Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
119177/21.9YIPRT.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: INEPTIDÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
FATURAÇÃO
FALTA DE CONDIÇÃO DA ACÇÃO
FALTA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.
II - Na acção declarativa de processo comum, com origem em procedimento de injunção, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido.
III – Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art.º 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal factura, e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio – artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção].
IV – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comportam o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
VI - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
VII - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
VIII- As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1.1. AA.., Lda. propôs, em 28-12-2021, providência de injunção, relativamente a obrigação que disse ser proveniente de «fornecimento de bens ou serviços», contra BB…, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €372.598,41, correspondendo € 357.592,27 a capital em dívida, € 14.813,14 a juros de mora vencidos, €40,00 a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, devida nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio e € 153,00 a taxa de justiça paga.
Para o efeito, na exposição dos factos que fundamentam a pretensão, a Requerente alegou:
“A Requerente dedica-se, no âmbito da sua actividade comercial à cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos. Comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, excepto batata. Preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos.
2- No exercício desta atividade, a Requerente, a pedido da Requerida, prestou-lhe diversos serviços, designadamente, a venda de bens, sob os quais incidem diversas faturas e notas de crédito emitidas e vencidas entre 27 de janeiro de 2021 e 01 de dezembro de 2021 que, apesar de vencidas, se encontram a pagamento e que aqui não se dão por reproduzidas apenas por excederem o limite de caracteres permitido.
3- As respetivas faturas foram lançadas em conta corrente aberta em nome da Requerida, nunca tendo sido reclamadas ou devolvidas por parte da mesma.
4- Sucede, porém, que volvido o vencimento das faturas e após a prestação dos serviços levada a cabo pela Requerente, não obstante as várias interpelações movidas por esta, a Requerida não procedeu a qualquer pagamento.
5- Porém, não teve qualquer resposta ou justificação para o não pagamento do valor em dívida, permanecendo por liquidar o valor de €357.592,27
6- Razão pela qual, não tem a Requerente outra alternativa senão recorrer a juízo para o efeito.
7- Assim, é a Requerente credora da Requerida no montante constante das faturas supramencionadas, bem como dos juros moratórios vencidos, calculados desde a sua data de vencimento até à data de entrada do Requerimento de Injunção e que se cifram, em €14813,14
8- A esta quantia acresce ainda o valor de € 40,00 (quarenta euros) a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, devida nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, bem como a taxa de justiça correspondente ao Requerimento de Injunção e demais despesas judiciais.”
1.2. A Ré deduziu oposição ao requerimento de injunção, o que determinou a distribuição do processado como acção de processo comum, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
1.2.1. No articulado de oposição, a Ré contestou o requerimento de injunção, por impugnação e por excepção.
Na defesa por excepção, arguiu: (i) a nulidade da citação, alegando que atendendo ao valor da injunção é de 20 dias e não de 15 dias, como consta da notificação da injunção, o prazo para deduzir oposição, conforme estipula o n.º 2 do artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro; (ii) a ineptidão da petição inicial, aduzindo que a Requerente, no requerimento injuntivo, não descrimina qual a data de vencimento das alegadas facturas em dívida, nem indica quais os bens fornecidos/serviços prestados subjacentes à emissão de cada factura ou os fatcos essenciais que sustentam a causa de pedir, como a existência de nota de encomenda, orçamento ou contrato de fornecimento de bens.
1.3. O Autor respondeu às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e pela condenação da Ré nos valores peticionados. Demais, juntou um total de 340 documentos (facturas, notas de crédito e emails).
1.4. Em 16-06-2022 foi proferido saneador-sentença [ref.ª Citius 153147851] que julgou procedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada e, em consequência, absolveu a Ré da instância, nos termos e com os fundamentos que aqui se transcrevem:
«Como é sabido, a causa de pedir é o acervo de factos com relevância jurídica que sustentam o pedido deduzido em juízo.
Devendo corresponder uma exposição das circunstâncias essenciais que relevam à luz do direito para o reconhecimento da pretensão deduzida – cf. artºs.5º, nº.1 e 552º, nº.1, al. d) CPC.
Ora, lido o requerimento injuntivo, é claro que a demandante se escusou a alegar os factos essenciais que consubstanciam a causa de pedir da pretensão que deduz.
Tendo-se outrossim refugiado em invocações conclusivas e genéricas de direito e de facto, em face das quais é impossível retirar quais os concretos termos e cláusulas do contrato que parece ter sido celebrado entre as partes, quais os exactos serviços que no âmbito dele a A. prestou para a demandada, o seu tempo, modo e lugar de execução, o preço acordado como retribuição, ou a sua forma de determinação, e o tempo e modo estabelecidos para o seu pagamento.
O que, como bem refere a R. e sabe a A., face à previsão do artº.186º, nº.2, al. a) CPC, é sinónimo de ineptidão da PI por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.
Estando à partida inviabilizada a possibilidade de a contraparte exercer adequadamente o seu direito de contraditório, tomando posição definida perante os factos narrados pelo A. (cf. artº.573º, nº.1 CPC), e do tribunal emitir pronúncia sobre uma realidade tangível.
Veja-se que a circunstância de o artº.10º, nº.2, al. d) DL 269/98 de 1.9 aludir a uma exposição sucinta de factos para caracterizar o conteúdo do requerimento injuntivo, não desonera o requerente da alegação factual consubstanciadora da causa de pedir em que o demandante funde a sua pretensão, nem legitima a sua substituição por vacuidades.
Apenas inculca a ideia de admissibilidade de uma simplificação descritiva dos factos integradores da causa de pedir.
Numa outra linha regista-se que a ineptidão da PI é um vício insanável do processo e que a PI inepta não se confunde com PI deficiente.
Não tendo, por isso, sentido ou cabimento processual conjecturar a hipótese de o tribunal, a coberto da previsão do artº.590º, nº.2, al. b) CPC, poder convidar a A. a sanar o referido vício, apresentando uma peça inicial corrigida, nem pos isso aceitar a concretização que a demandante trouxe ao processo em sede de resposta às excepções.
Na verdade, reconduzindo-se a ineptidão à falta de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, esse mesmo convite é vedado por lei nos moldes que resultam dos artºs.265º e 590º, nº.4 e 6 CPC. ».
*  
1.5. Inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra “que determine a notificação da aqui Recorrente para proceder ao aperfeiçoamento do seu requerimento injuntivo, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil” (conclusão AA.).
