Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4980/17.9T8LSB.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRAZO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEVER DE INDEMNIZAÇÃO
DANO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. A prescrição de um direito decorre do seu não exercício por um certo período de tempo.
II. Salvo disposição especial, na responsabilidade contratual o prazo da prescrição é de 20 anos, não sendo aplicável naquela sede o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do CCivil.
III. A impugnação da decisão de facto justificante de reapreciação da prova produzida por parte do Tribunal da Relação pressupõe a pertinência da factualidade impugnada para a decisão de direito.
IV. Na responsabilidade contratual, o dever de indemnizar o credor pressupõe uma situação de inexecução da obrigação, culposa e danosa.
V. Em matéria de responsabilidade contratual, a inexecução da obrigação só é danosa se for adequada à produção do prejuízo ocorrido, segundo o curso normal das coisas, conforme a probabilidade do devir da vida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Em 25.02.2017 o A., “AA”, intentou ação declarativa com processo comum contra a R., CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA., pedindo a condenação desta no pagamento, além do mais, da quantia de €5.000,00 a título de danos morais.
Como fundamento do seu pedido, o A. alegou, em suma, que a R. creditou em conta bancária do A. o valor de um determinado cheque por ele depositado junto da R., sendo que esta, entretanto, lançou a débito o valor correspondente ao mesmo cheque, sem autorização do A. ou prévia comunicação com este, o que violou as legítimas expectativas do A., bem como o princípio da boa fé contratual, de transparência e de lealdade que regem o contrato bancário celebrado entre as partes, assim como as boas práticas bancárias.
Alegou também que a descrita situação causou-lhe danos patrimoniais, bem como um choque emocional, sentindo-se, desde então, extremamente preocupado, com grave desgosto e perturbação psíquica, abalado no seu bem-estar e equilíbrio emocional, com forte angústia, ansiedade, mágoa, revolta, tensão, enervamento e constrangimento, insónias, estando mesmo num estado depressivo, com toma de medicação, e tendo sofrido em 25.12.2011 uma ameaça de AVC e em 03.04.2013 um AVC isquémico.
A R. apresentou contestação.
Arguiu a sua ilegitimidade e a prescrição do direito invocado pelo A., por terem decorrido mais de três anos entre a data em que o A. teve conhecimento do seu pretenso direito e a interposição da presente ação.
Referiu igualmente que o referido cheque não foi pago por ter sido devolvido na Câmara de Compensação por motivo de “falta/vício na formação da vontade”, conforme indicação do sacador.
A R. alegou também desconhecer dos danos morais invocados pelo A., sendo que o pedido de condenação da R. no montante de €5.000,00 revela-se desproporcionado, bem como desadequado e os meros inconvenientes e aborrecimentos ocorridos na vida de alguém não são suficientes para constituir a obrigação de indemnizar por danos morais.
Nestes termos, a R. concluiu pela improcedência da ação.
O A. pronunciou-se sobre as exceções invocadas pela R., concluindo pela sua improcedência.
Em 12.12.2017 realizou-se a audiência prévia, sendo que nela concluiu-se pela legitimidade passiva e determinou-se a suspensão da instância até que se mostrassem definitivamente decididos os embargos de executado n.º (…)/11.8T8TBLSA-A.
Decididos aqueles embargos, a audiência prévia prosseguiu em 16.11.2021, com a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
O Juízo Local Cível de Lisboa proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência vai a ré condenada a pagar ao autor o valor de 3.500 euros, a título de danos não patrimoniais».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a R., a qual apresentou as seguintes conclusões:
«1) O presente recurso da douta sentença prolatada nestes autos é limitado à parte da que condenou a R. aqui apelante a pagar ao A. o valor de 3.500,00 € a título de danos não patrimoniais;
2) Verifica-se a prescrição do alegado direito do A. a ser indemnizado por alegados danos morais porquanto o A. fundamentou a sua pretensão indemnizatória na alegada violação de uma obrigação legal pela ré – o nº 4 do art. 5º do DL 18/2007 de 23/1 - e não na violação de uma obrigação de natureza contratual;
3) Assim, o pretenso direito do A. prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do art. 498º nº 1 do C.C., sendo que o A. teve alegado conhecimento do seu pretenso direito no momento em 15.09.2008 (nº 26 dos factos provados), tendo a presente ação dado entrada em juízo apenas em 25.02.2017 ou seja muito para além do referido prazo de 3 anos, pelo que o pretenso direito indemnizatório se encontra prescrito;
4) Aliás, mesmo que se considere que estamos perante responsabilidade aquiliana o certo é que o regime jurídico previsto no art. 498º nº 1 do CC se aplica indistintamente à responsabilidade contratual e à extracontratual, pelo que o prazo será sempre o de 3 anos e não o de 20 anos, e, assim sendo, deveria a douta sentença ter declarado a prescrição do alegado direito;
5) A apelante impugna a decisão de facto quanto aos seus pontos 19, 22 e 23, que não deveriam ter sido considerados provados, mas sim não provados;
6) A douta sentença recorrida considerou que a matéria dada como provada nos pontos 19, 22 e 23 resultam da prova testemunhal apresentada pelo autor, bem como das suas declarações, ao que acresce o atestado médico junto com a PI, tudo à luz do normal acontecer, juízo este que não encontra respaldo nem na prova testemunhal nem na prova documental junta aos autos;
