º 1096º/1 do CCivil, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, mais especificamente quanto à natureza supletiva ou imperativa daquele preceito na parte respeitante à renovação do contrato de arrendamento.

***

Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 15 de Setembro de 2017, a Requerente e a Requerida celebraram entre si, por escrito, um acordo que intitularam de “contrato de arrendamento”, contendo, designadamente, as seguintes cláusulas:
“Entre, como senhoria MS (…)
E,
Como Inquilinos, LS (…),
É ajustado o arrendamento a que corresponde ao prédio urbano sito na Rua, com a Matriz Predial nº …
De acordo com as cláusulas seguintes:
1ª. – O Contrato Arrendamento é COM PRAZO CERTO, nos termos de artigo 1095º do Código Civil, pelo prazo efectivo de cinco anos, que se inicia em 1 de OUTUBRO de 2017 e termina em 30/09/2022.
2ª. – No fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelos Senhorios ou pelos Inquilinos.
(…)
4.ª – A renda é de 200 € (duzentos euros), vence-se no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito e terá de ser paga até ao dia 8 (oito) de cada mês, a renda deverá ser paga no local onde os senhorios indicarem, não podendo assim a senhoria fazer qualquer aumento de lei no prazo de 3 anos.”.
2. No dia 20 de Fevereiro de 2023, a Requerente enviou à Requerida uma carta registada com aviso de recepção, referindo, nomeadamente, o seguinte:
“ASSUNTO: DENÚNCIA DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO
MS, viúva, residente … (…), na qualidade de proprietária, venho pela presente comunicar Vª Exª, que não pretendo a renovação do contrato de arrendamento que teve início em 01/10/2017, com prazo de 5 anos e ao qual se renovava por períodos sucessivos de 1 ano, do imóvel sito na Rua …, pelo facto de necessitar do mesmo para a minha neta.
Nestes termos, e respeitando a antecedência mínima de 120 dias, nos termos da alínea, (b), do n.º 1 do art.º 1097º do CC, o arrendamento cessará no próximo dia 30 de Setembro de 2023, data em que terá de entregar o locado, livre de pessoas e bens, e as respetivas chaves. (…)”.
3. A missiva referida em 2. foi recebida pela Requerida no dia 22 de Fevereiro de 2023.
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Fundamentação jurídica
A questão que este tribunal ad quem tem de decidir radica na interpretação do art.º 1096º/1 do CCivil, na redação atual, dada pela Lei n.º 13/2019, que dispõe da seguinte forma: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Na decisão recorrida entendeu-se que a renovação do contrato de arrendamento, nos casos em que efetivamente ocorre, deu-se pelo período de 3 anos previsto naquela norma, não obstante estar previsto no contrato que o prazo inicial era de 5 anos e a renovação de um ano. Segundo a interpretação do tribunal a quo, o senhorio tem o direito de se opor à renovação no final do prazo contratualmente estabelecido. Mas se tal não acontecer e ocorrer a renovação do contrato, esta opera por 3 anos, pois neste segmento da norma, relativo à renovação, o preceito é imperativo. Só é supletivo na parte relativa à própria renovação, ou seja, é permitido às partes estabelecerem ab initio que não haverá renovação.
Esta interpretação tem, no entanto, vários problemas. Desde logo o facto de, assumindo que a interpretação quanto à natureza imperativa do prazo de renovação é correta, a aplicação dessa interpretação por parte do tribunal a quo não foi devidamente efetuada ao caso concreto. É que o preceito não diz que, salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se o prazo de renovação estabelecido for inferior[1]. Diz que tal renovação opera por 3 anos se o prazo de duração do contrato for inferior.
A norma não se refere a prazos de renovação estabelecidos no contrato. Estabelece apenas uma regra, que entendemos ser supletiva, para o caso de nada ter sido previsto quanto à renovação, dizendo que esta ocorre pelo período estabelecido no contrato para a duração inicial, ou por 3 anos, se aquela duração for inferior.
