Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4704/19.6T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
PERDA DE CONFIANÇA NA PRESTAÇÃO DA REPARAÇÃO
REPARAÇÃO POR TERCEIRO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- O defeito corresponde a um desvio à qualidade devida: sempre que um bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa, como de resto decorre do artº 913º nº 1 do CC.
2- A execução da coisa em desconformidade com as normas técnicas relativas à sua concepção e execução, traduz um cumprimento defeituoso. O mesmo é dizer que a remodelação de edifício e a sua posterior venda, em que as instalações sanitárias estão destituídas de qualquer tipo de ventilação, natural ou forçada, constitui a venda de coisa defeituosa.
3- À obrigação de eliminar os defeitos são aplicáveis as regras gerais do cumprimento previstas no artº 762º e segs., incluindo no que respeita aos prazos de execução.
4- Dentro do princípio geral da boa fé que deve presidir às relações contratuais, estabelecido no artº 762º nº 2 do CC, tem vindo a ser admitido, como fundamento para o credor recusar a prestação, situações de inexigibilidade de subsistência da relação contratual.
5-O credor poderá opor-se a que a reparação dos defeitos seja efectuada pelo vendedor sempre que se dê qualquer circunstância em face da qual, e segundo as regras da boa fé, não seja lhe seja exigível a continuação da relação contratual e ocorra perda justificada de confiança no devedor. E uma dessas circunstâncias em que ocorre inexigibilidade da subsistência da relação, verifica-se nas situações de “não cumprimento sintomático” que decorre do não cumprimento pontual ou retardamento injustificado de deveres principais de prestação de deveres acessórios de conduta.
6- Em tais situações pode justificar-se que a reparação dos defeitos possa ter lugar por terceiro a expensas do vendedor.
7- Apesar de os artºs 909º e 915º terem por epígrafe “Indemnização em caso de erro”, a obrigação de indemnizar não encontra fundamento no erro e o legislador pretendeu, unicamente, esclarecer que a indemnização tem por pressuposto o error in qualitate. Os direitos conferidos ao comprador são uma consequência directa do não cumprimento dos deveres da contraparte, sendo a referência ao erro desnecessária.
8- A esta luz, por força da remissão para o artº 910º do CC, vem sendo admitida a cumulação de pretensão de eliminação dos defeitos, com a indemnização por danos decorrentes do cumprimento defeituoso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
1-MPM e RT, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra M, SA, pedindo a condenação da ré a:
-a) suportar os custos da integral e efectiva reparação dos citados defeitos do Imóvel, sem que realize directamente os correspondentes trabalhos, considerando a perda de confiança dos AA. na boa fé da Ré;
b) Subsidiariamente, caso não seja deferido o pedido constante da alínea anterior reparar integral, efectivamente e a expensas suas os citados defeitos do Imóvel;
c) Subsidiariamente, caso não seja possível a reparação dos defeitos do Imóvel, a reduzir proporcionalmente o preço pago;
d) Subsidiariamente, decretada a anulação do contrato de compra e venda do Imóvel.
II. E, cumulativamente a qualquer dos pedidos acima apresentados, ser a Ré  condenada ao pagamento:
a) De indemnização por todos os danos patrimoniais causados aos AA., até à presente data, decorrentes da existência dos defeitos do Imóvel supra descritos, calculados na quantia de € 28.323,55 (vinte e oito mil trezentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco euros), mas sem prejuízo de valor mais elevado ser considerado devido;
b) De indemnização por todos os danos patrimoniais previsível ou futuramente causados aos AA., decorrentes da existência dos defeitos do Imóvel supra descritos até à sua efectiva e integral reparação a cargo da Ré;
c) De indemnização por todos os danos não patrimoniais causados aos AA., até à presente data, decorrentes da existência dos defeitos do Imóvel supra descritos, calculados na quantia de € 3.000 (três mil euros), mas sem prejuízo de valor mais elevado ser considerado devido;
d) De indemnização por todos os danos não patrimoniais previsível ou futuramente causados aos AA., decorrentes da existência dos defeitos do Imóvel supra descritos até à sua efectiva e integral reparação a cargo da Ré;
e) Ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, após o prazo para conclusão dos trabalhos de reparação do Imóvel, no montante mínimo de € 65,00 (sessenta e cinco euros) ou no montante que o Tribunal considerar doutamente adequado;
f) Ao pagamento de juros vincendos, à taxa legalmente aplicável, calculados
a partir do trânsito em julgado da decisão judicial condenatória da Ré, até efectivo e integral pagamento da dívida.
Alegaram, em síntese (é deveras extensa a petição inicial, estendendo-se por 500 artigos!!!, seguindo-se, por isso, a síntese feita pela 1ª instância) que:
- adquiriram à Ré, em Dez.2017, um imóvel que lhes foi apresentado como totalmente reabilitado e pronto a habitar, para efeitos de investimento, através da sua exploração como alojamento local, que pretendiam iniciar logo após a sua aquisição;
- mas logo em Janeiro de 2018, devido a incidente na fracção do piso superior, houve infiltrações no imóvel e, aquando da peritagem dos danos ocorridos, verificou-se que por trás do tecto falso da fracção, o tecto amadeirado do imóvel se encontrava em estado de apodrecimento avançado, o que não podia resultar da infiltração recente;
- em Março de 2018 foram denunciados à Ré os defeitos entretanto detectados e a Ré não
explicou como pretendia fazer a sua reparação;
- pediram então um relatório técnico que elencou os defeitos existentes nos tectos, paredes, pavimentos e sistema de esgoto, ventilação do imóvel, na instalação sanitária e no duche, aí se concluindo que não estavam asseguradas as condições de salubridade e habitabilidade do imóvel;
- tais defeitos vieram a ser, de novo, denunciados à Ré, a quem foi solicitada a sua reparação de acordo com as soluções constantes de tal Relatório;
- A Ré efectuou então uma peritagem ao imóvel em Maio de 2018, mas depois nada mais fez, apesar de ter reconhecido a existência de alguns dos defeitos denunciados;
- Só em Setembro de 2018, é que a Ré veio apresentar uma proposta de reparação, a qual era insuficiente, inadequada e incompleta face aos defeitos denunciados, defeitos esses que se foram agravando;
- Após novas interpelações em Nov. e Dez. de 2018, a Ré manteve a sua posição inicial, pelo que tiveram de interpor a presente acção;
- Face à passividade e intransigência da Ré, tiveram danos patrimoniais, devido à necessidade de contratar um advogado para os representar em Portugal (uma vez que residem no Brasil), danos esses referentes a honorários e despesas de representação , que ascendem a 851,33€, e bem assim à necessidade de contratar um perito/engenheiro que fizesse o levantamento dos defeitos, tendo dispendido a quantia de 799,50;
- a reparação integral dos vícios existentes no imóvel ascende a € 15.045,00;
- tiveram ainda despesas com viagem a Portugal para uma reunião presencial com a Ré, no montante de € 2645,65;
- suportaram ainda danos avaliados em € 8 580,00 devido a redução da sua produtividade nos respectivos trabalhos;
- reclamam ainda lucros cessantes, por não terem logo após a aquisição do imóvel, iniciado a sua exploração como alojamento local, no montante de € 8 331,57, referentes ao período de Fev.2018 a Fev.2019, tendo em conta os preços do mercado do alojamento local nessa altura;
- e pedem ainda € 3 000,00 a título de danos não patrimoniais que alegam ter sofrido decorrentes desta situação;
- alegam também danos patrimoniais futuros de € 12 999,10, lucros cessantes futuros de € 1 165,26 e danos não patrimoniais futuros de € 250,00;
Concluem assim que houve uma venda de coisa defeituosa, pelo que podem acionar os direitos legalmente previstos para este caso e cumulá-los com o pedido indemnizatório.
2-Citada, a ré contestou.
Em síntese, impugnou a factualidade vertida na p.i., alegando que reparou alguns defeitos e disponibilizou-se para reparar os restantes, o que foi recusado pelos AA., sendo estes os responsáveis pela situação em que se encontra o imóvel, pugnando assim pela improcedência das suas pretensões.