7) Em primeiro lugar cabe sublinhar que concluir que alguém se encontra em “estado depressivo” – ponto 23 dos factos provados - constitui um juízo especializado de valor de natureza médica/clínica, não se podendo, portanto, concluir que alguém se encontra em tal estado patológico através de depoimentos testemunhais de pessoas que não possuam credenciação técnica especializada no foro psicológico (i.e. fonte médica/clínica);
8) Assim, quanto à “Declaração” proveniente do Sr. Dr. “BB”, “Assistente Graduado em Clínica Geral”, datada de 03.06.2015, a mesma provém de um assistente graduado em clínica geral e não de um clínico especializado no foro psicológico/psiquiátrico, e o que resulta da mesma é que a alegada “ansiedade e depressão” resultam do facto de o A. ser “portador de doença do foro cardíaco desde meados de Abril de 2014” pelo que nada nesta Declaração associa a “ansiedade e depressão” ao facto ocorrido no dia 14 de setembro de 2009 (cfr. ponto 11 dos factos provados), pelo que não pode tal Declaração servir de prova/fundamento para poder dar-se como provada a matéria do ponto 23 dos factos provados;
9) E o mesmo se diga da alegada preocupação, grave desgosto, bem-estar e equilíbrio emocional, angústia, revolta, ansiedade e mágoa enervamento e constrangimento e insónias a que respeita o ponto 22 dos factos provados, atendendo a que nada nesta Declaração menciona sequer tais estados de espírito;
10) E, quanto ao “Relatório Clínico” prestado pelo Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, datado de 06.08.2015 não resulta alusão alguma a qualquer estado depressivo do aqui A. ou a qualquer medicação receitada para esse efeito revelando ainda que o mesmo é acompanhado desde Maio de 2013 naquele serviço hospitalar devido a ter sofrido um AVC Isquémico, e o mesmo se diga da alegada preocupação, grave desgosto, bem-estar e equilíbrio emocional, angústia, revolta, ansiedade e mágoa enervamento e constrangimento e insónias a que respeita o ponto 22 dos factos provados, atendendo a que nada neste Relatório menciona sequer tais estados de espírito;
11) Pelo que nada neste Relatório Clínico associa a “ansiedade e depressão” ao facto ocorrido no dia 14 de setembro de 2009 (cfr. ponto 11 dos factos provados), não podendo o mesmo servir de prova/fundamento para poder dar-se como provada a matéria dos pontos 19, 22 e 23 dos factos provados.
12) De salientar ainda que na alínea a) dos factos não provados o Tribunal considerou não provado que “O constante de 24 FP resultou da situação que se discute nos autos”, pelo que não ficou provada qualquer relação de causalidade entre o AVC Isquémico e os factos imputados à R.;
13) E, do “Relatório Resumo e Episódio de Urgência” comprovando a admissão do A. em 25.12.2011 no Centro hospitalar e universitário de Coimbra EPE nada resulta que comprove a existência de um estado depressivo, tomando medicação para o efeito, e o mesmo se diga da alegada preocupação, grave desgosto, bem-estar e equilíbrio emocional, angústia, revolta, ansiedade e mágoa enervamento e constrangimento e insónias a que respeita o ponto 22 dos factos provados, atendendo a que nada neste Relatório menciona sequer tais estados de espírito pelo que não pode o mesmo servir de prova/fundamento para poder dar-se como provada a matéria do pontos 19, 22 e 23 dos factos provados;
14) Quanto à prova testemunhal a testemunhal “FF”, testemunha ouvida em 20 de setembro de 2022, conforme acta dos autos, com gravação no sistema Habilus do Tribunal constante do ficheiro áudio 20220920103142_19250687_2871101.wma, com início pelas 11,00 horas e términus pelas 11,30 horas referiu ser amigo do A. tendo referido a 11,25h que: “O A. sempre que se fala deste assunto se mostra alterado e nervoso, pensa que por causa desta situação”, Tendo ainda comentado com a testemunha que: “os primos poderiam estar aborrecidos com ele”.
15) Em parte alguma deste depoimento testemunhal se alude a qualquer depressão ou a qualquer estado depressivo resultante da matéria dada como provada no ponto 11 dos factos provados, ou à tomada de medicamentação provocada por tal situação, nem tão pouco a qualquer alusão a que a alegada angústia do A.;
16) Em momento algum do seu depoimento faz qualquer alusão à alegada preocupação, grave desgosto, bem-estar e equilíbrio emocional, angústia, revolta, ansiedade e mágoa enervamento e constrangimento e insónias a que respeita o ponto 22 dos factos provados, sendo que se trata de testemunha que não tem qualquer competência técnica ou cientifica para “diagnosticar” estado de depressão ou de ansiedade patológica, Pelo que este depoimento não pode servir de fundamento à prova da matéria constante dos pontos 19, 22 e 23 da matéria de facto provada;
17) A testemunha “CC”, conhecido do A., comerciante de automóveis, ouvida igualmente em 20 de setembro de 2022, conforme acta dos autos, constando o seu depoimento gravado no sistema Habilus do Tribunal ouvida em 20 de setembro de 2022, com gravação constante do ficheiro áudio 20220920105145_19250687_2871101.wma, com início pelas 11,35 horas e términus pelas 12,00 horas, a este respeito apenas afirmou que, a 11,45h que: “Sabe que o autor teve problemas de saúde”,
18) Assim, esta testemunha, tal como a anterior, não só não tem qualquer competência técnico-científica para fazer diagnósticos de depressões ou estados depressivos como também a verdade é que nem sequer mencionou tal no seu depoimento, nem tão pouco aludiu à alegada preocupação, grave desgosto, bem-estar e equilíbrio emocional, angústia, revolta, ansiedade e mágoa enervamento e constrangimento e insónias a que respeitam os pontos 19, 22 e 23 dos factos provados;
19) Por último a testemunha “DD”, irmão do A., ouvida igualmente em 20 de setembro de 2022, conforme acta dos autos, constando o seu depoimento gravado no sistema Habilus do Tribunal ouvida em 20 de setembro de 2022, com gravação constante do ficheiro áudio nº 20220920150906_19250687_2871101.wma, nada mencionou no seu depoimento relativamente ao alegado estado depressivo do A.