Para o efeito, formulou, na sua alegação, as seguintes conclusões:
«A. O recurso ora interposto pela Recorrente versa sobre o despacho saneador sentença proferido pelo Tribunal a quo em 16 de junho de 2022, que determinou a absolvição da Ré por ineptidão do requerimento de injunção ao considerar que “a demandante se escusou a alegar os factos essenciais que consubstanciam a causa de pedir da pretensão que deduz” e que das suas alegações “conclusivas e genéricas” “é impossível retirar quais os concretos termos e cláusula do contrato que parece ter sido celebrado entre as partes, quais os exactos serviços que no âmbito dele a A. prestou à demandada, o seu tempo, modo e lugar de execução, o preço acordado, como retribuição, ou a sua forma de determinação, e o tempo e modo estabelecidos para o seu pagamento”, concluindo pela ineptidão do requerimento injuntivo e absolvição da Ré da instância.
B. Não se conformando com a douta sentença, vem dela a Recorrente interpor o presente Recurso de Apelação com i) fundamento na violação de normas imperativas que impediam o Tribunal a quo de proferir a decisão recorrida considerando que a Ré se apresentou a processo especial de revitalização, o qual é determinante da suspensão destes autos ao abrigo do disposto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, e que é de conhecimento oficioso e ii) com fundamento no facto da sentença proferida ter ignorado por completo que o que está na base deste autos é um requerimento injuntivo cuja limitação de caracteres impede a Recorrente, de expor a totalidade dos factos que concretizam a causa de pedir, tendo decidido em violação do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 e na alínea a) do nº 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil que se verificava uma situação de ineptidão do requerimento injuntivo na medida em que apenas era exigido à Recorrida que fizesse uma exposição sucinta da causa de pedir - o que fez como infra se demonstrará – violando, nessa sequência, o disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil, ao não convidar a Recorrente para aperfeiçoar o requerimento injuntivo nem mesmo aceitar a concretização assumida em sede de resposta às excepções – a qual não recebeu oposição da Ré.
C. As questões que a Recorrente pretende ver (re)apreciadas, e que considera não terem sido corretamente interpretadas pelo tribunal a quo são as seguintes:
• Saber se o tribunal a quo podia ter proferido a sentença ora recorrida considerando que a Recorrida se apresentou a processo especial de revitalização em data anterior à prolação da decisão objeto de recurso, o que determina a suspensão destes autos e é de conhecimento oficioso?
• Saber se a concretização dos factos alegados pela Recorrente no requerimento injuntivo, em conjugação com o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 e do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil determinam a ineptidão do requerimento injuntivo com as demais consequências legais?
• Saber se, perante um requerimento de injunção, transmutado em acção declarativa na sequência de oposição, considerado deficiente pelo Tribunal a quo, está o mesmo obrigado a convidar a parte a aperfeiçoar o requerimento injuntivo apresentado, ao abrigo do disposto no na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil?
D. Relativamente à primeira questão, importa afirmar que a Recorrida se apresentou a processo especial de revitalização que se encontra a correr termos no processo judicial n.º ..., Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 3, tendo sido nomeado o Administrador Judicial Provisório mediante despacho publicado em 08 de março de 2022, o que sucedeu em data posterior quer à apresentação do requerimento injuntivo pela Recorrente quer da resposta às exceções apresentada nestes autos.
E. Nos termos do disposto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a nomeação do Administrador Judicial Provisório “obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.».
F. Não obstante a apresentação a processo especial de revitalização não ter sido comunicada aos autos, o efeito suspensivo previsto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas é automático e imperativo, operando ope legis e sendo de conhecimento oficioso, consubstanciando uma excepção dilatória de conhecimento oficioso pelo que deveria o Tribunal a quo ter suspendido a presente instância, por força da nomeação do administrador judicial provisório nomeado no âmbito do processo especial de revitalização da Recorrida, o que a sentença recorrida não fez em violação do disposto no mencionado artigo.
G. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e por ter, em consequência, resultado em excesso de pronuncia, nulidade que igualmente se argui para todos os efeitos legais tidos por convenientes. [Sublinhado nosso]
Sem conceder,
H. Relativamente às segunda e terceira questões que importam apreciar nestes autos, de referir que a sentença recorrida não podia ter sido proferida como foi, isto é, decidindo que se verificava uma situação de ineptidão da petição inicial pois que o Tribunal a quo reconhece que o que está na origem destes autos é um procedimento de injunção que foi, na sequência da oposição apresentada, transmutado em acção declarativa de condenação, e que o requerimento injuntivo está, nos termos do n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 sujeito a uma exposição sucinta de factos para caracterizar o seu conteúdo,
I. Sucede que a Recorrente, no requerimento injuntivo, indicou:
• A actividade a que se dedica ;
• Que no âmbito da sua actividade foi contactada pela Recorrida;
• Que a pedido da Recorrida lhe vendeu bens;
• Que sobre a venda desses bens foram emitidas diversas faturas e notas de crédito;
• Que esses documentos contabilísticos foram emitidos e vencidos entre 27 de janeiro de 2021 e 01 de dezembro de 2021;
• Que vencidas essas faturas nada foi pago;
• Que as mesmas nunca foram objecto de reclamação ou devolução pela Recorrida;
• Que a Recorrida nunca respondeu aos pedidos de pagamento pela Recorrente;
J. A Recorrente ainda indicou que apenas não descrevia os documentos referentes à venda dos bens (303 documentos), isto é, as faturas, por as mesmas excederem o limite de caracteres permitidos pelo formulário de injunção, que apresenta um máximo de 700 (setecentos) caracteres.
K. A Recorrente admite, sem conceder, que o requerimento de injunção necessitasse de esclarecimentos ou concretizações, mas o enquadramento necessário à delimitação da causa de pedir nos termos que são exigidos pela “exposição sucinta” do requerimento de injunção, como exigido pelo n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 foi feito pois a Recorrente identificou-se, alegou o tipo de actividade a que se dedicava, alegou que foi contactada pela Recorrida para lhe fornecer bens e serviços que surgem delimitados numa determinada data ali enunciada – entre 27 de janeiro de 2021 e 01 de dezembro de 2021 - pelo que a Recorrida tinha como conhecer a causa de pedir formulada pela Recorrente, seja através do âmbito temporal delimitado [27 de janeiro de 2021 e 01 de dezembro de 2021], seja através do âmbito material [definido pela atividade a que a Recorrente se dedica e que ali surge enunciada], seja através do valor peticionado, seja através da simples consulta ao programa contabilístico detido pela Recorrida.