3- Foi dispensada a realização da audiência prévia.
4- Teve lugar a realização de uma perícia.
5- Realizada a audiência final, com data de 03/02/2023, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
IV. Decisão
Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a ré M, SA a pagar aos Autores MPM e RT, a quantia de € 16 895,00 a título de custos para reparação integral dos defeitos do imóvel id. nos autos, e ainda a quantia de € 2 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora , contados à taxa supletiva legal para juros civis, desde o transito em julgado da presente sentença, até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado.”
6- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) “M, S.A.”, Ré nos presentes autos e não se conformando com a sentença proferida, vem junto de V/ Exa. apresentar RECURSO.
b) A Ré ficou surpreendida com a decisão total, visto que, conforme infra se demonstrará, não concorda com a interpretação jurídica.
c) No entanto, vamos começar pelo erro que nos parece mais evidente, o Tribunal decidiu condenar a Ré a pagar a quantia de 1850 € relativamente essencialmente ao facto constante do ponto 55 da matéria de facto:
55- Para a instalação do sistema de ventilação/extracção de ar, os AA. requisitaram serviços junto do empreiteiro JB, que lhes apresentou o orçamento no valor de € 1.850,00.
d) Conforme se pode ver pela descrição, não estamos perante qualquer reparação, mas sim por um melhoramento que os Autores entenderam efectuar no imóvel.
e) Estamos perante uma instalação nova que não existia.... os Autores podem efectuar as alterações que entenderem no seu imóvel, não podem é peticionar que seja a Ré a pagar.
f) Pelo que se os Autores decidissem banhar as paredes a ouro seria a Ré responsável pelo pagamento? Obviamente que não...
g) Resultando evidente que nunca poderia a Ré ser condenada a pagar tal valor.
h) Pelo que não vislumbramos qualquer base legal que obrigue a Ré a pagar os melhoramentos que os Autores entenderem efectuar no seu imóvel, pelo que viola os artigos 913º e seguintes do Código Civil, pelo que deverá a sentença ser revogada neste ponto.
i) Após esta questão que resulta evidente, vamos então aos demais valores que a Ré foi condenada.
Dos Alegados Defeitos – Sua reparação.
j) Os Autores peticionaram a quantia de € 15.045,00 (quinze mil e quarenta e cinco euros) relativamente a reparações efectuadas no imóvel.
k) Resulta claro da matéria de facto que a Ré sempre se mostrou disponível para efectuar as reparações que considera devidas.
l) A Ré indicou um Engenheiro que efectuou um relatório onde reconheceu defeitos que entendia adequado reparar, conforme consta do ponto 40 da matéria de facto.
m) Os Autores não autorizaram a reparação.... nos termos do ponto 61 da matéria de facto.
n) Porquanto, efectivamente a Ré não tem muito a referir, apenas que estamos perante uma violação clara do artigo 914º do Código Civil.
o) Resulta evidente que os Autores podiam exigir a reparação..., contudo não autorizaram a mesma, pelo que passou a existir mora do credor nos termos do artigo 813º do Código Civil.
p) Pelo que ao condenar a Ré a pagar a quantia de € 15.045,00 (quinze mil e quarenta e cinco euros), encontra-se violado o teor do artigo 914º do Código Civil, pelo que deverá também a sentença ser revogada nesta parte.
Dos Danos não patrimoniais:
q) O Tribunal decidiu condenar a Ré a pagar € 2500 € a título de danos não patrimoniais nos termos dos artigos 562º e seguintes do CC e 908º aplicável ex vi artº 913º, nº 1 do CC.
r) Contudo não pode a Ré concordar com tal condenação, conforme supra se referiu a Ré mostrou disponibilidade para efectuar as reparações que o Engenheiro que contratou detectou.
s) A Ré é uma sociedade que tem consciência das suas responsabilidades, porquanto sempre se mostrou disponível para efectuar as reparações que considerou adequadas.
t) Ficou demonstrado que os Autores não autorizaram tais reparações.
u) Pelo que não existe qualquer fundamento para a aplicação do artigo 562º do Código Civil, ou qualquer outro, tendo sido tal norma violada.
v) Porquanto, vem a Ré requerer que a sentença seja revogada e substituída por um Acórdão que julgue a acção totalmente improcedente por não provada.
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7- Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, sem apresentar Conclusões.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Revogação da sentença, com absolvição da ré dos pedidos quanto às condenações por:
i)- Custo da Instalação da Ventilação;
ii)- Reparação dos alegados defeitos;
iii)- Danos não patrimoniais.
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2- Matéria de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto, de resto, não impugnada:
Factos Provados.
1- Em 2017, os AA. fizeram contactos com a finalidade de investirem na aquisição de um
Imóvel, para exploração através do regime de alojamento local.
2- A empresa de mediação imobiliária “C”, por intermédio do Senhor ML e da promotora MG, apresentou aos ora AA. a fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada para habitação, a que corresponde o Rés-do-Chão com entrada pelo número 52 da Rua P…, do prédio urbano sito na Rua P… números …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número n.º 6…, da freguesia de Santos-o-Velho e inscrito na matriz predial sob o artigo 2… da freguesia da Estrela, concelho e distrito de Lisboa.
3- Para além da visualização do anúncio no site da Remax, os AA. visitaram presencialmente o Imóvel, acompanhados pelo Senhor ML, Sra LM, bem como a corretora responsável pelo Imóvel, Senhora MG.
4- À data da visita ao Imóvel, foi transmitido aos AA., pela corretora responsável pelo Imóvel, pelos representantes da “C” e da “GT”, que o imóvel estava totalmente reabilitado, não havendo mais nada a fazer.
5- A Ré havia adquirido todo o prédio para revenda das fracções e procedeu à conversão para habitação e reabilitação da fracção id. em 2-, que tinha antes uma afectação comercial.
6- Após visita de outros imóveis em Lisboa para comparação de oportunidades de negócio, os AA. interessaram-se pelo citado Imóvel e iniciaram a negociação das condições de um contrato-promessa de compra e venda.
7- No dia 17 de Novembro de 2017, os ora AA. e a Ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda, junto como doc.9 com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido, tendo sido estipulado que o contrato de compra e venda seria celebrado no prazo de 60 dias, contados desde a data da assinatura do contrato de financiamento bancário pelos AA.
8- Os AA. viram o imóvel na data da apresentação, celebraram o contrato-promessa de compra e venda e regressaram ao Brasil.
9- Os AA. não voltaram a entrar no Imóvel.
10- No dia 19 de Dezembro de 2017, os AA., como compradores, e a Ré, como vendedora, celebraram o respectivo contrato de compra e venda (com mútuo com hipoteca) sobre o Imóvel acima identificado, junto como doc.10 com a p.i., contrato esse celebrado pela Advogada dos AA., enquanto procuradora dos mesmos.
11- O Imóvel foi adquirido livre de ónus e encargos e o respectivo preço, no valor de € 167.000,00 (cento e sessenta e sete mil euros), foi integralmente pago pelos AA. à Ré.
12- Os AA. recorreram ao financiamento bancário de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), junto do Novo Banco, por via de um contrato de mútuo com hipoteca.
13- O negócio de compra e venda do Imóvel foi objecto de mediação imobiliária pela empresa C com marca Remax.
14- Os AA. procederam à comunicação prévia do registo de Alojamento Local, em 23/01/2018, o qual foi concedido e registado, junto do Turismo de Portugal, I.P., sob o número 6…/AL.
15- Os AA. efectuaram também, em 23/01/2018, o registo junto da Câmara Municipal de Lisboa, para efeitos de submissão de Taxa Turística, e junto do Portal SIBA (SEF), para efeito de envio de Boletins de Alojamento, que constitui dever legal da entidade exploradora do alojamento local.
16- Nessa data, os AA. já tinham contactado uma empresa para gerir o alojamento local, que pretendiam instalar e desenvolver na exploração do Imóvel.
