Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1245/22.8PBLSB.L1-5
Relator: CARLA FRANCISCO
Descritores: PROVA INDIRECTA
PROVA PERICIAL
CRIME DE COACÇÃO SEXUAL
ACTO SEXUAL DE RELEVO
CRIME COMETIDO DURANTE PERÍODO DE LIBERDADE CONDICIONAL
DANOS INDEMNIZÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I - A prova indirecta assenta na passagem de um facto conhecido para a prova de um facto desconhecido, em cujo processo intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem afirmar, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, que determinado facto, que não está diretamente provado, é a consequência natural, ou resulta com uma probabilidade próxima da certeza, de um facto conhecido.
II - A prova pericial não tem um valor absoluto e deve ser articulada com os restantes meios de prova, nos termos previstos no art.º 127º do Cód. Proc. Penal.
III - Quando o Tribunal decidir em sentido contrário da prova pericial, deve fundamentar a sua discordância.
IV - O bem jurídico protegido no crime de coacção sexual é a liberdade da pessoa de escolher o seu parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo.
V - “Acto sexual de relevo” é todo o comportamento que, de um ponto de vista essencialmente objectivo, pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que, em face da espécie, intensidade ou duração, ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima.
VI - Pratica um “acto sexual de relevo” o arguido que agarra ou apalpa a mama de uma menor, por dentro e por fora da blusa que a mesma trazia vestida, e que fricciona com a sua mão, com intenção masturbatória, a zona púbica e vaginal da menor, por cima da roupa desta, com o propósito de satisfazer os seus instintos sexuais.
VII - Não há lugar à suspensão da execução da pena de prisão quando o arguido comete novo crime durante o período da liberdade condicional de que beneficiava.
VIII - O dano indemnizável deve ser assim um dano de tal modo grave que mereça a tutela do direito e justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, não relevando para efeitos de indemnização os simples incómodos ou contrariedades.
IX - Derivando o ressarcimento dos danos não patrimoniais da violação de direitos fundamentais, deve, em definitivo, numa visão moderna, atualista e europeísta, abandonar-se um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1– Relatório
No processo nº 1245/22.8PBLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 16, consta da parte decisória do acórdão datado de 26/07/2023, o seguinte:
“Tudo visto e ponderado, este tribunal decide julgar a acusação parcialmente provada e procedente e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, e como reincidente (artigos 75.º e 76.º do Código Penal), de 1 (um) crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 163.º, n.º 1, do Código Penal, e 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6 do Código Penal, por referência ao artigo 14.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, de cumprimento efetivo, absolvendo da agravante do n.º 2 do artigo 163.º de que também vinha acusado.
b) Julgar o pedido de indemnização civil apresentado nos autos por BB, em nome e em representação da menor CC, contra o arguido/demandado, parcialmente procedente, condenando o demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor na sequência da conduta do arguido/demandado, absolvendo o demandado do restante pedido. (…)”
*
Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) RECURSO DE MATÉRIA PENAL
a) Vem o presente recurso interposto recorrer do Acórdão que condena o arguido/recorrente pela prática, em autoria material, e como reincidente, de um crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelos artigos 163º, n.º 1, do Código Penal, e 177º, n.º 1 alínea c), e n.º 6 do Código Penal, por referência ao artigo 14º, n.º 1 do mesmo diploma penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, de cumprimento efetivo.
b) Em nosso modesto entender, o Acórdão em crise padece dos seguintes vícios: Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do Código do Processo Penal, e; Erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo Penal; Erro na determinação da norma aplicável, nos termos do disposto no artigo 412º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo Penal.
c) Em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, doravante CPP, o Recorrente irá, de seguida, pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto incorretamente julgadas.
d) No que respeita à matéria de facto, entende o Recorrente que foram incorretamente julgados os pontos 13), 14), 15), 16), 17), 24), 25), 27), 29) e 30) dos factos dados como provados no Acórdão do qual se recorre.
e) O Tribunal a quo deu como provado o ponto 13) dos factos provados: “Após, o arguido AA, verificando que a menor não tinha soutien vestido, introduziu a mão direita pela cava da camisola/top que a menor envergava e tocou na mama direita da menor CC, acariciando-a.”.
f) No entanto, sem que tivesse sido feita prova nesse sentido.
g) Não existiu qualquer toque no corpo da menor por debaixo da roupa.
h) A testemunha DD no seu depoimento referiu que não se apercebeu de nada, conforme resulta do seu depoimento prestado em 05/07/2023 com início de gravação às 14:10 e fim de gravação às 14:14 e depoimento prestado com início de gravação às 18:48 e fim de gravação às 18:50, cujos excertos se transcrevem:
[14:10 a 14:14]
MP: “Conversou com a sua filha durante a viagem?
T: Conversei.
MP: Normalmente?
T: Normal.
MP: Não notou nada?
T: Não”
[18:48 a 18:50]
“T: Não me apercebi de nada.”
i) A testemunha EE foi expresso no seu depoimento quando referiu que todos os toques que viu foram todos por cima da roupa, conforme resulta do seu depoimento prestado em 05/07/2023 com início de gravação às 18:58 e fim de gravação às 19:14, cujo excerto se transcreve:
Adv. Assistente: “Olhe, quando diz que o senhor terá colocado a mão na blusa e tocou os seios da adolescente, eu pergunto se se apercebeu se terá sido por fora ou por dentro da blusa?
T: Foi por fora. Tudo foi por fora”
j) A testemunha FF quando descreve o que viu, em momento algum refere que o Arguido colocou a sua mão por dentro da camisola da menor, conforme resulta do seu depoimento prestado em 05/07/2023 com início de gravação às 00:50 e fim de gravação às 27:50.
k) A própria Menor, ouvida em declarações para memória futura no dia 7 de dezembro de 2022 (conforme ficheiro áudio e vídeo que se encontram junto aos autos de fls.) refere expressamente, por duas vezes, que todos os toques ocorreram por cima da roupa:
Início de gravação às 12:24 e fim de gravação às 14:34, cujo excerto se transcreve:
Juiz: “Quando tu dizes que ele te mexeu nas manas, na mama foi por cima da roupa ou [impercetível]?
Menor: Por cima da roupa”
Início de gravação às 27:15 e fim de gravação às 27:20, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Quando tocou foi por cima da roupa, de certeza absoluta?
Menor: Sim
l) Acresce ainda que o Tribunal a quo deu como provado no ponto 31. que “a menor vestia uma camisola de cava justa ao corpo, em que a cava da camisola está debaixo do seu braço, junto à axila.”
m) Assim, o facto provado em 13) não poderia ser dado como provado, de acordo com as seguintes provas:
a) Pelas declarações para memória futura da menor ofendida nos autos prestado no dia 7 de dezembro de 2022 – excerto supra referente às gravações entre os minutos 12:24 a 14:34 e 27:15 a 27:20;
b) Os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento (5/07/2023) pelas três testemunhas que se encontravam com a menor no momento da ocorrência dos factos em causa nestes autos, a saber: DD, EE e FF que NÃO VIRAM o Arguido a tocar no seio da menor por dentro da camisola;
c) De acordo com as características da camisola descritas no facto provado em 31;
d) De acordo com as características da mão do Arguido constantes de documentos n.º 1 a 6 juntos com a contestação e que se encontram a fls. Dos autos.
n) Conjugando todas estas provas com as regras da experiência comum, não era exequível que o Arguido tivesse tocado no seio da menor por dentro da camisola desta, pelo que o ponto 13) dos factos provados tem de ser considerado como matéria de facto não provada.
o) Quanto aos factos dados como provados nos pontos 15), 16) e 17) não pode ser dado como provado que os toques ocorreram na “zona vaginal” da menor.
p) Havendo por parte do Tribunal uma errada consideração do que é “a zona vaginal”, em termos físicos e anatómicos.
q) Sendo que o local onde ocorreram os toques não pode ser considerada como zona vaginal.
r) Havendo nestes autos uma GRAVE IMPRECISÃO na linguagem utilizada pelas testemunhas e sobretudo pelo próprio Tribunal, que condicionou todo desfecho deste processo nomeadamente a decisão da matéria de facto.
s) Em termos anatómicos e físicos, é diferente a localização da “zona pélvica”, da “zona púbica” e da “zona vaginal”.
t) Em termos anatómicos, a vagina é um tubo fibromuscular que se estende desde o óstio externo da vagina, no vestíbulo vaginal até ao útero. É o órgão copulador da mulher. Localiza-se posteriormente à bexiga e uretra e anteriormente ao recto, ou seja, a vagina está localizada entre o recto/ânus e o períneo.
u) Não há dúvidas que a vagina se encontra localizada a uma curta distância do ânus, sendo que é o períneo que faz a separação entre a vagina e o ânus.
v) Por sua vez, a “zona púbica” é a zona localizada junto ao osso denominado púbis, que se encontra abaixo do abdómen e que é revestido externamente pelo “monte da púbis”ou “monte de Vénus”.
w) A “zona pélvica” é a zona que corresponde à pelve, que é a parte mais baixa da barriga (abdómen). São considerados órgãos da zona pélvica e abdominal o intestino, bexiga, útero e os ovários.
x) A vagina não é em termos técnicos, anatómicos, físicos, médicos, etc. etc. um órgão da zona pélvica ou abdominal.
y) O Tribunal usou, errada e indistintamente e sem qualquer critério, a expressão “zona vaginal” para definir a localização dos toques.
z) Quando as próprias testemunhas nos seus depoimentos não usaram a expressão “zona vaginal”.
aa) Quando a prova objetiva que existe no processo – vídeo junto aos autos em CD de fls. 211 e as regras de experiência comum impõe uma decisão diversa da constante na matéria de facto dada como provada.
bb) Existindo um erro notário na apreciação da prova.
cc) Para além de existir uma contradição entre os factos considerados como provados em 15), 16) e 17) com a fundamentação da decisão da matéria de facto.
dd) Da motivação da decisão de facto, é o próprio Tribunal que afirma que da análise do fotograma resulta que “Já o braço direito, estando o arguido desencostado do banco e ligeiramente inclinado para a frente, está claramente colocado junto à zona pélvica da menor, a qual se encontra debruçada para a frente e com o cabelo a tapar a mão direita do arguido.” – página 16 do Acórdão.
ee) Se não bastasse, o Tribunal ainda o reafirma mais uma vez: “Mas, melhor que no fotograma, no vídeo é manifesto que o arguido para além de estar com a mão direita na zona pélvica da menor”. – página 17 do Acórdão.
ff) E ainda o Tribunal afirma também que “Mesmo tendo a menor as pernas juntas como estão fotografadas, tal não impede, de modo algum, o arguido se colocar a sua mão na zona púbica da menor”. – página 44 do Acórdão.
gg) Se a mão está na zona pélvica – que vimos acima onde se localiza – e se faz movimentos com o braço, não se percebe como é que o Tribunal pode concluir que esses movimentos são compatíveis com o que as testemunhas disseram – movimentos de quem está a massajar a vagina da menor, quando a vagina não se localiza na zona pélvica!!!
hh) Certo é que a Menor não tem a sua vagina localizada em lugar diferente das outras mulheres.
ii) Se a mão do Arguido está na zona pélvica, os movimentos que são feitos com a mão não são e não podem ser na vagina e como tal não se pode dar como provado que tem a mão direita na “zona vaginal”.
jj) Pelo que a matéria de facto encontra-se incorretamente julgada quanto aos factos 15), 16) e 17), sendo que onde está escrito “zona vaginal” tem de passar a estar escrito “zona pélvica”.
kk) É o que impõe a mais elementar ciência – anatomia humana, que o Tribunal tem de conhecer e as regras de experiência comum a que o Tribunal não pode ignorar.
ll) Sendo que o próprio Tribunal reconhece e aceita que a mão do Arguido se localiza na zona pélvica.
mm) A concreta prova que impõe decisão diversa da recorrida é o visionamento do vídeo constante do CD junto aos autos de fls. 211.
nn) Bem como as declarações para memória futura prestadas pela menor em 7 de dezembro de 2022, cuja reprodução áudio e vídeo se requer que este douto Tribunal ad quem reproduza que constam de fls. dos autos, e conforme excertos que se transcrevem de seguida:
Início de gravação às 29:10 e fim de gravação às 29:38, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Lembraste se tinhas as pernas abertas ou as pernas fechadas?
Menor: Cruzadas
Adv. Arguido: Estavas sempre com as pernas cruzadas…
Estavas com as pernas apertadas?
Menor: Sim
Adv. Arguido: Sim. Então se estavas com as pernas apertadas aonde é que te tocou verdadeiramente?
Menor: [impercetível - apontando para o local]
Adv. Arguido: Então é na parte debaixo da barriga, é isso?
Menor: Sim”
Início de gravação às 29:40 e fim de gravação às 30:00, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Ele tocou-te...
Menor: [apontou para o local]
Adv. Arguido: No baixo-ventre, é isso?
Menor: Sim
Adv. Arguido: No baixo-ventre?
Menor: Sim
Adv. Arguido: Não é por aqui a gente faz xixi, certo?
Menor: Sim (risos)
Início de gravação às 30:20 e fim de gravação às 30:41, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Então quando tu dizes aqui ao tribunal que te tocou na vagina é nesta zona aqui em cima? É nesta zona aqui?
Menor: Sim [apontando]
Juiz: Onde ela está a descrever é ao início da vagina, zona pélvica.
Adv. Arguido: Púbis, portanto?
Juiz: Sim, púbis.
Adv. Arguido: Púbis é diferente de vagina.”
oo) A própria menor confirma que o Arguido não lhe tocou na vagina – porque aponta para local distinto da vagina e confirma que os toques foram na zona do baixo-ventre/púbis.
pp) Resulta ainda do depoimento da testemunha EE que localizou o local dos toques usando um conceito vago e indeterminado – “partes íntimas”, conforme resulta do seu depoimento prestado em 05/07/2023 com início de gravação às 03:16 e fim de gravação às 03:25, cujo excerto se transcreve:
T: “Ele tinha a mão direito, na altura, a acariciar as partes íntimas da moça”
qq) Depressa se conclui que os pontos de facto 15), 16) e 17) estão incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa são a conjugação das seguintes provas:
a) As declarações para memória futura da menor acima mencionadas;
b) O visionamento do vídeo de fls. 211 dos autos;
c) As medições do braço e da mão do Arguido constantes dos documentos 1 a 6 da contestação crime;
rr) Conjugando estas provas concretas com as regras de experiência comum só se pode concluir que a mão do Arguido nunca chegou a tocar na zona vaginal da Menor.
ss) É visível na filmagem junta aos autos que todo o antebraço do Arguido se encontra esticado, o seu pulso encontra-se direito e esticado sobre a zona da perna e da barriga da Menor e os seus tendões e músculos não apresentam qualquer torção no sentido da sua mão estar para baixo, no sentido descendente na direção da zona da vagina da Menor nem se encontra a fazer qualquer pressão ou força para conseguir atingir a zona vaginal da Menor.
tt) Saliente-se que a Menor durante toda a viagem esteve sempre com as pernas fechadas. – declarações para memória futura da menor no dia 7 de dezembro de 2022, cujo depoimento tem início de gravação às 29:10 e fim de gravação às 29:38, já supra transcrito.
uu) Quanto aos factos considerados como provados nos pontos 25), 26) e 27) e no que toca à intenção do arguido não se pode considerar que o facto de tocar na zona pélvica da menor seja apta a satisfazer quaisquer instintos libidinosos, a sua lascívia e os seus desejos sexuais nem que tinha o propósito de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor.
vv) Quanto aos factos dados como provados nos pontos 24), 25), 27), 29) e 30) os mesmos não poderão considerar-se como provados, mas tão só o que decorre do relatório pericial junto aos autos.
ww) É inequívoco pelo fotograma e visionamento das imagens e respetivo CD constantes de fls. 13 e 211 que não existe qualquer perturbação, vergonha, pudor, vergonha, instabilidade emocional, dor ou sofrimento psíquico por parte da Menor.
xx) A Menor está descontraída, totalmente à vontade, à conversa com a sua Mãe, a segurar e a mostrar-lhe um papel, atenta ao que está ao seu redor, como se nada se estivesse a passar.
yy) A Menor não está contraída, rígida, não tem qualquer expressão de vergonha, vexame, pudor ou incómodo, medo, susto, retração, constrangimento, perturbação ou instabilidade nem emocional nem sequer física!
zz) Atente-se à LINGUAGEM CORPORAL E EXPRESSÃO DA MENOR NO VÍDEO – e se necessário seja o mesmo visto e revisto, com atenção, mais do que uma vez para se evitar julgamentos precipitados.
aaa) Não se consegue entender como as testemunhas EE e FF podem referir que viram medo e vergonha nos olhos da menor quando em parte alguma do vídeo tal é visível nem no olhar da menor nem na linguagem do seu corpo.
bbb) Como é que a testemunha FF pode, no seu depoimento, dizer que viu a Mãe da menor a sorrir nervosamente, se a Mãe da Menor estava de máscara facial? – veja-se o depoimento no excerto entre os minutos 6:50 a 7:11, que se transcreve:
T – Lembro-me de ter [referindo-se à Mãe] a reação ocasional de tipo sorrir nervosamente naquela situação.
MP – O Senhor fez a leitura de que a Mãe estaria a ver, é isso? O que estava a acontecer?
T – Eu vi que a Mãe viu.
ccc) Não disse a verdade, condicionado pelas suas considerações subjectivas, o que também fez relativamente aos restantes factos: “quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto”.
ddd) Sendo que a concreta prova que impõe uma decisão diversa da recorrida é o visionamento do vídeo constante do CD junto aos autos de fls. 211.
eee) Assim, tendo em conta o supra exposto quanto aos factos que erradamente se consideram como provados no Acórdão a saber: 13), 14), 15), 16), 17), 24), 25), 27), 29) e 30) e as concretas provas acima indicadas a matéria de facto, haverá necessariamente que dar como provados os factos O), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA) da matéria de facto que foi considerada pelo Tribunal a quo como não provada.
fff) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida quanto a estes factos são as detalhadamente indicadas no ponto anterior e que por razões de economia processual se dão por integralmente por reproduzidas, sendo sumariamente as seguintes:
a) Visionamento do vídeo que se encontra junto aos autos a fls. 211;
b) Fotografias juntas com a contestação e que correspondem aos documentos n.º 1 a 6, de fls. dos autos;
c) Facto provado com o n.º 32;
d) Depoimento da testemunha DD prestado em 05/07/2023 com início de gravação às 14:10 e fim de gravação às 14:14 e depoimento prestado com início de gravação às 18:48 e fim de gravação às 18:50, cujos excertos se transcrevem:
[14:10 a 14:14]
MP: “Conversou com a sua filha durante a viagem?
T: Conversei.
MP: Normalmente?
T: Normal.
MP: Não notou nada?
T: Não”
[18:48 a 18:50]
“T: Não me apercebi de nada.”
e) declarações para memória futura da menor ocorridas no dia 7 de dezembro de 2022 (vídeo e áudio), em concreto:
Início de gravação às 29:10 e fim de gravação às 29:38, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Lembraste se tinhas as pernas abertas ou as pernas fechadas?
Menor: Cruzadas
Adv. Arguido: Estavas sempre com as pernas cruzadas…
Estavas com as pernas apertadas?
Menor: Sim
Adv. Arguido: Sim. Então se estavas com as pernas apertadas aonde é que te tocou verdadeiramente?
Menor: [impercetível - apontando para o local]
Adv. Arguido: Então é na parte debaixo da barriga, é isso?
Menor: Sim”
Início de gravação às 29:40 e fim de gravação às 30:00, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Ele tocou-te...
Menor: [apontou para o local]
Adv. Arguido: No baixo-ventre, é isso?
Menor: Sim
Adv. Arguido: No baixo-ventre?
Menor: Sim
Adv. Arguido: Não é por aqui a gente faz xixi, certo?
Menor: Sim (risos)
Início de gravação às 30:20 e fim de gravação às 30:41, cujo excerto se transcreve:
Adv. Arguido: “Então quando tu dizes aqui ao tribunal que te tocou na vagina é nesta zona aqui em cima? É nesta zona aqui?
Menor: Sim [apontando]
Juiz: Onde ela está a descrever é ao início da vagina, zona pélvica.
Adv. Arguido: Púbis, portanto?
Juiz: Sim, púbis.