L. A causa de pedir definida pela Recorrente no requerimento de injunção é: a venda dos bens temporalmente delimitada no âmbito da actividade da Recorrente e a pedido da Recorrida e o incumprimento da obrigação do pagamento do preço pela Recorrida.
M. A Recorrida consegue, através dos factos carreados para os autos, dizer se, pelo menos no período temporal delimitado manteve ou não uma relação comercial com a Recorrente só que não o fez propositadamente, demonstrando que a Recorrida litiga de má-fé e de forma abusiva pois embora a Recorrida alegue ineptidão do requerimento injuntivo simultaneamente reconheceu o valor do capital aqui peticionado na petição inicial de apresentação ao processo especial de revitalização.
N. Ora, do n.º 2 do artigo 10º do Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 retira-se que existe um encurtamento do dever de indicação da causa de pedir, não sendo expectável que ela seja tratada em termos idênticos aos que conformam a causa de pedir de uma acção intentada como declarativa, ficando assim assegurada a simplificação e a celeridade processuais com que o procedimento de injunção se pretendeu focar.
O. Por outro lado, a figura da ineptidão da petição inicial distingue-se da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto em que se funda a pretensão deduzida sendo que quando se trate de afirmações mais ou menos vagas e abstractas – o que resulta da fundamentação da sentença recorrida - o que existe será uma insuficiência de concretização e não uma situação de insuficiência de factos, sendo que esta última sim é determinante da ineptidão da petição, no que não se concede.
P. Ora, a delimitação do conceito de causa de pedir e da sua ineptidão, em conjugação com a exposição sucinta exigida pelo n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 só permitem concluir que esta norma deve ser interpretada no sentido mais lato possível, e que a norma que determina a ineptidão da petição inicial deve, perante um requerimento injuntivo, por seu turno, ser interpretada no sentido mais restrito, sendo esta a forma de conciliar as duas normas existentes no nosso ordenamento jurídico.
Q. A norma prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil refere-se à ineptidão da petição inicial e não ao requerimento de injunção, tendo sido através deste último que se iniciaram os presentes autos, o qual é intentado através de um impresso online tipo no qual aqui Recorrente expôs sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão, formulou o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, sendo certo que como se depreende da limitação de caracteres, não tem a grandeza de exposição que é exigida a uma petição inicial.
R. Donde decorre que havendo um mínimo de concretização, no requerimento de injunção, dos factos que subjazem ao pedido, a causa de pedir está suficientemente concretizada e não será o requerimento injuntivo inepto, ao contrário daquilo que poderia ser exigível no âmbito de uma acção declarativa intentada de raiz, devendo assim a aqui Recorrente, ser convidada a aperfeiçoar o seu articulado.
S. No caso dos autos, a Recorrente alegou no requerimento injuntivo o necessário para que a Recorrida confirmasse ou negasse se naquele período de tempo ali definido tinha estabelecido alguma relação comercial com a Recorrente, se alguma vez tinha/não tinha contactado a Recorrente para lhe pedir o fornecimento de bens, ou mesmo para confirmar/negar que nunca reclamou ou devolver faturas pelo que ainda que o requerimento de injunção carecesse de melhor concretização quanto às datas dos fornecimentos, mercadorias fornecidas, valores e montantes em dívida, sempre se terá de concluir que o quadro factual concretizado pela Recorrente no requerimento injuntivo era o suficiente para identificar a origem do crédito e os elementos típicos do direito que se pretende aqui fazer valer a Recorrente.
T. No requerimento de injunção a Recorrente mencionou ainda estar em causa um contrato de fornecimento de bens e serviços o que não se traduz só numa qualificação jurídica por ser uma expressão inteligível pelo homem médio como traduzindo uma realidade de facto, percebendo-se em conjugação com o demais que, em específico, se tratavam de vendas de bens em certo período de tempo devidamente delimitado.
U. Ainda que se entendesse que, na sequência da transmutação do procedimento de injunção em acção declarativa, a causa de pedir era insuficiente, essa insuficiência careceria de ser densificada e concretizada, e não seria de factos, pelo que a causa de pedir seria sempre a venda de bens do comércio da Recorrente à Recorrida e a pedido desta no período entre 21.07.2021 a 01.12.2021 e o incumprimento da obrigação do pagamento do preço pela Recorrida ainda que a Recorrente houvesse concretizado os exatos bens vendidos, as suas quantidades, os seus preços e em que datas.
V. Não pode por isso a Recorrente aceitar que falta ou é ininteligível a indicação da causa de pedir mas também não se nega que se poderá verificar alguma deficiência na concretização dos factos integrantes da causa de pedir, o que está correlacionado directamente com o modo como o processo nasceu – um requerimento de injunção - com as condicionantes supramencionadas, no que respeita ao espaço para alegação e que para superar essas deficiências o juiz do tribunal a quo dispunha de poderes-deveres expressamente conferidos pela lei e acima referidos: convidar as partes ao aperfeiçoamento das peças processuais, o que a sentença recorrida não fez, em violação do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil, numa manifesta atitude de desaproveitamento dos atos e economia processuais, princípios regedores do ordenamento jurídico português.
W. Se o Tribunal a quo entendia que o alegado pela Recorrente estava insuficientemente concretizado pelo facto da sua alegação ser, como se escreveu na sentença recorrida “conclusiva e genérica”, então deveria ter convidado a Recorrente a concretizar a sua alegação e não, a fazer como fez, absolvendo a Ré da instância pela ineptidão de um requerimento que, por si só, se requer de sucinto, configurando a falta desse despacho omissão de um acto que a lei prescreve como obrigatório e que determinará a nulidade da sentença agora recorrida.
X. A Recorrente não pode aceitar que haja, pelo que se disse, uma qualquer insuficiência de factos que determina a ineptidão do requerimento de injunção na medida em que os factos consubstanciadores da causa de pedir estão todos alegados como já se mencionou, mas pode, sem conceder, aceitar, que os mesmos tenham sido insuficientemente concretizados, na medida em que, pela limitação de caracteres devidamente alegada, não lhe foi possível, no requerimento injuntivo, enunciar os concretos bens vendidos, o valor e quantidade de cada um deles mas neste caso, não se não verifica, uma situação de ineptidão do requerimento de injunção mas apenas uma deficiência de concretização – uma vez mais devidamente justificada – que exigiria um convite ao aperfeiçoamento.