20) E, por último, quanto às declarações de parte do A. prestadas no início da audiência de julgamento ocorrida em 20 de setembro de 2022, sempre se dirá que não podem ser consideradas um meio de prova concludente quanto à existência deste estado depressivo e alegada medicamentação e quanto à sua ligação causal à matéria dada como provada no ponto 11 dos factos provados, atendendo a que não encontram suporte probatório documental ou testemunhal que lhes sirva de respaldo, nem tão pouco quanto à matéria dada como provada nos pontos 19, 22 e 23;
21) O A. não juntou aos autos nenhum documento do qual pudesse resultar sequer um indício de prova do seu alegado estado depressivo, e da toma por si de qualquer medicação a tal estado associada, nem, tão pouco, à ligação causal desse alegado estado depressivo à matéria dada como provada no ponto 11 sendo inequívoco que sobre ele impendia o ónus da prova de tal matéria;
22) Conforme resulta destes depoimentos nenhuma destas testemunhas ouvidas em juízo tem conhecimentos técnicos/médicos para proferir diagnóstico sobre o foro psicológico do A., mormente para poder afirmar em juízo que o A. sofreu de uma depressão, ou de um “estado depressivo” e que tomou medicação para tal.
23) Pelo que, concluindo quanto à impugnação da douta decisão da matéria de facto o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os pontos 19, 22 e 23 da fundamentação de facto, que, assim, deverão ser dados como não provados, o que terá de ser sopesado na decisão de direito quanto à existência dos alegados danos morais e respetiva gravidade dos mesmos;
24) Daqui se conclui que os meios de prova indicados na douta sentença como fundamentadores de se ter dada como provada a matéria dos pontos 19, 22 e 23 da fundamentação de facto não se revelam aptos para a douta sentença poder alicerçar a condenação da apelante em danos morais;
25) Conforme se dá nota nos pontos 20 e 21 da matéria de facto provada o autor aqui apelado iniciou um processo de execução no Tribunal Judicial da Lousã na Instância da Comarca de Coimbra — Secção de Execução — J1 com o n.° (…)/11.8TBLSA, apresentando como título executivo o cheque no valor facial de 34.500,00 €, execução esta que foi embargada pelo executado sacador do cheque;
26) Ficou demonstrado, entre outros, nos pontos 12 e 20 dessa mesma matéria de facto do processo respeitante ao apenso dos embargos de executado que o sacador do cheque apurou que existia uma desconformidade entre a área do terreno que se propôs adquirir aos primos brasileiros do aqui A. e a efetivamente existente no terreno situação esta que foi comunicada pelo sacador do cheque ao aqui A, antes de 11 de setembro de 2009 (data em que ocorreu a revogação do cheque), desconformidade de áreas que justificou pela parte do sacador a revogação do cheque, os embargos à execução e, a final do processo, uma redução do preço contratado para a quantia de 24.889,06 €, da qual já havia recebido o montante de 4.000,00 € (pagos por cheque);
27) Pelo que o aqui apelado recebeu o montante que em sede de embargos (processo nº (…)/11.8TBLSA-A) correspondia ao real valor (após redução do negócio jurídico que serviu de causa à emissão do cheque) do terreno/prédio que vendeu como procurador de seus primos, e não se coibiu de, mesmo depois de um Tribunal ter decretado que apenas tinha direito a haver apenas aquela quantia, interpor uma nova ação (a presente) para tentar obter uma condenação da CGD no valor da diferença do valor nominal do cheque (34.500,00 €) quantia esta a que sabia não ter qualquer direito atenta a decretada redução do preço do negócio jurídico de compra e venda, o que é muito pouco condizente com uma atitude de boa fé;
28) O aqui apelado intentou a presente ação em ordem a obter uma sentença que lhe conferisse o direito a haver para si um diferencial e preço que não podia ignorar não ter qualquer direito a haver atenta a judicialmente decretada redução do negócio jurídico de compra e venda que deu causa à emissão do cheque;
29) O sacador do cheque tinha, assim, razão em fazer o que fez quando decidiu revogar o cheque com fundamento em falta/vício da vontade dando à CGD a ordem de não pagamento do mesmo, sendo, aliás, certo que o acto de revogação do cheque pelo sacador foi efetivado após o prazo de apresentação do mesmo a pagamento, ou seja, em conformidade com o art. 32º da L.U., conforme se constata da cópia do cheque e da ordem de revogação junta a estes autos com a p.i.;
30) Este contexto processual esvazia totalmente o fundamento do A. para reclamar danos morais da aqui apelante;
31) Com efeito, o A. não pode ter direito a ser indemnizado por danos morais decorrentes de o banco “por e tirar” do saldo disponível o montante do cheque de 34.500,00 € atendendo a que ficou demonstrado no processo executivo e apenso de embargos que não tinha direito a haver aquele montante;
32) E, as escassas horas que mediaram entre o banco ter dado como saldo disponível o montante do cheque e ter anulado tal movimento na sequência da revogação do cheque não justificam a condenação da apelante ao pagamento de quaisquer danos morais, nem o comportamento do banco pode ser considerado como causa adequada a tais alegados danos.