Adv. Arguido: Púbis é diferente de vagina.”
ggg) No que toca ao recurso da matéria de direito, o Tribunal a quo viola o previsto no artigo 163º, n.º 1 quando a aplica ao caso em concreto, faz uma errada interpretação da norma e erra na determinação da norma aplicável ao caso em concreto.
hhh) O Tribunal a quo condena o arguido/recorrente pela prática, em autoria material, e como reincidente, de um crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelos artigos 163º, n.º 1, do Código Penal, e 177º, n.º 1 alínea c), e n.º 6 do Código Penal, por referência ao artigo 14º, n.º 1 do mesmo diploma penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, de cumprimento efetivo.
iii) Sucede que os factos que devem ser considerados como provados e os factos que devem ser considerados como não provados – vide ponto I deste recurso, não preenchem a tipificação do crime em que foi condenado.
jjj) Sem conceder e por dever de patrocínio se admite ainda que a decisão da matéria de facto dada como provada e como não provada se mantenha inalterada, e se mantenha nos mesmos e exatos termos com que foi decidida neste Acórdão de que se recorre, os factos provados não preenchem a tipificação do crime em que foi condenado.
kkk) O crime de coação sexual, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 163º do Código Penal, estabelece o seguinte: “1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até cinco anos.”
lll) O crime de coação sexual integra os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (Capítulo V, Titulo I, do Livro II do Código Penal), em que os bens jurídicos se prendem com a natureza sexual da pessoa, como parte integrante do direito geral de personalidade.
mmm) O bem jurídico protegido é a liberdade da pessoa escolher o seu parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo.
nnn) É um crime de execução vinculada, na medida em que o constrangimento da vítima só pode ser praticado por meio de violência, ameaça grave, ou depois de o agente ter tornado a vítima inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir.
ooo) O busílis maior do tipo objectivo é a definição de «acto sexual de relevo» e, em especial, a subsunção do facto a este conceito indeterminado.
ppp) A respeito do que releva como acto sexual para efeitos típicos, o Prof. Figueiredo Dias releva que existem a este propósito três posições: uma interpretação objectivista, segundo a qual constitui acto sexual típico aquele que, atenta a sua manifestação externa, revela uma conexão com a sexualidade; uma outra que exige não só a conexão objectivista, como ainda a subjectivista do conceito, traduzida na dita intenção libidinosa; e uma terceira, a menos exigente, que defende ser o conceito integrado tanto pela sua acepção objectivista como subjectivista.
qqq) Optando decididamente, por via de princípio, pela interpretação objectivista do acto sexual típico, concede que em casos excepcionais, como aqueles em que o significado do acto é ambivalente, àquela deva acrescer a interpretação subjectiva, traduzida na intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si mesmo ou em outrem, a excitação sexual.
rrr) Prosseguindo na integração do conceito de «acto sexual de relevo», defende o mesmo Professor que a exigência de «relevo» para a tipificação do acto sexual não tem apenas uma função negativa, destinada a excluir do tipo os actos considerados insignificantes ou bagatelares, mas ainda uma função positiva, traduzida na exigência ao intérprete de investigação do seu relevo na perspectiva do bem jurídico protegido, isto é, se de um ponto de vista objectivo o acto representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima.
sss) O valor decisivo neste contexto é o grau de perigosidade da acção para o bem jurídico, em função da sua espécie, intensidade ou duração.
ttt) Seguindo a jurisprudência alemã, que se pronuncia com textos legais análogos ao da lei portuguesa, o Prof. Figueiredo Dias refere a este respeito: « … um simples beijo ou a sua tentativa, ou um simples toque nas pernas, nos seios ou nas nádegas de outrem, ou mesmo no sexo não integrarão em princípio o conceito típico de acto sexual de relevo; tudo o que poderá ficar em aberto em casos tais, se ficar, para além do crime geral de coacção ( art.154.º s.), o tipo legal de importunação sexual sob a forma de “contacto sexual” ( cf. art.170.º.»
uuu) Também o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque segue esta interpretação, do tipo objectivo de coacção sexual, ao defender que «O acto sexual de relevo é a acção de conotação sexual de uma certa gravidade objectiva realizada na vítima. (...). Portanto, estão abrangidos actos em que a vítima assume uma posição sexual activa (constranger a “praticar”) ou passiva (constranger a “sofrer”), mas não os actos sexuais diante da vítima, que constituem “actos exibicionistas” (...). O acto sexual de relevo inclui a cópula vulvar e o toque, com objectos ou parte do corpo, nos órgãos genitais, seios, nádegas, coxas e boca (...).».
vvv) Seguindo esta doutrina e o que cremos ser a maioria da jurisprudência, diremos que “acto sexual de relevo” será todo aquele comportamento que de um ponto de vista essencialmente objectivo pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima.
www) Sendo o crime de coacção sexual um tipo doloso, o preenchimento do mesmo exige o conhecimento e vontade de constranger a vítima, através de qualquer dos meios supra referidos, a sofrer ou a praticar um acto sexual de relevo, com consciência da ilicitude da sua conduta, em qualquer das modalidades a que alude o art.14.º do Código Penal.
xxx) Apreciados sumariamente os elementos constitutivos do crime de coacção sexual, p. e p. pelo 163°, n.° 1 do Código Penal, pelo qual o Arguido foi condenado, cumpre agora subsumir os factos que devem ser considerados como provados ao direito.
yyy) O Recorrente tocou com a sua mão direita na zona pélvica – na zona do baixo-ventre da menor, como a mesma o confirmou nas suas declarações para memória futura prestadas em 7/12/2022 – transcrições acima reproduzidas.
zzz) A zona pélvica não tem a mesma localização nem é a mesma área/região que a zona genital, onde se encontram os órgãos sexuais.
aaaa) Assim, quando o Arguido toca na zona pélvica da menor, apesar tal comportamento puder ter conotação sexual, não constituiu «um acto sexual de relevo».
bbbb) Por mero dever de patrocínio se refira que, em abstrato, se tivesse tocado na zona vaginal da menor por cima das calças de ganga, quando a Menor tinha as pernas fechadas/cruzadas e no seio, não é «um acto sexual» nem tão pouco «um acto sexual de relevo».
cccc) Esse comportamento não atinge o grau de perigosidade e gravidade necessários para se considerar este comportamento do arguido como integrador do conceito de “acto sexual de relevo”.
dddd) Ao aplicar o artigo 163º, n.º 1 do Código Penal, o Tribunal a quo viola o próprio artigo em si pois os factos não se subsumem aos elementos do tipo, uma errada interpretação do que se entende como “acto sexual de relevo”, existindo assim um erro na determinação da norma jurídica aplicável ao caso em concreto.
eeee) Pelo que o Tribunal teria de ter determinado a aplicação ao caso concreto da norma prevista no artigo 170º do Código Penal, que corresponde ao crime de importunação sexual.
ffff) Tendo em conta os factos que devem ser considerados provados, o ora Recorrente importunou a menor e constrangeu-a a contacto de natureza sexual.
gggg) Por mero dever de patrocínio se admite, ainda que se mantenha inalterada a decisão da matéria de facto e que se mantenha a decisão de direito de que o crime pelo qual o Arguido deva ser condenado seja o crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelos artigos 163º, n.º 1 e 177º, n.º 1, alínea c) e n.º 6 do Código Penal sempre se dirá que a condenação em 4 anos de prisão, de cumprimento efetivo excessivo e desproporcional.
hhhh) Pelo que a pena agravada corresponde ao limite mínimo de pena de 1 mês e 10 dias ao limite máximo de 6 anos e 8 meses de prisão e ainda que o Recorrente seja condenado como reincidente, o limite máximo da moldura pena mantém-se inalterado – 6 anos e 8 meses.
iiii) Tendo em conta os factos em causa nestes autos – a localização dos toques, a duração, o facto de terem sido por cima da roupa - não se pode conceber como é que o Tribunal a quo condena o Arguido a 4 anos de prisão, pena de cumprimento efetivo, pela prática de UM único crime de coação agravado.
jjjj) O que é excessivo e desproporcionado, quer a duração da pena, como o seu cumprimento, como se confirma por comparação com outras decisões de Tribunais de Primeira Instância, confirmadas pelos Tribunais da Relação.
kkkk) Pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º 310/20.0JAGRD.C1 (disponível em www.dgsi.pt), foi confirmada a sentença que condenou o arguido a dois anos de prisão quando se deu como provado que:
- O Arguido deu dois beijos na cara da ofendida;
- Apalpou-a com ambas as mãos no rabo.
- Agarrou a ofendida por detrás e apalpou-lhe a vagina e as mamas com força, por cima da roupa, enquanto tentava puxá-la para trás e retirá-la da bicicleta que caiu no chão.
llll) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo n.º 1067/19.3PVNG.P1 (disponível em www.dgsi.pt) aplica uma pena de 4 anos de prisão, suspensa na execução a quem foi condenado por 23 CRIMES DE COAÇÃO SEXUAL AGRAVADA E POR UM CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL AGRAVADO, cuja transcrição do dispositivo se encontra descrito no artigo 118 do Recurso para o qual se remete.
mmmm) Veja-se ainda o Acórdão da Relação de Évora (disponível em www.dgsi.pt) no âmbito do processo n.º 214/09.8JAPTM. E1 em que os crimes em julgamento eram:
Abuso sexual de crianças e Abuso sexual de menor dependente cuja decisão se encontra descrita no artigo 119 do recurso para o qual se remete.
nnnn) E ainda o Acórdão da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 556/16.6PFCSC.L1 5ª Secção, disponível em www.pgdlisboa.pt) cuja decisão se encontra transcrita no artigo 120 do recurso para o qual se remete.
oooo) Pelos exemplos acima se comprova que o Tribunal a quo errou na determinação da medida da pena, pelo que deve a decisão ser revogada e substituída por outra.
pppp) Por outro lado, o Tribunal a quo considera que o Arguido não se encontra social ou profissionalmente inserido, o que é falso, dado que o Arguido até ao momento da sua prisão preventiva trabalhava como ..., na ..., o que resulta dos autos.
qqqq) Na determinação da medida da pena em 4 anos de prisão, de cumprimento efetivo o Tribunal a quo tem fortemente em consideração os antecedentes criminais do Arguido, pelo que com esta condenação excessiva mais não é do que uma nova condenação por crime pelo qual o Arguido já foi condenado e cuja pena cumpriu.
rrrr) Indo também o Arguido condenado, com esta condenação excessiva, pelo ambiente socioeconómico desfavorecido e caracterizado pelos momentos de austeridade e agressividade perpetrados pelo pai, como se tal se devesse a culpa sua.
ssss) E pelo facto de não ter apoio familiar, porque os pais e a irmã já faleceram!
tttt) Nem se pode aceitar que a medida da pena seja determinada pelo facto do Recorrente “até por em causa a credibilidade da menor, não se preocupando sequer em denegrir a imagem desta, afirmando que a mesma não revelou desconforto com o que lhe aconteceu (como se a menor pudesse ser culpabilizada pelos factos ocorridos).
uuuu) Tal afirmação que tem por base entendimentos subjetivos do Tribunal, uma vez que tudo o que foi afirmado tem por base a prova objetiva – vídeo de fls. 211 onde não se verifica perentoriamente que inexiste qualquer desconforto da menor – e não pode o Arguido sem impedido de fazer a sua defesa como melhor entende, sobretudo quando não existe uma verdadeira análise crítica da prova, devidamente conjugada na totalidade, e lhe são imputados factos que não praticou.
vvvv) Pelo que sendo excessiva e desproporcionada na duração e nos termos do seu cumprimento, deverá a mesma ser revogada, revista e substituída por este Tribunal ad quem.
wwww) Estando já o Arguido em prisão preventiva desde 9 de agosto de 2022, o cumprimento de pena de prisão efetiva já decorrido e ainda o tempo vincendo até à decisão deste recurso será suficiente para acautelar as finalidades punitivas e preventivas gerais e especiais.
xxxx) Devendo a demais medida da pena a que possa vir a ser condenado ser suspensa na sua execução, mediante a imposição dos deveres e regras de conduta, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!
B) RECURSO DE MATÉRIA CIVIL
yyyy) A decisão de que se recorre julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil apresentado nos autos por BB, em nome e em representação da menor CC, contra o arguido/demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor na sequência da conduta do arguido/demandado, absolvendo o demandado do restante pedido.
zzzz) Não se pode concordar com a condenação do Arguido de uma indemnização no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor na sequência da conduta do arguido/demandado.
aaaaa) O quantum indemnizatório é excessivo e desproporcional, impondo-se que seja revogada a decisão a quo, e substituída por outra que seja fixada de acordo com critério equitativos e em função dos danos não patrimoniais efetivamente sofridos pela Menor.
bbbbb) Acresce ainda que os juros só poderão ser devidos desde o trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento e nunca nos termos determinados no Acórdão, por falta de fundamentação legal para tal.
ccccc) Não pode o Arguido ser condenado a pagar uma indemnização ao Demandante
– Pai da Menor – mas sim à Menor, ofendida nos autos.
ddddd) O ora Recorrente, por razões de economia processual, reproduz para efeitos das presentes conclusões de recurso da decisão quanto ao pedido de indemnização civil, tudo o quanto foi exposto para o recurso da matéria penal – artigos 1 a 131 e conclusões i) a xxxx).
eeeee) Antes da data dos factos em causa nestes autos, já a Menor tinha acompanhamento psicológico e era avaliada por técnico de saúde mental o que se comprova pelo relatório de fls.26 a 32, o que sucede, pelo menos desde 2016.
fffff) A Menor CC nasceu e tem-se desenvolvido num contexto de uma família desestruturada, o que foi confirmado pelo Assistente – Pai da Menor - no relatório pericial de fls. dos autos: “Segundo o progenitor, a relação de casal com a mãe da CC foi sempre instável, existindo momentos de rutura e afastamento do casal. (…)
A irmã mais velha de CC (GG) é atualmente a companheira do pai, tendo um filho em comum”.
ggggg) Ora, a companheira do Pai é madrasta e simultaneamente sua irmã da Menor CC, o filho desta com o Pai é ao mesmo tempo seu sobrinho e seu irmão.
hhhhh) O desenvolvimento e organização da personalidade, as influências e consequências da personalidade, prejuízos emocionais, formação e afectação psíquica, mental e emocional correspondem à soma de todas as vivências – à soma de um todo – e não a um acto isolado.
iiiii) Conforme resulta do relatório pericial de fls. é referido expressamente que:
“A perita não se consegue pronunciar retrospetivamente acerca da personalidade da jovem.
Acerca da organização de personalidade atual de CC, a jovem apresenta traços de introversão que condicionam certa fragilidade emocional. Insegurança, baixa auto-estima e desconfiança perante o outro, nomeadamente perante figuras do género masculino.
Considera-se positivo que a jovem beneficie de apoio psicológico, não parecendo, na atualidade, existir necessidade de tomar psicofármacos.”
jjjjj) Características que já eram latentes desde o ano de 2016, conforme relatório junto aos autos de fls.26 a 32.
kkkkk) Pelo que não pode o Arguido/Recorrente ser condenado a pagar indemnização por factos que não cometeu, que não têm nexo de causalidade com o que está em causa neste processo e por danos que eram pré-existentes e que não causou.
lllll) Acresce ainda que o Tribunal a quo não teve em consideração a situação económica do Arguido/Recorrente.
mmmmm) De todo o modo, o valor de indemnização de 3.500,00 € (três mim e quinhentos euros) afigura-se manifestamente excessivo.
nnnnn) A título de exemplo, veja-se o Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º 73/12.3GAMGL.C1 que condenou o Arguido a pagar uma indemnização de 6000 euros em caso melhor descrito no artigo 152 do recurso, indemnização arbitrada em caso de condenação por dois crimes de abuso sexual de Menor dependente!
ooooo) Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 1766/08-2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/3C9FC03930197DEB8025757700578E5E , que condenou o Arguido/demandado a pagar uma indemnização de 1.500 euros a uma menor em caso de coacção sexual.
ppppp) Pelo que o Recorrente deve ser responsabilizado unicamente pelos factos que se provaram ter cometido, com nexo de causalidade com os danos existentes decorrentes unicamente sua conduta e não sejam consequência do histórico e do passado da Menor.
qqqqq) Pelo que deve ser revogada a decisão quanto ao pedido de indemnização civil proferida no Acórdão de que ora se recorre, e substituída por outra que seja fixada, de acordo com critério equitativos e em função dos danos não patrimoniais efetivamente sofridos pela Menor, em que os juros de mora sejam devidos desde o trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento, e seja a indemnização paga à ofendida e não ao seu representante legal, sob pena do valor indemnizatório não ser usado em proveito da mesma. assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, formulando as seguintes conclusões:
“1 – Carece de razão o recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação;
2 – E sendo que, como denominador comum inerente à motivação apresentada pelo arguido, temos que o recorrente, em função das conclusões apresentadas, demonstra uma discordância meramente subjetiva, não só da apreciação e valoração da prova (e fazendo a tentativa de impugnação da convicção do Tribunal a quo sobre a factualidade erigida), como também –e sobretudo- sobre o quantum da pena aplicada;
3 - Com efeito, a decisão recorrida fez uma criteriosa apreciação e valoração da matéria de facto e uma judiciosa aplicação do direito, encontrando-se mais do que suficientemente fundamentada e sendo que não enferma de qualquer dos vícios elencados pelo artº 410º do CPP;
4 – E sendo que a conduta do recorrente, para além de se subsumir a uma situação de reincidência, nos termos do disposto no artº 75º nº 1 do CP, foi praticada quando o mesmo se encontrava em liberdade condicional inerente a crime de idêntica natureza; o seu modo de atuação traduziu-se numa acentuada censurabilidade e sendo também de relevar as elevadas necessidades de prevenção geral e de prevenção especial constatadas in casu;
5 – Ademais, verificamos pela análise do douto acórdão impugnado, que todas as operações lógicas de determinação da medida da pena foram, não só respeitadas como devidamente fundamentadas, com ponderação de todos os fatores suscetíveis de, in casu, determinar quais as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir e a culpa manifestada nos atos pelo agente, não merecendo, por isso, em nosso entender, qualquer reparo;
6 – Concluindo, entendemos que perante o quadro factual e jurídico descrito pela decisão recorrida, não é excessivamente dura nem desproporcional a pena aplicada em concreto;
7 - Por conseguinte, afigura-se-nos dever ser negado provimento ao recurso interposto e não evidenciando motivos de censura a decisão recorrida, a qual, sublinhe-se, não violou qualquer das normas jurídicas indicadas na douta motivação.”
*
O assistente também apresentou resposta ao recurso do arguido, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida na integra.
*
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição do Ministério Público na primeira instância.
*
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
*
Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
*
2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
À luz destes considerandos, são as questões que cumpre decidir:
- Vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal;
- Erro de julgamento;
- Qualificação jurídica dos factos apurados;
- Medida da pena;
- Suspensão da execução da pena de prisão;
- Montante da indemnização cível.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:
2.1. Matéria de facto provada
Da discussão da causa, e com relevo para a decisão da mesma, resultaram demonstrados os seguintes factos (sendo que apenas será feita referência à matéria de facto que não seja matéria inócua, meramente conclusiva ou de direito ou que constitua repetição ou simples negação dos factos constantes da acusação ou que se reporte a meios de prova; a título de exemplo, é conclusiva a referência a actos “sexuais” constante da acusação, assim como a referência de que “não obstante, a condenação a pena de 3 anos de prisão, se verifica que tal condenação não lhe serviu de suficiente advertência contra o crime, tendo inclusive desrespeitado as aludidas obrigações impostas, voltando a cometer ilícitos criminais no período da liberdade condicional que lhe foi concedida”; do mesmo modo é conclusiva a menção a que o demandado tenha “Colocado (…) em causa a saúde, o bem-estar, e a honra da ofendida/demandante” referida no pedido civil; e ainda referências da contestação tais como “Todos os demais factos dos quais o Arguido vem acusado são efabulação dos intervenientes” ou “a Menor encontra-se claramente a ser manipulada pelos adultos – em concreto pelo seu progenitor – para relatar mais do que aquilo que se passou”):
Da acusação
1. A menor CC, nasceu em …, tem 14 anos de idade, é filha de BB e de DD e reside habitualmente na casa do seu progenitor, sita na ..., em ..., deslocando-se aos fins de semana à casa da sua mãe, sita na ..., no ..., onde permanece na companhia da família paterna no R/CH dessa habitação.
2. A menor CC apresenta comprometimento ao nível de aquisição das competências, evidenciando défice cognitivo, grande infantilidade, baixa autoestima e pouca confiança em si mesma, bem como fragilidades ao nível da atenção, concentração e memória, tendo sido classificada como uma aluna com necessidades educativas especiais.
3. A progenitora da menor conhece o arguido AA há mais de 6 anos, conversando com o mesmo através da rede social Facebook, tendo começado a manter com o mesmo um relacionamento de amizade.
4. A menor CC já conhecia o arguido AA embora não tivesse proximidade com o mesmo ou uma relação de confiança.
5. No fim-de-semana de 23 e 24 de julho de 2022, a menor CC deslocou-se na companhia do seu progenitor e demais agregado familiar para a dita habitação, sita no ... e como a sua mãe se encontrava de folga da sua atividade laboral, no dia 25 de julho, o pai deixou-a ficar no ..., nos dias 25 e 26 de julho.
6. No dia 25 de julho de 2022 como DD havia marcado para a tarde desse dia, um encontro com o arguido AA decidiu levar consigo a menor CC.
7. Uma vez na companhia da menor, DD deslocou-se de transportes públicos do ... até Lisboa, tendo-se encontrado com o arguido AA, nos jardins do ..., em Lisboa, cerca das 16h50m.
8. Uma vez aí chegados, o arguido AA passeou pelo parque do ... com DD e com a menor CC.
9. Em seguida, o arguido AA, DD e a menor jantaram no ..., situado no ... e cerca das 22h00 decidiram regressar a casa, tendo o arguido AA se oferecido para as acompanhar.
10. Para o efeito, entre as 22h30m e as 22h45m, o arguido AA, DD e a menor deslocaram-se para a estação metropolitana - “Metro”, efetuando o percurso da linha … entre a estação “...”, com destino à estação “...”.