Y. Considerando que, no caso vertente, o Tribunal a quo omitiu esse convite de aperfeiçoamento e considerando outrossim que, como se assinalou, a omissão desse ato devido influiu no exame e decisão da causa, tal implica, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 195º.
Z. A aqui Recorrente alegou os factos necessários à delimitação da causa de pedir no requerimento de injunção que apresentou, devendo essa delimitação ser definida tendo por base os dois preceitos reguladores nesta matéria: por um lado as normas que determinam a ineptidão da causa de pedir e por outro as normas que regulam o carácter simplificado, célere e sucinto do requerimento de injunção pois só uma interpretação conjugada das duas permitirá assegurar o direito de defesa e a segurança jurídica e, ao invés, a celeridade e simplicidade que se pretendeu instituir com o procedimento de injunção.
AA. Face ao exposto, entende a Recorrente que a sentença ora recorrida é ilegal, por não se verificar qualquer ineptidão do requerimento injuntivo tendo a mesma sido proferida em violação do vertido na alínea a) do n.º 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil, do n.º 2 do artigo 10º do Decreto – Lei 269/98, de 01 de setembro devendo, em consequência, ser a mesma revogada e substituída por outra que determine a notificação da aqui Recorrente para proceder ao aperfeiçoamento do seu requerimento injuntivo, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil. [Sublinhado nosso]
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.»
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1.6. A Ré não apresentou contra-alegações.
1.7. Foram colhidos os vistos.
II - Objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil [CPC], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso (art.º 130º do CPC). Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
No caso, atendendo às conclusões do recurso interposto pela Autora e aos documentos apresentados, impõe-se conhecer, sucessivamente e com excepção das que ficarem prejudicadas pela solução dada a uma outra, das seguintes questões:
Questão prévia: da admissibilidade da junção dos 9 (nove) documentos apresentados com o recurso.
1.ª - Saber se O Tribunal a quo podia ter proferido a sentença ora recorrida, considerando que a Recorrida se apresentou a processo especial de revitalização e que no mesmo foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório em data anterior à decisão objecto de recurso;
2.ª - Saber se o requerimento injuntivo é inepto, com as demais consequências legais, por falta de indicação de factos essenciais que constituem a causa de pedir;
3.ª - Saber se o Tribunal a quo deveria ter convidado a Autora a aperfeiçoar o requerimento injuntivo apresentado, ao abrigo do disposto no na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil.
III – Fundamentação
A) Motivação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede e ainda os seguintes que resultam dos documentos apresentados com o recurso, não impugnados, cuja junção admitimos, como se verá adiante:
1.A Ré, aqui Recorrida, apresentou-se a Processo Especial de Revitalização (PER) que se encontra a correr termos sob o n.º ..., no Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 3.
2. Por despacho judicial proferido no âmbito daquele processo, em 08-03-2022, foi nomeado o Administrador Judicial Provisório da Ré-Recorrida.
3. Da Lista Provisória de Créditos apresentada pela Ré no PER consta a Autora, como titular de um crédito sobre a Ré, de natureza comum, por fornecimento de bens e prestação de serviços, no montante de €373.028,40 (€355.116,89 de capital + € 17.911,51 de juros).
B) Motivação de Direito
B.1) Da questão prévia
A Recorrente afirma no recurso que a Recorrida se apresentou em processo especial de revitalização e que esse facto deveria ter determinado a suspensão do processo ao abrigo do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), desde a data da nomeação do Administrador Judicial Provisório, o que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal a quo. Não o tendo feito, incorreu em excesso de pronúncia (conclusões B., D., E., F. e G).
E para sustentar o alegado apresenta, com o recurso, os 40 documentos já referidos.
Apresenta-se, assim, como elemento operante do recurso a possibilitação da entrada desses documentos no processo e, consequentemente, enquanto questão prévia condicionante, a admissão no processo desses mesmos documentos.
É esta a questão prévia que importa desde já resolver.
À junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:
«Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres
1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância
Por sua vez, o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever, reza o seguinte:
«Artigo 425º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
Segundo ANTUNES VARELA[[2]], este último segmento de estatuição «não tenha sido possível até aquele momento» pretende apenas abranger os casos em que, pela fundamentação, da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
O artigo 651º, n.º 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[[3]].
Revertendo ao caso dos autos e considerando que a Recorrente foi confrontada com uma decisão que não antecipou e com a qual não contava, é manifesto que anteriormente ao recurso não lhe era possível, por não se lhe afigurar necessário, juntar aos autos os documentos nesta fase apresentados ainda que anteriores à data decisão proferida.
In casu, a justificação da junção dos documentos em causa ganha reforçado fôlego se considerarmos, como consideramos, que a suspensão do processo operou ope legis por imposição do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, após a prolação de despacho de nomeação do administrador judicial provisório, em 08-03-2022, sendo, por isso, de questão de conhecimento oficioso, que apreciaremos de seguida.
Nestes termos, por se revelar necessária em face do decidido, face às soluções plausíveis da questão de direito a apreciar (suspensão do processo), admite-se a junção aos autos dos 9 (nove) documentos apresentados pela Autora e Recorrente com o recurso.
B.2) - Primeira questão:
Defende a Recorrente, na conclusão F., que “[n]ão obstante a apresentação a processo especial de revitalização não ter sido comunicada aos autos, o efeito suspensivo previsto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas é automático e imperativo, operando ope legis e sendo de conhecimento oficioso, consubstanciando uma excepção dilatória de conhecimento oficioso pelo que deveria o Tribunal a quo ter suspendido a presente instância, por força da nomeação do administrador judicial provisório nomeado no âmbito do processo especial de revitalização da Recorrida, o que a sentença recorrida não fez em violação do disposto no mencionado artigo.”
Conclui, assim, que o Tribunal a quo não podia ter proferido a sentença ora recorrida, antes deveria ter suspendido a instância, por força da nomeação do administrador judicial provisório no processo especial de revitalização da Recorrida, e não o tendo feito, a sentença recorrida resultou em excesso de pronúncia (artigo 615.º/1-d), 2ª parte do CPC), nulidade que invoca [conclusões D. a G.]
