Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1336/15.1T9CBR.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: PERÍCIA
MOMENTO DA JUNÇÃO
PERÍCIA ELABORADA FORA DO PROCESSO
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–A superveniência do documento pressupõe um pedido uma ordem um elaborar tardio de um documento e a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido em 1ª Instância pressupõe que a matéria em relação á qual o tribunal acabou por decidir não tem que ver com a matéria decidenda ab initio.

II–A superveniência do documento, é referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva.

III–A realização de perícia fora do âmbito do processo não permite a sua valorização como tal mas poderá funcionar como um principio de prova que motivará o Tribunal a pedir perícia no âmbito processual.

IV–Os dados de facto do arrazoado técnico estão sujeitos à livre apreciação do julgador enquanto o juízo científico expendido só é passível de crítica “igualmente material e científica”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO proferido, na 3 ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa



Nos presentes autos veio CAS, recorrer da decisão que a condenou (sem prejuízo da condenação do arguido AS) pela prática, em coautoria de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alienas a) e c) e 202º, a), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e por um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, n 1, c) do Código Penal na pena de um ano de prisão, sendo que em cúmulo jurídico encontra-se a arguida condenada na pena única global de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período.
Encontra-se ainda a arguida condenada no pagamento à herança aberta por óbito de JCS no pagamento de 338 285,89 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados da data da notificação para contestação até integral pagamento.

Apresentou para tanto e em súmula as seguintes
Conclusões:

1)A decisão recorrida declarou procedente a acusação deduzida pelo Ministério Publico e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por SCS na qualidade de herdeira e representante da herança aberta por óbito de JCS e condenou a arguida (sem prejuízo da condenação do arguido AS) pela prática, em co-autoria de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alienas a) e c) e 202º, a), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e por um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, n 1, c) do Código Penal na pena de um ano de prisão, sendo que em cúmulo jurídico encontra-se a arguida condenada na pena única global de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período.
2)Encontra-se ainda a arguida condenada no pagamento à herança aberta por óbito de JCS no pagamento de 338 285,89 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados da data da notificação para contestação até integral pagamento.
3)A arguida desde o primeiro momento em que teve conhecimento dos fatos que lhe estavam a ser imputados que sempre esteve disponível para esclarecer tudo junto das autoridades competentes, o que fez igualmente em sede de audiência de julgamento, com o intuito de explicar a verdade ao tribunal recorrido e declarar a sua inocência.
4)Foi por isso com enorme surpresa e consternação que durante a realização da audiência de julgamento a arguida sentiu violado o princípio básico do Direito Penal da presunção da inocência, previsto na Constituição da República Portuguesa, consagrado no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
5)Tendo sido julgada pelo tribunal recorrido desde o início como se fosse culpada à partida, e não inocente como seria expectável, explicasse o que explicasse, com base numa acusação desprovida de sentido e de provas, assente numa teoria baseada em vinganças e em conspirações construídas pela queixosa e demandante SCS com o intuito claro que obter dinheiro a qualquer custo.
6)Fundamentou a demandante a pretensão na qualidade de mulher de JCS, falecido em 27.06.2017 no recebimento por este de uma indemnização por acidente de trabalho no Canadá no valor de 356 193,76 euros e na transferência desta quantia, pelos arguidos, para uma conta da arguida CAS, mediante a inscrição por esta, pelo próprio punho, nas ordens de transferência, no lugar destinado à assinatura do nome de JCS e no prejuízo patrimonial resultante da acção dos demandados.
7)Sucede, porém, que não só não existe prova nos autos que sustente a versão da acusação e/ou da demandante, como toda a prova produzida em audiência de julgamento permite concluir precisamente o contrário, e nessa medida, determinar a absolvição da arguida recorrente como em seguida se procurará demonstrar.
8)Em seguida a arguida recorrente enunciará os factos que foram incorretamente julgados pelo tribunal recorrido e que, em consequência, determinaram a sua condenação e que fundamentam o presente recurso:
9)O tribunal recorrido concluiu como provado, além do mais, que os arguidos formularam o propósito de se apropriarem do dinheiro que se encontrava na conta de JCS.
10)Que, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre ambos gizado, os arguidos de acordo com um plano previamente delineado, procederam no balcão do banco Montepio, no S____, à transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, sendo 62000,00 euros, em 28 de abril de 2014 para a conta nº PT…. titulada pela arguida CAS e 276285,89 euros, em Maio de 2014 para a conta nº PT … titulada pela arguida.
11)Que para tal a arguida assinou pelo seu próprio punho as ordens de transferência inscrevendo o nome do seu pai, dando a aparência junto da instituição bancária que a ordem de transferência bancária estava assinada por JCS.
12)Que a Instituição bancária, por sua vez, permitiu a realização das aludidas transferências bancárias, no que a mesma só consentiu porquanto a atuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, não só de que as assinaturas correspondiam à realidade, pois que de outra forma não teria aceitado a realização das transferências como sucedeu.
13)Que, em consequência, viu-se o referido JCS prejudicado, pelo menos, no valor das transferências bancárias.
14)Que sabiam os arguidos que JCS se encontrava em situação de fragilidade, devido à sua idade avançada e à anomalia psíquica que sofria e aproveitaram-se dessa situação.
15)Que os arguidos agiram, com o propósito conseguido de, através da aparência de realidade, que provocaram junto da instituição bancária sobre regularidade das assinaturas, obter para si um benefício, consistente na realização das transferências bancarias acima descritas no valor de 338 285,89 euros que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento do JCS.
16)Que os arguidos forjaram os acima documentos (assinatura) e sabiam que os mesmos não correspondiam à realidade.
17)Que colocaram deliberada e conscientemente em perigo, com a sua conduta, a credibilidade e a confiança de que gozam os documentos, como era desígnio dos arguidos.
18)Que os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
19)Em primeiro lugar caberá ter sempre presente ao longo da apreciação deste recurso a apreciação da conduta da arguida em separado da do arguido.
20)Isto porque a arguida manteve-se desde tenra idade, conforme foi pela mesma esclarecido em audiência de julgamento em sede de tomada de declarações e do relatório social provado, totalmente distanciada da figura paterna, desconhecendo totalmente a sua situação pessoal e financeira.
21)A arguida apenas soube que o pai e o irmão tinham emigrado para o Canadá aquando do regresso de ambos a Portugal, após o acidente sofrido pelo progenitor naquele país.
22)E tendo em conta a complexa situação pessoal decorrente da separação conflituosa do irmão com AF e financeira (acumulação de dividas), a arguida acedeu a apoiar o irmão num arrendamento de um quarto e na integração do pai num Lar de Idosos.
23)Foi neste contexto que a arguida acedeu a abrir uma conta bancária em seu nome, dada a complicada situação financeira do seu irmão que lhe transmitiu que não podia ter contas em seu nome.
24)O qual lhe transmitiu que o pai tinha manifestado vontade em que o dinheiro da indemnização ficasse numa conta em nome do filho e que ele gerisse esse dinheiro como bem entendesse, em benefício próprio e do pai sempre que este necessitasse, atenta a sua idade e dificuldade de mobilidade.
25)O que não suscitou qualquer dúvida para arguida por lhe ter sido dito pelo irmão que isso não configurava alteração nenhuma na vida do pai dos arguidos, tendo o arguido desde sempre vivido com o pai e era o irmão quem sempre cuidou dele e pagava as suas contas/despesas/tratamentos após o acidente.
26)Dado que a demandante nunca quis saber do pai dos arguidos, tendo-se separado dele há várias décadas.
27)Sendo que a arguida tinha ainda a convicção que o pai e a demandante se tinham mesmo separado, não sabendo sequer que se tinham casado formalmente.
28)De qualquer modo, como o pai da arguida e a demandante SCS eram casados sob o regime de separação de bens, ao abrir a conta bancaria e aceder ao desejo do pai em beneficiar o filho, não haveria implicações para terceiros dado que a arguida nunca quis, nem quer nada do pai.
29)Acresce que arguida nunca soube, até muito recentemente, sequer que tinha uma irmã.
30)Tendo apenas aparecido a demandante e filha agora, por terem sabido através da AF que JCS tinha recebido uma indemnização.
31)Informação essa aliás obtida pela demandante pela testemunha e ex-mulher do arguido AF (com quem mantém uma relação muito conflituosa) através da violação da caixa de mail do arguido, conforme resulta confirmado pelo mail junto aos autos na sequência do seu depoimento em audiência de julgamento.
32)Desde o primeiro momento que a arguida, aquando da abertura de conta no banco Santander que referiu ao seu irmão, aqui co-arguido, que não pretendia a aceder a qualquer quantia referente à indemnização, sendo a referida conta unicamente movimentada pelo seu irmão/arguido através de um cartão. E que tudo o que o mesmo precisasse, por exemplo, para a execução de transferências, bastava avisar e depois a arguida passava pelo banco para assinar as ordens de transferência que se revelassem necessárias.
33)Tudo isto foi esclarecido pela arguida ao tribunal, e corroborado pelo arguido e testemunha, que acompanhou a abertura da conta no banco Santander, MGMR.
34)Não há qualquer prova, mesmo após o despacho judicial a pedir informação a todas as instituições bancárias, de que a arguida tivesse sido beneficiária sequer de um euro do referido valor da indemnização transferido para a conta do Santander.
35)O que resulta provado, isso sim, da consulta dos extratos bancários juntos aos autos é que os únicos beneficiários do montante transferido para a conta do Santander foram o irmão e o pai JCS.
36)Note-se, como aliás já sucedia mesmo antes da transferência dos valores para o Santander.
37)Tal pode ser confirmado pelo extrato junto aos autos antes das datas das transferências, os valores já eram movimentados, mesmo a conta aberta pela arguida, pelo irmão que vivia com o pai na Figueira da Foz, na época.
38)Enquanto que a arguida vivia em Palmela e trabalhava em Lisboa.
39)Simplesmente face às ameaças de AF ao irmão de que lhe iria destruir a vida e deixá-lo na penúria, e com acesso ilegítimo ao seu mail, o arguido não podia o dinheiro do pai em risco e pensou que a forma melhor que proteger aquela quantia era mesmo colocar o dinheiro em nome da irmã, a quem a ex-mulher não teria como prejudicar.
40)Infelizmente enganou-se.
41)Encontra-se a arguida recorrente envolvida neste processo, sob uma acusação gravíssima, e até ao momento condenada por ter acedido a abrir uma conta em seu nome (e nada mais, não tendo sido beneficiada de qualquer montante)!
42)Nunca a arguida assinou as ordens de transferência pelas quais foi acusada e condenada, designadamente a transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, sendo 62000,00 euros, em 28 de abril de 2014 para a conta nº PT… titulada pela arguida CAS e 276285,89 euros, em Maio de 2014 para a conta nº PT… titulada pela arguida.
43)Isto foi declarado pela arguida, corroborado pelo arguido e esclarecido pela testemunha do balcão Montepio PI que recebeu as ordens de transferência e que explicou todo o procedimento, nomeadamente para valores como os que estavam aqui em causa.
44)Não percebe como pode o tribunal recorrido passar em branco por este depoimento da testemunha PI e simplesmente ignorá-lo.
45)Assim como o depoimento das demais testemunhas a seguir indicadas, e as próprias declarações do arguido AS que exclui a responsabilidade da arguida (fls 967 e prestadas no final da audiência).
46)A arguida, no início da audiência de julgamento, prestou declarações em 22.09.2022, onde procurou esclarecer a verdade e tudo quanto se tinha passado.
47)Para efeitos do presente recurso transcreveram-se os depoimentos das testemunhas relevantes para a matéria de facto que determinam uma conclusão de absolvição da arguida.
48)A saber as declarações dos arguidos, a funcionária da agência do Montepio, a funcionária do Santander, o marido da arguida e a perita.
49)Sem respostas da perita a arguida pediu, por sua iniciativa e extra processo, nova perícia junto do Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a fim de obter respostas e procurar repor a verdade material.
50)As novas perícias apenas ficaram concluídas em 16.09.2022, em data posterior à prolação do acórdão.
51)Nos termos do artigo 158º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, vem a Recorrente aqui requerer a junção dos novos relatórios periciais.
52)Na medida em que o relatório pericial em que a decisão recorrida se sustenta sofre de inconsistências que nem a própria perita subscritora se mostrou capaz de explicar quando inquirida em sede de audiência de julgamento.
53)Pelo que, um único meio de prova, obtido através de uma análise pericial subjetiva não se pode mostrar suficiente para levar à condenação no âmbito deste processo penal.
54)Nos termos dos artigos 425º, 651º do CPC aplicáveis por força do artigo 4º do CPP, para repor a verdade e para prova de que não houve intervenção da parte da arguida na assinatura dos documentos em causa e, em consequência não pode proceder a condenação da arguida.
55)Assim, a arguida solicitou a colaboração de LEDEM da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no sentido de averiguar se a escrita da assinatura de JCS, aposta nas duas transferências interbancárias em causa nos presentes autos, é ou não do punho de CAS.
56)Ou seja, trata-se de um problema de autoria de escrita.
57)Foram utilizados para o exame pericial os mesmos elementos usados para a perícia dos autos.
58)A comparação incidiu não só sobre características gerais de escrita mas também sobre características especiais, com relevância para pormenores de escrita de maior valor comparativo.
59)A presente perícia – e por consequência a perícia constante dos autos e que esteve na base da decisão recorrida – apresenta do ponto de vista científico consideráveis dificuldades pelo fato de os documentos contestados serem apresentados em duplicado.
60)Procederam ao exame comparativo entre a escrita das assinaturas contestadas de JCS e a escrita genuína de CAS, indicada como possivel autora.
61)A nova perícia concluiu que as características exibidas por CAS na escrita genuína, não se encontram na das assinaturas contestadas, pelo que considera que a escrita das assinaturas contestadas de JCS, pode não ter sido produzida pelo punho de CAS.
62)Sendo que nos exames de identificação de escrita não é susceptível de tradução em termos matemáticos de probabilidade, sem prejuízo de se entender como útil o uso de algumas expressões que traduzam uma forma graduada e sistematizada esse grau de segurança (cfr página 5 do relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
63)A conclusão é formulada com base no resultado do exame comparativo.
64)Para a formulação utilizou-se uma escala graduada que vai do maior grau de identidade gráfica até ao inconclusivo, e no sentido inverso, até à exclusão gráfica.
65)A peritagem foi colegial.
66)Pediu igualmente a arguida um exame pericial de veracidade, no sentido de averiguar se a escrita da assinatura aposta nas duas transferências eram ou não do seu punho.
67)Foi efetuada a comparação entre assinaturas inquestionáveis de JCS.
68)Do exame comparativo de pormenor entre a escrita das assinaturas genuínas e das contestadas, analisadas todas as letras revela igualmente semelhanças.
69)Donde se concluiu que as características exibidas por JCS, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram nas assinaturas contestadas, pelo que se considera que a escrita das assinaturas de JCS pode ter sido produzida pelo seu punho.
70)Colocadas em crise estão por isso as perícias juntas aos autos e que estão na base da decisão recorrida.
71)Acresce ainda salientar que por sentença de 10.10.2016, transitada em julgado em 16.11.2016 proferida nos autos nº …. que correram termos pela Comarca de Lisboa, Instância local do Seixal, Secção Civel J1, JCS foi declarado interdito por anomalia psíquica.
72)Em Outubro de 2016 e não antes!
73)Não pode o tribunal substituir-se ao perito médico e determinar que a anomalia psíquica já existia em 2014 (dois anos antes) aquando das transferências em apreço nos presentes autos.
74)Além de que ninguém o disse ou sequer demonstrou, muito menos a acusação.
75)Não pode o tribunal concluir pela anomalia psíquica de JCS pelo simples facto de ser internado num Lar, tal prendeu-se com o facto de na sequência do acidente ter ficado sem uma perna, ser necessário deslocar-se em cadeira de rodas e o filho arguido ter de procurar trabalho.
76)Por fim cabe ainda sublinhar que o dinheiro da indemnização foi usado em benefício do arguido e do pai JCS.
77)Era desse montante que foram pagos tratamentos, medicação, etc. de JCS, nunca lhe tendo faltado nada.
78)Pelo que não é verdade, nem sequer se encontra demonstrado em lado nenhum de qualquer dos extratos bancários das diversas contas da arguida, que em algum momento tenha obtido para si benefício ilegítimo à custa do empobrecimento de JCS.
79)Importaria para a decisão recorrida invocar a prova documental na qual sustenta a sua conclusão, o que não sucede no que respeita à arguida.
80)E ninguém pode ser condenado sem provas e com base em convicções pessoais destituídas de sentido, salvo melhor opinião.
81)Também no que concerne ao pedido de indemnização civil deduzido por SCS, a decisão recorrida sofre de violação de lei.
82)Porquanto ficou por provar pela acusação quanto do valor da indemnização resultou de benefício para o arguido e quanto resultou de beneficio para o pai deste.
83)Pelo que não faz qualquer sentido que se peça o valor da totalidade, como se o pai do arguido nunca tivesse gasto um cêntimo consigo próprio.
84)Muito menos sentido faz que a decisão condenatória condene a arguida no pagamento de 338 285,89 euros, quando desse montante nada recebeu.
85)Como pode ser condenada a pagar o que não recebeu?
86)Por outro lado, o valor da herança a partilhar não é o valor existente à data do óbito?
87)Pretende a demandante por esta via violar a lei civil.
88)Sendo que SCS quando deduziu o pedido de indemnização civil nem sequer tinha legitimidade para o fazer, só tendo apresentado a escritura de habilitação de herdeiros depois de finda a produção de prova e a convite do tribunal.
89)Além de que o pedido de indemnização civil nem sequer foi deduzido pela herança, como teria de ser, mas sim por uma suposta herdeira que auto se classificou como cabeça de casal e que se arroga como meeira mas no entanto era casada sob o regime de separação de bens.
90)Não há sequer número fiscal de herança nos autos, dado que a alegada cabeça de casal nunca fez a participação de imposto de selo.
91)A sentença recorrida não só violou a lei civil e processual ao ignorar todas estas excepções que levariam necessariamente à rejeição do pedido de indemnização civil, como o tribunal recorrido não refere em parte alguma da decisão condenatória que aqui se impugna, se a condenação dos arguidos no pedido de indemnização civil de 338 285,89 euros na restituição à herança é conjunta ou solidária.
92)O que constitui uma clara omissão de pronúncia.