11. Uma vez no interior da carruagem do Metro, sentaram-se num banco corrido de três lugares que aí se situava, tendo ficado a menor CC sentada no banco central, ladeada à sua direita pelo arguido AA e no lado esquerdo pela sua progenitora.
12. A dada altura quando seguiam na carruagem de metro, o arguido AA, que se encontrava sentado no lado direito da menor CC, aproximou-se e encostou-se ao corpo da menor, colocando o braço esquerdo em volta das costas do banco onde esta se encontrava.
13. Após, o arguido AA, verificando que a menor não tinha soutien vestido, introduziu a mão direita pela cava da camisola/top que a menor envergava e tocou na mama direita da menor CC, acariciando-a.
14. Em seguida, o arguido AA, prosseguindo com a sua conduta, voltou a colocar a sua mão sobre a sua mama direita da menor, acariciando-a, desta vez sobre a camisola que esta vestia, tendo a menor dito ao arguido que parasse com tal comportamento.
15. Em seguida, não conformado com a recusa da menor, o arguido AA colocou a sua mão direita entre as pernas da menor CC e começou a acariciar, com os seus dedos e por cima das calças que esta envergava, a púbis e a zona vaginal da menor, permanecendo, durante um lapso de tempo, não concretamente apurado a acariciar esta zona do seu corpo.
16. A menor CC tentava reagir a tais práticas, afastando o seu corpo do corpo do arguido AA, remexendo o seu corpo no banco, debruçando o tronco sobre as pernas e contraindo-as, de modo a impossibilitar que o arguido AA a atingisse com as mãos na sua zona vaginal, o que não logrou, tendo o arguido AA prosseguido com tal comportamento.
17. Durante a viagem que durou cerca de 20 minutos, o arguido AA, insistentemente, ora colocava a mão nas mamas da menor ora colocava a mão na sua zona vaginal acariciando estas zonas do seu corpo, várias vezes e de forma repetida, contra a vontade da menor.
18. Os comportamentos supra descritos foram visualizados por EE, passageiro que se encontrava no interior da carruagem e que de imediato começou a gravar um vídeo com o telemóvel que tinha na sua posse.
19. Incrédulo com o comportamento do arguido AA, EE pediu ajuda a FF, passageiro que se encontrava igualmente no interior da carruagem e pediu-lhe que se sentasse no lugar onde esteve sentado, para que este também presenciasse os factos, pedido ao qual este acedeu.
20. Entretanto, o arguido AA, DD e a menor CC saíram na estação “...” e mudaram para a linha azul, no sentido do “...”, tendo o arguido AA se despedido de ambas na plataforma e se ausentado do local.
21. Nesse momento, EE e FF também saíram na mesma estação e decidiram abordar DD, relatando-lhe o que ocorrera com a sua filha no interior da carruagem.
22. Uma vez que a menor CC negava o sucedido e a sua mãe desvalorizava o mesmo, FF e EE acionaram a PSP, tendo comparecido no local a agente da PSP HH.
23. Após a intervenção policial e confrontadas com a filmagem efetuada pelo passageiro acima identificado, a menor confirmou os factos e a sua progenitora decidiu apresentar queixa contra o arguido AA.
24. Em consequência da conduta do arguido AA, a menor CC ficou perturbada, emocionalmente instável, revivendo mentalmente, por diversas vezes, os factos ocorridos, provocando-lhe dor e sofrimento psíquico.
25. O arguido AA actuou de forma livre deliberada e consciente ao manter com a menor CC os actos acima descritos, agindo com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e com vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor, bem sabendo que agia contra a sua vontade e que colocava em crise os sentimentos de pudor e vergonha da mesma, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas.
26. Acresce que o arguido AA tinha plena consciência de que a menor CC tinha apenas 14 anos de idade e, não obstante, não se coibiu de praticar os actos supra descritos, contra a sua vontade, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais.
27. Mais sabia o arguido que os factos que praticou, com e sobre a menor CC, eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade desta e que tinham reflexos na esfera sexual da mesma.
28. Agiu o arguido, de modo deliberado, livre e consciente, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.
Do pedido de indemnização civil
29. Em consequência da conduta do arguido/demandado a menor sofreu tristeza, vergonha, medo e sentimentos de culpa, por não ter conseguido impedir a continuidade da situação.
30. O arguido/demandado provou na menor ansiedade, humilhação e um sentimento de mal-estar.
Da contestação
31. A menor vestia uma camisola de cava justa ao corpo, em que a cava da camisola está debaixo do seu braço, junto à axila.
32. Os braços do arguido – da axila até à ponta dos dedos da mão medem 60 (sessenta) centímetros, dos quais 16 (dezasseis) centímetros dizem respeito à sua mão – do pulso até à ponta dos dedos da mão.
Das condições pessoais do arguido
33. O processo de socialização do arguido AA decorreu em meio rural, em ..., inserido em agregado de condição socioeconómica modesta, constituído pelo casal e seis filhos.
34. O percurso até a adolescência foi marcado por grande instabilidade decorrente de quadro de violência doméstica protagonizada pelo pai, descrito como figura austera e agressiva em termos físicos e psicológicos para com o cônjuge e filhos.
35. O arguido AA frequentou a escolaridade de forma regular até concluir o 6º ano, o qual findou, por imposição do pai, tinha então 13 anos.
36. Em adulto, através do RVCC conseguiu concluir o 9º ano de escolaridade.
37. Iniciou a atividade profissional aos 14 anos como operário … e cerca de três anos depois, integrou laboralmente a fábrica da “...”, onde os pais também trabalhavam.
38. Em 2012 ficou desempregado e passou a desempenhar algumas atividades apenas quando era necessário.
39. Foi neste contexto que em regime de part-time desenvolveu atividade na Escola básica que frequentavam as vítimas, no processo que o levou ao contacto com o sistema de justiça, tendo cumprido uma pena de prisão de 3 anos, à ordem do processo n.º 1771/15.5GLSNT do Tribunal Judicial de Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 6.
40. Deu início ao cumprimento da pena em 18 de setembro de 2019 e saiu em liberdade condicional, tendo permanecido em acompanhamento da medida pela Equipa de Reinserção Social de Lisboa Penal 1, tendo início em 7 de dezembro de 2021.
41. Encontra-se atualmente detido no Estabelecimento Prisional da Carregueira e iniciou a prisão preventiva em 8 de agosto de 2022.
42. Manteve uma ligação afetiva relevante aos 20 anos e terminou ao fim de três anos quando a então namorada se deslocou para o estrangeiro, mantendo desde então alguns relacionamentos casuais.
43. Passou a centrar a sua atenção no cuidado dos pais à medida que estes iam perdendo autonomia.
44. Foi neste seguimento que foi permanecendo junto dos pais de quem cuidou até iniciar o cumprimento da anterior pena de prisão.
45. À data dos alegados factos supra referidos, o arguido AA encontrava-se em liberdade condicional e integrava a “...”, não havendo a possibilidade de permanecer no ... sua zona de referência, onde sempre viveu.
46. O arguido AA encontra-se sem qualquer enquadramento no exterior.
47. Os pais de quem foi cuidador, faleceram em …, assim como uma das irmãs.
48. Dos elementos da família de origem tem apenas como referência uma irmã que o chegou a visitar e que não tinha condições para o acolher, mas após esta sua nova prisão, nem esta irmã o tem atendido quando tenta estabelecer a chamada telefónica.
49. Com os outros irmãos não mantém um bom relacionamento.
50. Mantinha atividade laboral no âmbito de um protocolo existente entre a “...” e a ..., na área da jardinagem.
51. Mantinha apoio da ... na valência de psicologia para prevenção da reincidência ao qual ele aderiu, envolvendo-se no projeto terapêutico.
52. Quando em meio livre, o arguido AA não crê que tenha qualquer apoio familiar e que terá de recorrer a apoio institucional, não dispondo de condições para se reorganizar sem apoio.
53. No Estabelecimento Prisional da Carregueira tem mantido uma conduta adequada às normas e regras instituídas, não mantendo qualquer função laboral por se encontrar em prisão preventiva.
Dos antecedentes criminais do arguido
54. Por decisão de 14 de dezembro de 2016, transitada em julgado a 14 de junho de 2017, o arguido foi condenado pela prática, em 9 de maio de 2014, de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, na pena de 150 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento – processo n.º 207/14.3GCMFR;
55. Por acórdão proferido em 17 de janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 1771/15.5GLSNT do Juízo Central Criminal de Sintra e transitado em julgado em 6 de junho de 2029, o arguido foi condenado em cúmulo jurídico, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. no artigo 171.º, n.º 3, alínea b) do Código Penal e um crime de coação agravada, p.p. no artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal na pena única de três anos de prisão efetiva.
56. O arguido cumpriu a pena única de três anos de prisão efetiva a que foi condenado e de acordo com a liquidação da pena atingiria o seu termo em 18 de setembro de 2022.
57. Por decisão proferida em 7 de dezembro de 2021, no âmbito do Processo n.º 1907/19.7TXLSB-A, pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, foi concedida liberdade condicional ao arguido a partir de 10 de dezembro de 2021, ficando este obrigado, entre outras condições, a não estar desacompanhado junto de menores e inscrever-se em consulta de psicologia, manter conduta social adequada de acordo com a regras comummente vigentes e não cometer crimes.
2.2. Matéria de facto não provada
Da discussão da causa não resultou provada a seguinte factualidade constante da acusação/pedido de indemnização civil/contestação (mais uma vez se salientando que apenas será feita referência à matéria de facto que não seja matéria meramente conclusiva ou de direito ou que constitua simples negação dos factos constantes da acusação ou pedido de indemnização civil):
A - Que desde maio de 2022 a progenitora da menor tenha mantido um relacionamento amoroso com o arguido.
B - Que a progenitora da menor não se tivesse apercebido dos factos.
C - Que no momento referido em 13 o arguido tenha utilizado a sua mão esquerda e tenha apertado a mama da menor.
D - Que na sequência do referido em 13, a menor CC se tenha dirigido ao arguido e dito “pára com isso, se faz favor!”, tentando com que o arguido cessasse com tal comportamento e não alertar a sua mãe para o que estava a suceder, com receio da sua reação.
E - Que o arguido tenha ignorado o pedido da menor.
F - Que no momento referido em 14 o arguido tenha apertado a mama da menor.
G - Que no momento referido em 15 a menor tenha dito ao arguido para parar.
H - Que face ao referido em 17 a menor pedisse ao arguido que não o fizesse.
I - Que no momento referido em 22, a mãe da menor não acreditasse que o arguido AA pudesse ter tido tal comportamento com a sua filha.
J - Que o mau estar causado pelo arguido/demandado à menor tenha sido profundo.
K - O Arguido nunca foi namorado da progenitora da menor, nunca tendo tido com a mesma qualquer relacionamento amoroso, apesar do relacionamento de amizade que existia estar a aprofundar-se e existir a possibilidade de terem no futuro um relacionamento amoroso.
L - Que a menor CC conhecesse o arguido há vários anos concretamente porque este era amigo/conhecido de ambos os progenitores da menor, e existia proximidade entre ambos.
M - Inclusivamente noutras ocasiões em que a menor esteve com o arguido e com a sua mãe chegou a desabafar acerca dos problemas familiares que vivia e que era sujeita na casa do seu pai e da GG, companheira deste, que por sua vez é sua irmã, filha da sua mãe.
N - Nos bancos de três lugares do ..., os corpos dos passageiros tendem a ficar, naturalmente, encostados uns aos outros.
O - É fisicamente impossível que uma pessoa com um braço até aos dedos com 60 centímetros tenha introduzido a mão pela cava da camisola/top que a menor envergava e conseguisse tocar na mama direita.
P - Tendo em conta que a menor não andou no Metropolitano a levantar os braços, e tendo em conta que quando as pessoas estão sentadas os braços estão encostados ao longo do corpo e estão descaídos, não haveria possibilidade alguma do arguido ter conseguido introduzir a sua mão de homem, que se afigura gorda, pela cava da camisola.
Q - Muito menos para com os 60 centímetros do seu braço (reitere-se que os 60 centímetros incluem o comprimento do braço e a mão) passar por cima dos ombros da menor, meter a mão por dentro da cava da camisola justa e ir tocar na mama que se encontra no lado oposto – mama do lado direito.
R - Acresce ainda que em momento algum a menor disse ao arguido “pára com isso, se faz favor!”, até porque se tal tivesse acontecido a mãe da menor teria ouvido e apercebido.
S - O arguido unicamente colocou a sua mão direita na perna da menor, na zona da barriga, na zona do baixo-ventre e no início da zona púbica.
T - Sendo que os seus dedos nunca chegaram a tocar na zona vaginal da menor.
U - Todo o antebraço do arguido se encontrava esticado, o seu pulso encontrava-se direito e esticado sobre a zona da perna e da barriga da menor e os seus tendões e músculos não apresentam qualquer torção no sentido da sua mão estar para baixo, no sentido descendente na direção da zona da vagina da menor nem se encontra a fazer qualquer pressão ou força para conseguir atingir a zona vaginal da menor.
V - A menor durante toda a viagem esteve sempre com as pernas fechadas.
W - Se a menor se encontra sentada, com as pernas fechadas, esteja ela sentada com a coluna direita, esteja ela sentada com o tronco debruçado sobre as pernas, a zona vaginal da menor não fica acessível, ou seria preciso muita força e pressão para que tal acontece e a mão teria de ser colocada de cima para baixo, em sentido descendente – no sentido da barriga para a vagina.
X - Nada mais aconteceu do que o que está reproduzido no vídeo junto aos autos.
Y - Pelo visionamento das imagens dos autos é inequívoco que não existe qualquer perturbação, vergonha, pudor, vergonha, instabilidade emocional, dor ou sofrimento psíquico por parte da menor.
Z - Resultando exatamente o contrário, que a menor está descontraída, totalmente à vontade, à conversa com a sua mãe, a segurar e a mostrar-lhe um papel, atenta ao que está ao seu redor, como se nada se estivesse a passar.
AA - A menor não está contraída, rígida, não tem qualquer expressão de vergonha, vexame, pudor ou incómodo, medo, susto, retração, constrangimento, perturbação ou instabilidade nem emocional nem sequer física.
BB - A menor quando se despediu do arguido finda a viagem de metro lhe deu dois beijinhos e um forte abraço.
2.3. Motivação da decisão de facto
Tendo presentes os princípios fundamentais da prova em processo penal, e designadamente o ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova, salvo diferente disposição da lei, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, cumpre explicitar o processo de formação da convicção deste tribunal relativamente à matéria de facto, sendo certo que se formou a convicção no que respeita à factualidade considerada como demonstrada na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum dos seguintes elementos de prova:
Iniciando, desde logo, pela prova pré-constituída e documental junta aos autos, temos a considerar, desde logo, o expediente elaborado pela PSP com a notícia do crime, que nos situa temporalmente no momento em que aquela força policial foi chamada para intervir na situação, onde foram logo identificados os seus intervenientes.
Do auto de diligências iniciais de fls. 10 resulta que foi entregue à PSP o pequeno vídeo filmado pela testemunha EE, sendo que o auto de visionamento de imagens de fls. 13 resulta já da visualização desse mesmo vídeo, do qual foi retirado o fotograma aí junto.
Ora, da análise deste fotograma é possível perceber que quem filma se encontra sentado em frente do arguido, da ofendida e da sua mãe, bem como as posições em que estes três se encontravam sentados na carruagem do metro. Também é perfeitamente percetível que, enquanto a mãe da menor se encontra, naquele momento, a olhar para o telemóvel, o arguido tem o seu braço esquerdo esticado na parte de cima do banco, passando a menor e podendo até chegar à mãe desta. Já o braço direito, estando o arguido desencostado do banco e ligeiramente inclinado para a frente, está claramente colocado junto à zona pélvica da menor, a qual se encontra debruçada para a frente e com o cabelo a tapar a mão direita do arguido.
Mas analisando os pouco mais de 30 segundos que tem o vídeo em causa – e que todos os intervenientes processuais aceitaram e pretenderam utilizar como meio de prova, incluindo o arguido para a sua defesa, como expressamente decorre da sua contestação – é visível mais do que essa posição estática capturada a fls. 13.
Naturalmente que o que resulta deste vídeo (de muito curta duração) terá, ainda, de ser analisado de forma conjugada com as declarações prestadas pela menor para memória futura, bem como pelo depoimento das testemunhas EE e FF. Mas, melhor que no fotograma, no vídeo é manifesto que o arguido para além de estar com a mão direita na zona pélvica da menor, está a efetuar movimentos com o braço, os quais cessa quando a menor muda ligeiramente de posição, para os retomar logo de seguida, movimentos estes inteiramente compatíveis com aquilo que as testemunhas descreveram que presenciaram (movimentos de quem está a massajar a vagina da menor como que num acto de masturbação). No vídeo também é percetível que a mãe da menor não esteve sempre ocupada com o telemóvel, tendo estado virada para a menor e mesmo a falar com ela, enquanto os factos ocorriam.
O documento de fls. 26 a 32 dos autos revela que com a idade de 8 anos, de acordo com a avaliação do psicólogo clínico subscritor, a menor apresentava comprometimento ao nível da aquisição das competências, evidenciando défice cognitivo. Este relatório foi elaborado essencialmente para efeitos escolares, todavia, o mesmo está de acordo com as avaliações posteriores realizadas à menor, incluindo a avaliação psiquiátrica da mesma à data subsequente à ocorrência dos factos, em que continua a assinalar-se o défice cognitivo.
Ao nível da prova pré-constituída há também a considerar a informação junta aos autos por parte do ..., datado de 20 de abril de 2023, e subscrito pela psicóloga II, no qual se refere que a menor «iniciou o seu percurso escolar no nosso Agrupamento no segundo semestre (fevereiro) do ano letivo 21/22, quando frequentava o 8.º ano de escolaridade (…).
Percorrendo a história escolar da aluna salienta-se que veio transferida do ..., onde iniciou o jardim de infância (12/13) – consta que fez boa adaptação e interacção. Nesta fase não foram registadas quaisquer situações significativas ao nível do seu desenvolvimento à exceção das dificuldades articulatórias. Foi então avaliada em terapia da fala (diagnóstico de Atraso Ligeiro do Desenvolvimento da Linguagem) e foi acompanhada, regularmente, logo a partir de dezembro de 2012. Sendo evidente a sua evolução, face aos resultados obtidos também teve recomendação de continuação do acompanhamento.
No primeiro ciclo viria a ficar retida no 2.º ano (15/16), mas ficou na mesma turma e sempre com a mesma ... até à conclusão do terceiro ano. Dadas as suas caraterísticas das aprendizagens realiza-se uma avaliação psicológica (março 2015) onde consta que a CC apresenta Défice de Atenção e concentração, fragilidades significativas ao nível da memória e da sua capacidade grafo-percetiva. Nesse final de ano referenciada à Educação Especial foi posteriormente enquadrada no âmbito da respetiva legislação e passou a beneficiar de apoio regular por parte do docente de educação especial. No segundo ciclo (18/19 e 19/20) foram evidentes as dificuldades sentidas durante o confinamento e com a legislação em vigor passou a beneficiar de todas as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão consideradas adequadas e que melhor acompanharam o seu percurso desde então.
Presentemente a aluna apresenta fragilidades significativas ao nível da sua atenção e memória, ritmo e rigor de realização. Necessita regularmente de ser relembrada das datas de entrega e realização das tarefas. Na sala de aula aparenta estar atenta, embora possa permanecer alheada. Apresenta dificuldades na realização e conclusão das tarefas no tempo esperado, mostra-se tendencialmente lenta. É autónoma no seu dia-a-dia. Nas atividades escolares apresenta frágil capacidade de iniciativa e continua pouco participativa. Ao longo do seu processo de aprendizagem persiste uma atitude reservada, passiva e um sentido de responsabilidade frágil.
A jovem no seu desenvolvimento continua com dificuldades quer ao nível da comunicação, quer ao nível da reflexão sobre as suas vivências atuais e anteriores. Desvaloriza a identificação das situações problema, não equaciona as consequências, e aparentemente não altera significativamente as suas decisões. Nesta fase encara com grande proximidade e entusiasmo a relação com pares do sexo oposto expondo-se a comportamentos de risco, pouco ou nada calculados.
O pai/EE assumiu sempre com a Escola uma atitude adequada e colaborativa face às solicitações da escola, mostra-se atento e disponível para acompanhar a CC. Disponibilizou-se para concretizar o acompanhamento médico garantindo a abordagem mais adequada ao nível da sua saúde, planeamento familiar essencial nesta fase da adolescente. Para a CC o pai é sentido como uma figura protetora e securizante.
Parece-nos fundamental equacionar a possibilidade de a jovem beneficiar de um acompanhamento psicológico clínico regular, fora do contexto escolar, para facilitar o seu equilíbrio e bem estar emocional, promovendo a sua evolução positiva. No próximo ano letivo a CC deveria frequentar um curso profissional, numa área do seu interesse, beneficiando com a sua melhor estabilidade”.
Acresce o relatório pericial psiquiátrico relativo à menor, elaborado pelo INML, e junto aos autos em 24 de abril de 2023, onde se conclui:
“A CC apresentou-se como uma jovem calma e participou na entrevista de forma adequada e colaborante.