17- A mando dos AA., a sua representante e advogada diligenciou pela contratação e instalação dos serviços de fornecimento de água e electricidade, tendo, mediante agendamento da EDP, sido solicitada a sua presença no local, no dia 17 de Janeiro de 2018.
18- No dia 17 de Janeiro de 2018, aquando da deslocação da representante dos AA., ao Imóvel, para instalação do contador de fornecimento de electricidade pela EDP Comercial, S.A., verificou-se que tinha ocorrido um incidente na fracção do piso superior à dos AA., correspondente ao 1.º andar do mesmo edifício, que provocou infiltrações de água no solo daquela fracção, afectando directamente o tecto da fracção dos AA. na zona do quarto.
19- No próprio dia, a representante dos AA., Dra. DL, deu conhecimento do sucedido ao Sr. ML (da mediadora C) requerendo que fosse transmitido à Ré (Vendedora), de quem não tinha o contacto, e a MG.
20- O Sr. ML (C) mostrou disponibilidade para ir ao local, verificar o reportado.
21- Nesse seguimento, a representante dos AA., deslocou-se ao imóvel, em 19 de Janeiro de 2018, para verificar as condições em que o Imóvel se encontrava.
22- E, após diversos contactos com a proprietária do piso superior (1.º andar), sua seguradora, e até com os representantes da empresa de mediação imobiliária (C) foi possível agendar a peritagem.
23- Em 5 de Fevereiro de 2018, iniciou-se a inspecção dos danos resultantes da ocorrência do incidente da infiltração, por intermédio do Senhor JM, em representação do empreiteiro “AM, Unipessoal, Lda., que actua sob a marca “Z””, tendo este empreiteiro, por intermédio do Senhor JM realizado a abertura de uma janela de visita no tecto falso da fracção dos AA., na zona onde se verificavam os sinais de infiltração, de forma a inspecionar a zona que intermedeia o tecto falso e o pavimento da fracção do piso superior, para apuramento das causas de infiltração.
24- Os trabalhos de pesquisa da origem da infiltração foram determinados e autorizados pela equipa de peritagem da Seguradora que cobria os riscos do andar superior, e foram levados a cabo pelo empreiteiro “Z”, contratado pela respectiva proprietária do 1.º andar, para a reparação dos danos verificados, mediante autorização da Seguradora.
25- Das pesquisas efectuadas, a Seguradora concluiu que havia fuga na canalização do piso superior, na zona da instalação sanitária, a qual provocou alguns danos no piso inferior (fracção dos presentes autos), que seriam ressarcidos: retirada e colocação de tecto falso afectado e limpeza e reparação de paredes e rodapés, concretamente atingidos pela infiltração.
26- Na sequência das várias deslocações realizadas ao Imóvel, a representante dos AA. notou a existência de anomalias, que, no imediato, reportou aos seus representados e ao Sr. ML (C).
27- Na altura, sendo o Sr. ML a única pessoa de contacto entre os AA. e a Ré (Vendedor), foi de imediato transmitida a necessidade de reparação das referidas desconformidades:
- Bolhas de humidade na tinta da parede de desvão do WC (sobre a instalação sanitária);
- Forno da cozinha solto.
28- Os AA. tomaram conhecimento que os defeitos foram reparados através do email de
02/02/2018.
29- Á revelia dos AA., sem a sua permissão, nem sequer conhecimento prévio, o Sr. J, empreiteiro da Vendedora, entrou no apartamento para reparar os defeitos referidos em 27-, na mesma altura em que o Sr. JM aí se encontrava a fazer a reparação do tecto.
30- Os AA. ficaram extremamente desagradados com a notícia apresentada, tendo manifestado a expressa oposição a que alguém entrasse no apartamento, sem a sua autorização expressa.
31- Os AA. procederam à comunicação da denúncia, junto da Ré, de defeitos no Imóvel, que elencam em carta, remetida por via postal registada com aviso de recepção, datada de 5 de Março de 2018, carta essa recebida, no dia 06/03/2018, pela Ré, e da qual foi dado
conhecimento à mediadora “C”.
32- Através dessa mencionada carta, os AA. denunciaram um conjunto de defeitos do Imóvel, visíveis na altura, e que eram:
- sinais de humidade na parede do quarto;
- inclinação incorreta da base de duche que não permite um escoamento de águas eficaz;
- iluminação do duche com sujidade da obra no interior, junto das lâmpadas;
- fissura junta da viga (que separa a área da sala, da zona do quarto).
33- Os AA. interpelaram, assim, a Ré para proceder à reparação dos defeitos denunciados no prazo de 5 dias.
34- Em 20 de Março de 2018, a Ré enviou à mandatária dos AA. um e-mail, no qual indica que a “reparação acordada na reunião tida com o Sr. PJ” teria início a 23.3.2018.
35-Os AA. decidiram não aceitar qualquer reparação sem antes disporem de um relatório técnico que permitisse efectuar uma análise clara e objectiva dos defeitos existentes no Imóvel, as suas causas e eventuais soluções de reparação.
36- Os AA. contrataram então os serviços do Eng.º PG que, após inspecção do Imóvel, produziu o Relatório Técnico, datado de 14.4.2018, junto como doc.23 com a p.i..
37- Os principais defeitos do Imóvel assinalados pelo técnico referido em 36-, eram os
seguintes:
- no interior da área de tecto falso removido, era possível ver as vigas de madeira
que constituem o piso da fracção superior, com algumas reparações localizadas, mas sem qualquer reforço estrutural e sem qualquer isolamento térmico e/ou acústico;
- na separação entre a área do quarto e a área da sala, existe uma viga metálica de suporte da estrutura da lage do tecto, a qual apresenta alguns pontos de corrosão, sendo que o pladur encontra-se fissurado e descolado de tal viga;
- não foram realizados quaisquer trabalhos de tratamento ou impermeabilização da superfície das paredes originais, as quais apresentam pontos de humidade;
- também não foi realizada uma camada de impermeabilização da base do pavimento, que apresenta infiltrações na zona junto da entrada;
- as tampas das caixas de esgotos que estão instaladas por baixo do chão da fracção não possuem qualquer elemento que impeça a passagem de maus cheiros para o interior da fracção;
- a fracção possui apenas porta e janela para o exterior, na fachada principal, não existindo qualquer outra abertura para o exterior, nem qualquer sistema de ventilação na zona do quarto e da casa de banho;
- no tecto inclinado da área sanitária que se situa por baixo da escada de acesso ao piso superior, existe uma infiltração de água e humidade nos painéis que forram a referida escada;
- a base do duche tem uma inclinação insuficiente para garantir que a agua escorre para o ralo, o que provoca o transbordo da água do duche quando é utilizado, para o exterior da base.
38- Os AA. remeteram à Ré carta com denuncia dos defeitos descritos no supra referido relatório técnico, em 09/05/2018, da qual foi dada conhecimento à mediadora.
39- Nessa sequência, em 18/05/2018, a Ré solicitou o agendamento de uma peritagem ao Imóvel, tendo a mesma sido realizada em 19/05/2018, na presença da representante dos AA., o perito já designado pelos AA. e signatário do Relatório Técnico, e ainda o Senhor
Engenheiro JP, conforme auto de vistoria que outorgaram, junto como doc.27 com a p.i..
40- Por seu turno, a Ré pediu um relatório técnico, do qual deu conhecimento aos AA. em 14 de Junho de 2018 e do qual resulta o reconhecimento de alguns dos defeitos já denunciados pelos AA., a saber :
- O Patim interior do vão de fachada ao nível da rua, existente ao lado da porta de entrada, apresenta ainda algumas patologias, após intervenção corretiva.
Verifica-se que o piso do patim, realizado em microcimento, igual ao pavimento da sala, apresenta uma ligeira bolha.
-O remate entre o gesso cartonado e o rodapé, apresenta uma falha de preenchimento.
- A parede está ligeiramente suja, alegadamente devido á intervenção de reparação.
- A estrutura que serve de apoio ao piso do pavimento do apartamento superior e teto do apartamento não foi substituída, e não foi colocado isolamento acústico.