93)Por tudo o que antecede, em face da conjugação da prova produzida, deveria o tribunal a quo ter separado as culpas dos arguidos, absolvendo a arguida e nessa medida dar como não provados os factos seguintes:
a)-O tribunal recorrido concluiu como provado, além do mais, que a arguida formulou o propósito de se apropriar do dinheiro que se encontrava na conta de JCS.
b)-Que, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre gizado entre os arguidos, estes de acordo com um plano previamente delineado, procederam no balcão do banco Montepio, no S_____, à transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, sendo 62000,00 euros, em 28 de abril de 2014 para a conta nº PT…. titulada pela arguida CAS e 276285,89 euros, em Maio de 2014 para a conta nº PT … titulada pela arguida.
c)-Que para tal a arguida assinou pelo seu próprio punho as ordens de transferência inscrevendo o nome do seu pai, dando a aparência junto da instituição bancária que a ordem de transferência bancária estava assinada por JCS.
d)-Que a Instituição bancária, por sua vez, permitiu a realização das aludidas transferências bancárias, no que a mesma só consentiu porquanto a atuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, não só de que as assinaturas correspondiam à realidade, pois que de outra forma não teria aceitado a realização das transferências como sucedeu.
e)-Que, em consequência, viu-se o referido JCS prejudicado, pelo menos, no valor das transferências bancárias.
f)-Que sabia a arguida que JCS se encontrava em situação de fragilidade, devido à sua idade avançada e à anomalia psíquica que sofria e aproveitou-se dessa situação.
g)-Que a arguida agiu, com o propósito conseguido de, através da aparência de realidade, que provocou junto da instituição bancária sobre regularidade das assinaturas, obter para si um benefício, consistente na realização das transferências bancarias acima descritas no valor de 338 285,89 euros que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento do JCS.
h)-Que a arguida forjou os acima documentos (assinatura) e sabiam que os mesmos não correspondiam à realidade.
i)-Que colocaram deliberada e conscientemente um perigo, com a sua conduta, a credibilidade e a confiança de que gozam os documentos, como era desígnio dos arguidos.
j)-Que os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.

94)A decisão recorrida ao condenar a arguida, violou assim o disposto nos artigos 256º, nº 1, alínea c) e 255º, alínea a) do CP, o artigo 217º, nº 1 e 218, nº 2, alínea a) e c) do CP, 129º do CP, 483º do CC.
95)Até porque não se encontram sequer verificados os pressupostos subjetivos, designadamente não existiu qualquer dolo por parte da arguida, e objetivos dos ilícitos criminais de burla qualificada (ausência de benefício para a arguida) e de falsificação de documento (não fez qualquer assinatura que não fosse a sua) no que respeita à conduta da arguida
96) decisão recorrida violou assim a lei, devendo ser substituída por outra que conclua pela absolvição da arguida dos ilícitos criminais de que se encontrava acusada e pela absolvição na totalidade do pedido de indemnização civil deduzido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 256º, nº 1, alínea c) e 255º, alínea a) do CP, o artigo 217º, nº 1 e 218, nº 2, alínea a) e c) do CP, 129º do CP, 483º do CC, a contrario, e ao abrigo do principio da presunção da inocência e do principio do in dúbio por reo.
***

Em primeira instância o MP pronunciou-se da seguinte forma
4.Conclusões

A)-Os recursos são remédios jurídicos;
B)-Como se extrai do nº 1 do artº 412º do C.P.P., as conclusões servem para resumir as razões do pedido, pelo que têm de reflectir a matéria tratada naquele texto, não podendo, de forma alguma, servir para alargar o objecto do recurso a matérias estranhas ao mesmo texto.
C)-Por outro lado, aquelas normas violadas não foram reportadas na motivação e nas conclusões do recurso, faltando, pois, também, neste particular aspecto, as razões do pedido.
D)-A recorrente não especificou nem na motivação nem nas conclusões qualquer norma pretensamente violada. E esta especificação era necessária – particularmente no recurso que apresentou –face aos temas alegadamente controversos – pois, sem essa indicação, fica sem sentido o recurso devido à falta da indicação das normas violadas, pelo que, também por este prisma, faltam as razões do pedido.
7- Neste sentido, Acs. Rel de Coimbra de 05.05.2010 e 05.01.2011, ambos relatados por José Eduardo Martins, antigo e Ilustre Juiz deste Tribunal de Almada que nos seus acórdãos, enquanto juiz de 1ª instância sempre esclareceu esta questão do “in dubio pro reu”, nos moldes aqui descritos.
E)-A não indicação de (todas) as referidas razões constitui violação do preceituado no nº 1 do art. 412º, do C.P.P., uma vez que se traduz na falta de conclusões.
F)-E a falta destas determina a falta de motivação, pois as conclusões são parte integrante – e fundamental – da motivação.
G)-Assim se tem entendido que, neste caso e sem necessidade de mais considerações, inobservado que se mostra o disposto no artigo 412, nº 1, nº 2 al. a), b) e c) e nº 3, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal deverá o mesmo ser rejeitado.
H)-Caso assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá que o Colectivo para condenar a arguida / recorrente baseou-se nos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como nos documentos, relatórios tudo conforme consta do acórdão em crise.
I)-Na aplicação da medida da pena o Colectivo atendeu, de forma rigorosa, aos preceitos legais em vigor.
J)-A pena que foi cominada à arguida, assegura, nos limites da estrita necessidade, as finalidades de prevenção especial, mostrando-se, no nosso entendimento, modesto é certo, bem equilibrada e sensata.
L)-Não merecendo qualquer reparo já que o seu “quantum” revela, de forma nítida, equilíbrio, sensatez e bom saber jurídico.
M)-Pelas razões anteriormente explanadas, não foram aduzidas pelo arguido, razões de facto e de direito, substanciais que justificassem a sua absolvição do pedido de indemnização em que foi condenado.
N)-Não nos merece, assim, o douto Acórdão recorrido, qualquer censura ou reparo.
O)-Pelo que não deve ser dado provimento ao recurso.
P)-E mantida a decisão da 1ª instância.
Assim se fará a costumada JUSTIÇA
***

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no seguinte sentido:

O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso apresentado pela arguida CAS, onde elenca e rebate os argumentos do recorrente, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
Cumpre sublinhar que o Tribunal ad quem não tem como função decidir novamente as questões anteriormente decididas na sentença recorrida.
O acesso a um segundo grau de jurisdição não é uma segunda oportunidade para a recorrente tentar obter uma outra decisão que lhes agrade mais, e substitutiva de uma decisão já proferida nos autos e que não lhes agrada porque desfavorável.
A função do Tribunal ad quem é de reparar um erro na decisão.
In casu, está demonstrado que o dono do dinheiro, pai da arguida, não falava com ela há mais de 20 anos, encontrando-se internado num lar, estando interditado, porquanto já não reagia a interacções, nomeadamente com familiares.
Não obstante, naquele período, está documentalmente provado a ocorrência de duas transferências bancárias da conta titulada por aquele pai no Montepio (agência da Figueira da Foz), para uma conta no banco Santander, titulada pela arguida CAS.
A primeira transferência ocorreu a 28.4.2014, no montante de € 62.000. – cfr. fls. 1146 vº
A segunda transferência ocorreu a 2.5.2014, no montante de € 276.285,89. – cfr. fls. 1147.
Estão igualmente documentados os movimentos posteriormente registados na conta da arguida do banco Santander. – cfr. fls. 45/68, 92/106, 418/419, 424, 879/936 e 978/1008.
O exame grafológico efectuado confere uma possibilidade de 50 a 70% em como a assinatura aposta no documento que autoriza a transferência pertencer à arguida CAS.
A questão colocada em recurso reflecte apenas uma discordância da apreciação probatória que foi feita, baseada na circunstância de o tribunal recorrido não ter valorado a versão dos factos apresentada pela arguida, e ao invés ter considerado que de acordo com as regras da experiência, os elementos probatórios apurados são de molde a permitir a conclusão de que a arguida cometeu os crimes por que foi efectivamente condenada.
Para além da prova documental apurada, cumpre referir que no que tange aos depoimentos prestados, sabemos a importância da oralidade e da imediação na sua apreciação crítica.
Tais depoimentos contêm acervo de informação não verbal importante para a valoração da prova, naturalmente interpretado de acordo com as regras da experiência de vida.
Considerar uma arguida ou uma testemunha credível ou não credível, é uma questão de convicção.
Ora, desde que o tribunal recorrido enuncie de forma racional, e com lógica, o motivo pelo qual, beneficiando da oralidade e da imediação da prova, considera determinado depoimento e desconsidera, deve tal juízo ser aceite, porque a apreciação e valoração da prova (afinal a função mais nobre do juiz) deve ser feita livremente, de acordo com a sua convicção, assentando esta num raciocínio lógico, coerente e racional, de acordo com as regras da experiência.
Assim, considerando que nenhum argumento e/ou razão se encontra invocado no recurso do recorrente que permita afastar as premissas em que assentou a decisão recorrida e, nada obstando ao conhecimento do recurso, emite-se parecer no sentido da manutenção do decidido, pois que se concorda com os fundamentos de facto e de Direito contidos, quer na resposta do Ministério Público, quer na decisão recorrida, consequentemente se pugnando pela improcedência do recurso.
***

A decisão recorrida contém no seu essencial o seguinte:

A)PROVADOS (com relevo para a decisão):
1.JCS nasceu em 9 de outubro de 1943 e faleceu no dia 27 de junho de 2017.
2.Em abril e maio de 2014, JCS esteve integrado em regime de internamento no estabelecimento de apoio social do Lar São ....., Lda., sito na Av. ... ..... , Lote ... – B, ..... ....., no S_____.
3.Por sentença de 10 de outubro de 2016, transitada em Julgado em 16 de novembro de 2016, proferida nos autos n.º … que correram termos pela Comarca de Lisboa, Instância local de Seixal, Secção Cível-J-1, JCS foi declarado interdito por anomalia psíquica.
4.Os arguidos AS e CAS são filhos de JCS e de MCS.
5.JCS recebeu uma indemnização por acidente de trabalho no Canadá na quantia total de €356.193,76, que foi transferida/depositada na conta n.º 146…. da Caixa Económica Montepio titulada por JCS.
6.Os arguidos formularam o propósito de se apropriarem do dinheiro que se encontrava na conta de JCS.
7.Assim, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre ambos gizado, os arguidos de acordo com um plano previamente delineado, procederam no Balcão do Banco Montepio, na Rua do ..... das ..... ....., n.º ..., B/D, A....., S_____, à transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, sendo € 62.000,00, em 28 de Abril de 2014 para a conta n.º PT … titulada pela arguida CAS e €276.285,89, em 02 de Maio de 2014 para a conta n.º … titulada pela arguida CAS.
8.Para tal a arguida CAS-, assinou pelo seu próprio punho as ordens de transferência, inscrevendo o nome do seu pai, dando a aparência junto da instituição bancária que a ordem de transferência bancária estava assinada por JCS.
9.A instituição bancária, por sua vez, permitiu a realização das aludidas transferências bancárias, no que a mesma só consentiu porquanto a atuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, não só de que as assinaturas correspondiam à realidade, pois que de outra forma não teria aceitado a realização das transferências, como sucedeu.
10.E, em consequência, viu-se o referido JCS prejudicado, pelo menos, no valor das transferências bancárias.
11.Sabiam os arguidos que JCS se encontrava em situação de fragilidade, devido à sua idade avançada (setenta anos à data dos factos) e à anomalia psíquica que sofria e aproveitaram-se dessa situação.
12.Os arguidos agiram, com o propósito conseguido de, através da aparência de realidade, que provocaram junto da instituição bancária sobre regularidade das assinaturas, obter para si um benefício, consistente na realização das transferências bancárias acima descritas, no valor total de € 338.285,89, que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento do JCS.
13.Os arguidos, forjaram os acima referidos documentos (assinatura) e sabiam que os mesmos não correspondiam à realidade.
14.Colocaram deliberada e conscientemente em perigo, com a sua conduta, a credibilidade e a confiança de que gozam os documentos, como era desígnio dos arguidos.
15.Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(Dos certificados de registo criminal):
16.Do certificado de registo criminal da arguida CAS não constam condenações.
17.Do certificado de registo criminal do arguido AS consta condenação, por sentença transitada em julgado em 16/11/2017, processo …, juízo local criminal da Amadora, juiz 1, por um crime de detenção de arma proibida previsto no artigo 86º, nº1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, praticado em 12/07/2016, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, extinta em 25/02/2021.
(Do pedido de indemnização civil):
18.JCS nasceu em 09 de outubro de 1943 e faleceu em 27 de junho de 2017, no estado de casado com SCS.
19.O falecido JCS deixou três filhos, AS, CAS e TAV.
20.O casamento de JCS e SCS foi realizado sob o regime imperativo de separação de bens.
(Dos relatórios sociais):
21.AS é o mais velho de uma fratria de dois elementos, tendo-se desenvolvido junto dos pais até aos cinco anos de idade.
22.Nessa altura ocorreu a separação dos progenitores e os filhos ficaram aos cuidados do pai e avó paterna.
23.O pai refez a sua vida afetiva contraindo matrimónio com SCS (assistente no processo).
24.Apesar de o casal se ter separado, tinha o arguido 11 anos de idade, não ocorreu a dissolução do casamento.
25.A irmã de AS, coarguida, foi vítima de maus tratos por parte da madrasta, pelo que passou a integrar o agregado familiar da mãe, que também refez a sua vida conjugal, tendo tido mais um filho.
26.O arguido, paulatinamente, deixou de ter contactos com a sua mãe, por imposição da madrasta, mantendo, contudo, contactos pontuais com a irmã.
27.Na idade adulta, retomou os contactos com a mãe, que faleceu em 2018.
28.AS desenvolveu-se em Lisboa num contexto familiar securizante junto do pai beneficiando também do enquadramento dos avós maternos e paternos, dada a proximidade habitacional de ambos, constituindo-se estes familiares como as suas figuras de referência afetiva.
29.Em termos económicos detinham uma situação equilibrada, o pai do arguido foi futebolista profissional tendo jogado em diversos clubes, pelo que o arguido vivenciou alguma mobilidade habitacional e territorial.
30.AS viveu sempre com o pai, nunca se tendo desvinculado da coabitação com este, mesmo na idade adulta quando contraiu matrimónio em 1990, do qual tem duas filhas.
31.O arguido teve outras relações afetivas das quais tem mais dois filhos.
32.Das suas relações afetivas destaca-se a conflitualidade com a ex-companheira AF, com a qual viveu em união de facto durante sete anos e com quem tem em comum uma filha, menor de idade, a única com quem o arguido não mantém relacionamento, lamentando a separação da filha e o desconhecimento do seu paradeiro.
33.O arguido iniciou a escolaridade na idade normal habilitando-se com o 11º ano de escolaridade.
34.Saiu da escola por volta dos 18 anos tendo iniciado trabalho, de forma regular, com experiência em diferentes áreas de atividade (limpezas, ramo automóvel e restauração).
35.Interrompeu a atividade laboral durante dois anos para cumprir o serviço militar na Marinha.
36.Praticou andebol como atleta federado dos 11 aos 18 anos de idade.
37.Em 2005 AS emigrou para o Canadá, onde se encontravam uns tios que o acolheram durante quatro meses até se reorganizar.
38.Desenvolveu atividade na construção civil e numa padaria o que lhe permitiu receber o seu agregado familiar constituído pelo pai, companheira AF e a filha do casal.
39.Naquele país, o pai do arguido sofreu um acidente tendo-lhe sido amputado um membro inferior pelo qual recebeu uma indemnização no valor aproximado de 360.000€.
40.O arguido para cuidar do pai teve de abandonar o trabalho pelo que a sustentabilidade se tornou incomportável tendo a família regressado a Portugal ao fim de dois anos e meio.
41.Fixaram residência na Figueira da Foz onde o arguido e a companheira exploraram um restaurante, negócio que não foi bem-sucedido, contribuindo para uma situação económica complexa e precária, tendo-se deteriorado também o relacionamento do casal, culminando na separação.
42.O arguido foi residir com o pai para F_____ F____, dada a situação de precariedade económica vivenciada, arrendaram uma casa com fracas condições de habitabilidade atendendo às necessidades especiais do pai.
43.AS angariou trabalho na restauração pelo que deixava o pai sozinho quando se ausentava para trabalhar.
44.Perante as dificuldades que o arguido se encontrava a vivenciar com o pai a seu cargo, pediu apoio à irmã sua coarguida, CAS no sentido de colocarem o pai de ambos num lar de idosos.
45.Neste contexto houve uma reaproximação dos irmãos, disponibilizando-se CAS, atenta às dificuldades apresentadas pelo irmão de âmbito económico, a abrir uma conta bancária em seu nome com o único propósito de ali ser depositada a indemnização do pai, a qual foi gerida somente por AS.
46.SCS, na qualidade de cônjuge do pai do arguido (situação que o filho desconhecia) teve conhecimento por intermédio da ex-companheira do arguido, AF, da existência da uma indemnização e desencadeou uma ação judicial junto do Tribunal do Seixal, onde foi declarada a interdição do pai do arguido, sendo a tutela atribuída a SCS e à filha desta.
47.O pai do arguido foi retirado do Lar onde se encontrava tendo passado a residir com SCS e/ou com a filha, tendo o arguido deixado de saber do paradeiro do pai.
48.AS foi contactado seis meses mais tarde por SCS a informar que o pai se encontrava hospitalizado, tendo falecido pouco tempo depois, em 2017.
49.No presente AS reside com MR, a sua companheira desde há oito anos e com o filho daquela, com 17 anos de idade, em casa arrendada pelo valor de 650€, na morada dos autos.
50.O arguido trabalha em regime de prestação de serviços no ramo automóvel numa empresa de rent-a-car auferindo um salário variável que se circunscreve ao ordenado mínimo nacional e a companheira exerce funções de agente imobiliária por conta de uma empresa, sendo que na qualidade de vendedora aufere comissão por cada imóvel vendido ou arrendado, pelo que o seu rendimento também é variável, porém o casal gere o seu quotidiano de forma equilibrada face às despesas. correntes, beneficiando do apoio económico dos sogros do arguido em momentos de maior dificuldade.
51.A vida de AS estabilizou desde que iniciou a coabitação com a atual companheira, revelando gratidão pelo apoio que esta lhe tem dado nomeadamente pelo facto de o ter ajudado a recuperar o relacionamento com os três filhos de duas ex-companheiras com quem viveu.
52.O atual modo de vida do arguido circunscreve-se ao trabalho e à convivência com a família constituída, aos seus três filhos e aos sogros, familiares pelos quais o arguido nutre sentimentos de pertença.
53.Perante os factos objeto do processo, AS evidencia sentimentos de tristeza pela forma como ocorreu o final de vida do pai, de ansiedade e desgaste emocional dada a acusação que lhe é dirigida e pelo seu envolvimento no atual processo, por não se rever na acusação, considerando que, globalmente, a sua atuação e procedimentos ao longo de toda a sua vida junto do pai, de quem nunca se separou, são isentos de reparos.
54.O percurso de vida do arguido decorreu no seio de uma família de origem que lhe conferiu estabilidade tendo criando laços afetivos e de pertença ao pai e aos avós de ambos os lados da família, destacando-se a sua ligação ao pai com quem sempre coabitou.
55.AS revela no seu percurso de vida alguma instabilidade nas relações afetivas estabelecidas e alguma desorganização financeira que determinaram momentos de precariedade económica e mobilidade laboral, contudo, parece evidenciar hábitos de trabalho, os quais a par do contexto familiar que possui no presente, se constituem fatores de proteção.
56.CAS, de 50 anos de idade, é a segunda de dois filhos de um casal que se separou ainda na primeira infância da arguida.
57.CAS viveu até aos 4/5 anos de idade integrada no agregado familiar paterno, juntamente com a “madrasta” SCS (assistente neste processo) e o irmão mais velho, AS, coarguido nos presentes autos.
58.Recorda este período da sua vida com ressentimento e tristeza, afirmando ter sido vítima de negligência e maus-tratos por parte de SCS, o que a motivou a pedir para integrar o agregado familiar materno a partir dos 5 anos de idade, passando a residir em Lisboa.
59.A arguida passou a residir com a mãe, o companheiro desta e filho do casal, seu irmão mais novo/uterino, com estabeleceu um forte vínculo afetivo.
60.Inicialmente passava alguns fins-de-semana com o pai, mas com o tempo e a entrada na adolescência foi-se afastando emocionalmente da figura paterna, mantendo apenas o contacto com o irmão mais velho, AS, coarguido neste processo.
61.CAS frequentou o ensino regular, tendo concluído o ensino secundário sem reprovações e ingressou no ensino superior, tendo frequentado e concluído um bacharelato na área da administração e secretariado.
62.O percurso laboral foi iniciado em paralelo aos estudos superiores, tendo a arguida trabalhado cerca de 8 anos numa secretaria de estado, transitando posteriormente para empresas privadas.
63.A nível pessoal a arguida contraiu casamento aos 26 anos, união da qual nasceu o seu filho mais velho, tendo o casal optado pelo divórcio quando o menor contava um ano de idade.
64.Há cerca de 21 anos iniciou relacionamento com HS, seu atual marido, com quem casou em 2006, tendo desta união nascido um filho, atualmente com 17 anos de idade, sendo que o filho primogénito de CAS sempre integrou este agregado.
65.No contexto desta relação a arguida passou a trabalhar na empresa do marido – U..... C....., da qual é atualmente sócia, empresa de marketing, publicidade e organização de eventos, com sede em Lisboa.
66.À data dos factos que originaram o presente processo, em 2014, CAS vivia com o marido e os dois filhos, gerindo com o segundo a empresa do casal.
67.Mantinha um contacto pontual com o irmão, AS, e mantinha-se totalmente distanciada da figura paterna.
68.É evidente o desconforto que a arguida sente ao falar da sua história familiar, principalmente no que se refere à primeira infância e ao afastamento ao pai e irmão mais velho.
69.Este afastamento contextualizará o facto de a arguida afirmar que desconhecia que pai e irmão tivessem emigrado para o Canadá, realidade da qual alegadamente só terá tido conhecimento aquando do regresso dos familiares a Portugal, após o acidente sofrido pelo progenitor naquele país.
70.Tendo em conta a complexa situação pessoal (separação conjugal conflituosa de AF, testemunha nos presentes autos) e financeira (acumulação de dívidas) do irmão e coarguido, CAS apoiou-o a nível económico nomeadamente no arrendamento de um quarto e integração do pai de ambos em Lar de Idosos.
71.Avaliando o estilo de vida do irmão como desestruturado, tanto a nível financeiro como relacional, e com o qual não se identificava, reconhecia que AS era muito dedicado e preocupado com o progenitor, informação corroborada pelo marido e pelo irmão uterino da arguida, pelo que acedeu a ajudá-lo.
72.Terá sido neste contexto que a arguida concordou abrir uma conta bancária para a receção do valor da indeminização atribuída ao pai na sequência do acidente sofrido no Canadá, uma vez que, dada a sua complexa situação financeira, o irmão não poderia ter contas bancárias.
73.Desde o início terá dito a AS que não pretendia aceder a qualquer quantia referente à indeminização, sendo a referida conta gerida unicamente pelo irmão/coarguido, através de um cartão de débito.
74.CAS afirma não ter tido consciência de ter cometido qualquer tipo de ilegalidade.
75.No que se refere ao facto de o pai se manter legalmente casado com SCS, a arguida afirma que desconhecia esta situação, tendo a ideia de que a madrasta tinha saído há muito da vida do progenitor.
76.CAS só terá tido conhecimento da manutenção do casamento e do nascimento de uma irmã germana quando, em 2016, SCS retirou o pai da arguida do Lar onde se encontrava, vindo o mesmo a falecer em 2017.
77.Atualmente CAS vive na morada que consta nos autos, com o marido e os dois filhos, ambos estudantes.
78.A empresa familiar sofreu um impacto negativo significativo com a situação de pandemia COVID-19, em especial no que se refere à vertente de organização de eventos, pelo que, tendo chegado a empregar cerca de 17 funcionários, contam atualmente apenas com dois colaboradores, tendo conseguido, com sacrifício cumprir as obrigações fiscais e para com a Segurança Social.
79.Cada elemento do casal aufere cerca de €1200.00 mensais correspondentes a salários.
80.O agregado familiar reside em casa própria, adquirida através de empréstimo bancário, cuja prestação mensal é de cerca de €500.00.
81.Para além desta despesa, surge como mais significativa a referente à mensalidade do colégio do filho mais novo da arguida, na ordem dos €630.00.
82.Para além da atividade laboral o casal dedica-se ainda ao voluntariado, colaborando com a Associação “Terra dos Sonhos”.
83.No que diz respeito às suas características e competências pessoais, CAS evidenciou, no contexto da entrevista realizada, boas competências ao nível da comunicação e uma atitude aparentemente genuína e de colaboração.
84.Considera-se uma pessoa organizada, normativa e cumpridora de regras.
85.Procurou transmitir aos filhos valores como a justiça, a honestidade, o respeito pelo outro e humildade.
86.Pelo marido é descrita como uma pessoa com muita força, persistente e determinada, bem como altruísta, para além de boa esposa e mãe e pelo seu irmão mais novo e pela sua amiga como uma pessoa muito generosa, disponível e prestável, muito trabalhadora e rígida no que se refere ao cumprimento de deveres e normativos.
87.Sem antecedentes criminais, CAS vive com ansiedade a sua condição de arguida num processo-crime, pese embora esteja confiante que, em sede de julgamento, ficará esclarecida a verdade dos factos.
88.Apesar desta atitude de confiança a presente situação jurídico-penal tem tido um impacto significativo no seu bem-estar emocional, tendo tido que recorrer a medicação ansiolítica.
89.A arguida identifica os bens sociojurídicos em causa, mas não se revê na acusação de que é alvo, contextualizando o seu envolvimento numa intenção de ajudar o irmão mais velho, afirmando não ter tirado da situação qualquer benefício financeiro, nem ter tido a intenção de prejudicar terceiros, reiterando o seu desconhecimento face à situação de legalmente casado do progenitor e da existência de uma irmã consanguínea, fruto do casamento do pai com SCS.
90.CAS, de 50 anos de idade, apresenta um percurso de vida normativo, tanto a nível familiar como académico e profissional, apesar de uma primeira infância aparentemente marcada por uma situação familiar instável, em que terá sido vítima de maus-tratos pela companheira do pai.
91.Consequentemente afastou-se, na adolescência, da figura paterna, mantendo com o irmão mais velho contactos pontuais.
92.A arguida mantém um estilo de vida centrado na família, na gestão da empresa de que é sócia e em ações de voluntariado, mantendo uma situação financeira estável.