Visando responder ao vosso pedido, acerca:
a) Se a menor padece de doença que afete a sua capacidade intelectual e de perceção da gravidade dos atos;
CC apresenta um défice cognitivo ligeiro, que condiciona a capacidade da jovem se defender assim como também, causa uma maior imaturidade e desconhecimento acerca das temáticas de índole sexual. CC relatou nunca ter tido nenhuma aproximação ou contacto íntimo com outra pessoa. Os factos de a jovem descrever a situação relatada como “me tentaram violar” (sic), demonstra por um lado a inexperiência da jovem nestas temáticas assim como a violência e agressividade que os eventos significaram para ela.
b) Se os comportamentos aos quais a menor foi sujeita afetaram psíquica e mentalmente a menor e em caso afirmativo de que forma e com que intensidade;
Da avaliação realizada, considera-se que CC apresenta, segundo o Manual Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM5), de uma Perturbação de Stress Pós-Traumático 309.81 (F43.10), sendo os alegados abusos sofridos os eventos estressores e desencadeantes desta patologia. Para além desta perturbação, evidenciaram-se algumas características de depressibilidade na jovem, corroboradas com as informações do pai e da própria que iniciaram após os eventos, pelo que se pode considerar que a mesmas são secundárias ao evento.
c) Descrição do desenvolvimento e da organização da personalidade da menor anterior e posterior ao suposto abuso;
A perita não se consegue pronunciar retrospetivamente acerca da personalidade da jovem.
Acerca da organização de personalidade atual de CC, a jovem apresenta traços de introversão que condicionam certa fragilidade emocional. Insegurança, baixa auto-estima e desconfiança perante o outro, nomeadamente perante figuras do género masculino.
Considera-se positivo que a jovem beneficie de apoio psicológico, não parecendo, na atualidade, existir necessidade de tomar psicofármacos.
d) Qual foi a influencia e consequências dos factos a que a menor foi submetida na sua personalidade e os prejuízos emocionais, comportamentais associados ao alegado abuso;
Respondido nos pontos b e c.
e) Se a menor apresenta capacidade para relatar os factos a que foi submetida e desta forma depor como testemunha.
Apesar das limitações cognitivas, CC tem capacidade suficiente para se expressar, tendo um discurso compreensível. Parece importante que as perguntas sejam simples e concretas para facilitar a sua expressão. No entanto, e tal como já referido, a jovem expressou saturação e uma grande exposição da sua pessoa e intimidade em cada um dos momentos de inquirição, pelo que é importante evitar uma vitimização secundária. Caso se considere fulcral o seu testemunho, deverá ser salvaguardada do contato com o alegado abusador, visando evitar um recrudescimento dos sintomas.
Este relatório pericial – salientamos que se trata de prova pericial e, como tal, subtraída à livre apreciação do julgador, dados os conhecimentos científicos cujo conhecimento é exigido – revela particular importância para a prova dos autos, dado que, desde logo, vem confirmar que a menor sofre de um défice cognitivo, detalhando os problemas de saúde psiquiátrica de que a mesma padece, tal como já assinalado em anteriores relatórios, incluindo um elaborado quando a menor tinha 8 anos de idade. Trata-se, pois, de uma problemática, pré-existente e que acompanhou a menor ao longo do seu crescimento.
Por outro lado, também nos transmite que, de acordo com a avaliação psiquiátrica, a menor tem capacidade suficiente para se expressar, tendo um discurso compreensível, o que assume relevo para a valoração das declarações que a mesma prestou para memória futura.
Por fim, o relatório pericial serviu de sustentação à prova das consequências que estes factos tiveram na menor, sendo que os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita em audiência de julgamento foram bem claros quanto às dúvidas e questões suscitadas pela defesa do arguido, que procurou descredibilizar este relatório pericial, sem sucesso.
A esse propósito, merece-nos uma nota sobre a invocada contradição existente entre este relatório pericial psiquiátrico, onde se afirma que a menor apresenta traços de introversão que condicionam certa fragilidade emocional. Insegurança, baixa auto-estima e desconfiança perante o outro, nomeadamente perante figuras do género masculino (o que, aliás, também foi confirmado por testemunhas inquiridas) e a afirmação constante do relatório psicológico remetido aos autos pelo ..., elaborado em data próxima do relatório pericial, onde a psicóloga responsável pela sua elaboração fez consignar que a menor continua com dificuldades quer ao nível da comunicação, quer ao nível da reflexão sobre as suas vivências atuais e anteriores, desvaloriza a identificação das situações problema, não equaciona as consequências, e aparentemente não altera significativamente as suas decisões, sendo que nesta fase encara com grande proximidade e entusiasmo a relação com pares do sexo oposto expondo-se a comportamentos de risco, pouco ou nada calculados.
Sem prejuízo de não se poder tentar comparara o valor de um relatório pericial elaborado por uma perita psiquiatra e um relatório elaborado por uma psicóloga, parece ter-se entendido que a afirmação feita no relatório pericial de que a menor apresenta traços de desconfiança perante o outro, nomeadamente perante figuras do género masculino, é contrária à afirmação do relatório elaborado pela psicóloga da escola, que afirma que a menor nesta fase encara com grande proximidade e entusiasmo a relação com pares do sexo oposto.
É que uma coisa é afirmar que a menor se sente desconfiada na presença de figuras do género masculino, designadamente figuras do género masculino de idade próxima à do arguido (um homem de 56 anos) e outra totalmente distinta é a menor encarar com entusiasmo a relação com pares do sexo oposto da sua idade (jovens de 14 anos).
Perante a experiência vivenciada, a menor não tem razões para, do ponto de vista do seu comportamento, temer os pares do sexo oposto (ainda que pareça que face às suas fragilidades possa não avaliar devidamente o risco dessas relações, próprio destas idades, como será o caso de relacionamento sexuais precoces com tudo o que isso pode implicar). O que a menor tem motivos para temer ou repudiar são comportamentos de adultos do sexo oposto, com os quais não se identifica e que pode associar à experiência que teve com o arguido (daí, por exemplo, o seu irmão, uma pessoa bastante mais velha que a menor e mais próximo da idade do arguido, também afirmar que passou a sentir a menor mais retraída na sua presença).
Não existe, assim, entre os dois relatórios – ainda que um deles seja uma perícia psiquiátrica e o outro apenas uma avaliação psicológica – qualquer contradição, caso queiramos interpretar devidamente o significado dos mesmos e o contexto específico em que foram elaborados.
Por fim, quanto à prova já existente nos autos, assumem relevo maior as declarações prestadas pela menor para memórias futura, as quais, ao contrário do que sucede na grande maioria de situações análogas, em que a prova normalmente apenas se limita ao confronto das declarações prestadas pela menor e pelo arguido, no caso temos até testemunhas que presenciaram os factos, assim como um pequeno filme de parte da ocorrência.
Em qualquer dos casos, as declarações prestadas pela menor foram-no de forma clara, isenta e sincera, dentro daquele que é o normal constrangimento de um menor que se vê confrontado a prestar declarações sobre este tipo de comportamentos de cariz sexual, particularmente quando estamos a falar de uma menor com um ligeiro défice cognitivo (mas que, como afirmado no relatório pericial psiquiátrico, tem capacidade para relatar o que consigo sucedeu, como facilmente se constata pelo relato que a mesma fez dos factos).
Nestas declarações a menor começar por afirmar que “tentaram violá-la”, afirmação que é explicada pela perícia por estar de acordo com as caraterísticas específicas da menor (o seu ligeiro défice cognitivo e imaturidade levam-na a expressar deste modo este episódio).
Em síntese, nestas declarações, a menor relatou que foi visitar a mãe e depois foram passear as duas com o arguido, que era um amigo da mãe. Explicou que vieram do ... para Lisboa de barco, almoçaram no ... e encontraram-se à tarde com o arguido, com quem passaram a tarde. Depois acabaram por apanhar o mesmo metro os três.
Referiu que o arguido era amigo da mãe e que já tinham estado outras vezes juntos no ....
No metro sentaram-se juntos num banco, ficando ela no meio, com o arguido do lado direito. Depois, durante a viagem o arguido mexeu-lhe nas mamas, por cima da roupa, e na zona vaginal, por cima da roupa. Foi algo insistente. Disse para o arguido parar e ele não parou e continuou a mexer-lhe na vagina.
Acha que a mãe não reparou no que estava a acontecer.
Sentiu-se mal com estes factos, que duraram toda a viagem de metro, em que o arguido tanto lhe mexia no peito como na vagina.
As pessoas que estavam sentadas à frente deles confrontaram-nas depois com os factos, e ela inicialmente não confirmou porque tinha medo de que depois houvesse problemas entre o pai e o arguido ou entre o pai e a mãe.
Atualmente pensa nisto muitas vezes e sente-se mal.
Esclarecendo, disse que trazia um top e calças de ganga vestidos, que primeiro o arguido lhe meteu uma mão por dentro da camisola e mexeu no peito. Depois tocou-lhe no peito e na vagina, mas por cima da roupa.
Como se havia referido já, estas declarações para memória futura não só são avalizadas, no que tange com a capacidade da menor relatar os factos de forma clara, como também são depois corroboradas pelas demais prova produzida, designadamente aquela a que acima já se fez menção e à prova testemunhal a que agora nos referiremos.
Assim, a testemunha DD, mãe da menor, confirmou que conhece arguido há cerca de 6/7 anos, que eram amigos, mas não tinham ainda uma relação amorosa. Relatou que no dia dos factos combinou um encontro com arguido em ... e levou a sua filha. Foram passear ao jardim do ..., foram comer e depois apanharam o metro para o .... Entraram na estação do ..., seguindo na linha verde e depois na linha azul.
A viagem correu bem e não se apercebeu de nada. Estavam sentados em três lugares, estando a menor no meio dela e do arguido. Vinham a falar bem os três, na brincadeira. O arguido dizia que estavam quase a separar-se e que já estava com saudades. A testemunha alguma parte do caminho ia ao telemóvel.
Disse que não foi por nenhum motivo especial que a filha se sentou no meio e que não se apercebeu de o arguido tocar fisicamente na filha. Só se apercebeu de ele ter o braço por cima do banco.
A sua filha não conhecia bem o arguido, só o tinha visto há uns anos, quando ela era mais pequena.
Confrontada com o fotograma de fls. 13, afirmou que não se apercebeu que o arguido tinha a mão na perna da filha.
Esclareceu que a filha estava muito em cima dela, porque estava a ver o telemóvel dela.
Havia pessoas sentadas à frente. Não se apercebeu que estava a ser filmada.
Depois saíram na estação ... e o arguido foi à vida dele. A sua filha despediu-se do arguido normalmente.
Em seguida foram abordadas por dois senhores na entrada da linha azul, que lhe perguntaram se ela não se apercebeu o que o arguido estava a fazer à filha. Como não os conhecia, pensou que queriam alguma coisa dela e mandou-os ir embora. Eles foram sempre atrás dela. Seguiram com ela no metro até ao ..., onde saíram todos, e onde eles falaram com o segurança, que disse que tinha que esperar pela PSP. Esperaram pela PSP. Perguntou sempre à filha se se passou alguma coisa e ela que negou. Sabe que depois confirmou a uma agente da PSP. Depois foram formular a queixa.
Só viu o vídeo quando foi chamada à Polícia Judiciária.
Depois dos factos notou que a menor estava revoltada, com um comportamento diferente, quando convive com outras pessoas fica retraída, fecha-se muito no quarto dela.
Esclareceu que durante o percurso o arguido deu um beijo no ombro da menor, quando disse que já estava a ficar com saudades delas. Era muito carinhoso com ela. Não se recorda se a menor tinha soutien vestido, mas com aquela camisola era natural que não tivesse.
Esta testemunha não podemos afirmar que tenha sido totalmente objetiva na descrição dos factos, pois no confronto com a demais prova produzida, não se se veio a apurar que já tinha levado a menor a outros encontros com o arguido, como durante a ocorrência dos factos estava em condições de se aperceber do sucedido, tanto mais que sabia que o arguido já tinha estado preso, ainda que tenha afirmado desconhecer porque tipo de criminalidade, facto que, pelo que resultou da restante prova, era do conhecimento geral.
Do depoimento da mãe da menor resulta, pois o contexto especial e temporal em que os factos ocorreram, sendo que no mais tudo indica que a mesma, porventura para agradar ao arguido, com quem referiu pensar vir a ter uma relação amorosa, tenha ignorado o comportamento que este manteve com a sua filha.
O demandante JJ foi ouvido à matéria do pedido de indemnização civil, tendo esclarecido que conhecia o arguido há cerca de sete anos, por ser amigo do cunhado. Era sabido de todos os motivos porque o arguido tinha estado preso e já tinha avisado a mãe da menor porque não queria que esta estivesse nos mesmos locais que o arguido.
Afirmou que a menor CC, que vive consigo, era alegre e dava-se bem com toda a gente e que atualmente se isola muito e é revoltada.
Confirmou que a menor tem acompanhamento na escola com a psicóloga.
Naturalmente que o demandante não presenciou os factos, logo as suas declarações assumem relevo principalmente para a matéria do pedido de indemnização civil, sendo que também existem documentos e a perícia psiquiátrica a suportar essa factualidade.
A testemunha EE, de forma isenta, sincera e totalmente honesta, relatou que ia no metro sentado em frente ao arguido e à menor e que foi ele que fez o filme junto aos autos. Estava a vir do ... e apanhou o metro em direção aos Anjos. Estava ao telemóvel e sentou-se no metro com os três bancos à frente, onde estava o arguido, a menor e a senhora.
A determinada altura olhou para a frente e viu que o arguido tinha o braço esquerdo até à senhora, como se fosse um casal. Mas tinha a mão direita nas partes íntimas, na zona genital da menor, como se a estivesse a masturbar, de forma frenética. E com essa mesma mão direita passava com as mãos no peito da menor.
Percebia-se claramente que o arguido estava a ter prazer naquilo, estava vidrado naquilo que estava a fazer, de tal forma que quase que se desligou daquilo que estava à sua volta.
A testemunha estava perplexa com aquilo e pegou no telemóvel e filmou uma parte. Como não estava confortável a filmar outras pessoas, enviou uma mensagem a amiga a contar o sucedido, que lhe disse para arranjar testemunhas. Foi então que se aproximou-se do FF, pessoa que estava noutra carruagem e contou o que se estava a passar e disse para o ajudar. Ele foi sentar-se no mesmo banco onde ele estava e foi lá observar. Depois falaram e confirmaram que ambos presenciaram o mesmo, pelo que optaram por chamar a polícia.
Considerando que entraram na estação do ..., isto deve ter durado 15 minutos, pelo que presenciou. Notava-se que a menor não estava confortável, que fazia gestos para se proteger. Não se apercebeu de a mãe estar a falar ao telemóvel.
Disse ao FF para ligar para PSP, mas como a polícia não veio logo, decidiram afastar-se deles e ver até onde iam. Decidiram segui-los para depois acionar a polícia. O arguido ficou na ... e a menor e a mãe seguiram para o ... e foram atrás delas, para abordarem a mãe.
O FF estava a falar com a polícia e abordaram a mãe e perguntaram se ela tinha consciência do que estava a acontecer, a mãe disse que não aconteceu nada, que não se passou nada e para a deixarem em paz. Entretanto, chegou a polícia.
Esclareceu que estava pouca gente na carruagem e que o que viu foi tudo por fora da roupa. Conseguia ver onde estava a mão do arguido, que estava na zona genital. Estava na zona em que fazia masturbação à menor. Eo que viu foi apalpões nos seios e não simples toques.
A testemunha FF, igualmente de forma escorreita e precisa, explicou que estava no metro quando, a determinada altura, a testemunha EE, que não conhecia, foi ter com ele e disse-lhe que estava ali uma situação séria a acontecer. Não se recorda exatamente da conversa. Seguiu-o e ainda antes de se sentar percebeu o que se estava a passar e sentou-se à frente deles, para ver se aquilo parava, mas o arguido continuou.
O arguido estava meio debruçado sobre a menor e estava com a mão direita nas partes íntimas, na zona genital da menor. A menor estava retraída, tinha uma malinha em cima das penas, mas via-se claramente a mão direita do arguido naquela zona.
O olhar da menor era de vergonha e medo e notava-se que ela estava a tentar esconder para não dar nas vistas. A mãe às vezes olhava, e viu, sorria nervosamente.
Foi ter com a testemunha EE e falaram sobre o que fazer. Ligou à polícia, mas desligaram várias vezes. Mas quando chegaram à baixa Chiado eles saíram e seguiram-nos. Foram para a linha azul e aí o homem despediu-se quando chegou o metro e elas entraram no metro. Foram atrás delas para ....
Ainda na linha azul decidiram abordar a menor, e ela tinha um olhar de medo, mas com esperança. A menor não falava nessa altura. A mãe negava, a dizer que o arguido era o pai dela, que estavam a brincar.
Precisou que o olhar do arguido era de estar numa situação de prazer. Mesmo quando se sentou e atirou a mochila para o banco, o arguido não mudou sobremaneira, talvez se tenha acalmado um pouco, mas manteve o “olhar esgazeado” e voltou ao mesmo comportamento.
Diga-se que os depoimentos das duas testemunhas agora referidas não são o resultado de meras convicções subjetivas dos próprios quanto àquilo que presenciaram, porque, por exemplo, se referiram às expressões dos envolvidos, quando todos usavam máscaras (devido à pandemia de Covid). Com efeito, o facto de uma pessoa utilizar uma máscara, como aliás foi por toda a população vivenciado, cobre-lhe, efetivamente, uma parte do rosto, mas não impede que esteja visível a zona dos olhos e que sejam apreensíveis as expressões de tristeza, alegria ou outras. Aliás, se visualizarmos o curto vídeo junto aos autos tem-se logo aí uma noção da forma como cada um dos intervenientes estava a vivenciar aquela experiência.
Do mesmo modo, pelo facto de a menor não se ter retirado do local, não ter fugido, não ter pedido ajuda, não se pode concluir que nada lhe estava a acontecer. Com efeito, o comportamento das vítimas deste tipo de crimes de natureza sexual está longe de ser algo linear, lógico e sempre consistente.
Na verdade, respeitando os factos a matéria do foro sexual, estamos sempre perante algo altamente sensível. E mesmo quando as vítimas parecem ter um comportamento em “que nada se passou”, não seria um fenómeno estranho à realidade de uma vítima de violência sexual.
As reações das vítimas são sempre individuais, subjetivas e dependem de caso para caso, o normal é existirem muitos constrangimentos associados a estas realidades, como sentimentos de negação e culpa, que justificam muitos comportamentos que, à partida, podem ser considerados pouco comuns., quando na verdade não o são
Como salienta a APAV, in https://www.apavparajovens.pt/pt/go/como-se-sente-a-vitima, “o impacto da violência sexual pode ser sentido sobretudo ao nível emocional, podendo surgir emoções negativas variadas:
- choque (especialmente quando a violência sexual é cometida por alguém que se conhece ou em quem se confiava);
- raiva (da pessoa que cometeu a agressão e (erradamente) de nós mesmos, por não termos conseguido evitá-la);
- culpa pelo que aconteceu (como se a responsabilidade fosse nossa, apesar de não ser);
- ansiedade ou medo constante (ligados a pensamentos e recordações frequentes em relação ao que aconteceu);
- sentirmo-nos sem valor (deixarmos de gostar de nós mesmos);
- tristeza profunda (sentir que a vida não tem significado ou propósito);
- receio de que a experiência se repita;
- receio de estar sozinho/a;
- receio do/a agressor/a;
- medo que algo de mau aconteça ao/à agressor/a (especialmente quando o/a vítima e o/a agressor/a se conhecem);
- vergonha de contar o que se passou;
- medo que ninguém acredite no que contamos;
- medo de ficar “marcado/a” para sempre (como se não fosse possível recuperar da experiência)” (sublinhado nosso).
Estes tipos tão variados de «sentir» os factos e as suas consequências, podem explicar facilmente o comportamento comprovado da ofendida enquanto os factos ocorriam e após a primeira abordagem feita pelas testemunhas, muito em particular quando estamos a falar de uma menor que dada a sua idade e caraterísticas pessoais já terá alguma dificuldade em assimilar o sucedido, que ocorreu na presença da sua mãe, que não só nada fez para impedir o sucedido (desconhecendo-se se se apercebeu do que ocorreu, mas o certo é que perante os factos a menor poderá ter-se-á sentido desprotegida, já que a sua mãe permitiu que se sentasse entre ela e o arguido e, de facto, nada vez para impedir o que se passava) como desvalorizou os factos quando as duas testemunhas foram falar com elas.
Nestes termos, destes depoimentos, conjugados com as declarações para memória futura, resulta cabalmente demonstrado que os factos ocorreram tal como se deu como comprovado. O arguido, tendo tido oportunidade, decidiu praticar os factos, dos quais retirava prazer, ao ponto de se alhear do que estava à sua volta.
A perita KK, perita do INMLCF prestou esclarecimentos à perícia psiquiátrica realizada à menor, tal como havia sido solicitado pela defesa do arguido, esclarecimentos esses claros e bem explícitos do ponto de vista das técnicas utilizadas na realização da perícia e conclusões alcançadas, que resultaram totalmente confirmadas, tal como já constava do respetivo relatório pericial junto aos autos.