Vejamos,
Nos termos do disposto no artigo 17º - E, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE], alterado pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro[[4]], redacção aqui aplicável, a nomeação do Administrador Judicial Provisório obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as acções em curso com idêntica finalidade.”
Acrescentando o n.º 2 do citado comando legal:
 “2. A requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do administrador judicial provisório, desde que deduzido no prazo de negociações, o juiz pode, de imediato, prorrogar o prazo de vigência da suspensão prevista no número anterior, por um mês, caso se verifique uma das seguintes situações:
a) Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação;
b) A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou
c) A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.”
Como se sabe, a primeira decisão judicial do PER é o despacho de nomeação de administrador judicial provisório, que equivale a um despacho de deferimento ou de abertura do processo.
Dele decorrem efeitos muitos importantes, relevando para aqui apenas os efeitos processuais (sobre os processos judiciais), cuja disciplina está regulada no artigo 17.º-E, n.ºs 1 a 6, do CIRE.
No n.º 1 da citada disposição legal determina-se, como se viu, que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para cobrança de dívidas (efeito impeditivo) e produz a suspensão, quanto à empresa e durante o mesmo período, das acções pendentes com a mesma finalidade (efeito suspensivo).
Os efeitos impeditivo e suspensivo produzem-se, portanto, com a prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório e perduram por um período de quatro meses, que pode ser prorrogado, nas situações referidas no n.º 2 do artigo 17.º-E do CIRE, por mais um mês.
Importa, no entanto, indagar sobre o alcance da norma do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, ou seja, se o efeito suspensivo do processo tem aplicação a esta acção declarativa de condenação.
A questão de saber qual o alcance dos referidos  efeitos processuais [impeditivo e suspensivo], ou seja, quais as acções abrangidas pela norma do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE[[5]] foi alvo de controvérsia na doutrina e na jurisprudência na vigência da redacção anterior, dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, em face da utilização, pelo legislador, da expressão «acções para cobrança de dívidas», o que torna inviável a sua recondução às categorias habituais.
Como refere CATARINA SERRA[[6]], “Uma sensível maioria da doutrina e da jurisprudência portuguesas propende para o entendimento mais amplo. Nesta perspectiva, são abrangidas pelos efeitos não só as acções executivas, mas também as acções declarativas (mais precisamente as acções de condenação) e ainda certas providências cautelares (designadamente de entrega judicial de bens), posto que, de alguma forma, contendem com o património da empresa.
Outra parte da doutrina e da jurisprudência propende para uma interpretação mais restritiva da norma, sustentando, com variações, que ela abrange apenas as acções executivas (ou mesmo só as acções executivas com finalidade de pagamento de quantia certa) e deixa de fora todas as acções declarativas e a maioria dos procedimentos cautelares.”
Tomando posição sobre a problemática em discussão, refere mais adiante a mesma Autora que “A verdade é quer o argumento literal torna quase indefensável um entendimento que exclua liminarmente as acções declarativas. Não há, de facto, sinais da vontade do legislador em delimitar o efeito às acções executivas. Pelo contrário, foi deliberadamente escolhida uma expressão alternativa (“acções de cobrança de dívida”), que mostra que não é desejável uma redução - pelo menos, não uma redução sistemática ou por princípio – às acções de tipo executivo”.
Comungando destas reflexões e tendo em conta a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE pela Lei n.º 9/2022 de 11 de Janeiro, aplicável ao caso, temos hoje como certo que o legislador deixou claro que o efeito impeditivo decorrente da nomeação de administrador judicial provisório tem apenas aplicação a todas e quaisquer acções executivas e propendemos a considerar que o legislador não quis excluir do efeito suspensivo as acções declarativas de condenação. Nesta óptica, são abrangidas pelo efeito suspensivo não só as acções executivas, mas também as acções declarativas de condenação, categoria a que se reconduz a presente acção.[[7]]
Assim, e revertendo ao caso em apreço, se considerarmos a data da nomeação do administrador judicial provisório no processo especial de revitalização da Recorrida [08-03-2002] logo alcançamos que o prazo de vigência do efeito processual suspensivo, mesmo sem considerar eventual prorrogação, ainda se encontrava a correr à data da prolação da decisão em crise [16-06-2002].
Devendo o processo estar suspenso, são nulos, nos termos gerais dos artigos 195.º, n.º 1, do CPC, todos os actos que nele se pratiquem enquanto durar a suspensão. A suspensão, como defende a Recorrente, opera ope legis e é de conhecimento oficioso, sem necessidade de qualquer acto complementar de quem quer que seja, cabendo ao devedor e ao administrador provisório, no âmbito dos respectivos deveres gerais, dar conhecimento do facto aos processos abrangidos[[8]].
Trata-se, assim de uma nulidade processual que, caso não se mostrasse sanada, implicaria a anulação do despacho saneador-sentença - no segmento em que conheceu da excepção de ineptidão do requerimento injuntivo invocada pela Ré e decidiu da sua verificação com a consequente absolvição da Ré da instância - e dos termos subsequentes dele absolutamente dependentes -  cfr. artigo 195.º do CPC.
Estando a referida nulidade processual sancionada pela decisão recorrida, podia e deveria a Recorrente tê-la arguido no recurso ora em apreciação, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do CPC, o que não fez.
Com efeito, nas respectivas conclusões, que delimitam o objecto do recurso, a Recorrente invoca, outrossim, a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, como decorrência da violação do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE [vide conclusão G. e capítulo II-i do corpo das alegações].
Acontece que esta nulidade também não se verifica!
 A nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, está prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 deste artigo 615º do CPC e só ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções[[9]] e não a sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos[[10]].
Tal vício está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, segundo o qual o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora, a questão em causa de que se ocupou o Tribunal a quo - da excepção dilatória da ineptidão do requerimento de injunção - é uma questão de conhecimento oficioso e, como tal, de pronúncia obrigatória – artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 577.º, alínea b) e 578.º do CPC.
Assim sendo e em jeito de conclusão: (i) não se verifica nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia prevista no artigo 615.º/1-d), do CPC; e (ii) a nulidade processual decorrente da violação do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, ou seja, da prática de acto processual durante a suspensão desta acção declarativa decorrente da prolação de despacho de nomeação do administrador judicial no PER da Ré/Recorrida, encontra-se sanada uma vez que não foi arguida pela Recorrente.
Improcede, portanto, a questão em apreço.