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença, na parte em que condenou a apelada ao pagamento de danos morais. Assim se fará Justiça!».
O A./Recorrido contra-alegou, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
- Da prescrição do direito do A./Recorrido;
- Da impugnação da decisão de facto;
- Do direito de indemnização por danos morais do A./Recorrido.
Assim.
III.
DA FACTUALIDADE INDICADA PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
O Tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade:
«1. Por acordo entre o autor e a ré, na agência sediada em Miranda do Corvo, o autor abriu uma conta bancária de depósito à ordem, na instituição ré, a que foi atribuído o n° (..)900.
2. Na qualidade de procurador dos proprietários de um prédio — objeto de escritura pública de justificação e compra e venda outorgada a 5 de Agosto de 2009 no Cartório Notarial de (…), que consta do Livro de Notas para Escrituras Diversas número (…)-E a fls. 23 a 25 — e em virtude dos mesmos estarem no Brasil, o aqui autor interveio nas negociações prévias à outorga da mesma com “EE”, ali comprador.
3. Aquando dessas negociações, entre o aqui autor e o comprador, foi estipulado, verbalmente, o preço de aquisição do dito prédio e o modo de efetivação da sua liquidação, no valor de 38.500,00€ (Trinta e oito mil e quinhentos euros).
4. A título de liquidação, a 4 de agosto de 2009, o comprador “EE” entregou ao aqui autor dois cheques, e neles apôs como data de emissão o dia 7 de agosto de 2009, sacados sobre a conta n.° (…)309 do Banco Millennium BCP.
5. Um no valor de 4000,00€ a título de sinal e antecipação de preço.
6. E outro, com o n.° (…)593, no valor de 34.500,00€, para liquidação do preço restante e despesas inerentes ao negócio.
7. Convencionaram, ainda, nesse mesmo dia, entre eles, que o cheque de menor valor (o aludido no ponto 5 FP) seria depositado na data nele aposta (7 de agosto de 2009).
8. O de maior valor (o aludido no ponto 5 FP), seria depositado somente após a publicação obrigatória da escritura de justificação no Jornal “O Mirante” o que se verificou a 1 de setembro de 2009.
9. Após a concretização da escritura, no dia 8 de setembro de 2009, sendo legitimo portador do mesmo, o autor apresentou a pagamento, depositando-o, pelas 11:46, na Caixa Automática — ATS. SERVIÇO AUTOMÁTICO da Caixa Geral de Depósito, na Agência de Miranda do Corvo, na sua conta de depósito à ordem- PT (…)900, o cheque n.° (…)593, aludido em 6 FP, endossado em seu nome, sacado sobre o Millenium BCP e datado de 7 de agosto de 2009, num valor de 34.500,00€.
10. Nesse seguimento, aquando o depósito bancário, esse montante foi levada à rúbrica “saldo contabilístico”.
11. Nas consultas posteriores ao saldo da sua conta bancária verificou, no dia 14 de setembro de 2009, pelas 11:30, a dita quantia depositada tinha sido levada para a rubrica “saldo disponível” da conta bancária sobredita e da qual o autor é titular.
12. Nesse mesmo dia —14 de setembro de 2008 — pelas 15:08, ao movimentar a sua conta bancária, verificou o autor que tal valor havia desaparecido do saldo disponível da sua conta.
13. Face à perplexidade ante o sucedido, procurou junto da ré saber o que se havia passado, tendo-lhe sido informado que o comprador “EE” tinha solicitado a revogação do dito cheque a 11 de setembro de 2009.
14. Tendo o banco aqui réu debitado o valor integral do cheque, já disponível, da conta bancária do autor, em virtude da ordem de revogação do cheque emitida pelo banco sacado.
15. Nesta sequência, a 15 de setembro de 2008, o autor foi notificado da devolução do cheque devido a ter sido revogado por “Falta/Vício de vontade”, simplesmente e sem qualquer outra justificação.
16. Ao creditar o valor do cheque na conta do autor, tomando o saldo disponível igual ao saldo contabilístico, o banco criou no autor a fé de que tal montante já não se encontrava sob reserva, condicionada à sua boa cobrança e a convicção de que o pagamento do cheque estava feito podendo, em consequência, movimentar a quantia depositada.
***
17. Com o dito dinheiro, o autor estava expectante liquidar, em nome dos vendedores, os honorários e as despesas que o Sr. Advogado “FF” teve no âmbito da legalização da casa, objeto da justificação/compra e venda, mas não pôde.