-Observa-se pelas aberturas no teto de gesso cartonado, realizadas para tratar os problemas resultantes da infiltração do apartamento existente por cima, algumas madeiras ainda com vestígios da inundação.
- Existem vestígios de corrosão na viga metálica e desligamento do gesso cartonado que reveste a viga, num dos extremos.
- Num dos extremos da viga são visíveis alguns pontos sinalizados na pintura que, podem indiciar corrosão da superfície da viga, pese muito superficial, não coloca em causa a funcionalidade resistente da viga.
- O desligamento entre o gesso cartonado e a viga é resultante da junção de dois materiais de natureza e comportamento muito diferente.
- Estrutura de dois arcos e coluna central da parede diminuída na sua capacidade resistente.
- Ausência de preenchimento da caixa sifonada do aro da caixa de passagem de esgotos.
- Instalação do duche no quarto exige na sua utilização um cuidado acrescido para que num duche mais intenso ou prolongado, a água não saía para fora desse espaço, atingindo o pavimento de microcimento do quarto que é igual ao da base de duche, que se encontra protegido com verniz.
41- Os AA., por intermédio da sua mandatária, voltaram a interpelar a Ré, em 23 de Julho de 2018, para reparar os defeitos existentes no Imóvel, através de carta registada com aviso de recepção, para, no prazo de 10 dias corridos procederem à apresentação de “soluções definitivas” e “efectivas” para os defeitos do Imóvel, sob pena de, não o fazendo a Ré, se considerar recusada a reparação dos defeitos denunciados.
42-Perante a inacção da Ré na sequência do referido em 41-, os AA., por intermédio da sua mandatária, notificaram a citada empresa de mediação imobiliária, CONVICTUS, a empresa que facultara o contacto desta – a GT, e a Ré para uma reunião presencial no Imóvel, a ser realizada no dia 3 de Setembro de 2018, pelas 18h00, apelando à presença ou representação de todos os envolvidos.
43-No dia 3 de Setembro de 2018, os AA. reuniram no Imóvel com a sua mandatária, a empresa de mediação imobiliária, “C”, representada pelo Sr. ML, e a Agência “GT”, representada pela Sra. D. LM, não tendo comparecido a Ré ou qualquer pessoa que a representasse, em seu nome.
44- Em 7 de Setembro de 2018, a Ré respondeu à carta dos AA. que havia sido enviada em 20 de Julho de 2018, observando a ordem dos defeitos denunciados e respectivas soluções propostas pelos AA., apresentando a Ré propostas de reparação dos defeitos do Imóvel.
45- Os AA. comunicaram à Ré, por intermédio da sua mandatária, que a proposta de reparação daqueles defeitos era “incompleta e insuficiente”, conforme carta datada de 8 de Novembro de 2018, tendo ainda informado a Ré que esta procedeu à realização de reparações no Imóvel que se revelaram “inadequadas e deficientes”, gerando novos danos no Imóvel.
46- Nessa carta, os AA. propuseram à Ré a reparação dos defeitos do Imóvel, a expensas da Ré, e por adjudicação e pagamento do “Orçamento n.º 5 1800/000082” de 13.9.2018, que remeteram em anexo à referida carta, a executar pela empresa proponente do referido
orçamento – a AM, Unipessoal, Lda., que opera sob a marca “Z”, com quem os AA. já tinham contactado.
47- A Ré não emitiu qualquer resposta à carta de 08 de Novembro de 2018, que lhe foi remetida pelos AA..
48- Nessa altura, os AA. solicitaram um registo fotográfico do Imóvel, ao Sr. MB.
49- Os AA. remeteram nova carta à Ré, também por intermédio da sua mandatária, em 17 de Dezembro de 2018.
50- A mandatária dos AA. actuou, em representação dos AA., acompanhando vistorias, relatórios do estado do imóvel, reunião com empreiteiros, vendedor, e técnicos, com vista ao apuramento dos defeitos e a denúncia dos mesmos ao vendedor.
51- Tal serviço foi requisitado pelos AA. à sua mandatária, por os mesmos não residirem em Portugal.
52- Os AA. requisitaram a elaboração de uma peritagem técnica, por engenheiro qualificado, nos termos referidos em 35- e 36- supra.
53- Pela elaboração do relatório técnico, foram facturados honorários de € 799,50.
54- Em 2019, os AA. requisitaram o início de obras de acordo com o orçamento de 13.9.2018 do empreiteiro Z, o qual veio a ser adjudicado pelo valor de € 15.045,00 (quinze mil e quarenta e cinco euros), IVA incluído, considerando que os serviços de ventilação/extracção de ar não foram adjudicados a este empreiteiro.
55- Para a instalação do sistema de ventilação/extracção de ar, os AA. requisitaram serviços junto do empreiteiro JB, que lhes apresentou o orçamento no valor de € 1.850,00.
56- Os AA. tinham encetado negociações com a empresa SI, Lda, que usa a marca O, a qual ficaria encarregue da decoração do imóvel e arranque do processo de alojamento local e gestão de reservas.
57- A exploração teria estado em condições de iniciar em meados de Fevereiro de 2018, não fosse o supra relatado.
58- Por efeito do agravamento dos defeitos, e do surgimento ou descoberta de outros mais
ocultos, por um lado, e, por outro, pela atitude da Ré que não permitiu uma resolução cabal dos defeitos, o estado de preocupação e de angústia dos AA. foi-se agravando, pois, a cada dia que passava, sabiam que estavam a perder rendimentos e, em simultâneo, não deixavam de ter despesas fixas para pagar, como impostos, electricidade e água, seguro e a prestação bancária do mútuo subscrito.
59- A angústia sentida pelos AA. foi incrementada pela distância a que residiam (Rio de Janeiro, Brasil) face ao Imóvel adquirido (Lisboa, Portugal), aumentando os seus níveis de preocupação e stress.
60- Apesar do referido em 34- e 35-, a Ré contratou a empresa (que use a marca Z) e que estava a fazer a reparação dos danos decorrentes da infiltração vinda do piso superior, para proceder a reparação de defeitos no tecto do wc, tendo para o efeito pago o total de € 295,20 àquela.
61- Na sequência do referido em 39- e 40-, a Ré mostrou disponibilidade para efectuar as
reparações das situações identificadas nesse Relatório, o que foi recusado pelos AA., nos
termos já referidos em 41-, 44- e 45-.
Mais resultou provado que (artº 611º do CPC):
62- Com referência à data da perícia realizada neste processo em 2022, a maior parte das
patologias elencadas em 37- e 40- já se encontram reparadas.
63- As patologias ainda existentes, a saber, manchas de humidade nas paredes interiores,
fissurações no pavimento e falta de isolamento da tampa da caixa de esgotos, estão relacionadas com a reabilitação da fracção, efectuada pela Ré, devido a trabalhos mal executados.
64- Não foi realizado isolamento nas paredes interiores, o que origina manchas de humidade.
65- A falta de isolamento da caixa de esgotos provoca libertação de gases e mau cheiro e pode até provocar inundações.
66- A aplicação do pavimento foi mal executada, sem os devidos tratamentos prévios, o que deu origem às fissurações existentes, que terão tendência a alastrar-se a todo o pavimento, justificando-se a sua substituição total, cujo custo ascenderá a € 2 250,00 (+ IVA).
67- A partir de Setembro de 2019, os AA. passaram a residir no imóvel, tendo aí permanecido no período da pandemia.