B)NÃO PROVADOS:
(Da contestação):

1.É absolutamente verdadeiro que o falecido assinou, pelo seu punho, as assinaturas que permitiram as transferências que constam da acusação.
2.Estas ordens de transferência foram assinadas pelo falecido JCS e verificadas e conferidas pessoalmente pelo funcionário que assina a primeira.
3.Dado o valor considerável das quantias em causa, obviamente que o funcionário verificou com todos os cuidados a identidade e a assinatura do ordenante, com quem conversou e com o qual manteve conversa adequada às circunstâncias.
4.Aliás, por volta dessa altura, mas em dias diferentes, o falecido assinou muitos outros documentos perante o Montepio Geral, e até perante outras entidades, com assinaturas exatamente iguais às que agora são havidas como falsas, mesmo que se tratem de assuntos absolutamente banais, e que jamais motivariam alguém a falsificar documentos.
5.Em 13/02/2014, no balcão do Montepio da Figueira da Foz-Leclerc, o falecido assinou 2 autorizações de débito em conta para a EDP e para a Fidelidade.
6.Os funcionários bancários que atenderam o falecido, acompanhado pelo arguido, não tiveram qualquer dúvida em aceitar as manifestações de vontade e assinaturas feitas na sua presença, e que agora se juntam aos autos.
7.O falecido só passou a sofrer de perturbações mentais graves quando a queixosa SCS e a testemunha AF lhe apareceram, no lar de São ....., disfarçadas com algo que parecia ser uma burca, para o atormentar, o que muito perturbou o falecido, que chegou a agarrar-se ao arguido a chorar.
8.O motivo da perturbação causada pela primeira foi que, apesar de casado com ela, não o via há mais de 30 anos, por se terem separado e não mais se relacionarem, mas que agora vinha impor a sua presença e em tentativas de o levar consigo à força, o que veio a conseguir.
9.Mas a perturbação maior do falecido foi o contacto com a testemunha AF, que vivera maritalmente com o arguido, na companhia do pai, e que tinha mantido, com o último, comportamentos de uma agressividade fora do comum.
10.Foi aliás esta AF, que não tendo recebido “a parte” da indemnização a que julgava ter direito, que foi à procura da SCS e a levou a desencadear a interdição, e a queixa que deu origem aos presentes autos.
11.A arguida CAS nunca assinou pelo próprio punho ordens de transferência com o nome do seu pai.
***

O tribunal não considerou os factos inócuos e sem relevo para a decisão, os factos redundantes e os que consubstanciam conclusões de facto e de Direito.

C)FUNDAMENTAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:

O tribunal apreciou o conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal que, ressalvados os casos de prova vinculada, confere ao julgador poderes de livre apreciação, o que quer dizer que esta é avaliada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção de quem decide.
Justifica-se um breve enquadramento dos princípios que regem a prova e sua apreciação em processo penal.

O artigo 127º do Código Processo Penal estabelece, relativamente à valoração da prova, três tipos de critérios: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A convicção resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada, mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).

Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pág. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção será válida se for fundamentada, que de outro modo não poderá ser objetiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos.

Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II, pág. 30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. (…) uma tal convicção existirá quando e quando… o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda dúvida razoável" (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, páginas 203 a 205).
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova.
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material a través de um sistema de prova objetiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr."Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
Ainda relativamente ao conceito de livre apreciação da prova, ensinou o Professor Figueiredo Dias: “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável e, portanto, arbitrária – da prova produzida. (...)
(...) a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e ao controlo efetivos.
(...) Do mesmo modo, a “livre” ou “íntima” convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.
Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos adequado este um critério prático, de se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tiver logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”.
No mesmo sentido de pronunciou o Tribunal Constitucional (Ac. TC 1166/96 de 19-11-1996, in D.R., II, 06-02-97, debruçando-se sobre o artigo 127 do Código de Processo Penal, concluiu que "a regra da livre apreciação de prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controle".
Por último, importa referir o princípio constitucionalmente garantido do in dubio pro reo, nos termos do qual, na decisão de factos incertos, a dúvida deve ser resolvida em benefício do arguido.
*

As transferências realizadas a partir da conta do banco Montepio titulada por JCS para a conta do banco Santander da titularidade da arguida CAS e os movimentos nesta registados estão demonstradas nos documentos juntos aos autos a folhas 45 a 68, 92 a 106, 418-419, 424, 879 a 936 e 978 a 1008, confirmados, quanto à conta de origem, pela testemunha PI, funcionária do banco Montepio Geral, à data dos factos no balcão da A____, que esclareceu que é sua a rúbrica aposta nos comprovativos de transferência interbancária de folhas 46 e 47 e explicou que é prática habitual a identificação do cliente, presencialmente, mediante a exibição do documento de identificação, o que não permite concluir que, no caso em apreço, esse procedimento foi realizado, até porque a testemunha não se recorda da situação em concreto;
e, quanto à conta de destino, pela testemunha MGR, funcionária do Santander e gestora de conta da arguida CAS, que explicou que esta a consultou sobre a possibilidade de abrir uma conta em seu nome para ser movimentada pelo irmão, o que foi feito, concretizando a testemunha os movimentos e aplicações, nomeadamente a existência de dois cartões associados, de débito e de crédito, que eram utilizados pelo arguido e o procedimento habitual relativamente a transferências para a conta à ordem, feitas por indicação do arguido AS, comparecendo a arguida CAS apenas para assinar e formalizar a transferência.
Não deixaremos de referir que este depoimento nos suscitou algumas questões sobre a ética profissional da testemunha, admitindo-se que esta teria conhecimento da razão por que o arguido AS não abria conta em nome próprio.
A indemnização recebida pelo falecido JCS, não foi posta em causa e está confirmada pelo documento de folhas 1034 a 1041 emitido pelo Royal Bank of Canada.
*

Releva o documento de folhas 6 (assento de casamento), de que resulta que JCS e SCS, em 19 de setembro de 1977, contraíram casamento civil sob o regime imperativo de separação de bens, o que releva em sede de apreciação do pedido de indemnização civil, bem como a escritura de habilitação de herdeiros junta a folhas 1131-1132.
A demandante SCS confirmou a factualidade descrita no articulado do pedido de indemnização civil, porém a mesma, ao contrário do que alega, não tem meação da herança de JCS, atento o regime de bens do casamento.
Atendeu-se ainda aos documentos de folhas 137 (assento de nascimento de CAS) e 135 (assento de nascimento de AS).
*****

Os arguidos prestaram declarações de sentido essencialmente coincidente, procurando legitimar as transferências efetuadas e a utilização do dinheiro e excluir a responsabilidade da arguida, intenção que resulta claramente do documento de folhas 967 (declaração do arguido AS).
Assim, afirma o arguido AS que era a vontade do seu pai entregar-lhe o dinheiro recebido a título de indemnização por acidente de trabalho no Canadá e incumbi-lo da gestão do mesmo. E que só pediu ajuda à sua irmã, a coarguida CAS, porque não podia ter conta própria aberta, o que ela confirma, esclarecendo que abriu uma conta e deu ao irmão o cartão correspondente.
Afirmam, pois, que as transferências foram efetivamente realizadas pelo seu pai, JCS, que assinou os documentos correspondentes, ao balcão do Montepio da localidade de A____, S____.
Afirmam que a arguida CAS nunca usufruiu do dinheiro, limitando-se a receber cerca de 2 000,00 €, quantia que emprestara ao irmão em ocasião anterior.
O documento junto a folhas 955, datado de 05 de maio de 2014, processado por computador, com o nome do falecido JCS no local destinado à assinatura é, aparentemente, uma declaração escrita por aquele, autorizando a realização de duas transferências, efetuadas no dia 29 de abril e no próprio dia 05 de maio, para a conta bancária da filha, autorizando-a a realizar os movimentos necessários para a boa gestão do montante recebido, bem como fazer os movimentos necessários para fazer face a todas as despesas relativas à minha vida diária.

Desde logo, a redação deste documento suscita-nos algumas perplexidades, nomeadamente à luz das regras de experiência comum.
Assim, estranha-se a liberalidade e a demonstração de confiança relativamente à filha com quem não mantinha há anos qualquer tipo de proximidade, sendo que a própria arguida CAS afirmou que não falava com o pai há mais de vinte anos.
Estranha-se também, à luz das regras de experiência comum, a necessidade da emissão da declaração em análise; se JCS, de livre vontade e no uso das suas faculdades mentais, se deslocou ao banco e realizou as transferências, não tinha que justificar essa ação.
E, acima de tudo, considerando as mesmas regras de experiência comum, estranha-se a necessidade de retirar o dinheiro da conta de JCS que, como resulta do conjunto das declarações, o arguido AS podia movimentar e, se assim não fosse, podia simplesmente diligenciar pela autorização do seu pai nesse sentido, junto do banco, o que constitui operação bancária frequente e simples.
A verdade é que JCS estava, à data das transferências internado no Lar São ....., Lda., conforme documento de folhas 406, o que significa que não tinha total mobilidade ou facilidade de deslocação, até porque se deslocava em cadeira de rodas por ter sofrido amputação de membro inferior na sequência do acidente de trabalho que motivou a indemnização, circunstância que, por fugir à normalidade, já justificaria que a testemunha PI, funcionária do balcão de A____ do banco Montepio se recordasse das operações, o que não acontece.

Acresce que em 06 de julho de 2016, no exame realizado para elaboração do relatório de perícia médico-legal junto a folhas 178-179, no âmbito da ação especial de interdição/inabilitação nº …, JCS apresentava uma atitude alheada, não entendendo as perguntas que lhe foram dirigidas, não reconhecia objetos (relógio, moeda, caneta) e não reagia à interação com os familiares, concluindo o relatório pela verificação de um quadro clínico irreversível compatível com síndrome demencial, com dependência total e definitiva de terceiros para a gestão da sua pessoa e bens patrimoniais, o que é significativo, embora não permita concluir, sem sombra de dúvida, que esse quadro demencial já existia em 2014.
Perante o exposto, conclui-se que efetivamente a assinatura constante das ordens de transferência não foi realizada pelo punho de JCS. Curiosamente, a admitir que a assinatura daquele, constante do contrato de comodato de folhas 829-830 junto pelo arguido AS com a sua contestação, foi realizada pelo próprio, não hesitamos em afirmar que é claramente diferente da que consta das ordens de transferência.
Aqui chegados, importa atender à prova pericial consubstanciada nos relatórios de exame pericial para identificação de letra manuscrita de folhas 478 a 496 (escrita manual do arguido AS), folhas 498 a folhas 519 (do falecido JCS) e folhas 521 a 534 (da arguida CAS) e anexo respetivo, e folhas 535 a 561, que a perita interveniente (…) esclareceu, confirmou e sustentou amplamente em sede de audiência.

Relativamente a JCS, conclui o aludido relatório ser pouco provável que seja o autor da assinatura constante das ordens de transferência do banco Montepio, o que em termos de tabela técnica de significância, corresponde a uma probabilidade superior a 30 e inferior a 50%.
Relativamente ao arguido AS, conclui o relatório pericial ser muito pouco provável que seja o autor da assinatura constante das ordens de transferência do banco Montepio, o que em termos de tabela técnica de significância, corresponde a uma probabilidade superior a 15 e inferior a 30%.

E relativamente a CAS, conclui o aludido relatório ser provável que seja a autora da assinatura constante das ordens de transferência do banco Montepio, o que em termos de tabela técnica de significância, corresponde a uma probabilidade entre 50 e 70%.
Assim, mostra-se suficiente e claramente demonstrada a autoria da arguida das assinaturas a que se reporta a acusação, em conjugação de esforços e intentos com o coarguido, seu irmão.
E, tendo a arguida CAS afirmado que depois do afastamento relativamente ao pai também nunca foi muito próxima do irmão, facilmente se explica, ponderando, além do mais, as regras da experiência comum, a razão pela qual participou na ação, uma vez que, evidentemente, o que ambos pretendiam e aí se situa a motivação da ação, era evitar que a madrasta viesse a receber dinheiro proveniente da indemnização recebida, sendo certo que a arguida CAS afirma ter sido maltratada por SCS na sua infância, o que evidentemente nunca esqueceu e dificilmente ultrapassou.
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Atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos a folhas 757 (arguida CAS) e 821 (arguido AS) relativamente à condenação anterior do arguido e à inexistência de condenações no caso da coarguida.
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A factualidade respeitante às condições pessoais resulta das próprias declarações dos arguidos, conjugadas com o teor dos relatórios sociais juntos a folhas 1084 e seguintes (arguida CAS) e 1095 e seguintes (arguido AS) e com o depoimento das testemunhas HS, marido da arguida e MR, companheira do arguido, ambas com conhecimento direto da personalidade e modo de vida daqueles.
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Os meios de prova que não foram especificados nesta motivação, não assumiram, em nosso entender, relevância para a descoberta da verdade.

IIIFUNDAMENTOS FÁCTICO-CONCLUSIVOS E JURÍDICOS:

1.Subsunção jurídica:

1.1.-Crime de falsificação de documento (artigo 256º, nº1, c) e 255º, a) do Código Penal):

Estabelece o mencionado normativo:
Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime (…) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contra fazer documento (…) é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Trata-se de um crime formal ou de mera atividade e de um crime de perigo abstrato, bastando que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido, cujo bem jurídico protegido é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental1.

Neste domínio, releva ainda discernir que, «Na verdade, a fé pública não é um bem jurídico criminal, mas uma característica que emana de certos documentos, e a fé pública, a confiança pública na autenticidade e veracidade dos documentos será tanto maior quanto maior for a força probatória do documento. É este documento enquanto meio de prova que o direito quer proteger, quer tal destino (o de provar um facto) lhe seja dado desde o início quer posteriormente»2.

No atinente ao tipo objetivo do crime em apreço, podemos referir que, «O documento (no sentido exposto no artigo 255.º) constitui o objeto da ação. Será sobre ele que incidirá a conduta do agente, bastando para a consumação do tipo legal o acto de falsificação. (…) O tipo comporta diversas modalidades de conduta, diversas modalidades de falsificação: a)-fabricar documento falso; b)- falsificar ou alterar documento; c)-abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; d)-fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e, por fim, e)-usa documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa.
Integra-se no ato de fabricar um documento a falsificação intelectual em que o documento, isto é, a declaração documentada, idónea a provar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada. Procede-se a uma “contrafação total, isto é, a feitura ex novo e ex integro de um documento” (Leal Henriques / Simas Santos II 730).

Quanto ao ato de falsificar ou alterar o documento trata-se daquilo que é designado por falsificação material. Nestes casos verifica-se uma falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do documento. (…).

Diferente é a falsidade em documento ou a narração de facto juridicamente relevante: “fazer constar falsamente facto juridicamente relevante”. E apenas nestes casos se pode considerar que existe uma falsidade em documento. Aliás, tal como referiu Figueiredo Dias, a al. b) “não contempla qualquer falsificação de documento, mas sim uma falsa declaração em documento regular. (…)” (Atas 1993 298). Seguindo este rumo a falsidade em documentos – é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não todo e qualquer facto, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica (…). Além disto, não é toda e qualquer falsa declaração que pode ser punida à luz deste dispositivo, mas apenas aquela que uma vez incorporada no documento acrescente algo mais à ilicitude da conduta que a simples declaração oral (…).
(…) Distinto de tudo isto é o uso de documento falso que apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou; o que vem aliás no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal 1983 138). Deverá integrar-se dentro do uso de documento falso não só o uso de documento falsificado (por falsificação material ou falsificação intelectual, bem como o caso de falsidade em documento), como também os casos de documento falsificado por abuso de assinatura de outra pessoa»3.