Daí que a conceção, acolhida pelo tribunal a quo, da natureza imperativa da norma na parte relativa à renovação conduza, no caso concreto, a que a renovação ocorra pelo período de 5 anos e não de 3 anos. É que os 3 anos só se aplicam caso a duração inicial seja inferior. No caso, a duração inicial era de 5 anos. Assim, aplicando a interpretação acolhida pelo tribunal a quo, a renovação que ocorreu em 2022 só terminaria em 2027, e não em 2025, como se entendeu na sentença e como também defende a recorrida.
Como se constata, a interpretação do art.º 1096º, na redação atual, acolhida pelo tribunal a quo resulta de uma errada leitura do texto do preceito. Se o preceito dissesse aquilo que a decisão recorrida refere que ele diz, ou seja, que o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se o prazo de renovação estabelecido for inferior, então talvez fosse de equacionar a possibilidade de tal norma ser imperativa, invalidando qualquer estipulação de prazo de renovação inferior a 3 anos.
Não sendo isso que a norma estabelece e não se referindo sequer a prazos de renovação, só resta concluir que a natureza supletiva que resulta inequivocamente do preceito, pois este começa logo pela expressão salvo estipulação em contrário, refere-se a todo o teor do preceito, ou seja, quer à estipulação de não renovação, quer à previsão de prazos de renovação inferiores a 3 anos.
E, ademais, sendo a norma inequivocamente supletiva, a interpretação quanto à existência de uma imperatividade é, na realidade, uma construção artificial que resulta de uma distinção que nem a letra do preceito nem o seu espírito comportam.
Aliás, nem se percebe a razão pela qual a lei iria proibir prazos de renovação inferiores a 3 anos. Os defensores da tese dessa imperatividade recorrem à norma do art.º 1097º/3 do CCivil, na redação dada pela mesma Lei nº 13/2019, segundo o qual a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Mas, salvo o devido respeito, não há qualquer relação entre a questão relativa à duração inicial do contrato e a renovação do mesmo.
O que se pretendeu com alteração ao art.º 1097º/3 foi simplesmente dar uma maior estabilidade ao contrato na fase inicial. A evolução da legislação do arrendamento no sentido de acabar com os arrendamentos vinculísticos começou com a previsão da possibilidade de fixação de contratos com prazo certo, mas que tinham de estabelecer um prazo mínimo inicial de 5 anos. Nesse caso o senhorio podia opor-se à renovação no final do prazo (o que não acontecia se o prazo fosse inferior, caso em que haveria renovação automática sem possibilidade de oposição por parte do senhorio). Depois evoluiu-se para a possibilidade de fixação de prazos inferiores até um ano. A Lei 13/2019 vai no sentido de voltar a estabelecer o tal prazo mínimo inicial, que, agora, se entendeu fixar nos 3 anos, com a finalidade de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, como afirmado no preâmbulo telegráfico constante do diploma. Mas a previsão de um prazo inicial mínimo, mesmo quando vigoravam os 5 anos, nunca tolheu com a possibilidade de fixação de prazos de renovação distintos do prazo inicial.
E repare-se que a alteração do art.º 1097º/3 não foi no sentido de invalidar a fixação contratual de prazos de renovação inferiores a 3 anos. O que se estabeleceu foi antes a ineficácia da declaração de oposição à renovação por parte do senhorio antes de decorridos aqueles 3 anos. Quer isto dizer, portanto, que esse preceito pretendeu unicamente consagrar um período de duração mínima, mas sem afetar o que as partes estabeleceram, nem quanto ao prazo de duração, nem quanto ao prazo de renovação, que se mantêm válidos. Após a duração mínima de 3 anos, a declaração de oposição à renovação efetuada ao abrigo de uma norma que estabelece, por exemplo, a renovação anual, é perfeitamente eficaz. Assim, um contrato celebrado pelo prazo de um ano com a previsão de renovação também anual, ao fim de 3 anos e se até essa altura não tiver havido oposição à renovação (que é eficaz, pois foi atingido o período mínimo de 3 anos), renova-se por um ano, podendo o senhorio eficazmente opor-se a qualquer renovação posterior, que opera anualmente.