*
B) Factos Não Provados:
Não se provou que:
a) a Ré e todos os envolvidos sempre estiveram cientes de que a aquisição do Imóvel pelos AA. teve como pressuposto e destino a sua exploração em regime de alojamento local.
b) os AA. adquiriram o imóvel para fins de rentabilização em negócio de alojamento local, facto que era do conhecimento de todos os que se envolveram na compra e venda, desde a Ré (Vendedor), à agência GT e à MI.
c) seja a C, seja a Vendedora, ora Ré, mantiveram uma chave do Imóvel.
d) no âmbito da infiltração referida em 18- e 23-, ao abrir a janela de visita no tecto, detectou-se que, por cima do tecto falso, havia sinais de apodrecimento avançado do tecto emadeirado do Imóvel, sinais esses que, claramente, não tinham origem na recente infiltração, na medida em que o estado de apodrecimento das madeiras era extremamente avançado;
e) Por efeito dos serviços realizados e referidos em 50-, os AA. pagaram à sua mandatária, o valor de 851,33 € (no período de Janeiro a 07 de Maio de 2018)-doc.42
f) Não fosse o estado do imóvel e a falta de colaboração da Ré para uma resolução efectiva, os AA. não tinham vindo a Portugal em Setembro de 2018;
g) Em 03/09/2018, os AA. deslocaram-se a Portugal, por apenas alguns dias, com vista a visitar o Imóvel, fazer um ponto de situação com a sua mandatária, Dra. DL, obter segundas opiniões técnicas e estudar soluções alternativas de reparação dos defeitos do Imóvel, caso a Ré não diligenciasse nesse sentido, bem como com o intuito de reunir com a Ré e com todos os envolvidos no negócio aquisição do imóvel (“GT” e
h) Os AA. pagaram € 1.700,00 (mil e setecentos euros), pelas viagens e taxas aéreas, correspondentes a ida e volta de ambos os AA., entre Brasil e Lisboa e pagaram ainda € 645,65 pela estadia em Lisboa, conforme reserva em estabelecimento hoteleiro e extracto de cartão de crédito, bem como despesas de alimentação e de deslocação, inerentes à estadia em Lisboa, e que se estimam num valor não inferior a € 300,00 (trezentos euros).
i) Considerando que os AA. despenderam não menos de 30 (trinta) minutos por dia para tratar de documentos, pagamentos ou instruções relacionadas com os defeitos no Imóvel vendido pela Ré, e partindo, também, de uma premissa, de valor razoável, de 30€/hora, no conjunto dos AA., desde a data da formalização dos defeitos, até ao presente, numa estimativa de 286 dias de trabalho, descontados dias feriados e fins de semana, os AA. avaliam o seu prejuízo em montante não inferior a 8.580,00 € (oito mil quinhentos e oitenta euros).
j) O período de referência em que os AA. não auferiram, por causas imputáveis à Ré, rendimentos pela exploração do imóvel situa-se desde 17/02/2018 até presente data (da instauração da ação).
k) Em época baixa (que se situa entre meados de Outubro a Março), salvo períodos festivos, a estimativa apurada situa valores de rendimentos mínimos brutos entre € 684,40 e € 1.646,10, bimensais, valores que, numa escala mensal, representariam um rendimento bruto, em época baixa, entre € 342,20 e € 823,05.
l) Partindo destes valores de estimativa para a época baixa, e no período de Fevereiro 2018 a Fevereiro de 2019 (13 meses), os AA. não ganharam uma média de rendimentos brutos mensais de € 582,63, o que corresponde a um lucro cessante mínimo apurado de € 7.574,19, mas que, atendendo a pelo menos um período de 5 a 6 meses de “época alta” ascenderia facilmente à quantia, para o período em referência, não inferior a € 10.000,00.
m) Com a não exploração do imóvel em regime de alojamento local, os AA. também não
ganharam notoriedade, público e referências, factores que muito influenciam na procura e crescimento da exploração de alojamento local. São estas referências e são os hóspedes quem, através dos seus comentários e divulgação, permitem em larga medida, o melhoramento dos níveis de ocupação e incrementam a possibilidade de subida dos preços das estadias. Assim, existe igualmente um dano de perda de chance, consubstanciado na oportunidade de os AA. constituírem e desenvolverem ao longo do tempo um perfil do seu Imóvel nesse mercado, que lhes permitisse ter um histórico de clientes satisfeitos, um reportório de críticas positivas, uma avaliação pública, facilmente acessível pelos clientes e potenciais clientes através das plataformas electrónicas existentes para o efeito (consultáveis em Airbnb, Booking, entre outros) e abonatória do serviço de alojamento de qualidade da exploração do Imóvel, que permitiria desenvolver esse negócio, não fora o incumprimento da Ré.
n) O valor inerente à referência – muitas vezes associados ao “passar a palavra” pelos próprios utilizadores – sai também prejudicado por facto imputável à Ré.
o) A este lucro cessante, deve ser atribuído um valor mensal de 10% sobre o montante mínimo mensal médio de ocupação (€ 582,63), a que corresponde um valor patrimonial mensal de € 58,26. No período em referência (Fevereiro 2018 a Fevereiro de 2019), o lucro cessante corresponde a um valor global de € 757,38 .
p) As preocupações e a angústias já manifestaram situações sintomáticas, como dores de
cabeça, dores no corpo, causando sofrimento físico aos AA.
q) Não fora a existência de defeitos no Imóvel e a falta de reparação desses defeitos, os serviços da Dra. DL tão-pouco seriam necessários. No entanto, não é essa a realidade que se verifica e os seus serviços são de facto e objectivamente necessários para acautelar os direitos contratuais dos AA. à efectiva reparação dos defeitos do Imóvel. Tais danos são calculados em € 170,00 (cento e setenta euros), tendo por base o valor médio mensal dos honorários da Dra. DL e a previsão de conclusão das obras de reparação do Imóvel, até final de Março de 2019.
r) De acordo com a informação já apresentada pelo Engº PG aos AA., o seu valor horário é de € 125,00/hora, a título de os honorários para acompanhamento e fiscalização de obra, estima-se que para fiscalização e acompanhamento de obra, sejam despendidas, no mínimo, cerca de 4 horas.
s) Pelo menos, uma viagem dos AA. para reunião presencial e verificação da conclusão dos trabalhos de reparação dos defeitos no Imóvel; O valor médio de viagens entre Portugal e Brasil, rondam os 1 000 €/pessoa, a que acresce o valor da estadia. Os AA. estimam despender de um valor não inferior a € 2.500,00, incluindo as viagens, estadia, alimentação e deslocações, para assegurar a verificação presencial da conclusão da reparação dos defeitos do imóvel, prevista para Março de 2019.
t) A deslocação dos AA. para verificação do estado da conclusão dos trabalhos, e aceitação de obra, implicará a sua ausência nos respectivos postos de trabalho. A vinda dos AA. a Portugal para aferir a conclusão da obra, ou para estar em julgamento exigirá um mínimo de dois dias de ausência do seu país (dias da vinda e do regresso ao Brasil, correspondente a 16horas de trabalho, por cada um dos AA., pelo que, por cada viagem a Portugal, os AA. não irão auferir rendimento, pelo produto do seu trabalho, a apurar em liquidação de sentença.
u) Até à conclusão da obra destinada à reparação dos defeitos do Imóvel, os AA. Não poderão utilizar e explorar o Imóvel ao fim a que foi destinado. Considerando que está prevista a conclusão da obra até ao fim do mês de Março de 2019 e que, se adicionará a este, o período não inferior a um mês, para limpeza de obra e decoração, ou seja, na melhor das hipóteses, o Imóvel estará apto a funcionar a partir do final de Abril de 2019. Considerando o valor médio mensal calculado para a exploração sob o regime de alojamento local, em época baixa, para o Imóvel em apreço, sob a rúbrica dos lucros cessantes já verificados, de € 582,63, estima-se que os lucros cessantes a verificar não sejam de valor inferior a € 1.165,26 (mil cento e sessenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos), num período de 2 (dois) meses.
v) Estando previsto que a exploração do Imóvel se inicie efectivamente a partir de final de Abril de 2019, dever-se-á considerar que os AA. sofrerão angústia e stress pela espera pela total remoção dos danos do Imóvel.
***
3- As Questões Enunciadas: Revogação da sentença, com absolvição da ré dos pedidos quanto às condenações por:
i)- Custo da Instalação da Ventilação;
ii)- Reparação dos alegados defeitos;
iii)- Danos não patrimoniais.
3.1- A questão do custo da instalação da ventilação.
A apelante discorda do entendimento da 1ª instância que a condenou a suportar os custos da instalação de ventilação, dizendo que a instalação de ventilação não corresponde a uma reparação de qualquer defeito, mas a um melhoramento e, por isso, não tem de suportar o custo desse melhoramento.