18. A fim de demonstrar que não teve qualquer culpa nos acontecimentos, o A liquidou, pessoalmente, ao Dr. “FF”, a 25 de fevereiro de 2010, 1400.00€ (mil e quatrocentos euros).
19. Ao ter sido retirado da conta bancária do autor, o valor do cheque que já se encontrava disponível, os primos brasileiros que representava, viram se e vêm se privados do montante nele aposto e puseram em causa a boa fé do autor e a sua honestidade, deixando de contactar com o mesmo, pois o comprador, apesar de estar a usufruir do prédio urbano na sua plenitude, não liquidou o preço global da aquisição nos montantes acordados, atribuindo as culpas ao autor.
20. No intuito de reaver o dinheiro retirado da conta e de demonstrar aos seus primos que foi tão defraudado quanto a eles, o autor iniciou um processo de execução no Tribunal Judicial da Lousã e que se encontra, atualmente, a correr na Instância da Comarca de Coimbra — Secção de Execução — (…) com o n-° (…)/11.8TBLSA.
21. Nessa ação executiva, o executado foi condenado a pagar o capital de 20.899,06€ acrescidos dos juros moratórios.
22. Toda a situação acima descrita provocou no autor um choque emocional sentindo-se, desde então, extremamente preocupado e viu-se submetido a grave desgosto e perturbação psíquica; ficou muito abalado no seu bem estar e equilíbrio emocional, com forte angústia, ansiedade, mágoa, revolta, tensão, enervamento e constrangimento; anda, constantemente, acometido de insónias que lhe dificultam o descanso e o sono; perdeu a confiança que os seus primos brasileiros depositaram nele quando o nomearam procurador, por factos que não originou.
23. O autor chegou mesmo a estar em estado depressivo; tomando medicação para o efeito.
24. O A sofreu, em 25/12/2011 uma ameaça de AVC e em 3/4/2013 sofreu um AVC isquémico com todas as suas consequências, tendo em consequência ficado com alterações de sensibilidade dos membros esquerdo e devendo tomar a terapêutica de prevenção vascular secundário.
***
25. A residência do A., sita na vila de Miranda do Corvo.
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26. O A. teve alegado conhecimento do seu pretenso direito (…) em (…) 15.09.2008[1].
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27. Em 08.09.2009, o cheque aludido em 6 FP foi depositado em na conta bancária do aqui A.
28. E foi devolvido na Câmara de Compensação encontrando-se aposta a data de 14.09.2009 e o motivo “falta/vício na formação da vontade” por “mandato do banco sacado", banco sacado este que como acima se referiu é o banco MILLENIUM BCP».
*
O Tribunal recorrido deu como não provada a seguinte factualidade:
«a) O constante de 24 FP resultou da situação que se discute nos autos.
b) Para além do que consta em 18 FP sua conta bancária pessoal e no âmbito da ação executiva, o autor já liquidou provisões de honorários a advogados, taxas de justiças da execução e da contestação à oposição, provisões de honorários a Agente de execução, despesas essa que, até à data, perfazem a quantia de 1.319.35€ (mil e trezentos e dezanove euros e trinta e cinco cêntimos) e vai ainda de futuro despender taxas de justiça, demais encargos judiciais, custas de parte e honorários com advogados no âmbito do aludido processo.
c) Com a devolução do cheque de outra instituição, a ré cobrou os encargos advindos da mesma, através de débito direto na conta, num montante total de 16,57€, montante esse que tem direito a reaver.
d) O autor tem que despender cerca de 192 euros de despesas cada vez que vem a Tribunal».
IV.
DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO A./RECORRIDO.
(Conclusões 2. a 4. das alegações de recurso).
Na situação vertente, invocando o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do CCivil, a R./Recorrente entende prescrito o direito do A. alegado nos autos, por ter decorrido mais de três anos entre o conhecimento por parte do A. daquele direito e a interposição da presente ação, ao passo que o A./Recorrido entende ser aplicável ao caso o disposto no artigo 309.º do CCivil e, pois, não estar prescrito o seu direito, na medida em que não decorreram 20 anos entre o conhecimento pelo A. do seu direito e a apresentação em juízo da ação.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 298.º, n.º 1, do CCivil, «[e]stão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição».
A prescrição de um direito decorre, pois, do seu não exercício por um certo período de tempo.
Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 2017, página 337, «[a] prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. (…)».
No que respeita ao prazo da prescrição, esta pode ser ordinária ou especial, consoante, respetivamente, esteja em causa o prazo prescricional comum de 20 anos ou prazo diverso deste, por aplicação ao caso de norma especial que estabeleça prazo prescricional distinto do indicado prazo ordinário de 20 anos.
Com efeito, com a epígrafe «[p]razo ordinário» o artigo 309.º do CCivil dispõe que «[o] prazo ordinário da prescrição é de vinte anos».
Por sua vez, em matéria de prescrição especial, entre outras normas com tal natureza, o artigo 498.º, n.º 1, do CCivil preceitua que «[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos (…)».
Embora não se desconheça posição diversa[2], do cotejo daquelas normas, sufraga-se aqui entendimento no sentido de que o referido artigo 498.º do CCivil é aplicável tão-só à responsabilidade extracontratual e pré-contratual, ao passo que que o apontado artigo 309.º do mesmo diploma legal é aplicável à responsabilidade contratual, na inexistência de outra norma aplicável ao caso.