A testemunha LL, irmão da menor, respondeu à matéria do pedido de indemnização civil, referindo que a menor tem medo de socializar, sendo que mesmo com ele, é diferente, agora tem mais receio. Vai lá a casa com frequência e a menor costuma estar junto deles, mas refugia-se quando são situações de estar sozinha com homens.
A testemunha MM, psicóloga, afirmou conhecer o arguido por estar integrado na associação ..., onde trabalha e onde o mesmo era seguido, tendo descrito o percurso positivo que o arguido estava a desenvolver, no âmbito da liberdade condicional e da sua integração naquela instituição, designadamente através do acompanhamento psicológico que lhe foi fornecido.
O tribunal não põe em causa o depoimento da Sra. Psicóloga que acompanhava o arguido, sendo que o facto de o mesmo estar a ser seguido e acompanhado e até se estar a perspetivar que pudesse ter uma reintegração social positiva, não contende com o facto de, confrontado com a possibilidade de praticar os factos, o arguido não ter, uma vez mais, optado por sucumbir aos seus instintos libidinosos e ao prazer sexual que tem com menores (como decorre já da anterior condenação sofrida).
Face à prova, assim produzida, os factos ocorreram tal como se considerou provado, tendo sido os mesmos não só relatados pela menor, como confirmados pelas duas testemunhas que os presenciaram, bem como pelo relatório pericial psiquiátrico, sendo que as consequências desses factos para a menor também são claras, tendo as mesmas ocorrido após este evento, que lhe causou a sintomatologia descrita no relatório pericial (própria do stress pós traumático, o qual tem diferentes naturalmente), e que, como resulta das regras da experiência comum, veio a agravar as fragilidades de que a menor, por si só e dadas as suas caraterísticas pessoais, já padecia.
Nenhuma prova foi produzida que contrariasse as conclusões a que o tribunal chegou, pese embora as tentativas feitas pela defesa do arguido nesse sentido. Quanto a este particular, não poderá deixar de se salientar que já após a produção de prova o arguido (que inicialmente se remeteu ao silêncio) quis esclarecer que efetivamente tinha a sua mão direita na zona do baixo ventre da menor, mas quando questionado acerca do motivo pelo qual tinha a sua mão nessa zona do corpo da menor, disse que o fez por amizade e carinho, como se se tratasse de um abraço. Confrontado com o facto de não estar a abraçar a menor, acabou por afirmar que simplesmente tinha o braço ali...
Como facilmente se constata, nem o arguido conseguiu dar uma explicação lógica ou razoável mesmo para o comportamento que assumiu. O arguido era um conhecido pouco chegado da menor e sentiu-se à vontade para lhe colocar a mão naquilo que apelida de «baixo ventre», sem conseguir explicar, o que na realidade não tem outra explicação que não o facto de o arguido retirar prazer destas condutas.
Salienta-se que o Tribunal considerou também o teor do relatório social do arguido, bem como o do seu certificado de registo criminal, e documentos juntos aos autos relativos à anterior condenação sofrida em pena de prisão efetiva, incluindo a decisão que lhe concedeu a liberdade condicional.
Já a convicção do tribunal quanto aos factos dados como não provados resultou da ausência de elementos de prova suficientes para confirmarem a sua ocorrência ou da circunstância de terem sido contrariados pela prova produzida.
Vejamos:
A - Que desde maio de 2022 a progenitora da menor tenha mantido um relacionamento amoroso com o arguido.
Da prova produzida em julgamento apurou-se que a mãe da menor mantinha um relacionamento, pelo menos de amizade, com o arguido, mas foi negado pela própria que existisse até à data uma relação amorosa. A testemunha falou em terem projetos de ter uma vida em comum. Nenhuma outra testemunha se reportou com conhecimento direto a esta factualidade. Fica por compreender bem como é que existem projetos de uma vida em comum sem existir um relacionamento amoroso. Mas face à multiplicidade de vivências e experiências pessoais de cada indivíduo, o tribunal ficou com dúvidas quanto à existência deste relacionamento amoroso, pelo que a matéria de facto foi dada como não provada, ainda que o seu relevo para o crime em questão também seja inócuo.
B - Que a progenitora da menor não se tivesse apercebido dos factos.
Neste particular, a testemunha, mãe da menor, negou que se tivesse apercebido dos factos, assim como a menor nas declarações que prestou para memória futura também não afirmou que a sua mãe tivesse tido perceção do que se estava a passar.
Contrariamente, as duas testemunhas presenciais dos factos transmitiram a convicção de que esta se apercebeu do que estava a ocorrer e nada fez para o impedir, em consonância, aliás, com a reação que teve depois quando foi pelos mesmos abordada e confrontada com os factos.
No período em que os factos estão filmados, existe um momento em que a mãe da menor está focada no telemóvel, mas também há momentos em que está virada para a menor.
É difícil aceitar que a mãe da menor, que conforme foi referido por outras testemunhas, conhecia o arguido e o motivo pelo qual o mesmo esteve preso, não se tenha apercebido do sucedido. Todavia, no limite e por a filmagem não se reportar ao período todo em que os factos perduram, o tribunal desconhecendo a personalidade da pessoa em causa, ficou com dúvidas insanáveis quanto a esta factualidade, que, consequentemente, deu como não provada.
C - Que no momento referido em 13 o arguido tenha utilizado a sua mão esquerda e tenha apertado a mama da menor.
De toda a prova produzida – seja as declarações da menor, o vídeo junto aos autos, os depoimentos das testemunhas presenciais e até as declarações parcas do arguido- resulta que a mão que o arguido utilizou para praticar os factos foi a mão direita, enquanto mantinha o braço e a mão esquerda sobre a menor e junto à cabeceira do banco. Daí que não possa ter-se como provado que qualquer dos factos praticados e com relevância para o objeto do processo o tenha sido com a mão esquerda.
D - Que na sequência do referido em 13, a menor CC se tenha dirigido ao arguido e dito “pára com isso, se faz favor!”, tentando com que o arguido cessasse com tal comportamento e não alertar a sua mãe para o que estava a suceder, com receio da sua reação.
E - Que o arguido tenha ignorado o pedido da menor.
As testemunhas que presenciaram grande parte dos factos referiram não recordar que a menor tenha dito alguma coisa ao arguido. A mãe da menor também negou ter ouvido esta expressão. Nas declarações para memória futura a menor referiu que pediu ao arguido para parar, mas no momento em que se deu como provado.
Consequente, por falta de elementos de prova que sustentem esta factualidade, a mesma tem-se como não demonstrada.
F - Que no momento referido em 14 o arguido tenha apertado a mama da menor.
As testemunhas presenciais foram claras em referir que o que viram foi o arguido a «apalpar» a mama da menor. Esta nas declarações para memória futura também se refere ao arguido lhe ter tocado nas mamas. Admite-se que o «apertar» possa estar aqui referido no sentido de apalpar, mas dado que não se trata da mesma realidade, ainda que numa linguagem menos assertiva pudesse querer dizer-se o mesmo, o tribunal deu como não provada esta factualidade que implica já um acto mais agressivo.
G - Que no momento referido em 15 a menor tenha dito ao arguido para parar.
H - Que face ao referido em 17 a menor pedisse ao arguido que não o fizesse.
Dá-se aqui por integralmente reproduzido o já referido quanto aos pontos D e E.
I - Que no momento referido em 22, a mãe da menor não acreditasse que o arguido AA pudesse ter tido tal comportamento com a sua filha.
Dá-se aqui por integralmente reproduzido o já referido acima em B. Face ao que se expôs, ainda que a mãe da menor possa ter verbalizado não acreditar que o arguido tenha praticado os factos, fica a dúvida sobre se isso era aquilo em que realmente acreditava.
J - Que o mau estar causado pelo arguido/demandado à menor tenha sido profundo.
Face à natureza dos factos e à prova pericial e até testemunhal produzida quanto a este particular, ainda que a menor tenha sofrido mau estar como consequência dos actos do arguido, não é possível quantificar esse mau estar como profundo.
K - O Arguido nunca foi namorado da progenitora da menor, nunca tendo tido com a mesma qualquer relacionamento amoroso, apesar do relacionamento de amizade que existia estar a aprofundar-se e existir a possibilidade de terem no futuro um relacionamento amoroso.
Também aqui se dá por reproduzido o já referido em A. Em tribunal não se fez prova da existência do relacionamento amoroso e restaram dúvidas neste particular, tratando-se, de qualquer modo, de matéria sem relevo para o objeto do processo.
L - Que a menor CC conhecesse o arguido há vários anos concretamente porque este era amigo/conhecido de ambos os progenitores da menor, e existia proximidade entre ambos.
M - Inclusivamente noutras ocasiões em que a menor esteve com o arguido e com a sua mãe chegou a desabafar acerca dos problemas familiares que vivia e que era sujeita na casa do seu pai e da GG, companheira deste, que por sua vez é sua irmã, filha da sua mãe.
As testemunhas próximas da menor, a sua mãe, pai e irmão, confirmaram que a menor conheceu o arguido há vários anos atrás, antes de o mesmo ter estado preso, sendo que após a sua libertação e com a aproximação à mãe da menor, esta terá estado com ele em mais cerca de duas ocasiões anteriores. Todavia, nada se provou que permita concluir que existisse uma relação de proximidade do arguido para com a menor, nem os poucos contactos comprovados eram suficientes para esse efeito.
E muito menos se fez qualquer prova, dado que ninguém se referiu a tal matéria, de que a menor fizesse confidências ou desabafos ao arguido desta ou de outra natureza.
N - Nos bancos de três lugares do ..., os corpos dos passageiros tendem a ficar, naturalmente, encostados uns aos outros.
É do conhecimento público e das regras da experiência comum como ficam os corpos das pessoas que se sentam nos bancos do metro de configuração idêntica àquela dos que estão filmados e fotografados nos autos. A menos que estejamos a falar de pessoas de compleição física forte, o que não é o caso, os corpos das pessoas ficam próximos, mas não propriamente encostados uns aos outros.
O - É fisicamente impossível que uma pessoa com um braço até aos dedos com 60 centímetros tenha introduzido a mão pela cava da camisola/top que a menor envergava e conseguisse tocar na mama direita.
P - Tendo em conta que a menor não andou no Metropolitano a levantar os braços, e tendo em conta que quando as pessoas estão sentadas os braços estão encostados ao longo do corpo e estão descaídos, não haveria possibilidade alguma do arguido ter conseguido introduzir a sua mão de homem, que se afigura gorda, pela cava da camisola.
Q - Muito menos para com os 60 centímetros do seu braço (reitere-se que os 60 centímetros incluem o comprimento do braço e a mão) passar por cima dos ombros da menor, meter a mão por dentro da cava da camisola justa e ir tocar na mama que se encontra no lado oposto – mama do lado direito.
Toda esta factualidade respeita à possibilidade de o arguido ter praticado os factos com o braço e mão esquerdos, que, como se disse já, não foi o que se demonstrou. Assim, dando por reproduzido o referido em C, toda esta matéria da contestação porque relativa a factos alegadamente praticados pelo arguido com o braço e mão esquerdas se teve como não provada, sem prejuízo de se ter dado como demonstrado as medidas do braço e mão do arguido, face aos documentos que o mesmo juntou aos autos com a contestação.
R - Acresce ainda que em momento algum a menor disse ao arguido “pára com isso, se faz favor!”, até porque se tal tivesse acontecido a mãe da menor teria ouvido e apercebido.
Mais uma vez nos limitamos a dar como inteiramente reproduzido o já exposto quanto a matéria do mesmo teor, porquanto não existe prova de que a menor tenha proferido tal expressão, nem de que a mãe da menor, a tivesse ouvido e se tivesse apercebido, sendo que resultam também dúvidas quanto ao facto de esta se ter apercebido da própria ocorrência dos factos.
S - O arguido unicamente colocou a sua mão direita na perna da menor, na zona da barriga, na zona do baixo-ventre e no início da zona púbica.
T - Sendo que os seus dedos nunca chegaram a tocar na zona vaginal da menor.
U - Todo o antebraço do arguido se encontrava esticado, o seu pulso encontrava-se direito e esticado sobre a zona da perna e da barriga da menor e os seus tendões e músculos não apresentam qualquer torção no sentido da sua mão estar para baixo, no sentido descendente na direção da zona da vagina da menor nem se encontra a fazer qualquer pressão ou força para conseguir atingir a zona vaginal da menor.
Toda esta factualidade – correspondente à versão dos factos levada pelo arguido à contestação – resultou contrariada pela prova produzida conforme acima já se expôs. E se atentarmos no curto vídeo junto aos autos vemos como, efetivamente, o arguido movimentou o seu braço direito e não o deixou esticado e imóvel. Trata-se, assim, de uma mera versão dos factos que o arguido não logrou comprovar.
V - A menor durante toda a viagem esteve sempre com as pernas fechadas.
W - Se a menor se encontra sentada, com as pernas fechadas, esteja ela sentada com a coluna direita, esteja ela sentada com o tronco debruçado sobre as pernas, a zona vaginal da menor não fica acessível, ou seria preciso muita força e pressão para que tal acontece e a mão teria de ser colocada de cima para baixo, em sentido descendente – no sentido da barriga para a vagina.
Aquilo que é visível no vídeo é que a menor tem as pernas juntas. As duas testemunhas presenciais foram bem claras em afirmar que a menor nem sempre teve as pernas na mesma posição. Mas mesmo tendo a menor as pernas juntas como estão fotografadas, tal não impede, de modo algum, o arguido se colocar a sua mão na zona púbica da menor, que não ficaria acessível, ou que este tivesse que fazer muita força para esse efeito. Mais uma vez, trata-se de uma tentativa desesperada por parte do arguido para contrariar os factos que praticou de uma forma tão natural como é possível visualizar nas imagens captadas pelas testemunhas.
X - Nada mais aconteceu do que o que está reproduzido no vídeo junto aos autos.
Face ao que se deu como provado, os factos prolongaram-se por um período de tempo bem superior aos cerca de 30 segundos filmados, em que ocorreram não só estes factos como os que se deram como provados.
Y - Pelo visionamento das imagens dos autos é inequívoco que não existe qualquer perturbação, vergonha, pudor, vergonha, instabilidade emocional, dor ou sofrimento psíquico por parte da menor.
Z - Resultando exatamente o contrário, que a menor está descontraída, totalmente à vontade, à conversa com a sua mãe, a segurar e a mostrar-lhe um papel, atenta ao que está ao seu redor, como se nada se estivesse a passar.
AA - A menor não está contraída, rígida, não tem qualquer expressão de vergonha, vexame, pudor ou incómodo, medo, susto, retração, constrangimento, perturbação ou instabilidade nem emocional nem sequer física.
Já se explicou acima que o comportamento de uma vítima de um acto de natureza sexual pode ser o mais variado, sem que daí se possam retirar conclusões quanto à ocorrência dos factos em si. Também não deixa de ser curioso que o arguido ponha em causa os depoimentos das testemunhas quando as mesmas se referem que presenciaram a menor constrangida, com receio e vergonha, por entender tratarem-se de convicções subjetivas, mas para sua defesa já pretenda retirar convicções subjetivas opostas daquilo que está filmado.
Todavia, é inequívoco o que as testemunhas de forma impressiva relataram quanto ao que a menor estava a revelar sentir, quer pelo seu comportamento físico quer pelas suas expressões, enquanto presenciaram os factos e até quando a abordaram, pelo que o tribunal ficou com a convicção segura de que os factos ocorreram tal como descrito por estas, pessoas isentas e que nada tinham a ver com os factos que presenciaram e que lhes causaram tal repulsa que os motivou a agir em defesa da menor. Daí que se tenham como não provada a leitura que o arguido faz do comportamento da menor (que ainda que fosse o descrito não afastaria a ilicitude dos factos praticados pelo arguido).
BB - A menor quando se despediu do arguido finda a viagem de metro lhe deu dois beijinhos e um forte abraço.
Nenhuma prova foi feita neste sentido, posto que nem a menor, nem a sua mãe, nem as duas testemunhas presenciais o referiram.”
*
3.2.- Mérito do recurso
Quanto ao conhecimento dos vários fundamentos do recurso interposto nestes autos, importa seguir uma sequência lógica, começando pelo fundamento que importa a nulidade do acórdão recorrido e que é a existência dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal, seguindo-se depois a apreciação das demais questões invocadas pelo recorrente.
A) Vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas b) e c) do Cód. Proc. Penal
Quanto a estas questões, estabelece o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, não se confundindo nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida.
Estes vícios são também de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16. ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6.ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410º, nº 2, alínea b) do Cód. Proc. Penal, a mesma consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada, porquanto todos os vícios elencados neste artigo se reportam à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr., neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6ª ed., 2007, págs. 71 a 73).
Especificamente quanto ao vício da contradição insanável, decidiu o STJ, no acórdão de 12/03/2015, proferido no processo nº 418/11.3GAACB.C1.S1 - 3.ª Secção, que: «[o] vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito».
Pode, assim, afirmar-se que há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorrerá quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.
Ainda nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques, in “ Código de Processo Penal Anotado”, II volume, 2ª Edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379: «por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.»
No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, segundo o disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal, o mesmo releva como fundamento de recurso desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Pese embora a lei não o defina, o «Erro notório» tem sido entendido como aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade e que ressalta do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e percetível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do «homem médio».
Há «erro notório» quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e ainda quando determinado facto provado é incompatível, inconciliável ou contraditório com outro facto, positivo ou negativo, contido no texto da decisão recorrida (cf. neste sentido, Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código de Processo Penal anotado”, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740).
Este é um vício do raciocínio na apreciação das provas de que nos apercebemos apenas pela leitura do texto da decisão, o qual, por ser tão evidente, salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental, em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu uma ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (cf. entre muitos outros, Acs. TRC de 09.03.2018, proferido no processo nº 628/16.7T8LMG.C1, em que foi relatora Paula Roberto, e de 14.01.2015, proferido no processo nº 72/11.2GDSRT.C1, em que foi relator Fernando Chaves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto ao que se deva entender por erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil, discorreu largamente o STJ, no seu Ac. de 7/07/21, proferido no processo nº 128/19.3JAFAR.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves (in www.dgsi.pt) e onde se pode ler: “ (…) A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP. Este é, como os demais aí previstos, um defeito da decisão em matéria de facto. Não devendo confundir-se nem com a errada aplicação do direito aos factos, nem com a escassez da prova para suportar o julgado. A sua deteção ou verificação não permite o recurso a elementos externos ao texto da decisão recorrida. Não assim, evidentemente, ao que constar da motivação do julgamento da matéria de facto. Se é certo que um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico dos elementos de prova.
Como sustenta Pereira Madeira, no erro notório “estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-à, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo (…) que numa visão jurídica consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista e, naturalmente, ao tribunal de recurso, assegurar sem margem para dúvidas que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada (…) e sopesada à luz das regras da experiência, Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.” ( in Código de Processo Penal comentado, 3ª ed. Revista, Almedina, 2021, pag. 1293/1294.) (…).”
No caso dos presentes autos, vem o recorrente invocar os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição entre os factos considerados como provados em 15), 16) e 17) e a fundamentação da decisão da matéria de facto.
Quanto ao que entende ser o erro notório, o recorrente nada concretiza.
Relativamente à contradição insanável, ao alegar que existe contradição na utilização indistinta pelo Tribunal a quo dos conceitos de zona púbica, zona pélvica e zona vaginal na parte da fundamentação da decisão, o que o recorrente pretende é que não se dê como provado que acariciou a zona vaginal da menor, a fim de afastar a qualificação da sua conduta como acto sexual de relevo, para efeitos do preenchimento do tipo objectivo do crime de coação sexual, previsto e punido pelo art.º 163º, nº 1 do Cód. Penal.
É verdade que o Tribunal recorrido utilizou tais expressões indistintamente, na parte da motivação da matéria de facto, na medida em que transcreve as expressões utilizadas pelas várias testemunhas nos seus depoimentos.
Sucede, porém, que se deu como provado que o arguido acariciou a “púbis e a zona vaginal da menor“ e não apenas que o arguido acariciou a vagina da menor, como o mesmo defende.
Importa a este respeito referir que nenhuma das testemunhas inquiridas é médica ou revelou ter particulares conhecimentos em anatomia feminina, pelo que são perfeitamente compreensíveis algumas imprecisões de linguagem, as quais foram devidamente contextualizadas pelo Tribunal recorrido na fundamentação da decisão e no apuramento dos factos.
No entanto, o que o arguido pretende é impugnar a matéria de facto apurada na decisão recorrida, em moldes que adiante se apreciarão.
Ora, analisada a decisão recorrida, não decorre da mesma a verificação de nenhum dos vícios apontados.
Relativamente à contradição insanável, em parte nenhuma do acórdão em causa se verifica, porquanto no mesmo se descreve de forma lógica e ordenada os factos apurados, fundamenta-se cada um dos factos de forma exaustiva e coerente, justificando-se as razões que levaram a tal, e tiram-se as ilações jurídicas dessa factualidade, no tocante à condenação do arguido na respectiva pena, sem que em momento algum resulte do texto da decisão qualquer contradição, muito menos insanável.