Já os apelados defendem que a instalação de sistema de ventilação corresponde à eliminação de um defeito.
Quem tem razão?
Antes de entrarmos na questão concreta de saber se a instalação de sistema de ventilação corresponde à eliminação de um defeito, convém que se esclareça o regime jurídico aplicável à situação dos autos.
Não há dúvida que se trata de um contrato de compra e venda de uma fracção autónoma.
Ora, em face da factualidade apurada, entendemos que estamos perante venda de coisa defeituosa.
Vejamos porquê.
Estabelece o artº 913º nº 1 do CC que:
1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.”
A “secção precedente”, mencionada no preceito, é relativa à venda de bens onerados e, em face do disposto no artº 905º do CC, estabelece-se que o contrato de venda de bens onerados é anulável por erro ou por dolo desde que se verifiquem os requisitos gerais de anulabilidade; refere-se ainda, essa secção, à convalescença do contrato (artº 906º do CC), à obrigação de fazer convalescer o contrato (artº 907º do CC), à indemnização em caso de dolo (artº 908º do CC), indemnização em caso de simples erro (artº 909º do CC) incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato (artº 910º), redução do preço (artº 911º), disposições supletivas (artº 912º).
Á primeira vista parece que o regime de venda de coisa defeituosa consagrado no Código Civil, centra-se na teoria do erro e não na teoria do não cumprimento do contrato.
Mas será assim?
Antes de mais, importa perceber o que deve entender-se por defeito no âmbito do contrato de compra e venda.
Em termos amplos, o defeito corresponde a um desvio à qualidade devida. Em sentido objectivo, o defeito corresponde a um desvio à qualidade normal das coisas daquele tipo. Em sentido subjectivo defeito da coisa decorre da desadequação ao fim tido em vista no contrato.
A noção de defeito constitui um juízo de valor com respeito a um certo referente. E esse pode ser dado pelas características de coisas do mesmo tipo existentes no comércio. Sempre que um bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa, como de resto decorre do artº 913º nº 1 do CC.
Pois bem, com base na letra dos artºs 905º e 913º do CC parte da doutrina entende que a matéria de defeitos de direito e de defeitos da coisa, se integra no instituto geral do erro (Cf. as referências da doutrina nacional mencionadas por Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, pág. 291, nota 1). De acordo com esta doutrina, o comprador de coisa defeituosa teria de provar o seu erro, a essencialidade do mesmo, bem como o facto de o vendedor conhecer ou não dever ignorar esses dois aspectos nos termos do artº 247º do CC.
Porém, como bem ensina Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso…cit., pág. 292e segs.) “…o regime do erro mostra-se inoperante para explicar os direitos de expurgação dos ónus ou limitações (artº 907º) da eliminação dos defeitos, de substituição da coisa (artº 914º), de redução do preço (artº 911º) e de indemnização (artº 909º e 915º). Pelo que relativamente a estes direitos, a lei não faz qualquer remissão para o regime do erro. O dever que impende sobre o vendedor de expurgar os ónus e limitações existentes (artº 907º) não se apresenta como uma consequência do erro, pois este é só causa da anulabilidade do negócio jurídico. Acresce que o não cumprimento deste dever constitui o vendedor em responsabilidade (artº 910º) que não condiz com o regime do erro. Desta forma, os deveres de eliminar os defeitos e de substituir a coisa são estranhos ao regime do erro e não podem estar na pendência dos requisitos deste. (…) O dever de indemnizar não é igualmente uma consequência do regime do erro. Apesar de os artºs 909º e 915º terem por epígrafe “Indemnização em caso de erro”, a obrigação de indemnizar não encontra fundamento no erro e o legislador pretendeu unicamente esclarecer que a indemnização tem por pressuposto o error in qualitate. Nas situações referidas, os direitos conferidos ao comprador são uma consequência directa do não cumprimento dos deveres da contraparte, sendo a referência ao erro desnecessária. De facto, o comprador que exige qualquer dos direitos referidos nesta alínea não tem de provar o seu erro, nem a essencialidade do mesmo, nem que o vendedor conhecia ou não devia ignorar a situação. Basta provar a existência do defeito para lhe ser conferida a pretensão mais apropriada perante a vicissitude. (…) Na medida em que os direitos do comprador derivam do incumprimento do contrato, devem ser vistos à luz da responsabilidade contratual e não enquadrados no regime do erro.” * (sublinhados nossos).
E continua aquele Professor “…. As hipóteses de cumprimento imperfeito dos contratos de compra e venda (…) reclamam a aplicação, em simultâneo, de regras gerais e específicas da responsabilidade contratual. (…) As indemnizações estabelecidas nos artºs 909º e 915º…são arbitradas nos termos das regras gerais dos artºs 562º e segs”. (Ob. Cit., pág. 301 e seg.).
Ou seja, o princípio geral da obrigação de indemnizar aponta no sentido de se restituir a situação que existiria (artº 562º); isto é, vigora a regra da restauração natural, mas, no domínio do cumprimento defeituoso esta regra é de aplicação difícil.
A indemnização derivada do inadimplemento imperfeito pode ser pedida nas seguintes situações: se o comprador resolve o contrato pode, cumulativamente, pedir uma indemnização pelo interesse contratual negativo. Se o credor não pretende resolver o contrato, pode somente pedir uma indemnização (artº 801º nº 2) pelo interesse contratual positivo. Porém, em matéria de cumprimento defeituoso, nos contratos de compra e venda vigora o princípio de qua a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, substituição da prestação e de redução do preço (artºs 911º, 914º e 915º do CC). (…) “…a obrigação de indemnizar o comprador (ou o dono da obra), por defeitos da prestação, está na dependência dos mesmo pressupostos e produz os mesmos efeitos da indemnização prevista para qualquer outra forma de incumprimento do contrato.” (Cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento…, cit., págs. 346 a 348).
Dito isto, vejamos se instalação de ventilação não corresponde a uma reparação de qualquer defeito, mas a um melhoramento.
Pois bem, voltemos à lição do Prof. Pedro Romano Martinez (Cumprimento…cit., pág. 184 e segs.) “A noção de defeito deverá ser entendida em sentido híbrido, pois ela é, em simultâneo, objetiva e subjectiva. Em primeiro lugar, importará verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequada ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato. Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa.” * (sublinhados nossos). Ou seja, a coisa vendida tem de ter uma adequação normal com respeito ao uso idóneo da sua função típica. De resto, este entendimento está claramente formulado nos artºs 905º e 913º do CC: o artº 905º faz referência aos limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria e, o artº 913º manda atender à função normal de coisas da mesma categoria.
Os vícios materiais podem respeitar a imperfeições relacionadas com o processo de concepção, de execução/fabrico e montagem da coisa. A inaptidão da coisa para desempenhar a finalidade, mormente de utilização, de coisas do mesmo tipo, constitui um vício ou defeito da coisa. Recorde-se que a discordância da coisa com a função normal de coisas do mesmo tipo pode dizer respeito à inobservância de normas técnicas de execução da coisa.
Ora no que respeita à construção de edifícios, as normas técnicas são bastante pormenorizadas, como decorre, em termos gerais, dos artºs 15º e segs. e 128º e segs. do REGEU. E essas normas técnicas podem se meramente indicativas, estabelecendo um padrão de qualidade desejável, ou normas técnicas obrigatórias que impõem um modelo de concepção e de execução.
Se são normas meramente indicativas, servem de critério auxiliar na determinação da existência de um defeito; se são imperativas, a entrega da coisa em desconformidade traduz um incumprimento, ou cumprimento defeituoso. Aliás, mesmo na circunstância de terem sido observadas regras técnicas não significa que a coisa esteja isenta de vício porquanto essas normas constituem apenas um dos critérios de apuramento do defeito.
O que releva é, como vimos acima, a coisa vendida tem de ter uma adequação normal com respeito ao uso idóneo da sua função típica.