 Como já referiam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I volume, edição de 1987, página 505, em anotação ao artigo 498.º do CCivil, «[o] prazo prescricional fixado neste artigo é inaplicável à responsabilidade contratual. De contrário, ficariam e coexistir, injustificavelmente, dois prazos de prescrição para a responsabilidade ex contractu: um prazo (de vinte dias) para a prescrição do direito à prestação convencional e outro (de três anos) para a prescrição do direito à indemnização pelo incumprimento (…)».
No mesmo sentido refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, edição de 2018, página 407, que «[a] prescrição da obrigação de indemnização encontra-se prevista no art. 498º, sendo esse regime genericamente aplicável a toda a responsabilidade civil, com excepção da responsabilidade obrigacional, sujeita ao mesmo regime de prescrição da obrigação incumprida[3]».  
Em suma, conforme Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da Universidade Católica Editora, edição de 2018, página 376, «[o] prazo de prescrição fixado pelo n.º 1 do artigo 498.º aplica-se ao direito de indemnização fundado em responsabilidade extra-contratual – incluindo a responsabilidade pelo risco (ex vi artigo 499.º) – e em responsabilidade pré-contratual (ex vi n.º 2 do artigo 277.º). Não é, em contrapartida, aplicável, segundo a doutrina maioritária, mas não unânime, ao direito de indemnização fundado em responsabilidade contratual, por entre outros argumentos, não fazer sentido considerar prescrito o direito de indemnização pelos danos resultantes do incumprimento no prazo de três anos, por aplicação do n.º 1 do artigo 498.º, quando o direito a exigir o cumprimento prescreve, em princípio, no prazo de vinte anos, segundo o prazo ordinário da prescrição (…)».
No sentido aqui preconizado, veja-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2018, processo n.º 304/17.3T8BRG.G1.S1, o qual refere que «o normativo substantivo civil – art.º 498º, do Código Civil - somente deverá ser tido em consideração quando a facticidade adquirida processualmente seja subsumível à responsabilidade civil extracontratual».
«Na verdade, em razão do enquadramento sistemático e da harmonia com o regime jurídico da responsabilidade civil por factos ilícitos, cujos preceitos estão plasmados nos artºs. 483º a 498º do Código Civil, sufragamos o entendimento de que o prazo de prescrição de 3 (três) anos, só deverá ser atendido estando em causa o exercício de direitos com fundamento na responsabilidade civil extracontratual».
Na situação vertente.
Está em causa a responsabilidade contratual da R./Recorrente.
Conforme decorre dos artigos 27.º a 38.º da petição inicial, a indemnização peticionada pelo A./Recorrido decorre alegadamente do incumprimento do contrato de conta bancária por parte da R./Recorrente: aquele, enquanto cliente, «abriu uma conta bancária de depósito à ordem» «na agência sediada em Miranda do Corvo» da R./Recorrente, instituição bancária - artigo 27/ da petição inicial -, sendo que a invocada responsabilidade desta decorre alegadamente do facto de o Banco ter debitado um determinado valor «na conta bancária da A., sem ter tido qualquer autorização deste para o efeito ou uma prévia comunicação com este», o que «violou as legítimas expetativas do A.», «as condições gerais e particulares do próprio contrato de abertura de conta e de depósito celebrado com o A.» «o princípio da boa fé contratual, de transparência e de lealdade que regia o contrato» e «as boas práticas bancárias que gerem os contratos bancários»  - artigos 36/ a 38/ da petição inicial.
Neste contexto, a referência ao Decreto-Lei n.º 18/2007, de 22.01, que «estabelece a data valor de qualquer movimento de depósito à ordem e transferências efectuados em euros, determinando qual o seu efeito no prazo para a disponibilização de fundos ao beneficiário», conforme respetivo artigo 1.º, constante dos artigos 18/ a 21/ da petição inicial, deve ser tomada no âmbito da apontada relação contratual e como expressão dos conceitos de «data de disponibilização», «saldo contabilístico» e «saldo disponível», a que se referem os artigos 23/ e 24/ da petição inicial, justificantes da responsabilidade contratual da R./Recorrente segundo o A./Recorrido.
A apontada factualidade alegada na petição inicial decorre da factualidade apurada, conforme factos provados 1. e 9. a 12.
Nestes termos, nos presentes autos está, pois, em causa a responsabilidade contratual da R./Recorrentes, pelo que na falta de outra norma jurídica em matéria de prescrição aplicável ao caso, urge recorrer ao disposto no referido artigo 309.º do CCivil, termos em que in casu o prazo prescricional é de 20 anos.
Ora, em 15.09.2008 o A. teve conhecimento do direito que alega nos autos, no qual fundamenta a sua pretensão indemnizatória, conforme facto provado 26., e a presente ação foi interposta em 25.02.2017, ou seja, muito antes do decurso do apontado prazo prescricional de 20 anos do seu alegado direito, pelo que este tem-se por não prescrito.
Improcede, assim, nesta parte o recurso.   
V.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(Conclusões 5. a 24. das alegações de recurso).
Nesta sede a R./Recorrente coloca em causa a factualidade dada como provada com os n.ºs 19., 22. e 23., entendendo que tais factos devem ser dados como não provados.
Apreciemos.