Daí que não possamos, de forma alguma, usar o art.º 1097º/3 para interpretar o art.º 1096º/1. Primeiro, porque o art.º 1096º/1, como se mencionou, não refere prazos de renovação contratuais. Segundo, porque o prazo inicial do contrato é algo de completamente distinto do prazo inicial; só serve como critério temporal para determinar o prazo de renovação caso o contrato não preveja especificamente tal prazo. E terceiro, porque o art.º 1097º/3 não comina com a invalidade a fixação de prazos de renovação inferiores a 3 anos.
Acontece ainda que a natureza imperativa do prazo de renovação esbarra também num argumento óbvio invocado nas conclusões da recorrente, que cita um acórdão desta Relação nesse sentido: se a lei permite a estipulação da não renovação do contrato, sendo essa a parte em que a norma assume natureza supletiva, qual a razão para proibir a previsão de prazos de renovação inferiores a 3 anos? Se a lei permite o mais – a não renovação – naturalmente que tem de permitir o menos – a estipulação da renovação por prazo inferior a 3 anos.
Acresce ainda que essa interpretação iria causar grande perturbação no mercado de arrendamento pois conduziria a que os senhorios, a fim de evitar a renovação por 3 anos (se bem que, como se referiu acima, a correta consequência da interpretação da natureza imperativa do art.º 1096º/1 conduz à renovação pelo prazo inicial do contrato se for superior a 3 anos), iriam opor-se à renovação de todos os contratos, levando à celebração de novos contratos, com outras condições, quiçá mais penosas para os inquilinos.
Esta questão tem sido abundantemente tratada a nível jurisprudencial, havendo vários acórdãos, quer no sentido da imperatividade do tal prazo de 3 anos, quer no sentido da supletividade desse prazo. Acontece, porém, que, presentemente, é claramente maioritária a interpretação no sentido da supletividade. Aliás, nesta Relação de Lisboa tal interpretação é praticamente unânime.
No sentido interpretativo da norma que pugnamos temos os seguintes acórdãos (as partes citadas referem-se ao sumário dos acórdãos):
TRP 09.10.2023 1467/22.1YLPRT.P1 (in jurisprudência.pt)
I - A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva.
II - O uso da expressão “salvo estipulação em contrário” no início do mencionado preceito legal, significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
III - Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
TRL 06.07.2023 Proc. 2959/22.8T8SXL (in outrosacordaostr.com)
I – As normas do art.º 1096/1 do CC, quer na redacção da Lei 13/2019, quer na redacção anterior, têm natureza supletiva, pelo que nenhuma delas impede a aplicação do prazo de renovação que as partes estipularam no contrato.
II – É eficaz a comunicação da oposição à renovação que tem em conta que o contrato de arrendamento se renova por períodos de um ano, por força de cláusula contratual.
TRL 24.11.2022 Proc. 913/22.9YLPRT.L1 [De referir que este acórdão reporta-se à interpretação do art.º 1110/3 do CCivil, que também foi alterado pela Lei nº 13/2019, e se refere ao prazo de renovação dos arrendamentos não habitacionais, sendo a questão da imperatividade suscitada idêntica à interpretação do art.º 1096º/1 do Civil] (in outrosacordaostr.com).
A norma do art.º 1110/3 do CC (na redacção da Lei 13/2019) estabelece um regime supletivo, isto é, para o caso de as partes não terem estabelecido um regime próprio quanto à duração. Neste caso, a lei entende que o regime mais equilibrado é aquele em que, nestes contratos de arrendamento não habitacionais, cada uma das renovações tenha a duração de 5 anos. Mas a lei também entende que, havendo um regime particular, convencionado entre as partes, é ele que deve prevalecer, pelo que, neste caso, não interfere com esse regime particular. Assim, estando convencionado um regime de renovação por períodos de 2 anos é este que deve ser aplicado.