B.3) Segunda e terceira questões
A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida que considerou o requerimento injuntivo inepto, por falta de indicação de factos essenciais que constituem a causa de pedir, e absolveu a Ré da instância.
Argumenta, para o efeito e em resumida síntese, que foi feito o enquadramento necessário à delimitação da causa de pedir nos termos exigidos pela “exposição sucinta” do requerimento de injunção [cfr. n.º 2 do artigo 10.º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro de 1998], pois a Recorrente identificou-se, alegou o tipo de actividade a que se dedicava, assim como alegou que foi contactada pela Recorrida para lhe fornecer bens e serviços que surgem delimitados num determinado período temporal -  entre 27 de Janeiro de 2021 e 01 de Dezembro de 2021 - pelo que a Recorrida tinha como conhecer a causa de pedir formulada pela Recorrente, seja através do âmbito temporal delimitado [27 de Janeiro de 2021 e 01 de Dezembro de 2021], seja através do âmbito material [definido pela atividade a que a Recorrente se dedica e que ali surge enunciada], seja através do valor peticionado, seja através da simples consulta ao programa contabilístico detido pela Recorrida.
Aduz, ainda, a Recorrente que:
“A delimitação do conceito de causa de pedir e da sua ineptidão, em conjugação com a exposição sucinta exigida pelo n.º 2 do artigo 10º e Decreto Lei n.º 269/98, de 01 de setembro de 1998 só permitem concluir que esta norma deve ser interpretada no sentido mais lato possível, e que a norma que determina a ineptidão da petição inicial deve, perante um requerimento injuntivo, por seu turno, ser interpretada no sentido mais restrito, sendo esta a forma de conciliar as duas normas existentes no nosso ordenamento jurídico” [conclusão P].
“A norma prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil refere-se à ineptidão da petição inicial e não ao requerimento de injunção, tendo sido através deste último que se iniciaram os presentes autos, o qual é intentado através de um impresso online tipo no qual aqui Recorrente expôs sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão, formulou o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, sendo certo que como se depreende da limitação de caracteres, não tem a grandeza de exposição que é exigida a uma petição inicial” [conclusão Q].
Donde decorre que havendo um mínimo de concretização, no requerimento de injunção, dos factos que subjazem ao pedido, a causa de pedir está suficientemente concretizada e não será o requerimento injuntivo inepto, ao contrário daquilo que poderia ser exigível no âmbito de uma acção declarativa intentada de raiz, devendo assim a aqui Recorrente, ser convidada a aperfeiçoar o seu articulado” [conclusão S]”
Termos em que conclui que não se verifica qualquer ineptidão do requerimento injuntivo, que a decisão recorrida foi proferida com violação do vertido na alínea a) do n.º 2 do artigo 186º do Código do Processo Civil, do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei 269/98, de 01 de Setembro, devendo, em consequência, ser a mesma revogada e substituída por outra que determine a notificação da aqui Recorrente para proceder ao aperfeiçoamento do seu requerimento injuntivo, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 590º do Código do Processo Civil.
Apreciando,
- Da ineptidão do requerimento injuntivo e da (in)admissibilidade do convite ao aperfeiçoamento
Estatui o artigo 186º do CPC:
«1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
(…)
3. Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com o fundamento na alínea a) (…), não se julgará procedente a arguição, quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4. (…)».
Face ao preceituado no art.º 581º, n.º 4, do C.P.C. - que afirma no nosso direito adjectivo, e quanto à causa de pedir, a teoria da substanciação - pode definir-se causa de pedir como sendo o acto ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer.
Tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.
A causa de pedir é, pois, o facto material apontado pelo autor e produtor de efeitos jurídicos e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe.
A ideia geral e primordial - desde logo na perspectiva do julgador - no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre desde logo não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento, “Judicium”-  Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, p. 47.
Sem prejuízo do fito secundário - na perspectiva das partes - infra a referir, na decorrência do estatuído no n.º 3.
Quanto à al. a), única que releva para a presente decisão, a dificuldade é manter uma linha de separação entre a ineptidão da petição e a inviabilidade ou improcedência.
Por via de regra pode dizer-se que, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso é de improcedência e não de ineptidão.
Na verdade e na lição sempre actual do Mestre Alberto dos Reis, há que ter presente que:
«Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente...quando...sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstancias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga» - Comentário, 2º, 364 e 371.
Em sentido idêntico se pronuncia Abílio Neto, para o qual só a omissão total do pedido ou da causa de pedir ou a sua formulação em termos de tal modo obscuros que não se compreenda qual a tutela jurídica pretendida pelo autor ou o facto jurídico em que alicerça o pedido, que não a mera imperfeição, equivocidade, incorrecção ou deficiência, constitui vicio gerador de ineptidão; sendo que, neste último caso, a deficiência pode ser corrigida mediante convite do juiz, nos termos do artigo 508º nº2 do CPC - Cfr. Breves Notas ao CPC, 2005, p.61.
No seguimento destes ensinamentos a jurisprudência tem, desde sempre, vindo a defender, em uníssono, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa petendi, não fulmina, em termos desde logo formais, de inepta a petição, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido.
Efectivamente, petição prolixa não é o mesmo que petição inepta e causa de pedir obscura ou imprecisa, ou inadequada não é o mesmo que causa de pedir ininteligível.
E que, inclusive, a alegação de factos contraditórios entre si, não implica, ipso facto e inelutavelmente, a ineptidão.
Na verdade, «uma coisa é a incompatibilidade resultante da invocação de fundamentos não apreensíveis ou inteligíveis, atendendo à posição do autor, outra é as pretensões assentarem em razões inteligíveis e claras mas que no plano legal ou de enquadramento jurídico resultam antagónicos.
Nesta última hipótese, a incompatibilidade, porque existente apenas no plano da lei, não encerra o vício de ineptidão, mas apenas a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito» - Ac. do STJ de 06-05-2008 www.dgsi.pt, p. 08A966, citando, ainda, Anselmo de Castro in Lições de Processo Civil, II, 762-769.
No fundo só existe falta de causa de pedir quando o autor não indica o facto genético ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer. - cfr. entre outros Acs. do STJ de 12.03.1974, BMJ, 235º, 310, de 26.02.1992, dgsi.pt, p.082001 e Acs. da Relação de Coimbra de 25.06.1985 e de 01.10.1991, BMJ, 348º, 479 e 410º, 893.