No tocante ao elemento subjetivo do iter criminis em estudo, para além do pressuposto, por parte do agente, de uma conduta dolosa, em qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal, requer-se ainda a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. «Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial)que se obtenha através do ato de falsificação ou do ato de utilização do documento falsificado»4.Se não houver intenção de obter tal benefício, não haverá, obviamente crime.
A intenção compreende a previsão do facto e a vontade de o executar. Quanto ao benefício, será ilegítimo se não corresponder a qualquer direito.

No caso dos autos, os arguidos, inscrevendo pelo próprio punho, materialmente a arguida CAS, nas ordens de transferência referidas na acusação, no local destinado à assinatura, o nome JCS, bem sabiam que praticavam fraude na identificação, isto é, abusavam da assinatura de outrem, criando a aparência de uma legítima ordem de transferência a uma instituição bancária, com o propósito, conseguido, de obter benefício ilegítimo, causando correspondente prejuízo patrimonial.

Assim, os arguidos, com a sua conduta preencheram os elementos objetivos e subjetivos do crime de falsificação de documento previsto no artigo 256º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

1.2.Crime de burla qualificada (artigos 217º, nº1, 218º, nº 2, a) e c) do Código Penal):
Os arguidos encontram-se acusados da prática, em coautoria, de um crime de burla agravado, previsto nos artigos 217º, nº1, 218º, nº 2, a) e c) do Código Penal. Estabelecem os mencionados normativos:
Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial (…) é punido com (…) prisão de dois a oito anos (…) se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado (…) o agente se aproveitar da situação de especial vulnerabilidade da vítima em razão da idade, deficiência ou doença (…).

In casu, a agravação resulta do conceito de valor consideravelmente elevado que, nos termos do disposto no artigo 202º, alínea b) do Código Penal, ocorre sempre que o prejuízo patrimonial exceda as 200 unidades de conta, avaliadas no momento da prática do facto (no ano de 2014, momento em que se consuma o facto ilícito, ao ocorrer o prejuízo patrimonial, a unidade de conta correspondia a 102,00 €), pelo que 200 unidades de conta se avaliavam, na data da prática dos factos, em 20 400,00 €.

Aferindo os elementos do iter criminis em apreço, verifica-se que o crime de burla é um crime de dano, na medida em que para a sua realização típica é essencial a existência de prejuízo patrimonial, consumando-se o crime no momento em que ocorre o empobrecimento do sujeito passivo, sendo o património do lesado o objeto do crime e o bem jurídico protegido pela norma incriminadora. É igualmente um crime material ou de resultado, na medida em que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da disponibilidade da vítima, embora de resultado parcial ou cortado, pois que não há correspondência entre o tipo objetivo e o subjetivo, já que para a realização típica basta o empobrecimento da vítima e não o enriquecimento do agente, pois que este pertence já ao elemento do dolo.

No tocante ao seu tipo objetivo, observamos que este tem como elementos constitutivos o erro ou engano, astuciosamente provocados, o prejuízo patrimonial, a disposição patrimonial e o nexo de causalidade.

O erro ou engano relevantes não são aqueles que logram o convencimento da vítima, podendo até coexistir com situações em que a vítima ainda tem dúvidas, sendo relevante apurar-se que a vítima, sujeita ao processo enganatório, agiu de acordo com os desígnios do agente. Por outro lado, estes têm que ser causados através de astúcia, sendo esta, um instrumento necessário para que se alcancem aqueles. E se a astúcia pode ser equiparada (…) à habilidade para o mal, à manha, à sagacidade, à habilidade para enganar, à subtileza para defraudar, ao ardil, à intrujice e ao estratagema, ao embuste e à maquinação»5, sendo uma circunstância limitativa, na medida em que se exige que o erro ou engano tenham sido astuciosamente provocados, a astúcia relevante será «(…) uma noção de recorte objetivo e não meramente subjetivo, isto é, haverá de ser reconstituída a partir de actos materiais que a revelem e evidenciem e não por referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente»6.

Já para se aferir do prejuízo patrimonial sofrido pela vítima, há que comparar o património da mesma no momento da consumação da burla e em momento anterior àquele.
O prejuízo tem assim de ser aferido no momento em que o crime de burla se consuma, sendo que tal sucede no momento em que se produz o resultado típico: o empobrecimento do sujeito passivo. Neste sentido, o crime de burla consuma-se com a entrega da coisa, e consuma-se ainda que a coisa entregue seja de imediato apreendida ao burlão que, deste modo, não chega a obter para si ou para terceiro a vantagem pretendida7.
Por seu lado, a disposição patrimonial, enquanto elemento típico do crime de burla, consiste na prática de atos pelo sujeito passivo no sentido determinado pelo agente, sendo um crime de participação necessária da vítima.
Por fim, o nexo de causalidade.
José António Barreiros entende que é necessário um quádruplo nexo causal, a ocorrer entre a astúcia e o processo enganatório, entre o erro ou engano e a alteração da sua capacidade volitiva, entre essa adulteração do seu querer e os atos que pratica e entre tais atos e o prejuízo patrimonial sofrido8. Já Almeida Costa discorda, entendendo apenas ser de verificar a existência de um duplo nexo de imputação objetiva, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património e, depois, entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial9.

O tipo subjetivo do ilícito do crime de burla exige por parte do agente do crime uma conduta dolosa, em qualquer das suas modalidades (artigo 14.º do Código Penal).
Verifica-se, assim, que este ilícito se traduz sobretudo na atuação do agente que, fazendo uso de artifícios enganosos, consegue que alguém lhe entregue bens ou valores, ou realize um outro ato de disposição patrimonial menos imediato, visando obter um acréscimo patrimonial (não necessariamente pecuniário) que não lhe era devido, justamente porque logrou que o ofendido delineasse uma falsa representação da realidade (cf. Ac. RC de 19.02.86, CJ XI, I, 63; Ac. RE de 15.01.91, CJ XVI, I, 310).

No caso em apreço, os arguidos provocaram erro/ engano na instituição bancária, de forma astuciosa, criando a aparência de realidade, fazendo crer que a ordem de transferência de fundos era legítima e assinada pelo titular da conta sacada, com alguma credibilidade, determinando o Montepio à autorização de duas transferências de fundos, pretendendo dessa forma obter enriquecimento ilegítimo, que efetivamente obtiveram, causando à herança de JCS prejuízo patrimonial de valor correspondente.

Assim, o valor global apurado do prejuízo patrimonial emergente da ação dos arguidos –338 285,89 € - é, nos termos do disposto no artigo 202º, alínea b) do Código Penal, valor consideravelmente elevado, uma vez que é superior a 200 unidades de conta (20 400,00 €).

Está ainda imputada aos arguidos a gravação decorrente do aproveitamento de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença,
Em anotação ao artigo 218.º do Código Penal, escreve Pinto de Albuquerque: O elenco de circunstâncias do tipo qualificado é taxativo e de funcionamento automático, ao invés do que sucede na técnica dos exemplos-padrão. Portanto, o tribunal não pode rejeitar a subsunção ao tipo qualificado de uma situação de vida formalmente cabível nalguma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 218.º,mas que não revela a especial censurabilidade pressuposta pela qualificação. Por outro lado, o tribunal não pode subsumir ao tipo qualificado situação da vida semelhantes às nele previstas desde que reveladoras daquela especial censurabilidade pressuposta pela qualificação” (Comentário do Código Penal, pág. 603.

Assim, a especial vulnerabilidade da vítima, que traduz o desvalor da ação, decorre da idade, deficiência ou doença, sendo todas estas condições determinantes de diminuição substancial das capacidades físicas ou psíquicas e, consequentemente, de indefensabilidade, isto é, vulnerabilidade.
Considerando a idade e o estado de saúde de José Cardoso Santos, que evoluiu para um quadro de demência, encontrando-se internado em lar de idosos à data dos factos e não gerindo ou movimentando a sua conta bancária, é de concluir pela sua especial vulnerabilidade que, evidentemente, os arguidos aproveitaram.
Estão, assim, preenchidos os elementos essenciais constitutivos do crime de burla qualificada previsto nos artigos 217º e 218º, nº2, a e c) do Código penal, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2.Da escolha e determinação da medida da pena:
É ilícita a ação dos arguidos, pois violou disposições legais e ofendeu os interesses penalmente protegidos do património individual e da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
Agiram com dolo direto (artigo 14º, nº1 do Código Penal), uma vez que representaram a ilicitude das suas condutas e, não obstante, quiseram empreendê-las.
O ilícito assume intensidade significativa, atendendo às consequências dele resultantes, certo que os arguidos lograram, mediante o engano provocado, determinar a instituição bancária a efetuar transferência de fundos para conta bancária titulada por um deles, obtendo benefício patrimonial ilegítimo de valor consideravelmente elevado e causando prejuízo patrimonial de valor correspondente, impondo-se, no entanto, não perder de vista que a falsificação foi instrumental da prática da burla qualificada.
É elevada a intensidade do dolo, tendo em conta a reflexão necessária ao empreendimento da ação.
A motivação da ação dos arguidos assenta em ressentimentos antigos e profundos contra a demandante SCS, madrasta de ambos, que terá maltratado e negligenciado a arguida CAS e impedido o arguido AS de conviver com a sua mãe, sendo que, não obstante a dissolução do matrimónio não ter ocorrido, SCS estava separada do pai dos arguidos há mais de 30 anos e só retomou o contacto nos últimos anos de vida do mesmo, admitindo-se que tais circunstâncias e o quadro emotivo que as envolve possam ter perturbado nos arguidos a capacidade e vontade de conformação com os valores jurídico-criminais, contribuindo para mitigar a culpa, sem prejuízo da elevada censurabilidade ético-jurídica da conduta.
Não expressaram os arguidos auto censura ou arrependimento. Mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral.
Beneficia a arguida CAS de bom comportamento anterior, consubstanciado na inexistência de condenações, sendo que vai completar este ano 51 anos de idade.
O arguido AS sofreu uma única condenação, transitada em julgado em 16/11/2017, portanto posterior aos factos objeto dos presentes autos, por crime de natureza diversa, detenção de arma proibida, numa pena de multa, que cumpriu.
Assim, são de acautelar, relativamente a ambos os arguidos, exigências de prevenção especial de intensidade reduzida.
E beneficiam ambos os arguidos, registando AS evolução favorável, de boa inserção social, familiar e laboral, com maior estabilidade a arguida CAS.
*

Ao crime de falsificação de documento imputado aos arguidos é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade.
O tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (conforme artigo 70.º do Código Penal).
Este preceito espelha uma das ideias fundamentais subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal: a «reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais»10.
No caso em apreço, considerando o grau de ilicitude e as exigências de prevenção geral e especial, opta-se pela aplicação de penas privativas de liberdade por se considerar que as penas de multa não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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De harmonia com o plasmado no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, sendo certo que não se trata de medida exata, situando-se a pena concreta entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e especial – dentro daqueles limites (cf. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pags. 4 a 113).

A determinação da medida concreta da pena será, pois, efetuada segundo os critérios estatuídos no artigo 71º do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.

Ponderando os elementos de ilicitude e culpabilidade apreciados e o disposto nos artigos 40º, 41º e 71º do Código Penal, julga-se adequado cominar a cada um dos arguidos, por não se vislumbrar fundamento para diferenciar a medida da pena:
Por um crime de falsificação, a pena de 1 ano de prisão; e
Por um crime de burla qualificada, a pena de 4 anos de prisão.

3.Do cúmulo jurídico:
Estamos perante a prática de dois crimes, em concurso real e efetivo, pelo que há que proceder a cúmulo jurídico das penas de prisão, nos termos e para os efeitos do regime consagrado no artigo 77º do Código Penal.
Dispõe o citado normativo que a pena aplicável tem como limite máximo a somadas penas concretamente aplicadas aos vários crimes (...) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A moldura penal abstrata aplicável é de 4 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 5 anos de prisão (soma aritmética das penas parcelares).
Operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, ponderando conjuntamente a factualidade assente e a personalidade evidenciada pelos arguidos, que flui dos factos provados, julga-se adequado fixar a ambos a pena única global de 4 anos e 6 meses de prisão.

4.Da suspensão da execução da pena:
Uma vez que as penas a aplicar são inferiores a 5 anos de prisão, cumpre aferir se há razões para suspender a execução da pena, ou seja, verificado o pressuposto formal para a suspensão há que averiguar se também o pressuposto material se mostra preenchido, atento o disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal que dispõe: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tal como escreve Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, fls. 195 “O pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam de prevenção geral sejam de prevenção especial …”

Ponderando alguma diminuição da culpa, a boa inserção social, laboral e familiar e o grau diminuto das exigências de prevenção especial, entende-se que se mostra suficiente a ameaça da pena e a censura do facto à realização adequada das finalidades da punição, pelo que se justifica, de harmonia com o disposto no artigo 50º, nº1 do Código Penal, a suspensão da execução das penas de prisão, por período que se julga adequado fixar em 4 anos e 6 meses nos termos do disposto no nº 5 do artigo 50º do Código Penal.
***

Considerando a boa inserção social, familiar e laboral dos arguidos, não se entende que o cumprimento de um plano individual de reinserção se revele útil e necessário à boa realização das finalidades da condenação em penas suspensas na sua execução, pelo que se nos termos do estatuído no artigo 53º, nº3 e 4 do Código Penal.

5.Da aplicação da Lei 5/2008, de 05 de fevereiro:
Estabelece o artigo 8º, nº1 e 2 da Lei 5/2008, de 05 de fevereiro: 1-A recolha de amostra em arguido em processo criminal pendente, com vista à interconexão a que se refere o n.º2 do artigo 19.º-A, é realizada a pedido ou com consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento escrito, por despacho do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado .2-A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos,ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença.
Estão, assim, verificados, no caso destes autos os pressupostos estabelecidos no citado normativo, justificando-se a recolha de amostra de ADN dos arguidos, obrigatoriamente precedida do cumprimento, por escrito, do direito de informação, previsto nos artigos 9º e 17º, nº 3, alínea b), da referida Lei.

6.Das custas processuais:
Em sentido técnico-jurídico, custas são as despesas ou encargos com processos judiciais independentemente da sua natureza cível, criminal, administrativa ou outras, ou seja, o gasto necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação de facto (Salvador da Costa, regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, 2011, 3ª edição, Almedina, pág. 129).
Criminalmente condenados, suportarão os arguidos o pagamento das custas do processo, com taxa de justiça no valor de 3 UC, atenta a complexidade (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III).