Ora, no caso dos autos, provou-se que “a fracção possui apenas porta e janela para o exterior, na fachada principal, não existindo qualquer outra abertura para o exterior, nem qualquer sistema de ventilação na zona do quarto e da casa de banho” (ponto 37 antepenúltimo parágrafo, dos factos provados).
A ausência, total, de ventilação numa casa de banho é factor de insalubridade e constitui inobservância de regras de construção estabelecidas pelo REGEU (DL 38382/51, de 07/08, com as diversas alterações posteriores).
Na verdade, o artº 15º do REGEU impõe que todas as construções devem observar as melhores normas da arte de construir de modo a que fiquem asseguradas, além do mais, as condições de salubridade.
O artº 17º nº 1 do REGEU determina que todas as edificações devem ser construídas e intervencionadas de modo a garantir a satisfação das exigências essenciais, entre o mais, de ventilação.
O artº 87º de impõe que:
1. As instalações sanitárias terão iluminação e renovação permanente de ar asseguradas directamente do exterior da edificação, e a área total envidraçada do vão ou vãos abertos na parede, em contacto directo com o exterior, não poderá ser inferior a 0,54m2, medida no tosco, devendo a parte de abrir ter, pelo menos, 0,36m2.
2. Em casos especiais, justificados por características próprias da edificação, no seu conjunto, poderá exceptuar-se o disposto no número anterior, desde que fique eficazmente assegurada a renovação constante e suficiente do ar, por ventilação natural ou forçada, desde que o respectivo sistema obedeça ao condicionalismo previsto no artigo 17°.
Quer dizer, não são admitidas instalações sanitárias sem que seja assegurada, eficazmente a renovação constante e suficiente do ar, por ventilação natural ou forçada. As intervenções construtivas ou de remodelação de edifícios não podem contrariar esta disposição legal obrigatória. Se o fizerem, como vimos anteriormente, a venda da coisa foi executada em desconformidade com as normas relativas à concepção e execução traduz um incumprimento, ou cumprimento defeituoso. O mesmo é dizer que a remodelação de edifício e a sua posterior venda, em que as instalações sanitárias estão destituídas de qualquer tipo de ventilação, natural ou forçada, constitui a venda de coisa defeituosa.
Assim sendo, resta concluir que a apelante não tem razão quando pretende que a instalação de ventilação não corresponde a uma reparação de qualquer defeito, mas a um melhoramento e, por isso, não tem de suportar o custo desse melhoramento.
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3.2- Reparação dos alegados defeitos.
Defende a apelante que sempre esteve disponível para reparar os defeitos considerados devidos, mas os autores não a autorizaram a efectuar essa reparação, pelo que há mora do credor; mais defende que os autores apenas poderiam peticionar a condenação da ré a reparar os defeitos e não a condenação da ré no pagamento do valor para a realização dessa reparação.
Os apelados entendem que a ré nunca se prestou para realizar os trabalhos que, efectivamente, eliminassem os defeitos e, por isso, socorreu-se de terceiro para os eliminar.
Vejamos.
O artº 914º do CC refere que o comprador tem direito de exigir do vendedor a reparação da coisa.
Deste preceito decorre que o legislador, relativamente à venda de coisa defeituosa, foi peremptório em admitir o direito do comprador a exigir a respectiva reparação. Mas, nos termos gerais das regras da responsabilidade civil, o vendedor que, podendo, não proceda à reparação, é responsável por violação de um dever obrigacional.
Portanto, à obrigação de eliminar os defeitos são aplicáveis as regras gerais do cumprimento previstas no artº 762º e segs., incluindo no que respeita aos prazos de execução.
Pois bem, em princípio, o comprador não se deve opor a que o vendedor proceda à eliminação dos defeitos, por si, ou por intermédio de terceiro por si contratado, se tal recusa contrariar a boa fé. Isto é, desde que a eliminação seja adequada e o credor não tenha perdido o interesse na prestação, a proposta do vendedor não deverá ser recusada. Porém, como refere Pedro Romano Martinez (Cumprimento…cit., pág. 184 e segs.) “Todavia, tendo sido ineficaz a primeira eliminação do defeito, admite-se que o credor não esteja disposto a aceitar outra tentativa, não obstante manter interesse na prestação.” Na verdade, o comprador, pode, ao denunciar os defeitos, estabelecer um prazo dentro do qual o vendedor deve eliminar os defeitos, como se pode retirar do artº 777º nº 1 do CC. E o vendedor constitui-se em mora depois de transcorrido o prazo, razoável, concedido para os eliminar e, verificando-se que o vendedor não os elimina dentro desse prazo razoável, o credor pode rejeitar a prestação (artº 808º nº 1 do CC).
Por outro lado, dentro do princípio geral da boa fé que deve presidir às relações contratuais, estabelecido no artº 762º nº 2 do CC, tem vindo a ser admitido, como fundamento para a recusa da prestação pelo credor, situações de inexigibilidade de subsistência da relação contratual. Ou seja, a inexigibilidade da subsistência da relação contratual deve interpretar-se como afloramento de um princípio ajustado a todas as relações contratuais. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág. 870). O credor poderá opor-se a que a reparação dos defeitos seja efectuada pelo vendedor sempre      que se dê qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja lhe seja exigível a continuação da relação contratual e, em particular, sempre que se dê qualquer facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim. E uma dessas circunstâncias em que ocorre inexigibilidade da subsistência da relação, verifica-se nas situações de “não cumprimento sintomático”. O “não cumprimento sintomático” pode relacionar-se com o não cumprimento de deveres principais de prestação ou com o não cumprimento de deveres acessórios de conduta. Para que ocorra o problema de “não cumprimento sintomático”, basta que o credor tenha um receio justificado de que o devedor não cumprirá pontualmente a sua obrigação. O princípio subjacente ao “não cumprimento sintomático” é o de que o não cumprimento de menor importância deve ser equiparado ao não cumprimento de maior importância, desde que cause, justificadamente, o desaparecimento da confiança do credor na adequada realização das prestações. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios…cit., pág. 873). “O atraso em si não será, porventura, suficientemente grave; o conjunto de atrasos, sim; o cumprimento defeituoso ou imperfeito não será, porventura, suficientemente grave; o conjunto dos cumprimentos imperfeitos sim.” (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios…cit., pág. 873).
Pois bem, feitas estas considerações, voltemos à situação concreta dos autos que resulta da factualidade dada como provada.
Assim, decorre do ponto 4 que aos autores foi assegurado que o imóvel estava totalmente reabilitado e que nada mais havia a fazer (ponto 4 dos factos provados). Compraram a fracção em 19/12/2017 (10). Em 17/01/2018 foi constatada a ocorrência de infiltrações provindas do andar de cima que afectou o tecto do quarto da fracção doa autores (18), comunicada nessa data; em 05/02/2018 foi feita inspecção ao sucedido e, foi comunicada a necessidade de reparação das consequências: bolhas de humidade na parede do WC e forno solto (ponto 27); sem autorização ou conhecimento dos autores, o empreiteiro da vendedora foi ao apartamento para reparar as consequências das infiltrações. Em 06/03/2018, os autores denunciaram a existência de defeitos junto da vendedora, descritos no ponto 32 e, concederam o prazo de 5 dias à vendedora para reparar os defeitos. Os autores solicitaram um relatório técnico dos defeitos, que foi elaborado a 14/04/2018; defeitos esses elencados no ponto 37 e, denunciaram-nos à vendedora a 09/05/2018 (ponto 38). Nessa sequência, a ré agendou inspecção ao imóvel, que foi realizada a 19/05/2018. A ré em 14/06/2018 deu a conhecer aos autores os defeitos que verificou, referidos no ponto 40. Em 23/07/2018, os autores concederam á ré o prazo de 10 dias para apresentação de soluções efectivas para os defeitos do imóvel sob pena de, não o fazendo, se considerar recusada a reparação dos defeitos denunciados (ponto 41). Perante a inação da ré, os autores convocaram uma reunião para o dia 3/09/2018, no imóvel, solicitando a presença da vendedora (42). A ré/vendedora não compareceu (ponto 43). Em 07/09/2018, a ré respondeu à carta de 20/06/2018 apresentando proposta de reparação dos defeitos (ponto 44); os autores, em 08/11/2018, consideraram a proposta de reparação incompleta e insuficiente (ponto 45). E nessa carta propuseram a reparação dos defeitos a expensas da ré por adjudicação à empresa que havia realizado a reparação das infiltrações provenientes do andar de cima (ponto 46). A ré não respondeu a essa carta de 08/11/2018 (ponto 47). Os autores remeteram nova carta à ré 17/12/2018 (ponto 49). Em 2019 os autores adjudicaram a reparação dos defeitos à empresa Z, que havia elaborado o orçamento de reparação enviado à ré, pelo valor de 15 045€. (ponto 54). Os autores destinavam a fracção a Alojamento Local, tendo obtido todas as licenças para o efeito.