Nesta conformidade, verdadeiramente só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir - cfr. Acs. do STJ de 30.04.2003 e de 31.01.2007, dgsi.pt, p.03B560 e 06A4150.
Neste entendimento se enquadra o estatuído no citado n.º 3.
Pois que, mesmo que o réu, na contestação, invoque a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa petendi - o que, à partida, demonstra uma certa imperfeição, prolixidade, confusão ou incompletude da petição - tal invocação não é atendível se se concluir que ele, não obstante tais deficiências, inteligiu o feito que o demandante introduziu em juízo e está cônscio das consequências que dele pretende retirar.
Não sendo possível, nestas circunstâncias, absolver o réu da instância por ineptidão da petição inicial - cfr. Ac. do STJ de 01.10.2003, dgsi.pt, p.02S3742.
Do que decorre que outro fito - este na óptica dos litigantes e quiçá secundário ou não essencial e como supra aludido -, prosseguido com afigura da ineptidão, é garantir o pleno ou pelo menos adequado exercício do contraditório da outra parte, «possibilitando que se defenda do ataque, por excepção ou por impugnação, reportada aos factos alegados na petição, idóneos para germinarem o direito invocado e pretendido» -cfr. Ac. do STJ de 28.05.2002, dgsi.pt, p.02B1457.
Em suma, por causa de pedir entende-se o título ou “facto jurídico” gerador do direito invocado e define-se em função da qualificação, feita pelo juiz, dos factos alegados pelo autor – Neste sentido, acórdão do STJ, de 17.01.1995 (CJ STJ, tomo I, pág. 25).
A relevância da indicação da causa de pedir e do pedido na petição inicial é de tal ordem e tão manifesta, que o legislador fulmina (como já sancionava no anterior código) a sua omissão com a nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial (art.º 186º n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC), nulidade essa que é de conhecimento oficioso (art.º 196 do CPC), a ser proferida no despacho saneador, se não tiver sido apreciada em momento anterior (art.º 200.º, n.º 2, do CPC), ou na sentença final.
Trata-se de uma excepção dilatória nominada (art.º 577 al. b) do CPC), de conhecimento oficioso (art.º 578.º do CPC), que conduz à absolvição do Réu da instância (art.º 576 nº 2 do CPC).
*
Naturalmente que todos os preceitos legais citados se reportam à petição inicial, como o articulado principal do processo de declaração, e o que temos em apreciação é um requerimento de injunção, relativamente ao qual rege o art.º 10º do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (com as alterações que lhe foram sucessivamente introduzidas) no qual se prevê, no seu n.º 1, que o requerimento de injunção deve constar de impresso aprovado por portaria do Ministro da Justiça, estabelecendo o seu nº 2 que o requerente deve nele expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão (alínea d), devendo formular o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas (alínea e), divergindo ele, de certa forma, da petição inicial do processo declarativo.
O processo de injunção, instituído pelo citado Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, tem por fim conferir força executiva a requerimento formulado pela parte, que se pode no entanto transmutar em processo comum, em face da dedução de oposição por parte do requerido, o que sucedeu no caso em apreço, até pelo valor do pedido.
O mencionado diploma legal transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, e insere-se na luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, aplicando-se, nos termos do seu art.º 2º, a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais, nas quais se inclui a prestação de serviços contra remunerações – cfr. art. 3.º al. a).
Ora, este diploma legal, não estabelecendo um regime processual próprio, determina todavia o recurso a um regime processual específico, como seja o da injunção (art.º 7º nº 1), em manifesta consonância com os objectivos de simplificação e eficácia pretendidos com a introdução do processo injuntivo.
E de facto no art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do regime anexo ao diploma legal em análise dispõe-se que no requerimento o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Sobre o alcance da expressão «expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão» e da relevância desta norma na exposição dos fundamentos do requerimento de injunção, podemos avançar desde já que em nosso entendimento o requerente, neste tipo de processos, não está dispensado de indicar a causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado, ainda que de forma sucinta, tal como se prevê para o processo comum (art.º 552º nº1 alínea d) do CPC).
Aliás, em situações como a dos autos, em que houve oposição da requerida, a exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento, assume particular relevância, porque se trata de causa de pedir susceptível de apreciação jurisdicional, dado que o procedimento de injunção se transmutou em acção declarativa comum pela dedução da oposição por parte da requerida, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
Assim, embora a lei flexibilize a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves (cfr. art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 269/98), o requerente da injunção não está dispensado de invocar no seu requerimento os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir.
No caso, nem sequer foram juntas, com o requerimento de injunção, as facturas referentes aos fornecimentos alegadamente efectuados à Requerida, ainda que a Requerente tenha mencionado no requerimento de injunção que as não dava por reproduzidas “por excederem o limite de caracteres permitido”.
Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art.º 29.º], deveriam tais documentos contabilísticos ser mencionados na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tais facturas, e acompanhar o requerimento injuntivo
A tudo acresce que a exigência de factura, como condição/pressuposto do recurso aos referidos procedimentos especiais de injunção destinados a obter o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, também resulta, claramente, dos artigos 2.º, 4.º, n.º 3, alíneas a), b), c) e d) [para transacções entre empresas privadas e entre estas e profissionais liberais] e do artigo 5.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 4, do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio [para transacções entre empresas públicas e entidades privadas].
Neste mesmo sentido já se pronunciou o presente Relator e a 1.ª Adjunta, no acórdão proferido em 16-05-2019, no âmbito do proc. n.º 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, desta secção e Relação, com o seguinte sumário:
I – Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.
II - No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido.
III – Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art. 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal factura, e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio – artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção].
IV – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comportam o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
VI - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
VII - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
VIII- As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).”
Mercê da falta de facturas, verificam-se, assim as excepções dilatórias inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção], vícios esses que obstam ao conhecimento do mérito da causa e importam a absolvição da Ré da instância [artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte, e 577.º do CPC.
A par das referidas excepções dilatórias verifica-se igualmente a excepção dilatória nominada da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de indicação da causa de pedir, como bem decidiu a primeira instância.
Face a esta omissão [falta de indicação de causa de pedir], nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, porquanto, apesar da contestação, seria absurdo concluir que a Ré interpretou correctamente uma Petição Inicial na qual nem sequer foram invocados os actos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir.