Sob a epígrafe «[p]rincípio da limitação dos atos], o artigo 130.º do CPCivil dispõe que «[n]ão é lícito realizar no processo atos inúteis».
Em ordem a salvaguardar a eficácia e a economia processuais, o legislador proíbe que no processo sejam praticados atos desnecessários ao desfecho da causa.
Uma tal inutilidade sucede designadamente quando seja interposto recurso da decisão de facto e o respetivo juízo recursivo seja absolutamente indiferente à decisão de direito.  
Dito de outro modo, a impugnação da decisão de facto justificante de reapreciação da prova produzida por parte do Tribunal da Relação pressupõe a pertinência da factualidade impugnada para a decisão de direito.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, páginas 161 e 162, «[o] direito adjetivo não constitui um fim em si mesmo, sendo um mero instrumento para resolução de litígios de acordo com o que emerge do direito material. Daí que no processo em que o litígio se dirime apenas devam ser praticados os atos que se revelem úteis para alcançar aquele desiderato, de forma simples e ágil, como o impõe o art. 6º. Tal poderá envolver, por exemplo, a rejeição da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto quando da mesma não decorra qualquer utilidade para a apreciação do litígio segundo as diversas soluções do direito que sejam plausíveis (STJ 17-5-17, 4111/13)».
Naquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, refere-se que «[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo».
«Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
«Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir».
«Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis».
«Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito».  
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2021, processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1, refere que «[a] jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que nada impede o Tribunal da Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil».
No mesmo sentido, lê-se no acórdão de 01.06.2023 proferido no processo n.º 85/17.0T8SRQ-C.L1, relatado pelo aqui 2.º Adjunto e subscrito pelo ora relator, ao que julga não publicado, «[a] reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas sim, um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque, ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um acto absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (…)».
In casu.
Os factos 19., 22. e 23. impugnados pela R./Recorrente referem-se aos efeitos não patrimoniais que a devolução do cheque e subsequente retirado do respetivo valor da conta bancária do A./Recorrido tiveram na pessoa desde.
Como melhor veremos em seguida, em causa está uma causalidade simplesmente naturalística, não uma causalidade normativa, termos em que tal factualidade, provada ou não provada, é absolutamente inócua ao desfecho da ação, pois a mesma é insuficiente para que se conclua pela causalidade normativa e constituindo esta um dos pressupostos da responsabilidade contratual em causa, necessariamente soçobra esta e, assim, a ação.
Em suma, por inútil o recurso da decisão de facto, urge rejeitar tal recurso, improcedendo também nesta sede o recurso.
VI.
DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DO A./RECORRIDO.
(Conclusões 1. e 25. a 32. das alegações de recurso). 
A presente ação funda-se em responsabilidade civil contratual.
Segundo o disposto nos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, do CCivil, «[o] devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor», sendo que «[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Na responsabilidade contratual, o dever de indemnizar o credor pressupõe, assim, uma situação de inexecução da obrigação, culposa e danosa.
Como refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume II, edição de 2018, páginas 251 e 252, a responsabilidade obrigacional pressupõe a ocorrência de um facto ilícito, que «corresponde (…) à violação de uma obrigação», a qual «tem (…) que ser imputável ao devedor», sendo que «não há constituição da obrigação de indemnização se não se verificar um dano» e este deve ser uma «consequência da falta de incumprimento por parte do devedor, exigindo-se, desta forma, o nexo de causalidade entre o facto e o dano».
No que respeita àquele nexo de causalidade.
Com tal epígrafe, o artigo 563.º do CCivil preceitua que «[a] obrigação de indemnização só existe em relação a danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Em causa está, pois, uma causalidade normativa.
Nos termos do apontado normativo, em matéria de responsabilidade contratual, a inexecução da obrigação só é danosa se for adequada à produção do prejuízo ocorrido, segundo o curso normal das coisas, conforme a probabilidade do devir da vida.
Como refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, edição de 2018, página 347, «(…) a introdução do advérbio “provavelmente” faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da condição para o desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo com um juízo de probabilidade, seja idónea a produzir um dano, o que corresponde à consagração da teoria da causalidade adequada».
No mesmo sentido refere Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da Universidade Católica Editora, edição de 2018, página 555, «[a] doutrina da causalidade adequada, que (…) foi acolhida no nosso direito, qualifica como causa de um dano o facto que, sendo em concreto uma condição necessária do resultado, é suscetível de produzir aquele prejuízo, segundo o curso normal dos acontecimentos. No juízo de prognose abstrata, são atendíveis as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis do lesante».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.12.2020, processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1, «[o] nexo de causalidade entre o facto e o dano não exige a demonstração de uma certeza científica ou naturalística, mas apenas um juízo de probabilidade de que o facto foi a causa adequada, em sentido normativo, da produção do dano».
Na situação sub judice.
É manifesto que a R./Recorrente cometeu um lapso e supriu este, sem mais, por modo próprio, induzindo em erro o A./Recorrido por algumas horas, conforme factos provados 1., 9. a 16., 27. e 28., a R./Recorrente deu como «disponível» na conta bancária do A./Recorrido o montante correspondente ao referido cheque de €34.500,00, sendo que tal cheque foi, entretanto, devolvido na Câmara de Compensações e R./Recorrente retirou, sem mais, da referida conta bancária o montante correspondente ao mesmo cheque.