7.Pedido de Indemnização Civil:
De harmonia com o disposto no artigo 129º do Código Penal a indemnização por perda se danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
E o normativo legal vertido no artigo 483º n.º 1 do Código Civil, por seu turno, impõe a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos,àquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
SCS, na qualidade de herdeira de JCS e na qualidade de cabeça de casal, em representação da herança aberta por óbito daquele, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação destes na restituição à herança do montante de 338 285,89 €, dos quais reclama dos arguidos o pagamento de 211 428,68 €, correspondente à sua meação e ao quinhão hereditário, acrescidos de juros, à taxa legal.
Para que estejamos perante a constituição de uma obrigação de indemnizar é necessário pois, que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso em apreço, está assente que:
Os arguidos/demandados AS e CAS são filhos de JCS, nascido em 09 de outubro de 1943.
JCS recebeu uma indemnização por acidente de trabalho no Canadá na quantia total de €356.193,76, que foram transferidas/depositadas na sua conta n.º 1...10.0.....-4, da Caixa Económica Montepio.
Os arguidos, em comunhão de esforço se de intenções, realizaram no Balcão do Banco Montepio, na Rua do ..... das ..... ....., n.º ..., B/D, A....., S_____, à transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, como se discrimina:-€62.000,00, em 28 de Abril de 2014 para a conta n.ºPT … titulada pela arguida CAS; - €276.285,89, em 02 de Maio de 2014 para a conta n.ºPT titulada pela arguida CAS;
Para tal a arguida CAS, assinou pelo seu próprio punho as ordens de transferência assinando com o nome do seu pai, dando a aparência junto da instituição bancária que a ordem de transferência bancária correspondia à realidade. A instituição bancária, por sua vez, permitiu a realização das aludidas transferências bancárias, no que a mesma consentiu porquanto a atuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, não só de que as assinaturas correspondiam à realidade, pois que de outra forma não teria aceite a realização das transferências, como sucedeu.
E, em consequência, viu-se o referido JCS prejudicado em, pelo menos, no valor das transferências bancárias.
Sabiam os arguidos que JCS se encontrava em situação de fragilidade, devido à sua idade avançada (setenta anos à data dos factos)e a anomalia psíquica que sofria e aproveitaram-se dessa situação.
JCS faleceu em 27 de junho de 2017, no estado de casado com SCS sob o regime imperativo de separação de bens.
O falecido JCS deixou três filhos, AS, CAS e TAV.
Os arguidos agiram, com o propósito conseguido, de através da aparência de realidade, que provocaram junto da instituição bancária sobre regularidade das assinaturas, obter para si um benefício, consistente na realização das transferências bancárias acima descritas, no valor total de 338.285,89,que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento do JCS.
Os arguidos, forjaram os acima referidos documentos (assinatura) e sabiam que os mesmos não correspondiam à realidade.
Colocaram deliberada e conscientemente em perigo, com a sua conduta, a credibilidade e a confiança de que gozam os documentos.
Os arguidos,agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, em todas as circunstâncias atrás descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crimes.
Perante a factualidade descrita, dúvidas não restam que existe facto voluntário, no sentido de dominável pela vontade dos arguidos/demandados;
Quanto à ilicitude, está assente a violação de bens jurídicos penalmente protegidos, de que resultaram, para a demandante herança, os danos descritos;
No que respeita ao pressuposto da culpa, o juízo de censura pode revestir duas modalidades: as vertentes do dolo e negligência ou mera culpa (culpa stricto sensu).
No caso em apreço, como vimos releva o dolo direto como referido supra.
De acordo com o disposto no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, a culpa é apreciada de acordo com a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso;
Por fim, o nexo de causalidade entre o facto praticado pelos arguidos e os danos sofridos pela lesada também se encontra verificado, pois a ação daqueles deu causa aos aludidos e reclamados danos.
O artigo 562.º do Código Civil estatui que a obrigação de indemnização se orienta no sentido da reconstituição da situação que existiria na esfera do lesado se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação - nisto consiste a designada Teoria da Diferença.
Atentando a tal premissa, sempre se dirá que o dano consiste no prejuízo real que o lesado sofreu in natura, o qual se irá determinar pela diferença entre a situação real atual do lesado e aquela hipotética, em que ele se encontraria se não tivesse havido lesão, isto segundo o principio da atualidade, dado que se deve entender que se deve atender ao momento mais recente que o Tribunal possa considerar, que em regra consiste no momento do encerramento da discussão da causa - cf. Ac. RP, de 15-7-89, in CJ, T4, p. 194; Ac. STJ , de 6-10-71, in BMJ 210.º/51; Vaz Serra, in RLJ, ano 112.º, p. 327, citado no Ac. STJ, de 1-2-95, in, CJ, S, T1, p. 53.

No que diz respeito ao âmbito desta indemnização, de acordo com o artigo 564.º do Código Civil, são abarcáveis duas vertentes: os danos emergentes - prejuízos sofridos, pelo lesado, decorrentes da prática do facto ilícito, por diminuição do seu ativo, como por aumento do seu passivo – e os lucros cessantes – aquilo que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão.

Com relevância em sede dos danos não patrimoniais preceitua o artigo 496.º/1 do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Estabelece, ainda, o n.º 3 do mesmo artigo que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 (…).

A este respeito, escrevem os Professores Doutores Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987, 4.ª edição, p. 471, 499 e 501): A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
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SCS peticiona, além do mais, a condenação dos arguidos-demandados no pagamento de 211 428,68 € acrescidos de juros, a título de ressarcimento de dano próprio, invocando a sua qualidade de meeira e herdeira.
Porém, está assente que o casamento foi celebrado sob o regime imperativo de separação de bens (artigo 1720º do Código Civil).
Tal circunstância implica uma completa separação, quer do domínio, quer da fruição, dos bens que cada um dos cônjuges leva para o casamento ou adquire na constância do matrimónio, existem os bens próprios do marido e os bens próprios da mulher e não existem quaisquer bens comuns.
Assim, o fluxo financeiro consubstanciado na indemnização depositada na conta bancária de JCS constitui bem próprio deste cônjuge, assim como os saldos que a todo o tempo a conta bancária apresentou.
Assim, não assiste jus à demandante, improcedendo, nesta parte, o pedido, sendo que o mesmo se mostra mesmo algo ilógico e contraditório relativamente ao demais peticionado.
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No mais, o pedido é inteiramente procedente, pelo que é devido à herança o valor peticionado, concretamente a quantia de 338 285,89 €.
Sobre a indemnização fixada acrescem juros de mora à taxa supletiva legal para obrigações meramente civis, a contar desde a notificação dos demandados para contestar, até integral pagamento (artigos 805º, nº 3 e 559º, nº 1 do Código Civil).
São devidas custas cíveis (artigo 527º do Código de Processo Civil e 523º do Código de Processo Penal), pelos demandados, não sendo configurável, no caso, decaimento quantificável por parte da demandante, sendo certo também que a mesma beneficia da concessão de apoio judiciário.
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IVDISPOSITIVO:
Pelo exposto, delibera o Tribunal Coletivo declarar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por SCS na qualidade de herdeira e representante da herança aberta por óbito de JCS, e:
1.Condenar AS, pela prática, em coautoria de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217º, nº1, 218º, nº2, alíneas a) e c) e 202º, a) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
2.Condenar AS, por um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, nº1, alínea c) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
3.Operar o cúmulo jurídico, condenando o arguido na pena única global de 4 anos e 6 meses de prisão.
4.Determinar a suspensão da execução da pena pelo período de 4 anos e 6 meses.
5.Condenar CAS, pela prática, em coautoria de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217º, nº1, 218º, nº2, alíneas a) e c) e 202º, a) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
6.Condenar CAS, por um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, nº1, alínea c) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
7.Operar o cúmulo jurídico, condenando a arguida na pena única global de 4 anos e 6 meses de prisão.
8.Determinar a suspensão da execução da pena pelo período de 4 anos e 6 meses.
9.Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, com taxa de justiça de 3 UC.
10.Condenar AS e CAS no pagamento à herança aberta por óbito de JCS da quantia de 338 285,89 €, acrescida de juros, à taxa legal, contados da data da notificação para contestação até integral pagamento.
11.Condenar os demandados no pagamento das custas cíveis.
12.Determinar a recolha de amostras de ADN dos arguidos (artigo 8º, nº1 e 2 da Lei 5/2008, de 05 de fevereiro) obrigatoriamente precedida do cumprimento, por escrito, do direito de informação previsto nos artigos 9º e 17º, nº 3, alínea b), da referida Lei.
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Cumpre decidir:

Pretende a recorrente ver tratadas, em síntese, as seguintes questões:
A decisão recorrida violou a lei, devendo ser substituída por outra que conclua pela absolvição da arguida e da totalidade do pedido de indemnização civil deduzido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 256º, nº 1, alínea c) e 255º, alínea a) do CP, o artigo 217º, nº 1 e 218, nº 2, alínea a) e c) do CP, 129º do CP, 483º do CC, a contrario, e ao abrigo do princípio da presunção da inocência e do princípio do in dúbio por reo. Admissão da perícia que pediu à sua letra nesta fase do processo

Questão prévia:

Admissão da perícia pedida pela arguida

Diz a recorrente que pediu, por sua iniciativa e extra processo, nova perícia junto do Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a fim de obter respostas e procurar repor a verdade material e que, as novas perícias apenas ficaram concluídas em 16.09.2022, em data posterior à prolação do acórdão pelo que requer a sua junção nos termos do disposto no artº 158º CPP.
O artº 158º CPP refere-se a esclarecimentos e nova perícia que pode ter lugar em qualquer altura do processo, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, podendo os peritos ser convocados e ser renovada a perícia a cargo de outros peritos.
Pretende a recorrente atacar assim o relatório de exame grafológico.
Esquece que, ela mesma afirma, o fez extra processo. Nunca em nenhuma parte do processo requereu uma nova perícia ou ofereceu uma nova perícia que levasse o tribunal a quo a deferir, ou esperar pela mesma com o argumento valido de que era imprescindível à descoberta da verdade.
É verdade que, nos termos do 425º do CPC depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Também e verdade que nos termos do 651º do CPC as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Ou seja, no caso superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância.
Deve então ler-se que a superveniência do documento pressupõe um pedido uma ordem um elaborar tardio de um documento e a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido em 1ª Instância pressupõe que a matéria em relação á qual o tribunal acabou por decidir não tem que ver com a matéria decidenda ab initio.
A superveniência do documento, é referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva.
Ora, a escrita em análise não teve lugar após o julgamento mas sim antes do julgamento e esteve em causa durante todo o julgamento, era do conhecimento quer da recorrente, quer dos restantes intervenientes, quer do Tribunal.
A arguida poderia ter requerido de imediato uma nova perícia, poderia ter dito que se reservava o direito de a juntar, pedir até prazo para o fazer em vez de deixar que o tribunal marcasse data para leitura de acórdão.
Não há, pois, nenhuma novidade na questão decisória, nenhuma superveniência quer objetiva quer subjetiva pelo que não há possibilidade de conjugar os dispositivos invocados, indeferindo-se o pretendido pela recorrente.
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Vejamos quanto ao mais:

De acordo com o disposto no artº 410º do CPP
1– Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2– Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b)-A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c)-Erro notório na apreciação da prova.
De acordo com o n.º 2 do art.º 410º C.P.P. qualquer dos vícios aí invocados têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos.
Na revista alargada a apreciação não se restringe ao texto da decisão, estendendo-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.° 3 e 4 do art. 412.° do C.P. Penal.)
No entanto há que ter em conta que mesmo o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria já julgada, mas uma apreciação com base na audição de gravações. O Tribunal da Relação faz uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa sobre as questões por si levantadas.
Isto porque se trata de um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, sendo por essa razão que o recorrente deverá expressamente indicar o que pretende de acordo com o disposto no artigo 412°, n.°3, do C.P. Penal, apontando
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)-As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas, uma vez que na acta não consta o início e termo das declarações, com referência «às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
a)-a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
b)-a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
c)-a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
d)-a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.°3 do citado artigo 412.°.
Tendo em conta que o que se exige é que o recorrente, sustentando que um determinado ponto de facto foi incorretamente julgado, o indique expressamente, mencionando a prova que confirma a sua posição; e tratando-se de depoimento gravado, que indique também, por referência ao correspondente suporte técnico, os segmentos relevantes da gravação.” Interpretação esta que está em conformidade com o Ac. T.C. 488/04.
Tenhamos presente ainda, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).
Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respetivos suportes”.
Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respetivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção -artigo 127.º, do Código de Processo Penal-, aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.
E também não é ao tribunal que cabe individualizar os factos incorretamente julgados tendo em conta o pretendido pelo recorrente.
A recorrente indicou expressamente os factos que impugna por considerar erradamente julgados os factos julgados provados e enumerados.
Indicou as passagens das declarações ou depoimentos produzidos na audiência de julgamento transcrevendo os testemunhos produzidos na audiência de julgamento, nos termos da jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, n.º 3/2012, de 08-03-2012, no processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A. S1 — 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18 de Abril de 2012.
No entanto há que ter em conta que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria já julgada, mas uma apreciação com base na audição de gravações.O Tribunal da Relação faz uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Isto porque não se trata de um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar o que pretende de acordo com o disposto no artigo 412°, n.°3, do C.P.P.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

A recorrente tudo cumpriu
Todas as questões que a recorrente aponta podem ser tratadas quase como uma só, uma vez que saber se os pontos por esta apontados constantes da matéria de facto provada se encontram corretamente julgados, também implica saber se foi respeitado o princípio da livre apreciação da prova e ainda se haverá erro nessa apreciação.
Por outro lado, permite averiguar se, como diz a recorrente, não foi respeitado um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico e se, em obediência ao mesmo, deve ser a recorrente absolvida.

Vejamos então

Antes de avançarmos para a apreciação da matéria de facto que se reproduziu em audiência e foi aqui posta em causa pela recorrente não podemos deixar de dizer que no que respeita às perícias há que partir para a análise da matéria de facto com a noção de que o que o artº 163º, do C. P. Pl, sobre o valor de tal prova nos diz é:
“1.-O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2.-Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
Sobre o valor deste tipo de resultados pronunciou-se já o S.T.J., em Acórdão de 11 de Julho de 2007 (Processo: 07P1416, disponível in www.dgsi.pt), que teve como relator o Sr Conselheiro Santos Monteiro, dizendo:
“O artº 163º, do Código de Processo Penal fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção “juris tantum” de validade do parecer técnico ofertado pelo perito, que obriga o julgador. Quer dizer que a conclusão a que chegou o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos (nº 2 do artº 163º).
Não devemos esquecer, no entanto, que o posicionamento actual do Código de Processo Penal vem de posição defendida pelo Prof. Figueiredo Dias, para quem os dados de facto do arrazoado técnico estão sujeitos à livre apreciação do julgador – “que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer” – enquanto o juízo científico expendido só é passível de crítica “igualmente material e científica”.
Excepções seriam os casos inequívocos de erro, nos quais o juiz deve motivar sua divergência (Direito Processual Penal, I, 209, Cfr, ainda, Maria do Carmo Silva Dias, Revista do CEJ, 2.º semestre de 2005, nº 3, 219)”.