Ora, desta factualidade resulta, à luz das regras da boa fé, que a ré não se prontificou a realizar, prontamente e de modo completo, a reparação dos defeitos denunciados pela autora. Note-se que a primeira denúncia ocorreu a 06/03/2018; a segunda denúncia, ocorreu a 09/05/2018; em 23/07/2018, os autores concederam á ré o prazo de 10 dias para apresentação de soluções efectivas para os defeitos do imóvel sob pena de, não o fazendo, se considerar recusada a reparação dos defeitos denunciados, ainda assim, a ré nada fez; e somente em 07/09/2018, apresentou proposta de reparação que os autores consideraram insuficiente e incompleta. Os autores ainda propuseram a 18/11/2018 que as reparações fossem realizadas por terceiro a expensas da ré e esta nada disse.
Entendemos haver uma situação de não cumprimento sintomático e, repetindo a síntese de Nuno Pinto Oliveira, “O atraso em si não será, porventura, suficientemente grave; o conjunto de atrasos, sim; o cumprimento defeituoso ou imperfeito não será, porventura, suficientemente grave; o conjunto dos cumprimentos imperfeitos sim.”
A esta luz era objectivamente inexigível que os autores que tivessem de manter a confiança na vendedora para reparar os defeitos quando não o fez ao longo de, praticamente, um ano. E, assim sendo, somos a admitir que as reparações fossem feitas por terceiro a expensas da ré.
Aliás, podemos encontrar jurisprudência que alinha neste sentido, de que se salienta:
-STJ, de 17/05/2016 (Júlio Gomes):
“II - Ainda que os arts. 913.º e segs. – e muito particularmente, o art. 914.º do CC –, estabeleçam uma hierarquia nos remédios legais previstos para a situação da existência de defeito na coisa vendida, uma constante sucessão de avarias, sobretudo quando causalmente ligadas entre si, pode implicar que o vendedor não efetuou a reparação com a diligência devida, não lhe devendo ser concedida a possibilidade de voltar a “reparar” o que não reparou adequadamente quando teve oportunidade para tanto”.
- TRP, de 09/09/2021 (Filipe Caroço):
“- Não ocorre perda relevante do interesse do credor, para efeito de verificação de incumprimento definitivo, quando o dono da obra perde a confiança no empreiteiro e o interesse na manutenção da relação contratual e mantém interesse na sua execução da obra e correção dos defeitos, entregando a realização de trabalhos a outro ou outros empreiteiros”.
- TRG, de 17/09/2020 (Eva Almeida):
“…é lícito ao lesado, na acção em que a demanda, peticionar que a ré lhe pague o valor necessário a tal reparação, pois que o comportamento adoptado pela lesante, sujeito passivo da obrigação de indemnizar, justifica que o credor da prestação (neste caso da reparação do muro) tenha perdido a confiança em que ela a venha a realizar”.
Deste modo, não encontramos fundamento para revogar a sentença na parte em que condenou a ré no pagamento do valor necessário à reparação dos defeitos.
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3.3- Danos não patrimoniais.
Entende a ré/apelante que não há fundamento para ser condenada a indemnizar os autores por danos não patrimoniais, argumentando que sempre esteve disponível para reparar os defeitos e os autores é que recusaram essa reparação. “…. As hipóteses de cumprimento imperfeito dos contratos de compra e venda (…) reclamam a aplicação, em simultâneo, de regras gerais e específicas da responsabilidade contratual. (…) As indemnizações estabelecidas nos artºs 909º e 915º…são arbitradas nos termos das regras gerais dos artºs 562º e segs”. (Pedro Romano Martinez, Cumprimento…cit., pág. 301 e seg.).
Ou seja, o princípio geral da obrigação de indemnizar aponta no sentido de se restituir a situação que existiria (artº 562º); isto é, vigora a regra da restauração natural, mas, no domínio do cumprimento defeituoso esta regra é de aplicação difícil.
A indemnização derivada do inadimplemento imperfeito pode ser pedida nas seguintes situações: se o comprador resolve o contrato pode, cumulativamente, pedir uma indemnização pelo interesse contratual negativo. Se o credor não pretende resolver o contrato, pode somente pedir uma indemnização (artº 801º nº 2) pelo interesse contratual positivo. Porém, em matéria de cumprimento defeituoso, nos contratos de compra e venda vigora o princípio de qua a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, substituição da prestação e de redução do preço (artºs 911º, 914º e 915º do CC). (…) “…a obrigação de indemnizar o comprador ou o dono da obra, por defeitos da prestação, está na dependência dos mesmo pressupostos e produz os mesmos efeitos da indemnização prevista para qualquer outra forma de incumprimento do contrato.” (Cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento…, cit., págs. 346 a 348).
Por outro lado, no domínio da responsabilidade contratual, a indemnização pode prosseguir dois objectivos distintos: (i) o de restabelecer a situação que existiria se não se tivesse celebrado o contrato, chamada indemnização pelo interesse contratual negativo; (ii) outra, colocar o lesado na situação em que estaria se a contraparte tivesse cumprido integralmente o contrato (indemnização pelo interesse contratual positivo).
Vem sendo admitida a hipótese de cumulação de pedidos de eliminação de defeitos com o pagamento de uma indemnização. Ou seja, entende-se que o comprador de coisa defeituosa tenha direito à eliminação dos defeitos e à indemnização que o cumprimento imperfeito lhe causou (Cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento…cit., pág. 442 e segs.).
No mesmo sentido, veja-se Menezes Leitão (Direito das Obrigações. Vol. III, 6ª edição, págs. 127 e seg.) que menciona “O artº 910º nº 1, aplicável por força do artº 913º, admite efectivamente um concurso de pretensões neste âmbito ao referir que “a correspondente indemnização acresce à regulada nos artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum.”.
No mesmo sentido, Antunes Varela (Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda – A excepção do Contrato Não Cumprido, CJ, ano XII – 1987, tomo 4, pág. 21 e segs.) “No cumprimento defeituoso, os meios de que o credor lesado se pode servir (além de outros, variáveis de caso para caso) a acção de cumprimento (para obter a prestação devida) e o direito à indemnização dos provenientes do cumprimento defeituoso.
No caso dos autos, como vimos, o comportamento da ré fundou a perda de confiança pelos autores na reparação dos defeitos pela ré. E apurou-se que:
“-…o estado de preocupação e de angústia dos AA. foi-se agravando, pois, a cada dia que passava, sabiam que estavam a perder rendimentos e, em simultâneo, não deixavam de ter despesas fixas para pagar, como impostos, electricidade e água, seguro e a prestação bancária do mútuo subscrito (ponto 58);
- A angústia sentida pelos AA. foi incrementada pela distância a que residiam (Rio de Janeiro, Brasil) face ao Imóvel adquirido (Lisboa, Portugal), aumentando os seus níveis de preocupação e stress.”
Ora, em face desta factualidade e à luz do que se referiu acerca da possibilidade de cumulação de pedidos de indemnização com a reparação dos defeitos, somos a entender que não há fundamento para revogar a sentença.
Em suma: o recurso improcede.
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III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a decisão da 1ª instância.
Custas: pela apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeita e não foram praticados actos susceptíveis de tributação como encargos).

Lisboa, 21/03/2024
Adeodato Brotas
Teresa Pardal
António Santos