Com tal procedimento, a R./Recorrente conferiu, pois, ao A./Recorrido informação relevante errada, não cumprindo a sua obrigação contratual de exatidão na informação prestada, pelo que nesses termos houve uma inexecução culposa de obrigação a que estava vinculado.
Em função da factualidade apurada, não, pode, contudo, dizer-se que a atuação da R./Recorrente tenha sido danosa para o A./Recorrido, pois, em função da globalidade da factualidade apurada e das regras da experiência comum, não é possível concluir no sentido da existência de um nexo de causalidade entre a apontada inexecução contratual e os danos apurados.  
Com efeito, conforme factos provados 19., 22. e 23, apurou-se que «toda a situação (…) descrita» causou danos morais ao A./Recorrido: os primos do A./Recorrido colocaram em causa «a sua honestidade, deixando de contactar com o mesmo», e o A. «teve um choque emocional, sentindo-se, desde então, extremamente preocupado», «submetido a grave desgosto e perturbação psíquica; ficou abalado no seu bem estar e equilíbrio emocional, com forte angústia, ansiedade, mágoa, revolta, tensão, enervamento e constrangimento; anda, constantemente, acometido de insónias que lhe dificultam o descanso e o sono», tendo chegado «mesmo a estar em estado depressivo; tomando medicação para o efeito».
Nos termos da decisão de facto constante da sentença recorrida, tais danos morais decorrem, pois, sublinha-se, de «toda a situação (…) descrita», conforme facto provado n.º 22., o que significa que aqueles danos resultam quer do referido cheque ter sido devolvido na Câmara de Compensação, quer da instauração da referida execução n.º (…)/11.8TBLSA, quer ainda de ter sido lançado a crédito na conta bancária do A. o valor correspondente ao referido cheque e esse valor ter sido daí retirado enquanto tal, algumas horas depois.
Ou seja, segundo a decisão de facto os danos morais descritos têm uma tripla causa, não se indicando nela, contudo, o contributo ou a medida de cada uma dessas causas na produção dos danos, sendo certo que a R./Recorrente apenas responde quanto a uma daquelas causas: o indevido lançamento a crédito do cheque em causa e subsequente anulação de tal crédito.
Assim sendo e ponderando a globalidade da factualidade apurada perante as regras da experiência comum, entende-se não ser possível estabelecer um nexo de causalidade entre tal atuação ilícita e culposa da R./Recorrente e os danos dados como provados.
Dito de outro modo, a apurada atuação da R./Recorrente não se mostra adequada à produção dos danos provados, segundo o curso normal das coisas, conforme a probabilidade do devir da vida, termos em que a R./Recorrente não responde civilmente, conforme a responsabilidade contratual suscitada pelo A./Recorrido.
De todo o modo, mesmo que assim não se entendesse, no confronto das apontadas concausas, considerando a factualidade apurada no seu todo e as regras da experiência comum, o indevido lançamento do crédito e seu estorno poucas horas depois sempre revestiria escassíssima relevância em matéria de danos, não revestindo gravidade que merecesse a tutela do direito, conforme artigo 496.º, n.º 1, do CCivil.
Foi seguramente a devolução do cheque na Câmara de Compensação, assim como o labor e vigor despendidos para recuperar o valor correspondente àquele cheque, designadamente com a instauração da referida ação executiva, que motivaram essencialmente os apurados danos morais sofridos pelo A./Recorrido, pelo que, não decorrendo tal devolução e a instauração da referida execução da atuação culposa da R./Recorrente, não pode assacar-se a esta a responsabilidade contratual pelos danos morais em causa nos autos.
Em suma, por a conduta da R./Recorrente não revestir de danosidade juridicamente relevante, carece de fundamento a pretendida responsabilidade contratual da R./Recorrente, pelo que procede o recurso desta, importa revogar a decisão recorrida e absolver a R. do pedido, mostrando-se prejudicado o conhecimento do demais suscitado no recurso, nomeadamente o alegado quanto aos efeitos decorrentes dos embargos de executado que correram por apenso à referida execução n.º (…)/11.8TBLSA, conforme disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, do CPCivil.
*
Quanto às custas.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu procede a pretensão da R./Recorrente e improcede a pretensão do A./Recorrido, pelo que este configura-se como parte vencida na ação e no recurso.
Nestes termos, as custas da ação e do recurso devem ser suportadas pelo A./Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

VII.
DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e absolve-se a R./Recorrente do pedido deduzido na ação.
Custas da ação e do recurso pelo A./Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao mesmo.

Lisboa, 07 de março de 2024
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira
Carlos Castelo Branco
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[1] Na decisão recorrida consta como provado que:
«26. O A. teve alegado conhecimento do seu pretenso direito no momento em que 15.09.2008.»
[2] Designadamente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.1997, com anotação crítica de Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 106.º, páginas 14 e seguintes, 110.º, página 87, e Pedro de Albuquerque, A Aplicação do Prazo Prescricional do n.º 1 do Artigo 498.º do Código Civil, ROA, ano 49, 1989, páginas 793 a 837, o qual, no essencial, afirma a autonomia do dever de indemnizar quanto ao dever de prestar. 
[3] «É a conclusão que se retira do art. 499º relativo à responsabilidade pelo risco e do art. 227º, nº 2, relativo a uma hipótese de terceira via da responsabilidade civil».