TRL 21.12.2023 5933/20.5T8LSB.L1-6 (in dgsi.pt)
A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.
TRP 14.09.2023 1394/22.2YLPRT.P1 (in dgsi.pt)
I - O prazo previsto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado.
II - O uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
III - Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
TRL 27.04.2023 1390/22.0YLPRT.L1-6 (dgsi.pt)
O prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.º do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12-02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo estipulação em contrário”.
TRL 10.01.2023 1278/22.4YLPRT.L1-7 (dgsi.pt)
I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos.
II. Dissente-se dessa interpretação porquanto:
i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus);
ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º;
iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo.
iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.
TRP 16.01.2024 3223/23.0T8VNG.P1 (dgsi.pt)
A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.
TRL 06.07.2023 2959/22.8T8SXL.L1-2 (dgsi.pt)
I– As normas do art.º 1096/1 do CC, quer na redacção da Lei 13/2019, quer na redacção anterior, têm natureza supletiva, pelo que nenhuma delas impede a aplicação do prazo de renovação que as partes estipularam no contrato.
II – É eficaz a comunicação da oposição à renovação que tem em conta que o contrato de arrendamento se renova por períodos de um ano, por força de cláusula contratual.
TRL 22.02.2024 1425/23.9YLPRT.L1-6 (dgsi.pt)
III-O prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12-02, é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo estipulação em contrário”.
TRP 12.07.2023 19506/21.1T8PRT-A.P1 (dgsi.pt)
I - O art.º 1096º, nº 1, do Código Civil, na redação da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro ( em vigor a partir de 13 de fevereiro 2019), permite que as partes convencionem a renovação automática do contrato e bem assim, sobre o prazo de renovação, contanto que este não seja inferior a um ano; nada dispondo sobre o prazo de renovação, considera-se que o mesmo é de três anos.
II - A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.
TRL 17.03.2022 8851/21.6T8LRS.L1-6 (dgsi.pt)
A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.
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Assim, interpretando a norma do art.º 1096º/1 do CCivil nos termos acima expostos, temos, vertendo ao caso concreto, que as partes estipularam que o contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de cinco anos, que se iniciou em 1 de outubro de 2017 e terminou em 30.09.2022. Estabeleceu-se ainda que “no fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano”. As partes estipularam, portanto, um prazo de renovação diferente do que consta do art.º 1096º/1, no uso da faculdade que a natureza supletiva do preceito permite.
No final daquele prazo o contrato de arrendamento renovou-se por um ano, até 30.09.2023. Face à comunicação de oposição à renovação do contrato, efetuada pela autora-recorrente, que foi válida e eficaz e produziu o efeito de impedir a renovação do contrato, este cessou a sua vigência naquela data.
Deste modo, resta concluir que procedem as conclusões invocadas pela autora recorrente, devendo a decisão recorrida ser revogada, procedendo na íntegra o recurso.

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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se que o contrato de arrendamento em causa nos autos cessou em 30.09.2023, procedendo integralmente o pedido de desocupação formulado pela autora, pelo que se condena a ré-recorrida a entregar o locado à autora livre de pessoas e bens.
Custas pela recorrida (art.º 527º/1 e 2 do CPC).

TRL, 18abr2024
Jorge Almeida Esteves
Adeodato Brotas
António Santos
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[1] Neste aspeto o tribunal a quo seguiu o pressuposto relativo ao teor do preceito de que também partiu Maria Olinda Garcia, citada na decisão recorrida (in Revista Julgar Online de março de 2019), na parte em que afirma: “Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior [sublinado nosso], parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação”.