Também no que concerne ao erro notório não só o recorrente não o concretizou, como não se descortina a sua verificação na decisão recorrida, pois os factos estão descritos de forma clara e perceptível, não existe qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada, todos os factos se mostram fundamentados, de forma lógica, e a decisão do Tribunal funda-se na prova produzida, estando em conformidade com a mesma.
Não se tendo apurado a existência de um qualquer vício de raciocínio evidente para um observador médio ou uma qualquer desconformidade intrínseca e evidente no raciocínio exposto na decisão do Tribunal recorrido, o que também não foi alegado pelo recorrente, impõe-se julgar este recurso improcede quanto a estes fundamentos, sem necessidade de mais considerandos.
B) Erro de julgamento
A reapreciação da matéria de facto poderá ser feita no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, onde, como supra se referiu, a verificação dos mesmos tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412º, nos 3, 4 e 6 do mesmo diploma, caso em que a apreciação se estende à prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente.
O recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto destina-se a despistar e a corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, razão pela qual o art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal impõe ao recorrente a obrigação de indicar:
“ a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» implica a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Por seu turno, a especificação das provas que devem ser renovadas impõe a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela renovação permitirá evitar o reenvio do processo previsto no art.º 430º do mesmo diploma.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência. Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo art.º 412º, nºs 4 e 6 do Cód. Proc. Penal.
A este respeito, importa ter em atenção que o STJ, no seu Ac. nº 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, já fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Na verdade, o poder de apreciação da prova da 2ª Instância não é absoluto, nem é o mesmo que o atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo quanto à mesma.
A reapreciação da prova só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão da primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal ( cf., Ac. TRL de 02.11.2021, proferido no processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.).
Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa ( neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Segundo o previsto no artigo 127º do Cód. Proc. Penal, o Tribunal deve fixar a matéria de facto de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, desde que não se esteja perante prova vinculada.
Pese embora o ato de julgar tenha sempre, necessariamente, um lado subjetivo, as regras da experiência, complementadas pelo disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, determinam que aquele acto não possa ser um acto arbitrário ou discricionário.
Verifica-se, pois, que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, dado que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, devendo a avaliação da prova ser efectuada com sentido de responsabilidade e bom senso.
Em consequência, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve-se acolher a opção do julgador da 1ª instância, sobretudo porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova ( cf., neste sentido, Ac. STJ de 13/02/08, proferido no processo nº 07P4729, em que foi relator Pires da Graça, in www.dgsi.pt ).
A lei não considera relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal, até porque, se assim fosse, não seria possível existir qualquer decisão final.
O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece também os limites da mesma, ou seja, os poderes de cognição do Tribunal de recurso.
Mesmo nos casos em que exista documentação dos atos da audiência, o recurso para o Tribunal da Relação não constitui, como já se referiu, um novo julgamento, no sentido de haver lugar à reapreciação integral da prova.
Na verdade, como se refere no Ac. deste TRL de 26/10/21 ( proferido no processo nº 510/19.6S5LSB.L1-5, em que foi relator Manuel Advínculo Sequeira, in www.dgsi.pt): «apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão (…).
Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado, em face do que é possível apreciar e na correspondente fase.
As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos.
Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido.
Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade.
Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução.
Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.
Não por acaso, a antecedente prova escrita (a velha assentada) foi obliterada do processo português, precisamente porque, eliminando o material supramencionado, facilmente permitia a afirmação judicial de inverdades e justamente na fase de recurso.
Paralelamente, é essa a razão de ser das apertadas e exíguas possibilidades de recurso sobre a matéria de facto. Maior abertura à sua restrição aumentaria, na exacta proporção, aí sim, a hipótese de erro judiciário.
Tudo para concluir ser de primordial importância saber-se que na concreta fixação da verdade do caso influem elementos determinantes que escapam por natureza a apreciação posterior.»
Assim sendo, o que o Tribunal da Relação pode e deve fazer nesta matéria, em sede de recurso, é verificar, ponto por ponto, se os concretos erros de julgamento indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correção.
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, quanto à reapreciação da matéria de facto, decorre do princípio da oralidade, o qual implica uma imediação, um contacto direto, pessoal e presencial entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros, timbre e entoação), que facilita a formação da livre convicção do julgador e que só existe na primeira instância.
A imediação permite que o julgador tenha uma perceção dos elementos de prova muito mais próxima da realidade do que qualquer apreciação posterior, a realizar pelo Tribunal de recurso, mesmo que este se socorra da documentação dos atos da audiência.
A imediação revela-se também de importância fulcral para aferir da credibilidade de um depoimento, pois o seu desenrolar, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou o desembaraço e todas as componentes pessoais ligadas ao ato de depor são insuscetíveis de serem registadas, mas ficam na memória de quem realizou o julgamento, são importantes na formação da convicção do julgador e são objetiváveis na fundamentação da decisão, mas não são suscetíveis de documentação para reapreciação em sede de recurso.
Impõe-se, assim, concluir que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de recurso verificar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho prosseguido até se chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, devendo tal apreciação ser feita com base na motivação elaborada pelo Tribunal de primeira instância e na fundamentação da sua escolha, ou seja, no cumprimento do disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. de Proc. Penal.
Para este efeito, como se escreveu no Ac. deste TRL de 11/03/2021 ( proferido no processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt. ): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os recorrentes.
Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar.»
Sucede que: «O recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.» ( cf. Ac. do TRP de 6/10/2010, proferido no processo nº 463/09.9JELSB.P1, em que foi relatora Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, se decidiu no Ac. do TRG de 28/06/2004 ( proferido no processo nº 575/04-1, em que foi relator Heitor Gonçalves, in www.dgsi.pt ), onde se refere que: “(…) Cremos que o recorrente pretende substituir essa convicção do julgador pela sua própria convicção, “escolhendo” os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, quando é sabido que são os julgadores em primeira instância que detêm o poder/dever de apreciar livremente a prova, apreciação que, de todo o modo, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, há-de ser, como foi no caso concreto, “recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”. Uma decisão errada, ilegal ou arbitrária não pode ser sustentada numa simples alegação da discordância entre a convicção do recorrente e a convicção que o julgador livremente formou com base na prova produzida em audiência de julgamento, antes passa necessariamente pela demonstração inequívoca de que o tribunal que a proferiu contrariou as regras da experiência e desrespeitou princípios basilares do direito probatório (v.g. prova legalmente vinculada, provas proibidas etc.). Quando o recorrente pretende apenas pôr em causa a livre apreciação da prova, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que, como se referiu, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros” (Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, 2002, pág. 37).(…)”.
De tudo o exposto, impõe-se concluir que o recorrente tem que apontar na decisão recorrida os segmentos que impugna e colocá-los em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, se for o caso, quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quais os outros elementos probatórios que pretende ver reproduzidos, demonstrando a verificação do erro judiciário a que alude.
A este respeito, alega o recorrente que houve nos autos em apreço um erro de julgamento, porquanto foram incorrectamente dados como provados os factos constantes dos arts.º 13), 14), 15), 16), 17), 24), 25), 27), 29) e 30) da decisão recorrida.
Alega, para tanto, em síntese, que:
- em momento algum introduziu a sua mão direita por dentro da blusa e tocou na mama da menor, pois não existiu qualquer toque no corpo da menor por debaixo da roupa, nem o feitio da blusa o permitia, sendo que nenhuma das testemunhas inquiridas referiu que o arguido tocou na menor por baixo da roupa e a menor referiu que o arguido só lhe tocou por cima da roupa;
- não acariciou a “zona vaginal” da menor, tendo havido uma grave imprecisão na linguagem utilizada pelas testemunhas e pelo próprio Tribunal, porquanto, em termos anatómicos e físicos, é diferente a localização da “zona pélvica”, da “zona púbica” e da “zona vaginal”, sendo a expressão “zona vaginal” utilizada indistintamente pelo Tribunal;
- não se pode considerar que o facto de ter tocado na zona pélvica da menor seja apto a satisfazer quaisquer instintos libidinosos, a sua lascívia e os seus desejos sexuais, nem que tinha o propósito de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor;
- o seu comportamento não causou perturbação à menor, nem esta sofreu tristeza, vergonha, medo e sentimentos de culpa, por não ter conseguido impedir a continuidade da situação, nem ansiedade, humilhação e um sentimento de mal-estar.
Em suma, pretende o recorrente que se considerem como não provados os factos dados como provados sob os nºs 13), 14), 15), 16), 17), 24), 25), 27), 29) e 30) e, em consequência, que se deem como provados os factos O), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA) da matéria de facto considerada como não provada pelo Tribunal a quo.
Porém, não obstante tenha indicado os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido mal julgados e as provas em que sustenta a sua pretensão, o recorrente acabou por se limitar a pôr em causa a credibilidade do depoimento de determinadas testemunhas, dizendo que o Tribunal a quo avaliou mal as suas declarações e não podia ter dado como provados os factos que deu com fundamento nas mesmas.
Também não indicou expressamente quais as partes da gravação dos depoimentos é que este Tribunal de recurso deveria ouvir, embora essa indicação resulte indirectamente das partes dos depoimentos que reproduziu.
Como se deixou expresso, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àquela outra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução dos factos e entende que devia ter sido provada, como vem este recorrente aqui fazer.
No caso sub judice, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à factualidade julgada provada e não provada nos termos supra transcritos, procedendo a um resumo das declarações que considerou relevantes prestadas pelos diversos intervenientes e esclarecendo em que medida é que cada um deles foi considerado credível ou não, expondo de forma clara as razões que levaram a que se convencesse, ou não, da veracidade dos relatos, e fazendo, para o efeito, apelo às regras da razoabilidade e da experiência comum, articulando tais relatos com toda a restante prova documental e pericial produzida nos autos, sobretudo a resultante do visionamento de fotogramas e do vídeo junto aos autos, cuja autenticidade o arguido não questionou, tanto mais que o tentou aproveitar em sua defesa, vídeo esse que não cobre todo o período temporal em que os factos ocorreram, mas apenas escassos segundos.
Ora, do visionamento do vídeo junto aos autos não se consegue perceber se a blusa que a menor trazia vestida permitia ou não a introdução da mão do arguido pela cava da mesma, independentemente do tamanho da mão em causa.
As testemunhas EE e FF não presenciaram todos os factos praticados pelo arguido, tanto mais que houve uma ocasião em que a testemunha EE se levantou do seu lugar, em frente ao arguido e à menor, para ir chamar a testemunha FF que se encontrava noutra carruagem.
Por outro lado, a mãe da menor encontrava-se sentada ao lado da filha, podendo não ter realmente visto o arguido a introduzir a sua mão na cava da blusa da menor e a tocar-lhe no seio por baixo da roupa.
Neste tocante, restam-nos as declarações da menor, realçando-se que o Tribunal a quo teve em conta as debilidades cognitivas da menor na formação da sua convicção.
A este respeito, refere-se na decisão recorrida, na parte da fundamentação da matéria de facto, que: “ (…) as declarações prestadas pela menor foram-no de forma clara, isenta e sincera, dentro daquele que é o normal constrangimento de um menor que se vê confrontado a prestar declarações sobre este tipo de comportamentos de cariz sexual, particularmente quando estamos a falar de uma menor com um ligeiro défice cognitivo (mas que, como afirmado no relatório pericial psiquiátrico, tem capacidade para relatar o que consigo sucedeu, como facilmente se constata pelo relato que a mesma fez dos factos) (…).
Quanto ao depoimento da menor, destaca-se na decisão recorrida que a mesma declarou que: “(…) No metro sentaram-se juntos num banco, ficando ela no meio, com o arguido do lado direito. Depois, durante a viagem o arguido mexeu-lhe nas mamas, por cima da roupa, e na zona vaginal, por cima da roupa. Foi algo insistente. Disse para o arguido parar e ele não parou e continuou a mexer-lhe na vagina.
Acha que a mãe não reparou no que estava a acontecer.
Sentiu-se mal com estes factos, que duraram toda a viagem de metro, em que o arguido tanto lhe mexia no peito como na vagina.(…) Esclarecendo, disse que trazia um top e calças de ganga vestidos, que primeiro o arguido lhe meteu uma mão por dentro da camisola e mexeu no peito. Depois tocou-lhe no peito e na vagina, mas por cima da roupa.(…)
Ouvidas, por este Tribunal de recurso, as declarações para memória futura da menor, constata-se que resulta das mesmas que pelo menos uma vez o arguido tocou na mama da menor por dentro da blusa, referindo a menor que não tinha dúvidas de que tal tinha acontecido.
Efectivamente a menor depôs com clareza, com um discurso escorreito, articulado e sem hesitações ou manifestações de dúvida, merecendo o seu depoimento inteira credibilidade a este Tribunal, assim como já o tinha merecido ao Tribunal recorrido, não obstante os constrangimentos resultantes do melindre da situação descrita e das debilidades cognitivas da menor, que em nada atrapalharam o seu discurso, nem afectaram a sua credibilidade.
Constata-se, assim, que, no seu recurso, o recorrente destacou apenas as partes da gravação das declarações da menor que iam ao encontro da sua pretensão, esquecendo-se, conveninentemente, das partes da gravação que não lhe eram favoráveis.
Quanto ao facto de o arguido ter tocado ou não na zona vaginal da menor, do visionamento do vídeo junto aos autos dúvidas não restam de que o arguido tinha a sua mão direita colocada nas zonas púbica e pélvica da menor, pelo menos durante o período de tempo em que dura a filmagem, e que fez, repetidamente, movimentos de cariz masturbatório da menor.
Mais se visiona a posição em que se encontravam sentados o arguido, a menor e a sua mãe, sendo perceptível o desconforto que o comportamento do arguido provocou na menor, a qual, só no curto espaço de tempo em que dura o vídeo, fez vários movimentos corporais tendentes a afastar o arguido, aos quais este último não foi sensível, pois continuou nos seus propósitos, completamente alheado à violência que tal representava para a menor, à presença próxima da mãe desta e ao facto de se encontrarem num local público, com pessoas estranhas sentadas em frente a assistir.
A tudo isto o arguido foi alheio, prosseguindo nos seus comportamentos, numa atitude egoísta e de pura satisfação dos seus instintos sexuais.
Se o Tribunal a quo utilizou indistintamente as expressões zona púbica, zona pélvica, zona vaginal, partes íntimas e baixo ventre, tal circunstância configura apenas a utilização de expressões quase sinónimas, que designam praticamente o mesmo local do corpo feminino, sendo que anatomicamente a zona púbica, a zona pélvica e a zona vaginal não distam assim tanto umas das outras, a ponto de se considerar haver aqui uma contradição insanável, o que já se verificou que não existe, ou uma errada apreciação da prova, como o recorrente pretende fazer crer, e que também não ocorreu.
É que, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Porto Editora, edição de 2004, págs. 1266, 1366, 1694:
- pélvis é a cavidade na parte inferior ou posterior do tronco onde se aloja o reto e uma grande parte dos aparelhos urinário e genital;
- púbis é a designação dada à parte infero-anterior do osso ilíaco, à iminência inferior e mediana da parte anterior do abdómen, situada entre as duas coxas e ao osso par da parte anterior da cintura pélvica;
- vagina é o órgão genital feminino definido, nos animais superiores, por um canal que se estende do colo do útero à vulva, e que intervém na cópula como órgão receptor do pénis.
Mais se constata que, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, o Tribunal recorrido não deu como provado que o mesmo acariciou a vagina da menor, mas apenas que acariciou “a púbis e a zona vaginal da menor”, por cima das calças que a mesma trazia vestidas, o que, como se vê, são conceitos diferentes.
Ora, repete-se, nem a menor, nem as testemunhas que presenciaram os factos são médicos ou especilistas em anatomia feminina, não podendo os seus testemunhos ser descridibilizados, como o arguido pretende, apenas porque não utilizaram os termos científicos correctos.
Pese embora não tenham utilizado os termos científicos correctos, quer a menor, quer as testemunhas fizeram-se entender quanto ao local do corpo da menor atingido e à natureza dos comportamentos do arguido, sendo que tais depoimentos, complementados com o visionamento do vídeo junto aos autos, não deixaram ao Tribunal a quo, nem a este Tribunal de recurso quaisquer dúvidas sobre a forma como as coisas se passaram.
Também se constata que não é por a menor, a sua mãe e o arguido se encontraem de máscaras postas que não era possível perceber as suas expressões e as suas intenções, principalmente as do arguido e da menor.
Se tais expressões e intenções são perceptíveis apenas pelo visionamento do vídeo, mais perceptíveis o foram para as testemunhas que se encontravam sentadas no banco do metro em frente, realçando-se novamente que o tempo de duração do vídeo não cobre a integralidade dos factos ocorridos.
Cumpre realçar que as duas testemunhas que assitiram aos factos, EE e FF, não conheciam o arguido e a menor, não são pessoas dos seus círculos familiares e de amigos e nenhum interesse têm na causa, tendo as mesmas deposto com rigor e isenção.
Já o depoimento da mãe da menor não ofereceu tanta credibilidade ao Tribunal recorrido, pelas razões supra expostas e que sufragamos, porquanto não é linear, nem se apurou qual o tipo de relação afectiva que a mãe da menor tem ou tinha com o arguido ou que expectativas de relação alimentava face ao mesmo, o que certamente condicionou o seu depoimento e o tornou menos credível face ao das outras duas testemunhas que presenciaram os factos.
Pese embora a discordância do arguido quanto à factualidade apurada, o que se compreende, como realçou o Tribunal a quo, este é um caso de crime contra a liberdade sexual que foge à norma, pois, ao contrário do que é habitual, passa-se num espaço público, teve testemunhas presenciais e uma das provas é uma gravação de parte dos factos em vídeo.
O Tribunal a quo teve perante si o arguido e as testemunhas, viu-os, ouvi-os e apercebeu-se de muitos pormenores de atitude e postura que só a imediação permite e concluiu quais os depoimentos que se mostraram mais credíveis e denotaram coerência e isenção, não tendo ficado com a convicção de que as testemunhas tivessem inventado os factos a que depuseram somente para incriminar o arguido, o qual nem conheciam.
Mesmo que se tenham registado algumas pequenas imprecisões nos depoimentos das testemunhas, estas revelam-se compreensíveis dado o lapso temporal ocorrido entre os factos e os depoimentos em audiência de julgamento e o tipo de comportamentos em causa, que gerou nas testemunhas tal espanto, surpresa e indignação, que decidiram filmar o sucedido, interpelar a mãe e a menor e chamar a polícia.
Alega ainda o recorrente que não se pode considerar que o facto de ter tocado na zona pélvica da menor seja apto a satisfazer quaisquer instintos libidinosos, a sua lascívia e os seus desejos sexuais, nem que tinha o propósito de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor.
Quanto à aptidão do toque do arguido na menor para o preenchimento do elemento objectivo do crime, apreciaremos na parte da qualificação jurídica dos factos.
Relativamente aos propósitos e intenções do arguido ao praticar tais factos, entramos no tema da prova dos factos que integram o elemento subjectivo do tipo legal de crime, que é, necessariamente, uma prova indirecta.
A prova indirecta assenta na passagem de um facto conhecido para a prova de um facto desconhecido, em cujo processo intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, que determinado facto, que não está diretamente provado, é a consequência natural, ou resulta com uma probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
Tratam-se de factos estritamente subjetivos que, a não ser que ocorra confissão, apenas são percecionáveis pelos próprios agentes, pelo que a respetiva prova está dependente das inferências que se possam extrair dos aspetos objetivos em que se materializa a ação e através do significado que tais atos têm na respetiva comunidade social.
Ora, quer a intenção, quer a motivação, como conclusões de direito que são, não se podem fazer derivar, imediatamente, da prova, mas deduzir-se dela, na medida em que sejam uma mera consequência ou o prolongamento da mesma.
Reitera-se que se tratam de factos, mas que assumem uma particular especificidade, na medida em que constituem realidades do foro psíquico, internos do sujeito, que não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face aos atos e às circunstâncias concretas do seu cometimento ( cf. neste sentido, Manuel Cavaleiro Ferreira, in “Lições de Direito Penal”, Volume I, 1992, págs. 297 e 298; Acórdão do TC nº 521/2018, datado de 17.10.2018, proferido no processo nº 321/2018 – 3ª secção, em que foi relator Gonçalo de Almeida Ribeiro, in www.tribunalconstitucional.pt).
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que a prova das intenções do arguido ao tocar na menor da forma como o fez decorre como consequência necessária de toda a sua actuação e resulta do visionamento dos seus movimentos, da interpretação e valoração pelo Tribunal a quo das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, articulados entre si e avaliados à luz das regras da lógica e da experiência comum, em moldes que não merecem qualquer censura a este Tribunal de recurso.
Alega, ainda, o recorrente que o seu comportamento não causou perturbação à menor, nem esta sofreu tristeza, vergonha, medo e sentimentos de culpa, por não ter conseguido impedir a continuidade da situação, nem ansiedade, humilhação e um sentimento de mal-estar.