A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis:
quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal),
quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e
quanto à própria conclusão.
Quanto à validade, deve aferir-se se a prova foi produzida de acordo com a lei, ou se não foi produzida contra proibições legais.
Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente.
Com relação à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria.
É a interpretação corrente dada pelos tribunais ao artº 163º, do C. P. Penal, atenta a sua função de mero auxiliar do julgador, a quem incumbe a função de fixação dos factos, para que dispõe dos adequados conhecimentos jurídicos e da experiência da vida (cfr., entre outros, os Acs. do STJ, de 1/7/93, Pº nº 44431 e de 9/5/95, in CJ, STJ, III, T2, 189).
A probabilidade conseguida pela perícia não vincula o tribunal, incumbindo-lhe esclarecer a matéria de facto em que se funda, no âmbito da sua função de julgar e superar, até onde lhe for possível a dúvida se dúvida permanecer.
Quer isto dizer que, produzido relatório com um resultado de “Muitíssimo Provável” (que não é o caso dos autos quanto à arguida), de acordo com a tabela de resultados, o grau de certeza ou de probabilidade máxima, depois da certeza, temos como seguro que tal juízo deveria ser acolhido, a não ser que, fundamentação especial sustente a divergência, nos termos do disposto no artº 163º nº 2, do C. P. Penal.
Assim, para partirmos para a análise do preenchimento do crime de falsificação e burla, temos de passar primeiro pela análise das perícias, mais propriamente pareceres, efetuados.
Lido o parecer podemos ver que do mesmo consta uma análise da grafologia, tendo em conta o movimento de algumas letras por comparação e confronto de um ou mais escritos contendo a letra do pai dos arguidos (apenas transcrita no cartão de cidadão), que levou os peritos a concluir que, relativamente ao arguido é muito pouco provável que a assinatura de seu pai, sido feita ou manuscrita pelo punho daquele, apontando uma probabilidade >15-30%
Seguidamente conclui o relatório de análise pericial que os dizeres “JCS” do documento do Montepio datado de 28-04-2014 e de 2-05-2014 é pouco provável que tenham sido manuscrito pelo punho de JCS correspondendo a uma probabilidade de >30 -<50%.
Relativamente ao exame da escrita da recorrente concluiu o relatório que é provável tenham sido manuscritas pelo punho da arguida correspondendo a uma probabilidade >50 a 70%.
Consta do relatório em observações que CAS tentou disfarçar a escrita nas recolhas, mas não explicam os autores do mesmo, os peritos, porque concluíram isso ou chegaram a essa conclusão o que também a este Tribunal não interessa em termos de avaliação da conduta da arguida.
Os critérios para a perícia à letra extravasam, devem extravasar, o âmbito da cópia, sendo analisadas a cadência da escrita, a força empregue no instrumento utilizado para a escrita, as terminações e começos das letras, o espaço entre cada letra, o movimento, os traços, os pontos, a inclinação à esquerda ou a direita ou antes pelo contrário vertical, o ritmo, enfim, um sem-número de critérios que se afasta, em muito, do mero exame "à vista" e da primeira aparência que uma cópia poderá criar. Das anotações aos exames, feitos resulta uma explicação dos pontos analisados e do material utilizado em cada um deles.
Por outra via, foram apresentados a exame vários documentos, textos escritos, envelopes preenchidos, o nome do pai dos arguidos escrito diversas vezes por ambos mas, no entanto, em relação à letra base da análise, ou em relação à qual importava analisar se foi falsificada ou não, apenas a cópia do cartão de cidadão e um pedido de renovação do mesmo.
Quanto aos critérios usados, não podemos esquecer o problema de não termos recolha de escritos variados do já falecido. Este pequeno grande pormenor deve ser tido em conta, não pode ser ignorado já que a análise da assinatura ou assinaturas deste, da escrita deste, se encontra prejudicada, em termos de quantidade e variedade, comparativamente à dos outros dois.
Ou seja, encontra-se diminuída a qualidade da comparação entre a letra deste e a recolha de grafologia deste, que não existe! A ficha de renovação do cartão de cidadão, e em relação aos critérios usados quanto aos outros dois, curta, diminuta, está prejudicada, no sentido de que não sofreu a mesma análise comparativa que as restantes e, as restantes não puderam beneficiar, digamos assim, da “falta de material” para análise.
Repare-se que temos textos longos e escritos de várias formas quanto aos dois outros examinados e, apenas um cartão de cidadão e um pedido de renovação de cartão de cidadão do falecido quanto às suas assinaturas, a que acresce, constarem de tais documentos juntos, duas assinaturas diferentes em relação as quais nunca chegámos a saber se foram ambas analisadas ou apenas a que constava do cartão de cidadão.
As marcações são importantes, mas o material de análise, ou a quantidade do material de análise, mostra-se também importante para aferir a minúcia da perícia já que se faz por comparação e da forma supra descrita.
No documento, constam duas assinaturas, uma no canto superior direito do documento, a fls. 206 – comprovativo dos dados de renovação do CC, a do cartão de cidadão e a do pedido de renovação do cartão de cidadão que são feitas pelo mesmo punho, são diferentes e só foi analisada a assinatura do cartão de cidadão.
Ou seja, o falecido assinava de, pelo menos, duas maneiras diferentes.
Podemos ainda levantar a questão da chamada “perícia” que quanto a nós e um exame à letra, uma parecer.

No mesmo sentido pode ver-se o AC Do TRL em que é relatora a desembargadora Filipa Lourenço e que sumariamente defende

I-O legislador português consagrou um modelo de perícia preferencialmente pública, regra que apenas é afastada por impossibilidade ou inconveniência - artigos 152.º, 153.º 154.º, nº 1 e 160º-A do Código de Processo Penal, constituindo, portanto, um regime misto com prevalência de intervenção de organismos públicos, com a qualidade pericial a assentar numa certificação pública, sem exclusão da possibilidade hipotética de apresentação de perícias contraditórias quando não existam organismos públicos reconhecidos para a realização da perícia;
II-Um processo judicial é uma forma que se pretende equilibrada de chegar a uma decisão pelo que a existência nos autos de um exame directo a dois quadros ,efectuado por um inspector da PJ, sem conhecimentos científicos comprovados, a atestar que os mesmos constituem falsificações, não tem qualquer valor, entenda-se “pericial”, para comprovar tal facto, o qual requer conhecimentos muito específicos de índole, técnico, artísticos e científicos;
III-Um exame, meio de obtenção prova, é a análise em pessoas, lugares e coisas, de “vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido” - artigo 171º do C.P.P.. O “exame” está sujeito à regra geral de apreciação probatória, a livre apreciação da prova prevista no artigo 127º do Código de Processo Penal. A perícia, bem ao invés, é um meio de prova que deve ser produzido quando o processo e a futura decisão se defrontam com conhecimentos especializados que estão para além das possibilidades de constatação e/ou percepção, efectivas ou presumidas, do tribunal em três campos do saber, os técnicos, os científicos e os artísticos. Exame é o verter em auto de condições materiais, sem opinar ou emitir juízos. Ou seja, sem conclusões. Perícia é a emissão de um juízo especializado em determinada área do saber, considerando certos factos assentes;
IV-Assim os meios de prova que o tribunal “ a quo” se socorreu para fundamentar positivamente o facto provado de determinados quadros serem “falsificados”, não podem ser valorados enquanto prova pericial e a ela se substituindo, pois as conclusões do exame directo, e a opinião das testemunhas, não têm qualquer valor enquanto juízo técnico, artístico ou científico, não podendo o Tribunal a quo, sem violar o principio da verdade material e do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova, presumir tal factualidade e dar como provado entre o mais o supra identificado facto;

E, ainda que fosse perícia, as conclusões do perito situam-se, dentro do espectro dos limites mínimos e máximos da percentagem de probabilidades, num mesmo patamar – 50%. (num caso, entre 30 e 50, noutro entre 50 e 70). 50% é o denominador comum da probabilidade de ter sido a arguida ou o pai a apor assinatura.
Assim, quer se entenda ser perícia ou mero exame, a verdade é que desse resultado não surge nenhuma certeza jurídica mínima de a assinatura ter sido aposta pela arguida, sendo certo que sempre teria aqui de intervir o princípio in dubio pro reo.
Dito isto, caímos necessariamente nos depoimentos prestados, devendo este tribunal pronunciar-se sobre os mesmos e concluir ou não pelo erro na apreciação da prova e/ou eventual violação do princípio in dubio pro reo, tendo sempre em conta o relatório de análise grafológica contido nos autos.
A recorrente que não se dava com o pai há mais de 20 anos e se dava ocasionalmente com o irmão, concede ao irmão a possibilidade de transferir todo o dinheiro que o pai recebera da indemnização por acidente de trabalho para uma conta em seu nome, para que este fosse gerindo o dinheiro do pai em benefício próprio e do pai com quem vivia.
O irmão podendo ser alvo de penhoras eu execução fiscal não deveria ter nada em seu nome, é este um dos argumentos avançados para além dos variados argumentos da tentativa da sua ex mulher pretender extorquir-lhe dinheiro.
O facto de depositarem os montantes do pai, ainda vivo, para uma conta da arguida e não do arguido que afinal era quem cuidava do pai, justifica a arguida com facto do irmão não poder ter contas nem ser cotitular de nenhuma conta pelas razões já apontadas que eram do conhecimento quer da funcionária bancária do Santander quer de outras testemunhas.
A arguida afirma que não assinou nada para a transferência para o Santander e para a conta aberta para receber o dinheiro do pai e que, nunca se deslocou ao Montepio nem esteve presente no dia da transferência.
PI funcionária do Montepio não conhecia nenhum dos intervenientes. Em Abril Maio de 2014 estava a trabalhar no balcão da Amora. JCS não lhe diz nada e não sabe por que razão foi notificada para estar presente em julgamento.
Confrontada com fls. 47 dos autos disse que a rúbrica é sua e o número de empregado também. Explicou a forma de admitir e proceder às transferências com montantes deste género dizendo que a pessoa era identificada com o seu cartão de cidadão, diz o que pretende, confirma-se se a pessoa é o titular da conta, verifica-se se a assinatura confere e é feita a transferência.
Esclarece que não era possível aparecer com o impresso já assinado face aos montantes em causa. Pelo que, tendo em conta que tem uma assinatura e uma confirmação da presença de quem assinou, documento emitido no momento no balcão, o cliente tinha de estar no banco. Porque, esclarece a mesma testemunha que procedeu á transferência bancária dos dinheiros do falecido do Montepio para a conta da arguida no Santander, se não estivesse presente isso era dito num documento e explica de novo “Não foi o caso dessa, porque essa tem uma assinatura, não é? Esta foi seguramente feita com o cliente ao balcão. Nunca, nunca, aceitaria como válida uma senhora a assinar esse nome.
Explica ainda que numa transferência interbancária sem o cliente presente é dito que é feita transferência conforme documento anexo que é junto e arquivado juntamente com o processo. – É feito (…) Se houver esse hipotético pedido de transferência, é feito na mesma, nesse documento, mas não há assinatura localmente do cliente, apenas é feita uma descrição nossa, “conforme instrução do cliente anexa ou arquivada (…) e rubricamos.
Este depoimento prestado de forma segura e absolutamente desinteressada, por quem não conhecia ninguém ligado ao processo mesmo estando na sala de audiências, não pode ser ignorado ou esquecido. É descrita uma forma concreta de proceder e absolutamente clara quanto à forma como procederam no caso concreto, com uma linha condutora lógica e transparente, garantida pela existência do número de funcionário e rúbrica da própria testemunha que prestou o depoimento, a mesma pessoa que procedeu à transferência.
Não pode este depoimento ser ignorado.
Curioso que o tribunal a quo interpreta o mesmo depoimento da seguinte forma:
(...)“que é sua a rúbrica aposta nos comprovativos de transferência interbancária de folhas 46 e 47 e explicou que é prática habitual a identificação do cliente, presencialmente, mediante a exibição do documento de identificação, o que não permite concluir que, no caso em apreço, esse procedimento foi realizado, até porque a testemunha não se recorda da situação em concreto;