O requerimento injuntivo com que estamos confrontados contém um enunciado fáctico, não apenas deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, mas também obscuro, por conclusivo, pois não se sabe, designadamente:
a) as datas em foram prestados e facturados os serviços e respectivo valor, que não foram objecto de pagamento;
b) as datas em que foram efectuados e facturados os fornecimentos de bens e respectivo valor, que não foram objecto de pagamento;
c) as quantidades de bens fornecidos e de serviços prestados pela Autora à sociedade Ré, aliás como determinam o art.ºs 36.º, n.º 1, alínea b) e 40.º, n.º 2, alínea b), do Código do IVA;
Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, alínea d) do anexo ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set., que no requerimento de injunção deve o requerente, além do mais, «expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão».
Conforme afirma Salvador da Costa[[11]], a exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento assume particular relevância no contexto do normativo em análise, porque se trata, no fundo, da causa de pedir prevista em geral nos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., susceptível de apreciação jurisdicional no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa, como ocorreu no caso concreto.
O requerente da injunção não está dispensado de invocar, no requerimento injuntivo, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido.

In casu, a indicação, pela Requerente/Autora, como causa de pedir, de “contrato de fornecimento de bens ou serviços” não passa de mera qualificação jurídica, pelo que não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir.
A data do fornecimento dos bens ou serviços é susceptível de relevar em sede de causa de pedir, porque pode funcionar como elemento temporalmente delimitador da constituição do direito de crédito invocado.
Tendo a Requerente/Autora optado pela apresentação do requerimento de injunção através de ficheiro infor­mático ou correio electrónico, em que inexiste limite de linhas relativas à descrição dos factos integrantes da causa de pedir, nada o impedia de ter concretizado, com o necessário detalhe, os factos integradores da causa de pedir.
Certo é que não expressando o requerimento injuntivo, embora sucintamente, os factos integrantes da causa de pedir, o requerente corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, seja na acção declarativa de condenação com processo especial [AECOPs], seja na acçao declarativa comum, seja nos embargos de executado, de ser confrontado com uma decisão desfavorável, isto é, não lograr êxito na sua pretensão.
Desta sorte, como já referimos no acórdão proferido no processo n.º 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, anteriormente citado, aplicando em sede de procedimento de injunção os comandos contidos nos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do CPC, dúvidas não há de que o requerente deve expor no requerimento, no local a tal destinado e por forma necessariamente sucinta, os factos que servem de fundamento à sua pretensão, devendo considerar-se como tais os que, em regra, se afiguram constitutivos do seu direito.
Ainda de acordo com Salvador da Costa[[12]], a causa de pedir, segundo o princípio da substanciação, traduz-se, no fundo, no facto jurídico constitutivo do direito, ou seja, em determinada factualidade concreta vista à luz do direito (art.º 581.º, n.º 4, do C.P.C.). O seu âmbito é delimitado pelos factos preenchentes das normas substantivas concedentes da pretensão das partes, independentemente da sua valoração jurídica. As suas características são a inteligibilidade, a facticidade, a concretização, a veracidade, a compatibilidade, a juridicidade e a licitude.
A lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão.
Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização fáctica em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.
Não satisfaz, evidentemente, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a utilização da expressão «fornecimento de bens ou serviços», a referência a apenas um hiato temporal em que decorreram os alegados fornecimentos de bens e prestação de serviços, omitindo-se a(s) data(s) dos concretos fornecimentos e serviços prestados, bem como os valores parcelares facturados e os prazos acordados para pagamento.
Com efeito, no requerimento injuntivo a Requerente/Autora não esclarece, designadamente: as datas e quantidades de bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré; e os preços unitários desses bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré e que por esta não lhe foram pagos.
Só com a resposta às excepções deduzidas na oposição, a Requerente-Autora supriu a referida falta de alegação e juntou cópia das facturas em causa, num total de 303.
Contudo, como se ponderou no recente acórdão desta Relação de Lisboa, de 19-02-2019, proc. n.º 94952/17.7YYPRT.L1-7 [Desembargador José Capacete], disponível em www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto, “a mera junção, em momento posterior, de documentos não cumpre a obrigação legal daquele elemento, porque a causa de pedir se traduz em factos concretos previstos pelas normas jurídicas referentes aos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se pretendem fazer valer, e aqueles se limitam, nos termos dos artigos 341º e 362º do Cód. Civil, a provar os factos.
Importa, com efeito, ter presente que a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, e que a alegação fáctica insuficiente é insusceptível de ser suprida pela ilação a extrair de documentos juntos.”
Neste caso, existe, salvo o devido respeito, uma ausência de conteúdo, um “vazio”, que que não foi preenchido pela Autora, como era seu ónus, que não é passível de sanação.
À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.
O vício de ineptidão que afecta o requerimento de injunção, por falta de indicação de causa de pedir também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.
O vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.].
O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva [conforme, neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, proc. n.º 573/18.1T8SXL.L1-6, por nós relatado, disponível em www.dgsi.pt.].
Em conclusão, consideram-se verificadas a excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção] e a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de indicação causa de pedir, que obstavam a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e, por serem insusceptíveis de sanação, dão lugar à absolvição da Ré da instância [art.ºs 278.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, 279.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC].
Portanto, a apelação improcede, sendo de manter a decisão recorrida, pelo seu acerto.
IV - Decisão
Por tudo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.         
*
Custas da apelação pela Autora e Recorrente - artigo 527º do CPC.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2022
Manuel Rodrigues
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Lopes Ribeiro
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[1] Cf. Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, p. 109
[2] Cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 91 a 96).
[3] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 229.
[4] Com início de vigência em 11 de Abril de 2022 – cfr. artigo 12.º.
[5] Nos termos da lei pregressa a nomeação do Administrador Judicial Provisório “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
[6] Em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pág. 388-389.
[7] À luz do direito pregresso, neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 17.11.2016, proc. n.º 43/13.4TTPRT.P1.S1 e do TRC, de 23.06.2017, proc. n.º 732/16.1T8CVL.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição actualizada, Quid Juris, nota 5 ao artigo 17.º-E, pág. 161.
[9] Cf. Ac. STJ, de 18.05.2006, Proc. n.º 06B1441, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cf. Ac. do STJ, de 05.02.2004, Proc. 04B522, disponível em www.dgsi-pt.
[11] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Processo Geral Simplificado, Almedina, 2001, págs. 145-156.
[12] Ob. cit., pp. 51 a 56.