Neste aspecto, para além das declarações da própria menor e dos seus familiares, pai e irmão, temos para prova destes factos o Relatório pericial psiquiátrico relativo à menor, elaborado pelo INML, e junto aos autos em 24 de abril de 2023, onde se conclui que:
Da avaliação realizada, considera-se que CC apresenta, segundo o Manual Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM5), de uma Perturbação de Stress Pós-Traumático 309.81 (F43.10), sendo os alegados abusos sofridos os eventos estressores e desencadeantes desta patologia. Para além desta perturbação, evidenciaram-se algumas características de depressibilidade na jovem, corroboradas com as informações do pai e da própria que iniciaram após os eventos, pelo que se pode considerar que a mesmas são secundárias ao evento.
Acerca da organização de personalidade atual de CC, a jovem apresenta traços de introversão que condicionam certa fragilidade emocional. Insegurança, baixa auto-estima e desconfiança perante o outro, nomeadamente perante figuras do género masculino.
Considera-se positivo que a jovem beneficie de apoio psicológico, não parecendo, na atualidade, existir necessidade de tomar psicofármacos.
O teor deste relatório é complementado pelo relatório psicológico remetido aos autos pelo ..., elaborado em data próxima do relatório pericial, onde a psicóloga responsável pela sua elaboração fez consignar que a menor continua com dificuldades quer ao nível da comunicação, quer ao nível da reflexão sobre as suas vivências atuais e anteriores, desvaloriza a identificação das situações problema, não equaciona as consequências, e aparentemente não altera significativamente as suas decisões, sendo que nesta fase encara com grande proximidade e entusiasmo a relação com pares do sexo oposto expondo-se a comportamentos de risco, pouco ou nada calculados.
Ora, quanto ao valor da prova pericial, prevê-se no art.º 163º do Cód. Proc. Penal, que:
“1 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2 - Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.”
Da análise deste preceito legal decorre que os juízos periciais concorrem de forma muito intensa para a formação da livre convicção do Tribunal, no segmento a que diz respeito a perícia, a ponto de qualquer divergência dever ser especialmente fundamentada pelos magistrados.
No entanto, é pacificamente aceite que a presunção a que se refere o nº 1 da norma diz respeito ao juízo técnico-científico e não aos factos em que o mesmo se apoia, como também decorre do disposto nos arts.º 388º e 389º do Cód. Civil (cf. neste sentido, Fernando Gama Lobo, in ob. cit., págs. 313 e 314 ).
Ou seja, conforme foi defendido no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13/07/23, proferido no processo nº 808/21.3PCOER.L1, por nós relatado, a prova pericial não tem um valor absoluto, devendo ser articulada com os restantes meios de prova, nos termos previstos no art.º 127º do Cód. Proc. Penal, mas quando o Tribunal decidir em sentido contrário da prova pericial, deve fundamentar a sua discordância.
Sucede que, no caso dos autos, nenhuma razão tem o Tribunal para discordar dos factos resultantes do relatório pericial, pois os mesmos mostram-se corroborados pelas declarações prestadas em julgamento pelo pai e pelo irmão da menor quanto ao estado psíquico e à saúde mental da mesma.
Em face do exposto, não se nos oferecem dúvidas que o Tribunal a quo analisou conjugada e criticamente todos os meios de prova produzidos, encontrando-se a decisão sobre a matéria de facto em apreço profusamente motivada e suportada pela prova produzida em julgamento.
A motivação da decisão sobre a matéria de facto operada pelo Tribunal recorrido permite aos sujeitos processuais, às partes, a este Tribunal de recurso e a quem quer que seja que leia o acórdão recorrido, apreender as razões pelas quais o coletivo de juízes a quo decidiu a matéria de facto nos termos em que o fez.
É nítido o percurso lógico seguido pelos julgadores da 1ª instância, apoiado nos elementos de prova previamente indicados e devidamente explicados no texto do acórdão, mostrando aos sujeitos processuais, ao Tribunal ad quem e, sobretudo, aos cidadãos, o raciocínio lógico em que apoiou a decisão sobre a matéria de facto.
O Tribunal a quo esclareceu as razões de credibilidade e da força decisiva que reconheceu aos concretos meios de prova indicados, devidamente analisados conjugada e criticamente, para acabar por decidir como decidiu a matéria de facto.
Acresce que fez uso, com inteiro a propósito, das regras da ciência, da lógica, da experiência, daquilo que é normal, sob pena de as coisas não fazerem qualquer sentido.
Pelo contrário, o recorrente limita-se a manifestar, na motivação do recurso, o seu desacordo quanto à leitura que o Tribunal recorrido fez de parte da prova produzida, tecendo considerações genéricas sobre essa prova e tentando sobrepor a sua interpretação quanto à prova produzida, nomeadamente testemunhal e por declarações, àquela que foi a interpretação do Tribunal a quo.
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, se julga improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se os factos provados e não provados tal como descritos na decisão recorrida.
C) Qualificação jurídica dos factos apurados
Nos presentes autos foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material, e como reincidente (artigos 75.º e 76.º do Código Penal), de 1 (um) crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 163.º, n.º 1, do Código Penal, e 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6 do Código Penal, por referência ao artigo 14.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, de cumprimento efetivo, absolvendo da agravante do n.º 2 do artigo 163.º de que também vinha acusado.
De acordo com o disposto no art.º 163º do Cód. Penal, pratica o crime de coacção sexual:
“1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até 5 anos.
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.”
Por seu turno, prevê-se no art.º 177º do mesmo diploma que:
“1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação;
c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.
2 - As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 175.º
3 - As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 171.º a 174.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível.
4 - As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 175.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 176.º e no artigo 176.º-A são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas.
5 - As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 174.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima.
6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos;
7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.
8 - Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.”
Quanto a esta matéria, importa atentar em que não houve qualquer alteração relativamente à matéria de facto apurada no acórdão recorrido.
Assim sendo, há apenas que considerar a pretensão do recorrente de que por ter tocado na zona pélvica da menor, por cima da roupa que a mesma trazia vestida, não praticou um acto sexual e muito menos um “acto sexual de relevo”, devendo a sua conduta ser punida apenas pelo crime de importunação sexual, previsto no art.º 170º do Cód. Penal.
Vejamos se lhe assiste razão.
A este respeito consta da decisão recorrida que:
“ (…)Importa, neste momento aferir se os factos considerados como provados se enquadram no crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 163.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, e 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6 do Código Penal, por referência aos artigos 26.º e 14.º n.º 1 do mesmo diploma legal, de que o arguido se encontra acusado.
Nos termos do artigo 163.º do Código Penal:
1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até cinco anos.
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.
O crime de coação sexual integra os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (Capitulo V, Titulo I, do Livro II do Código Penal), em que os bens jurídicos se prendem com a natureza sexual da pessoa, como parte integrante do direito geral de personalidade.
O bem jurídico protegido é a liberdade da pessoa escolher o seu parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo.
Conforme se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de janeiro de 2016, processo n.º 53/13.1GESRT.C1, in www.dgsi.pt, “Esta liberdade de decisão e liberdade de acção são como que o lado interno e o lado externo da liberdade de acção. Nesta medida, o crime de coacção não só abrange as acções que apenas restringem a liberdade de (decisão) e de acção – as acções de constrangimento em sentido estrito, ou seja a tradicional vis compulsiva –, mas também as acções que eliminam, em absoluto, a possibilidade de resistência – a chamada vis absoluta – bem como as acções que afectem os pressupostos psicológico-mentais da liberdade de decisão, isto é a própria capacidade de decidir”.
Quanto ao tipo objetivo da coação sexual consiste no constrangimento de outra pessoa a sofrer ou a praticar com o agente ou com outrem acto sexual de relevo, sendo certo que o n.º 2 na versão vigente exige que a conduta coativa do agente seja exercida através de violência ou com ameaça grave ou depois de, para esse fim, ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir a vítima.
O busílis maior do tipo objetivo é a definição de «acto sexual de relevo» e, em especial, a subsunção do facto a este conceito indeterminado.
A respeito do que releva como acto sexual para efeitos típicos, salienta-se que o Professor Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal , 2.ª edição, p. 718 a 720) releva que existem a este propósito três posições: uma interpretação objetivista, segundo a qual constitui acto sexual típico aquele que, atenta a sua manifestação externa, revela uma conexão com a sexualidade; uma outra que exige não só a conexão objetivista, como ainda a subjetivista do conceito, traduzida na dita intenção libidinosa; e uma terceira, a menos exigente, que defende ser o conceito integrado tanto pela sua aceção objetivista como subjetivista.
Optando decididamente, por via de princípio, pela interpretação objetivista do acto sexual típico, concede que em casos excecionais, como aqueles em que o significado do acto é ambivalente, àquela deva acrescer a interpretação subjetiva, traduzida na intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si mesmo ou em outrem, a excitação sexual.
Prosseguindo na integração do conceito de «acto sexual de relevo», defende o mesmo Professor que a exigência de «relevo» para a tipificação do acto sexual não tem apenas uma função negativa, destinada a excluir do tipo os actos considerados insignificantes ou bagatelares, mas ainda uma função positiva, traduzida na exigência ao intérprete de investigação do seu relevo na perspetiva do bem jurídico protegido, isto é, se de um ponto de vista objetivo o acto representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima.
O valor decisivo neste contexto é o grau de perigosidade da acção para o bem jurídico, em função da sua espécie, intensidade ou duração.
Segundo o Professor Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição, UCE, p. 504), «O acto sexual de relevo é a acção de conotação sexual de uma certa gravidade objectiva realizada na vítima. (...). Portanto, estão abrangidos actos em que a vítima assume uma posição sexual activa (constranger a “praticar”) ou passiva (constranger a “sofrer”), mas não os actos sexuais diante da vítima, que constituem “actos exibicionistas” (...). O acto sexual de relevo inclui a cópula vulvar e o toque, com objectos ou parte do corpo, nos órgãos genitais, seios, nádegas, coxas e boca (...).»
Seguindo esta doutrina e o que cremos ser a maioria da jurisprudência, diremos que “acto sexual de relevo” será todo aquele comportamento que de um ponto de vista essencialmente objetivo pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima.
Os motivos do agente e as representações de moralidade da comunidade não integram nem com o tipo objetivo, nem com o tipo subjetivo, do crime de coação sexual.
O que importa é saber se o acto sexual, em si, atentas as circunstâncias em que foi cometido tem capacidade de ofender gravemente a liberdade sexual da vítima.
Sendo o crime de coação sexual um tipo doloso, o preenchimento do mesmo exige o conhecimento e vontade de constranger a vítima a sofrer ou a praticar um acto sexual de relevo, com consciência da ilicitude da sua conduta, em qualquer das modalidades a que alude o artigo 14.º do Código Penal.
No caso em apreço, os actos praticados pelo arguido, ao apalpar a mama da ofendida, bem como ao tocar-lhe na zona genital, enquadram-se definitivamente no conceito de acto sexual de relevo.
Todavia, estando-se perante um crime de execução vinculada na sua versão mais grave (quer no n.º 2 do atual artigo 163.º, quer no antigo n.º 1), em que, como já se referiu, o constrangimento da vítima teria de ser praticado por meio de violência, ameaça grave, ou depois de o agente ter tornado a vítima inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir. Atentando nos factos provados não se vislumbra que o arguido tenha usado de violência, ameaça grave ou tenha tornado a vítima inconsciente ou a tenha posto na impossibilidade de resistir.
Nessa medida, não poderemos considerar que se mostre preenchida a tipicidade objetiva do crime de coação sexual na versão do artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, motivo pelo qual os factos praticados pelo arguido preenchem a tipicidade objetiva do crime de coação sexual na sua forma simples e menos gravosa.
O tipo objetivo de crime preenchido pelo arguido é, pois, o crime de coação sexual traduzido no constrangimento da ofendida a sofrer acto sexual de relevo, enquadrado no artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal.
Note-se que, de acordo com Pedro Caeiro, a expressão “constranger a sofrer ou a praticar ato sexual” representa:
(i) a prática de atos de natureza coerciva que
(ii) conduzem a vítima a praticar ou a sofrer um ato sexual
(iii) contra a sua vontade.
Do ponto de vista da literalidade do preceito, não discordamos do que vem referido. Efetivamente os actos praticados foram-no de forma coerciva e contra a vontade da vítima.
Constranger significa “(…) coagir, compelir, forçar, impor, obrigar” (Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de novembro de 2016, processo n.º 43/13.4JAPRT.P1, in www.dgsi.pt). Basta, assim, que o agente imponha à vítima – como ocorreu no caso em apreço – a prática de um acto sexual de relevo, para que exista constrangimento, o qual pode ocorrer com distintas ações.
Aliás, face à transposição da Convenção de Istambul para a lei nacional, atualmente, muitos autores defendem uma noção ampla de violência/constrangimento que deverá bastar-se com o dissentimento. De qualquer modo, conforme referido, não é essa a questão merece discussão nos autos.
Como exemplo de que factos análogos a estes são considerados pela nossa jurisprudência como um crime de coação sexual, veja-se o exposto no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de junho de 2022, in www.dgsi.pt.
Face a tudo quanto acima já se deixou referido relativamente ao crime de coação sexual, facilmente se constata que os factos praticados pelo arguido preenchem inequivocamente o tipo objetivo do crime em causal, uma vez que o arguido constrangeu (dando-se aqui por reproduzido o que acima se expôs quanto ao que deve ser entendido por constrangimento) a ofendida a suportar actos sexuais de relevo.
Nestes termos, o arguido com a sua conduta preencheu, sem margem para dúvidas, o tipo de crime de coação sexual, p. e p. pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal.
Dado que se provou que o arguido actuou de forma livre deliberada e consciente ao manter com a menor CC os actos acima descritos, agindo com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e com vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor, bem sabendo que agia contra a sua vontade e que colocava em crise os sentimentos de pudor e vergonha da mesma, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas, tendo plena consciência de que a menor tinha apenas 14 anos de idade e, não obstante, não se coibiu de praticar os actos supra descritos, contra a sua vontade, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais, e sabendo que os factos que praticou, com e sobre a menor, eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade desta e que tinham reflexos na esfera sexual da mesma, está preenchida também a vertente subjetiva do tipo, pois o arguido agiu com dolo direto (artigo 14.º do Código Penal).
Mas para que exista crime é necessário que a ação do agente para além de típica seja ilícita e culposa.
Diz-se ilícita toda a conduta, típica no âmbito penal, que seja contrária à ordem jurídica vigente. E essa contrariedade poderá ser afastada se se verificar qualquer causa que exclua a ilicitude, o que no caso vertente não ocorreu, sendo a conduta do arguido ilícita.
No que toca à culpa, ela existirá quando o arguido ao agir de forma típica e ilícita, tenha consciência da ilicitude da sua conduta e vontade de se motivar de acordo com essa consciência.
Também aqui, a culpabilidade do arguido poderá ser afastada se existir qualquer causa que exclua a culpa, pois nesse caso a sua conduta não merece censura ético-jurídica.
Não sendo o que acontece nesta situação, a conduta do arguido é igualmente culposa.
Resta analisar as agravantes que vêm imputadas ao arguido e que estão consagradas no artigo 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6, também do Código Penal.
De acordo com este normativo:
1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
(…) c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.
(…) 6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos.
Ora, face aos factos provados não existem dúvidas de que o arguido com a sua conduta preenche as duas agravantes, ainda que, na prática, não se verifique uma dupla agravação da pena (sendo só considerada para esse efeito de agravamento da moldura abstrata da pena uma circunstância agravante), sendo que o facto de serem preenchidas duas agravantes será considerado ao nível da medida concreta da pena.
Mas concretizando, os factos foram praticados com pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, sendo que no caso a menor é uma pessoa particularmente vulnerável não só face à sua idade, mas aqui particularmente face ao atraso cognitivo de que padece (o que preenche a qualificativa da alínea c) do n.º 1 do artigo).
E os factos foram praticados com menor de 16 anos de idade, o que preenche a agravante do n.º 6 do mesmo artigo.
O arguido cometeu, pois, um crime de coação sexual, p. e p. pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal, agravado pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6, do mesmo Código. (…)”.
O Tribunal a quo procedeu, assim, à correcta qualificação jurídica dos factos apurados, em moldes que secundamos.
O bem jurídico protegido no crime de coacção sexual é, efectivamente, a liberdade da pessoa de escolher o seu parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo.
Relativamente ao que se deve entender por acto sexual de relevo, refere Paulo Pinto de Albuquerque (in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, pág. 724 e 725), que o mesmo é a ação de conotação sexual de uma certa gravidade objetiva realizada na vítima, que inclui a cópula vulvar, bem como o toque em partes do corpo, nos órgãos genitais, seios, nádegas, coxa e boca, e que afecta gravemente a liberdade sexual da vítima, a qual é transformada em objeto do prazer do agente, como se de uma coisa se tratasse e de que ele pudesse dispor.
Não obstante todas as considerações doutrinais e jurisprudenciais que se conhecem, temos por correcta a definição de “acto sexual de relevo” como todo o comportamento que, de um ponto de vista essencialmente objectivo, pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima ( cf., no mesmo sentido, entre outros o Acórdão do TRL datado de 7/09/2022, proferido no processo nº 81/18.0GILRS.L1-3, em que foi relatora Maria Leonor Botelho, in www.dgsi.pt).
Assim sendo, o arguido ao agarrar ou apalpar a mama da menor, por dentro e por fora da blusa que a mesma trazia vestida, e ao friccionar com a sua mão, com intenção masturbatória, a zona púbica e vaginal da menor, por cima da roupa desta, com o propósito de satisfazer os seus instintos sexuais, praticou um acto sexual de relevo.
Acresce que, ficou demonstrado que o arguido actuou do modo descrito, sem o consentimento e contra a vontade da ofendida, aproveitando-se da idade da menor e do facto de estarem num local público, levando-a a não reagir perante o comportamento do arguido, facto que espelha o constrangimento a que a ofendida foi sujeita.
Todo o comportamento do arguido é deveras constrangedor para a menor, sendo que a ofensa é tanto mais grave quando se atende à idade da menor, à perturbação que causou na sua esfera íntima e privada e às possíveis consequências, a nível psicológico, que tal acto poderá produzir no normal desenvolvimento da sua personalidade e nos seus relacionamentos afectivos futuros.
O comportamento do arguido ofende também, de forma significativa e indubitavelmente, a consciência jurídico-axiológica da sociedade em que vivemos, sendo os seus actos altamente censuráveis, quer sejam considerados numa perspectiva objectiva, quer subjectiva, e significativamente violadores dos valores defendidos através das normas penais.
No sentido do decidido, quanto ao que se deve entender por acto sexual de revelo, citam-se, a título de exemplo, os seguintes Acórdãos, in www.dgsi.pt:
- Acórdão do TRP datado de 14/07/2021, proferido no processo nº 116/19.0JAAVR.P1, em que foi relatora Maria Dolores de Sousa e Silva: “I - São atos sexuais de relevo os que constituem uma ofensa séria e grave à intimidade do sujeito passivo e invadem de maneira objetivamente significativa aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano. II - É ato sexual de relevo um beijo na boca de uma menor de nove anos, na sequência do envio de mensagens de teor amoroso. III - É ato sexual de relevo a apalpar dos seios e da zona vaginal. (…)”;
- Acórdão do TRP datado de 8/06/2022, proferido no processo nº 3926/17.9JAPRT.P1, em que foi relatora Amélia Catarino: “I – O acto do arguido se colocar em frente da ofendida, lhe afastar as pernas e iniciar movimentos de vai e vem projetando a anca para trás e para a frente, em clara imitação dos gestos e movimentos característicos de cópula, acompanhado do facto de ter perguntado à ofendida, se ela queria engravidar do filho, oferecendo-se para exemplificar posições sexuais propícias a essa finalidade, sem dúvida que tem de se considerar acto sexual de relevo e susceptível de constranger a ofendida, menor de 16 anos, porquanto configura, por si só, um acto que para o comum das pessoas está associado ao acto sexual. II – A simulação do acto sexual através do oscilar das ancas para trás e para a frente, apesar de não tocar no corpo da vítima, atinge um grau de perigosidade tal que é ofensivo da liberdade de determinação sexual da ofendida, que nos leva a considerar este comportamento do arguido como integrador do conceito de “acto sexual de relevo”. É inquestionável que a ofendida não mais voltará a ser a mesma após ter sido sujeita a tais actos depravados, e torpes de cariz sexual por parte do arguido. Tais ocorrências terão forçosamente repercussões no desenvolvimento da sua personalidade, incomensuráveis é certo, quanto ao devir das consequências psicológicas na sua esfera intima.”
Impõe-se, assim, concluir que não merece censura a qualificação dos factos feita pelo Tribunal recorrido, sendo a matéria de facto apurada suficiente para integrar os elementos objectivo e subjectivo do crime de coacção sexual em que o recorrente foi condenado, pelo que improcede também nesta parte o recurso.
D) Medida da pena
O arguido veio também impugnar a pena concreta que lhe foi aplicada, de 4 anos de prisão efectiva, alegando que a mesma é desproporcionada, excessiva e desconforme face ao que têm sido as decisões jurisprudenciais nesta matéria, devendo ser-lhe aplicada uma pena inferior e suspensa na sua execução.
Vejamos se lhe assiste razão.
Foi o arguido condenado pela prática de um crime de coação sexual agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts.º 163º, nº 1, 177º, nº 1, alínea c) e nº 6 do Cód. Penal, por referência ao art.º 14º, nº 1 do mesmo diploma legal.
Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, que são os seguintes:
Artigo 71.º - Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”
Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 28/09/2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, as finalidades da punição e a determinação em concreto da pena, nas circunstâncias e segundo os critérios previstos no art.º 71º do Cód. Penal, têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena.
Tais elementos e critérios contribuem não só para determinar a medida da pena adequada à finalidade de prevenção geral, consoante a natureza e o grau de ilicitude do facto tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, em função das circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão e arrependimento e permitem também apreciar e avaliar a culpa do agente.
Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
Conforme explicita Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha entre penas alternativas e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.
Quanto à função que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este autor, in ob. cit., § 500, págs. 332 e 333, que: «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração»
Também neste sentido decidiu o STJ em acórdão datado de 12/09/2012, proferido no processo nº 1221/11.6JAPRT.S1, em que foi relator Raul Borges, in www.dgsi.pt:”A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção.
Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no trecho de vida aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação e em discussão, antes a ultrapassando com uma configuração quantitativa e qualitativamente mais abrangente, bem mais ampla e gravosa em termos de lesividade, privando de vida a ex-companheira.
A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.”
No entanto, do que se trata agora é de sindicar as operações feitas pelo Tribunal a quo com essa finalidade.
Ainda segundo Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Para este autor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Voltando ao caso dos autos, o acórdão recorrido fundamentou a aplicação ao arguido da pena em apreço pela seguinte forma:
“(…) Cientes que estamos, neste momento, do tipo legal preenchido, importa, agora, determinar, em concreto, qual a pena a aplicar ao arguido.
A moldura penal aplicável ao crime de coação sexual do artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal, é de prisão até 5 anos.
Subsequentemente, por força das agravantes do artigo 177.º, n.º 1, alínea c), e n.º 6, do Código Penal, a pena é agravado de um terço nos seus limites mínimo e máximo, o que no caso corresponde a uma pena de 1 mês e 10 dias a 6 anos e 8 meses de prisão.
Acresce que o arguido se encontra acusado como reincidente, nos termos do artigo 75.º do Código Penal.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 75º nº 1 do Código Penal, é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Mais concretiza o nº 2 do mesmo dispositivo legal que o crime anterior porque o arguido tiver sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
Vertendo ao caso dos autos temos que, perante os factos demonstrados, se verificam quer os pressupostos formais quer o pressuposto material da aplicação do instituto da reincidência, pois que, estando em causa crimes da mesma natureza ou similar – crimes sexuais praticados contra menores – , e quando o arguido estava em liberdade condicional relativamente à anterior condenação sofrida, pelo que não poderá deixar de se considerar que a anterior condenação sofrida pelo mesmo não lhe serviu de suficiente advertência contra a prática de novos crimes. Com efeito, como se deixou demonstrado, o arguido não conseguiu sequer durante o período em que estava em liberdade condicional abster-se da prática de novos crimes, o que lhe é especialmente censurável.
Nesse contexto, em que o arguido se revelou incapaz de se autodeterminar de acordo com as normas jurídicas vigentes, mesmo após haver sido condenado em penas de prisão efetiva que cumpriu, situação que em nada alterou o seu percurso de vida e o modo como encarou as dificuldades com que se deparou, deve ser especialmente censurada a prática de novo crime, como foi intenção do legislador ao criar o instituto da reincidência.
O arguido será, pois, condenado como reincidente, elevando-se o limite mínimo da pena de um terço, permanecendo inalterado o limite máximo – artigo 76º do Código Penal –, o que equivale a uma moldura penal abstrata de 1 mês e 23 dias a 6 anos e 8 meses de prisão.
Resta, portanto, determinar a medida concreta da pena.
As ideias base que devemos ter presentes para alcançar a medida concreta da pena são as de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º do Código Penal).
Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma jurídica violada. Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta.
Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena, mesmo atendendo a considerações de carácter preventivo.
Finalmente, considerando o ponto fundamental das necessidades de tutela dos bens jurídicos e o limite inultrapassável fixado pela culpa do arguido, há que encontrar a medida da pena que melhor responde às necessidades da prevenção especial de socialização.
Os fatores que nos permitirão decidir, face às considerações acima expostas, qual a medida da pena adequada ao caso concreto do arguido, constam do artigo 71º do Código Penal. Iremos atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (pois essas já foram consideradas), deponham a favor do agente ou contra ele.
Na ponderação da dosimetria da pena deste tipo de ilícitos criminais têm de tecer-se diversas considerações, sempre sem perder de vista o já mencionado.
Acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça in www.dgsi.pt, processo n.º 14/09.5GBRMZ.E2.S1, que é aplicável a toda a criminalidade sexual, enfatize-se que “este tipo de crimes é sentido pela sociedade com especial apreensão, elevando com isto as exigências de prevenção geral dado que a sociedade vê nos bens jurídicos lesados importantes bens a proteger, (…) a impor necessidades acrescidas na preservação e manutenção da norma protetora do bem jurídico em causa”, pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
Assim, há que atender aos seguintes factos: o grau de ilicitude da atuação do agente, que se revestiu de considerável gravidade, atento o modo de atuação descrito, em que o arguido concretiza o crime aproveitando-se da circunstância de a ofendida estar na sua presença porque estava acompanhada da mãe e num «suposto ambiente controlado» em que poderia confiar que estava em segurança, bem como os actos levados a cabo pelo arguido, que acabam por correr em público, em que o grau de exposição e humilhação da menor é exponencialmente aumentado; o grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, que assumem uma gravidade já considerável, particularmente face às caraterísticas pessoais da menor e consequências que tiveram na mesma; o dolo é direto; a existência de antecedentes criminais por parte do arguido, incluindo da mesma natureza; o facto de não se encontrar social ou profissionalmente inserido; a ausência de demonstração de qualquer tipo de arrependimento ou de interiorização do desvalor da sua conduta, antes procurando desvalorizar os factos e até por em causa a credibilidade da menor, não se preocupando sequer em denegrir a imagem desta, afirmando que a mesma não revelou desconforto com o que lhe sucedeu (como se menor pudesse ser culpabilizada pelos factos ocorridos).
As necessidades de prevenção geral positiva são aqui de considerável relevo, atendendo a que crimes desta mesma natureza vão sendo, lamentavelmente, frequentes na nossa comunidade, onde causam sempre algum alarme social, importando, assim, desmotivar condutas análogas.
A culpa do arguido aponta-nos para um ponto também já elevado dentro da moldura penal respetiva, atendendo a que agiu com dolo direto e num contexto em que se aproveitou da disponibilidade da presença da menor, confiada à sua mãe, e que a colocou juntamente com o arguido, numa alegada situação de encontro entre ambos, que o arguido aproveitou para praticar os factos.
Finalmente, as necessidades de prevenção especial de socialização, no presente caso, também são elevadas, face à ausência de sentido crítico e de arrependimento, por parte de um arguido que estava em liberdade condicional, sem inserção familiar ou profissional, momento da sua vida em que devia aproveitar para se integrar social, uma vez que estava a receber ajuda nesse sentido, mas antes optou pela prática de novo crime.
Por tudo o exposto, consideramos adequada a pena de 4 anos de prisão. (…)”
Analisada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida das penas, não ultrapassou os limites da moldura da culpa do agente e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial.
Na verdade, as razões e necessidades de prevenção geral positiva são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crime gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade por pôr em causa a liberdade de determinação sexual da vítima e a sua saúde física e mental, assim como a ordem e tranquilidade públicas.
Tal deve-se ao facto de a ocorrência deste tipo de crimes gerar sempre o sentimento comunitário de que o agente padece de uma perturbação do foro psíquico e pode repetir, a qualquer momento, os mesmos comportamentos com outras vítimas, o que justifica uma resposta punitiva firme, para assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas e restabelecer a paz social.
Regista-se também que no caso dos autos é muito elevado o grau de ilicitude com que foram praticados os factos, atenta a falta de inibição do arguido em praticar tais factos num local público, com uma menor com deficit cognitivo, que o mesmo não podia desconhecer, ao lado da mãe da menor e com pessoas estranhas a assistir.
Ao contrário do alegado pelo arguido, as suas condições pessoais e sociais foram tidas em conta na medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
Não obstante o visionamento do vídeo junto aos autos, o arguido ainda procurou justificar a sua conduta, o que revela falta de empatia para com a vítima e uma ausência de consciência do mal que lhe infligiu, o que revela que são elevadas as exigências de prevenção especial e que o mesmo tem especiais necessidades de ressocialização.
Por tudo o exposto, entende-se ser de manter a pena concreta aplicada ao arguido e julgar também improcede neste tocante o recurso.
E) Suspensão da execução da pena
Entende ainda o arguido que a pena de prisão que lhe foi aplicada deve ser suspensa na sua execução.
Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do Cód. Penal, onde se prevê que:
“ 1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, consta do acórdão recorrido o seguinte:
(…) De acordo com o disposto no artigo 50º do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, neste caso em concreto, o arguido tem antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza ou similar, tendo cumprido pena de prisão efetiva, o que não lhe serviu de advertência suficiente para se afastar da prática de factos análogos.
Além disso, no respetivo relatório social conclui-se:
“AA processou parte do seu desenvolvimento, integrado em ambiente socioeconómico desfavorecido e caracterizado pelos momentos de austeridade e agressividade perpetrados pelo pai.
Desenvolveu algumas capacidades escolares, interesses e motivações que, no entanto, o seu estado de saúde e posteriormente o estado de saúde dos pais, não deixou prosseguir.
Neste momento não dispõe de enquadramento familiar protetor e simplesmente de acolhimento que facilitem o seu processo de reinserção social, dependendo de apoio institucional até se reequilibrar e reorganizar no seu regresso a meio livre.
Em caso de condenação AA, necessitará de um acompanhamento mais intensivo de forma a controlar a sua problemática no plano da sexualidade”.
Os fatores de risco que estavam presentes aquando da libertação condicional do arguido continuam a persistir.
Em consequência do que ficou dito, entendemos que as finalidades da punição apenas poderão ser alcançadas de modo adequado e suficiente com a aplicação de uma pena de prisão efetiva, não sendo possível, de modo algum, formular um juízo de prognose favorável no sentido de que uma pena de prisão suspensa na sua execução fosse suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes.
Pelo exposto, a pena de 4 anos de prisão aplicada será de cumprimento efetivo. (…)”
Ora, não só concordamos com toda a argumentação do Tribunal a quo, como temos a acrescentar que não é possível fazer um prognóstico favorável a que uma suspensão de pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos, quando o crime em apreço foi cometido durante o período da liberdade condicional de que o mesmo beneficiava.
Em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que as exigências de prevenção especial e de socialização do arguido não se satisfazem com a suspensão da execução da pena de prisão, devendo o mesmo cumprir a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada.
F) Montante indemnizatório a pagar pelo arguido à vítima
Nos presentes autos foi julgado o pedido de indemnização civil apresentado nos autos por BB, em nome e em representação da menor CC, contra o arguido/demandado, parcialmente procedente, e condenando o demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor na sequência da conduta do arguido/demandado, absolvendo-se o demandado do restante pedido.
Como fundamento do recurso, invoca ainda o recorrente que é excessivo o quantum da indemnização fixada, atento o acompanhamento psicológico que já está a ser prestado à ofendida e as condições económicas do arguido, devendo ser fixado um valor abaixo do montante estabelecido, ao que acresce que a indemnização deve ser paga à menor e não ao seu pai e que os juros devem ser contabilizados apenas desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória.
A este respeito decidiu o Tribunal recorrido que:
(…)Como se referiu acima, BB, em nome e em representação da menor CC apresentou um pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, no âmbito do qual pede a condenação daquele no pagamento de uma indemnização no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros),acrescido de juros de mora, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor na sequência da conduta do arguido/demandado.
De harmonia com o disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”.
Nos presentes autos, apurou-se que o arguido, de forma deliberada, livre e consciente, ofendeu a demandante civil na sua integridade física e psicológica, nos termos supra descritos (constrangendo-se a sofrer actos sexuais de relevo).
É com base nestes factos ilícitos que, sob o prisma do direito civil, se poderá alicerçar a sua obrigação de indemnizar.
Assim, não há dúvida de que o arguido/demandado, com a sua atuação, violou ilicitamente direitos da demandante, constituindo-se, assim, na obrigação de a indemnizar pelos danos que lhes causou.
Assente a autoria do facto civilmente ilícito e culposo e determinados os sujeitos da relação jurídica de indemnização, importa proceder ao cômputo do quantum indemnizatório.
A responsabilidade civil visa, fundamentalmente, a reparação de danos. E, por isso, depende sempre da existência do dano, resultante do acto ou facto jurídico danoso.
O dano analisa-se, juridicamente, na supressão ou diminuição de uma situação favorável protegida pelo Direito (Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II – 283) e pode ser considerado numa perspetiva de dano patrimonial ou de dano moral.
O pedido formulado pela demandante no âmbito destes autos reporta-se a indemnização por danos morais ou não patrimoniais.
Relativamente aos danos morais vêm pedidos pela um total de € 5.000,00.
No que se reporta aos danos morais, refere o artigo 496.º do Código Civil que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal”.
Face ao sofrimento essencialmente psicológico que da conduta do demandante resultou para a demandada CC, aqui representada pelo seu pai, tem esta direito a ser indemnizada, conforme é sua pretensão.
Assim sendo, entende-se adequado e equitativo, face ao sofrimento que se demonstrou que a demandante passou no momento em que os factos ocorrerem e às perturbações de que passou a padecer subsequentemente a eles, fixar o montante da indemnização dos danos morais sofridos pela demandante em € 3.500,00.
O pedido de indemnização civil da demandante deverá, pois, proceder parcialmente, sendo o demandado condenado a pagar à demandante o montante de € 3.500,00.
A este valor acrescerão, porque peticionados, juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento.(…)”
Da análise desta parte da decisão recorrida decorre que foram bem ponderadas as circunstâncias que qualificam os danos sofridos pela vítima em resultado da conduta do arguido.
De acordo com o disposto no art.º 129º do Cód. Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Quanto à responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõem os arts.º 483º, nº 1, 486º e 563º do Cód. Civil que tem a mesma os seguintes pressupostos:
a) o facto ilícito, enquanto acção voluntária, ou omissão, violadora de bens jurídicos patrimoniais ou pessoais de terceiros;
b) o nexo de imputação do facto ao lesante;
c) a existência de um dano ou prejuízo causado pelo facto ilícito;
d) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Segundo o disposto no art.º 496º, nº 1 do mesmo diploma, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ainda segundo o previsto no art.º 562º do Cód. Civil, a obrigação de indemnizar tem em vista a reconstituição da situação que existiria na esfera patrimonial do lesado se não tivesse ocorrido o facto causador da lesão.
A indemnização por danos morais, visando uma compensação do lesado pelo sofrimento, é fixada segundo critérios de equidade, nos termos previstos nos arts.º 496º, nº 4 e 566º, nº 3 do Cód. Civil, e actualizada ao momento do julgamento ( cf., neste sentido, Ac. STJ de 14/3/91, in BMJ 405, pág. 443 ).
Importa, no entanto, determinar quais são os danos não patrimoniais indemnizáveis.
Conforme é hoje unanimemente entendido, a gravidade do dano não patrimonial mede-se por um padrão objetivo, consoante as circunstâncias do caso concreto, devendo ser afastados fatores suscetíveis de traduzir uma sensibilidade exacerbada ou requintada do lesado (cf., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 499, nota 1).
O dano indemnizável deve ser assim um dano de tal modo grave que mereça a tutela do direito e justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, não relevando para efeitos de indemnização os simples incómodos ou contrariedades (cf., neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª Edição, pág. 606).
A gravidade do dano deve, pois, aferir-se com recurso a critérios objectivos, como sejam a dignidade e o valor intrínseco do bem ou interesse jurídico violado.
Não é, no entanto, possível estabelecer um paralelismo absoluto entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico violado, havendo outros factores que podem conferir gravidade ao dano, como por exemplo a intensidade da lesão, quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa, e a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos critérios da dignidade e da intensidade poderia ficar sem protecção.
Na determinação dos danos não patrimoniais indemnizáveis cabem ainda os decorrentes de uma especial sensibilidade do lesado, como sejam a doença, a idade e a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais.
Não são, no entanto, atendíveis os meros incómodos e pequenas contrariedades, que na perspectiva do lesado mereceriam a tutela do direito, mas que não passam no crivo de uma avaliação objectiva ou de mero bom senso.
Quanto à definição de quais sejam os danos não patrimoniais indemnizáveis, destaca-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha e a ansiedade, nele se incluindo também a própria dor, que no direito português abrange quer a dor física, quer o sofrimento moral.
É ainda possível a ofensa de bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico e insuscetíveis de avaliação pecuniária, como sejam a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra ou a reputação.
A ofensa objectiva destes bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou moral ( cf. neste sentido, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6ª Edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 375).
Também Antunes Varela identifica os danos não patrimoniais com os prejuízos, como as dores físicas, os desgosto morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética, que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome, pelo que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados pecuniariamente (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, 2003, pág. 602 e seguintes).
Na senda da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tem-se vindo também a autonomizar do dano moral em sentido estrito, o dano não patrimonial derivado da lesão da dignidade humana, decorrendo esta autonomização do reconhecimento de que os actos atentatórias da dignidade humana provocam angústia, amargura e desespero ( cf. neste sentido “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. III, Direito das Obrigações, 2007, págs. 505 a 512).
No entanto, como sustenta Vaz Serra, in BMJ, vol. 83º, pág. 85: “ (…) a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão; trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de avaliação”.
Assim sendo, uma vez que o ressarcimento dos danos não patrimoniais deriva da violação de direitos fundamentais, deve-se abandonar um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes indemnizatórios.
A decisão recorrida encontra-se, também neste tocante, bem fundamentada de facto e de direito.
Os danos morais sofridos pela vítima em resultado do comportamento do arguido, tendo em conta a idade da vítima e o constrangimento de terem ocorrido num local público, sem qualquer inibição do agente, são de tal modo graves que merecem, efectivamente, a tutela do direito, impondo-se atribuir à vítima uma indemnização compensatória pelo seu sofrimento.
Uma vez que não existe a possibilidade de quantificar os danos morais, a sua ressarcibilidade tem que ser feita com recurso à equidade, ou seja, através de um critério de razoabilidade, ditado pelo bom senso.
Face aos danos de natureza não patrimonial em apreço há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos, mas sem representar um enriquecimento injustificado da lesada à custa do lesante, atentas as condições económicas deste último.
Analisando a decisão recorrida e a factualidade apurada, considera-se justo e proporcional condenar o arguido a pagar à ofendida o montante de 3.500 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
O facto de a ofendida já se encontrar a ter acompanhamento psicológico e já padecer de problemas do foro psicológico anteriores, em nada contende com a responsabilização do arguido pelos danos não patrimoniais decorrentes para a vítima da prática do crime em apreço.
Na verdade, existe um nexo causal entre os comportamentos do arguido e os danos sofridos pela vítima, o qual justifica a responsabilização do arguido pelo ressarcimento de tais danos, responsabilização essa que não pode ser diminuída pelo facto de a vítima já se encontrar a ter acompanhamento psicológico.
No caso concreto, face a tudo quanto antecede, à luz da equidade, entende-se que a quantia em apreço é justa, adequada e proporcional, mostrando-se, de acordo com as especificidades do caso concreto, perfeitamente consentânea com os valores atribuídos e os critérios seguidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores em casos que com este têm alguma similitude.
Por outro lado, a condenação do demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, decorre do disposto no art.º 805º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 483º, nº 1, ambos do Cód. Civil, relativos às obrigações decorrentes de facto ilícito, pelo que também não assiste razão ao recorrente relativamente a esta matéria.
Pretende ainda o recorrente que a indemnização seja paga à ofendida e não ao seu representante legal, sob pena do valor indemnizatório não ser usado em proveito da mesma.
Sucede, porém, que o pedido de indemnização civil foi formulado por BB, em nome e em representação da sua filha menor CC, em conformidade com o disposto nos arts.º 1878º, nº 1, 1881º, nº 1, 1906º e 1912º do Cód. Civil, relativos à representação dos menores e ao exercício das responsabilidades parentais.
Ou seja, resulta inequívoco do requerimento inicial através do qual foi deduzido o pedido de indemnização cível, que o mesmo é formulado pela menor ofendida/lesada, CC, representada pelo seu legal representante, o seu pai, BB.
Por outras palavras, ainda, se se quiser: neste sede cível, a condenação do arguido/demandado é no pagamento à menor ofendida/lesada, CC, representada pelo seu legal representante, o seu pai, BB, da quantia de € 3.500,00, acrescida de juros de mora.
Por conseguinte, e com esta precisão, também nesta parte, nada há a alterar relativamente ao decidido em 1.ªa instância.
Por todo o exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida se mostra bem fundamentada de facto e de direito e não violou nenhum dos preceitos legais invocados pelo recorrente, pelo que terá o recurso que ser julgado totalmente improcedente e a decisão recorrida integralmente confirmada.
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4. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto por AA e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s, nos termos do art.º 513º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.

Lisboa, 5 de Março de 2024
Carla Francisco
Paulo Barreto
Rui Coelho