Ora, o que a testemunha diz é que se o cliente não tivesse estado presente seria junta essa informação ao processo de transferência e arquivada e tudo leva a crer que estava e que foi presencial já que a mesma assinatura consta das transferências. Portanto, o cliente tinha de estar presente.
Não conclui, pois, o Tribunal ad quem, como concluiu o Tribunal a quo.
Por seu turno, a testemunha GR do Banco Santander conhece a arguida por ser gestora de contas da mesma e do marido da mesma, há cerca de 20 anos.
Confirmou a versão da arguida contando da reunião que teve com os arguidos sobre a possibilidade de abrir uma conta em nome da arguida e para ser movimentada pelo irmão.
A abertura da conta seria feita com um valor que resultava de uma indemnização que o pai recebera por causa de um acidente que sofrera.
Explicou que em relação aos fundos há sempre que dizer a origem dos fundos, documentar sempre e depois ter documentação suporte que comprove a legitimidade dos mesmos. Foram feitas duas transferências do Banco Montepio de uma conta que estava em nome do pai dos arguidos. Da 1ª vez 62.000 e 236.000 da 2ª vez. Quando a conta foi aberta foi feito um depósito a prazo e daí iam sendo feitas transferências para a conta à ordem. Dois cartões, um multibanco e um de crédito e era movimentada pelo Paulo. A CAS não tinha nenhum cartão. As transferências eram feitas da conta a prazo para a conta à ordem. A testemunha explica ainda que na altura se chamava aquela conta, conta aforro, depósito a prazo com liquidez.
A testemunha diz que sabia quem movimentava o cartão porque o arguido falava com ela. Explicou a testemunha que nada saía da conta a prazo para outra qualquer conta à ordem, todos os movimentos estão documentados.
Se houvesse alguma movimentação desta conta para uma outra conta que a arguida também tem no Santander com o marido e outra com o filho, saber-se-ia logo. Na conta com o marido ela é segunda titular, apareceria sempre o nome do primeiro, que é o marido.
E depois de várias insistências dos porquês daquela logística a testemunha limita-se a dizer, coincidindo mais uma vez com a versão da arguida que “A única coisa que eu sei é que o AS pediu ajuda à irmã na altura, porque ele não podia ter coisas em nome dele e quem o ajudou foi a CAS. Ele tinha dívidas às finanças, tinha dívidas à Segurança Social”.
Os depoimentos vão no sentido de o arguido cuidar do pai, “administrar” os bens do pai, viver com o pai e este confiar nele, assunto que não surpreendia a irmã que se afastara de ambos embora mantivesse algum contacto com o irmão.
Pode parecer estranho, mas atentando que não resultou minimamente provado que a arguida usasse a conta em causa em seu proveito, atendendo a que esta conta poderia ter sido seguramente criada pelas questões de dividas e penhoras que o irmão, também arguido, tinha, atendendo a que o pai na altura em que é feita a transferência – em 2014 – estava lúcido e, apesar de se deslocar, devido à amputação do membro inferior, numa cadeira de rodas, se deslocava, embora já estivesse num lar, situação de que tratou o arguido, tudo parece indicar que a arguida não esteve presente nesse acto e quanto ao mais a nada queria estar ligada.
Desde a capacidade do pai de ambos, que só vem a ser posta em causa dois anos depois – 2016, à falta da arguida no Montepio aquando das transferências (tendo em conta o depoimento da testemunha e a falha na perícia), e á gestão da conta feita pelo arguido, tudo indica que o pai pode ter feito a transferência no sentido descrito não só pelos arguidos mas pela funcionária do Montepio.
Repare-se que é dito que em 2014 o pai estava lúcido, conhecia as pessoas, dois anos depois é declarado inimputável.
E, em perfeita contradição com essa afirmação feita pelo próprio tribunal “a quo” (que admite, na fundamentação, não poder dizer que em 2014 o pai estava demente), dá como provado que estava – ponto 11 dos factos provados).
Se assim não se entender, então debatemo-nos com uma dúvida que o exame á letra, pelas razões já supra apontadas, não consegue afastar.
O depoimento da funcionária do Montepio é de tal maneira seguro e imparcial, totalmente desligado de todos os intervenientes, que nos perguntamos, como ultrapassar então, esta segurança?
Este depoimento conjuga-se com outros, como o da funcionária do Santander que descreveu a reunião que teve com os dois irmãos e, várias vezes, explicou a dinâmica da conta em causa, dos levantamentos e das transferências da conta a ordem e das transferências conta a prazo.
E com o depoimento da testemunha marido da arguida e ainda com o depoimento da testemunha MR companheira do arguido.
O tribunal a quo estranha as afirmações da funcionária do Montepio e conclui que não se recorda do falecido porque ele não esteve presente. Acontece que tudo ocorreu em 2014 e o julgamento, que durou 1 ano, teve lugar em 2021/2022 , cerca de mais de 8 anos depois. As testemunhas não têm de se lembrar de tudo para não serem postas em causa, antes pelo contrário.
É certo que ter uma conta com dinheiros de uma pessoa para outra gerir não se mostra muito transparente. Sem dúvida. Mas, daí a concluir que foi a arguida que falsificou as assinaturas de seu pai, insistir que esteve presente e assinou, ou que as forjou, e concluir que ela, arguida burlou outrem, depois de ouvirmos a prova, é um passo que não conseguimos dar sem dúvidas.
O arguido fala já no final do julgamento e, os motivos que avança explicando que, como tinha problemas no Banco de Portugal, tinha penhoras, a irmã apenas lhe fez o favor de abrir a conta em nome dela para que o dinheiro que o pai estipulou para ele administrar e para assegurar as despesas do pai, fosse movimentado para o que fosse necessário sem ser posto em causa. Há um documento assinado pelo pai a dizer que é para os filhos gerirem o dinheiro. Não se sabe se é ou não a sua assinatura também.
Se não se entender que foi o pai que o fez, não pode entender-se seguramente o contrário, ou seja, que não o fez.
Acresce que não se vislumbra qual foi o empobrecimento do pai. Não há prova de ter ocorrido, pelo mero facto de o dinheiro ter ido para uma conta titulada pela filha.
Não resultou provado que algum dos arguidos se tenha apropriado do dinheiro, fazendo-o seu; isto é, se o retiraram daquela conta para seu proveito próprio.
Estar numa conta titulada pelos 2 irmãos, atentas as circunstâncias à data em que tal ocorreu, não determina que se tenha de entender que houve locupletamento por parte de qualquer um dos arguidos. Era o arguido que tomava conta do pai e, como foi dito e seguramente aconteceu, houve despesas deste que tiveram de ser pagas, sendo que, se o foram com tal dinheiro, não há qualquer locupletamento à custa alheia.
O facto de alguém estar num lar, não o impede de sair do mesmo, de cadeira de rodas e dirigir-se a um banco.
O facto de uma empregada de um banco não ter a recordação precisa de um homem em cadeira de rodas, acompanhado por outras pessoas, para fazer uma transferência, 7/8 anos após os factos, não determina a incredulidade do seu depoimento, face às mais básicas regras de experiência comum. Com tantos idosos e tanta gente a ser diariamente atendida, estranho seria que se lembrasse de alguém com quem não tinha nenhuma especial relação, tantos anos volvidos.

Desta reapreciação conclui-se que o tribunal “a quo” numa situação mais do que duvidosa, quanto à falsificação da assinatura do falecido deveria ter-se socorrido do princípio in dubio pro reo.
Assim, não sendo possível apurar se o documento foi ou não assinado pela arguida, toda a restante factualidade que assenta nesse pressuposto de falsificação, soçobrará, pois, nenhuma prova se fez de conluio ou de desapossamento como já se concluiu.
Se há conduta astuciosa não é sua ou pelo menos fica este Tribunal com a dúvida de que também seja sua e sem saber se é de alguém ou de quem é. Ou se, na verdade, quem assinou e autorizou foi quem para tanto tinha legitimidade, o pai de ambos já falecido.
E repare-se que o que a arguida vê é que o irmão nunca pensou em liquidar as suas dividas porque na verdade o dinheiro era do pai, e foi usado para as despesas do pai e para a vida em comum do irmão com o pai.
E aqui, mais uma vez perguntamo-nos se, caso na verdade a arguida quisesse enriquecer à custa do dinheiro do pai proveniente da indemnização que o mesmo recebeu, não teria usufruído dos montantes em causa?
Mas não, manteve a conta a funcionar normalmente, proporcionando os movimentos necessários às despesas e pagamento dos gastos do pai.
A questão da propriedade da quantia de depósito bancário é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos uma vez que, a conta pode ser solidária, conjunta ou mista, consoante for acordado.
No caso concreto a conta era apenas da arguida e o cartão com que o arguido a movimentava tinha apenas escrito no nome “CS.”
Isto só significa que a arguida assumiu perante a entendida bancária todas as responsabilidades daquela conta, mas, por outro lado, o arguido nada nela tinha.
Ora como se sabe, em termos de valoração material da prova apesar da minuciosa regulamentação das provas efetuada pelo CPP, salvo os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada, vigora o princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção do julgador – artº 127ºCPP como já dissemos supra na linha do Professor Figueiredo Dias.
Ou seja, aqui chegados, temos de concluir que a prova, quer testemunhal quer documental não se encaixa no sentido da decisão proferida relativamente à recorrente.
Analisada a decisão em recurso confrontamo-nos com a necessidade de aplicação do princípio in dubio pro reo.
A percentagem do grau de certeza demonstrada na perícia– de 50 a 70% - depois da forma como foi realizada conjugada com o depoimento da funcionária do Montepio não pode permitir que o Tribunal parta com segurança para uma condenação da arguida.
Entende tanto a doutrina como a jurisprudência que, em determinadas circunstâncias, alguns dos factos sobre os quais não é possível produzir e analisar prova direta, têm, necessariamente, de ser retirados ou elididos dos factos objetivos e dados como provados e "vistos" à luz da normalidade das coisas, permitindo-se, deste modo, retirar a verosimilhança ou verdade daqueles (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 187; Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 279; Acs. STJ de 86.04.02, BMJ 365-122 e de 91.04.03, BMJ 406-314).
«A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de racionalidade», pois que, «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz se assimila, de algum modo, à do historiador: tanto um como outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível».
A prova tem de ser valorada no seu conjunto; é, pois, no contexto da prova, e de acordo com as regras da experiência – e até da ciência ou da técnica -, que o julgador deve atender ao firmar livre convicção. É isto que traduz a aplicação do princípio da livre apreciação da prova, sedeado no art. 127º do C.P.P.
A prova produzida nos autos será apreciada em obediência aos princípios de direito penal aplicáveis em matéria de apreciação da prova em julgamento, dos quais ressalta o princípio in dubio pro reo. Tal significa que “em caso de dúvida razoável” após a produção de prova, a conclusão do Tribunal tem de actuar em sentido favorável ao arguido.”
Um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, o princípio in dubio pro reo implica que quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.
Tal princípio é aplicável após a produção de prova e, ao lado do princípio da presunção de inocência, embora este, exista desde a instauração de investigação ao suspeito.
O princípio in dubio pro reo implica a existência de uma dúvida razoável que, não permite ao julgador afirmar em consciência e com segurança que, determinado indivíduo cometeu os factos pelos quais vinha acusado e, foram objeto de análise em audiência de julgamento.
Não resulta de um mero capricho ou vontade de absolver por parte do juiz, resulta sim, da prova que foi produzida e causou no espírito do Juiz a dúvida que este não consegue ultrapassar para condenar em consciência.
Já não há só uma presunção de inocência, há também uma dúvida válida sobre a culpa e sobre a inocência.
A dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.
Numa situação de dúvida inultrapassável quanto à factualidade imputada, o Tribunal decide pela absolvição.
Conforme refere Helena Bolina, o princípio in dubio pro reo tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - a dúvida que o Julgador está vinculado a resolver favoravelmente ao arguido, é uma dúvida relativamente aos elementos de facto, quer sejam pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer sejam factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão de ilicitude ou da culpa.

Face ao que se acabou de dizer os seguintes factos considerados provados devem ser tidos como não provados

6.Os arguidos formularam o propósito de se apropriarem do dinheiro que se encontrava na conta de JCS.
7.Assim, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre ambos gizado, os arguidos de acordo com um plano previamente delineado, procederam no Balcão do Banco Montepio, na Rua do ..... das ..... ....., n.º ..., B/D, A......, S_____, à transferência de quantias da mencionada conta titulada por JCS, sendo € 62.000,00, em 28 de Abril de 2014 para a conta n.º PT … titulada pela arguida CAS e €276.285,89, em 02 de Maio de 2014 para a conta n.º PT… titulada pela arguida CAS.
8.Para tal a arguida CAS, assinou pelo seu próprio punho as ordens de transferência, inscrevendo o nome do seu pai, dando a aparência junto da instituição bancária que a ordem de transferência bancária estava assinada por JCS.
9.A instituição bancária, por sua vez, permitiu a realização das aludidas transferências bancárias, no que a mesma só consentiu porquanto a atuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, não só de que as assinaturas correspondiam à realidade, pois que de outra forma não teria aceitado a realização das transferências, como sucedeu.
10.E, em consequência, viu-se o referido JCS prejudicado, pelo menos, no valor das transferências bancárias.
11.Sabiam os arguidos que JCS se encontrava em situação de fragilidade, devido à sua idade avançada (setenta anos à data dos factos) e à anomalia psíquica que sofria e aproveitaram-se dessa situação.
12.Os arguidos agiram, com o propósito conseguido de, através da aparência de realidade, que provocaram junto da instituição bancária sobre regularidade das assinaturas, obter para si um benefício, consistente na realização das transferências bancárias acima descritas, no valor total de € 338.285,89, que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento do JCS.
13.Os arguidos, forjaram os acima referidos documentos (assinatura) e sabiam que os mesmos não correspondiam à realidade.
14.Colocaram deliberada e conscientemente em perigo, com a sua conduta, a credibilidade e a confiança de que gozam os documentos, como era desígnio dos arguidos.
15.Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
A partir do momento em que se coloca a dúvida inultrapassável da assinatura pertencer à arguida, tudo o mais fica prejudicado não podendo sequer avançar para o crime de burla quanto a ela.
Se há conduta astuciosa não é sua ou pelo menos fica este Tribunal com a dúvida de que também seja sua e sem saber se é de alguém ou de quem é. Ou se, na verdade, quem assinou e autorizou foi quem para tanto tinha legitimidade, o pai de ambos já falecido.
Não encontramos quanto à conduta da arguida, na prova produzida, os elementos necessários ao preenchimento do primeiro ilícito que implica o segundo. E também não encontramos quem realmente tenha praticado o primeiro.
De facto, confrontados os factos assentes que restam, constata-se que se não mostra provada a existência de qualquer acto de falsificação, nem nenhum conluio com o propósito de, por meio de erro ou engano astuciosamente tecidos pelos arguidos, estes terem obtido um enriquecimento ilegítimo, com o respectivo empobrecimento da vítima. Mostram-se assim por preencher os elementos constitutivos dos tipos de ilícitos imputados a ambos os co-arguidos.
Assim, a apreciação de toda a prova produzida em julgamento à luz das regras da experiência, nos termos do artigo 127.º do CPP, não pode deixar de ir no sentido absolver a arguida da falsificação e da burla porque a partir do momento que a falsificação claudica, claudica a burla.
Absolvendo-se a arguida e, tendo em conta que estamos perante uma comparticipação já que, segundo o Tribunal a quo “os arguidos formularam o propósito de se apropriarem do dinheiro que se encontrava na conta de JCS.
Assim, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre ambos gizado, os arguidos de acordo com um plano previamente delineado, (...)” socorrendo-se o tribunal ad quem do disposto no artº 402º nº 2 CPP e porque não é fundado em motivos estritamente pessoais o recurso interposto pela arguida aproveita ao arguido que se vê assim, abrangido pela absolvição. Ac. de 08/03/06, Proc. nº 06P888, de 07/06/06, Proc. nº 06P2184 e de 27/09/07, Proc. nº 07P3509, todos em www.dgsi.pt e também Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, Coimbra, pag. 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, Editorial Verbo, pag. 335 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, 2007, Editora Rei dos Livros, pag. 80.
No que respeita ao pedido cível a prova há de decorrer de acordo com o artº 124.º, n.º 2, do CPP, com vista a demonstrar a ocorrência dos três primeiros pressupostos da obrigação de indemnizar, conforme é tradicionalmente exigido.
O processo na sua parte cível sofre a aglutinação do processo penal sem que haja qualquer violação legal.
Porque não há necessidade de inventar a roda, aqui se transcreve para melhor esclarecimento do recorrente o Ac do STJ – do Sr. Conselheiro Santos Cabral – que se pode consultar em :- http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b1a92bb8dcaec04d8025753800374911?OpenDocument
“O pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo.

Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos. Por outro lado, sublinha-se a manifesta economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime. Finalmente, importa salientar razões de prestígio institucional, o qual poderia ser posto em jogo se houvesse que enfrentar julgados contraditórios acerca do ilícito criminal a julgar, um no foro criminal com determinado sentido e outro no foro cível, eventualmente com expressão completamente contrária ou oposta.
Como se refere em Ac. deste STJ de 10-07-2008, interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objeto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º do CP) nos respetivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das ações significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal.
Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respetivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que refere à caracterização do acto ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável.
O itinerário probatório é exatamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito.”

Ora, de igual modo se tem de concluir que não estão preenchidos os requisitos para que o pedido cível possa proceder.
Assim, atenta a absolvição pela prática como coautores de um crime de falsificação e de burla, em obediência ao princípio in dubio pro reo, ficam ainda os arguidos absolvidos do pedido cível contra ambos formulado.

Concede-se provimento ao recurso apresentado e revogando-se a decisão recorrida absolve-se a arguida dos crimes pelos quais vinha acusada.
Por força do disposto no artº 402 nº 2 CPP vai também o arguido absolvido dos crimes pelos quais vinha acusado
Consequentemente absolvem-se os ambos do pedido cível formulado pela demandante.

Sem custas na parte crime e com custas na proporção do decaimento quanto à parte cível pela demandante cível.


Acórdão elaborado e revisto pelas juízas desembargadoras relatora e adjuntas


Lisboa –10.05.2023


Adelina Barradas de Oliveira
Ana Paramés
Maria Margarida de Almeida