Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1810/22.3T8CSC.L1-8
Relator: MARIA DO VALE CALHEIROS
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
SUSPENSÃO DE ENTREGA DO LOCADO
LEIS COVID
INDEMNIZAÇÃO PELA NÃO ENTREGA DO LOCADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IA suspensão dos actos de execução do despejo/entrega do imóvel prevista na Lei nº 1-A/2020 , de 19.3 , com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021 , de 5.4 , não ocorre no âmbito da acção declarativa comum mas apenas na fase executiva da mesma , e não é automática.

IIA Lei nº 1-A/2020, de 19.3, com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021 , de 5.4, não colocou em crise o direito do locador receber a renda que constituía a contrapartida da cedência do gozo do imóvel, nem tão pouco de ser indemnizado pelo atraso na restituição do imóvel.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam  em conferência os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


A. e S., identificados nos autos, instauraram  acção declarativa com processo  comum contra M., identificada nos autos, pedindo a condenação da Ré a desocupar a fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 5.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua ......., n.º ..., bem como no pagamento da indemnização equivalente a dois meses de renda (€800,00), por cada mês decorrido desde o dia 09 de maio de 2022 até à entrega efectiva do imóvel aos Autores.
Para tanto invocaram, em síntese, ter celebrado com a Ré contrato de arrendamento incidente sobre a referida fracção autónoma,  bem como a cessação desse contrato, com efeitos a partir de 9.5.2022, em virtude de oposição à respectiva renovação validamente efectuada pelos Autores .
Mais alegaram que a Ré não procedeu à entrega  do locado, peticionando uma indemnização pela não restituição do imóvel na data da cessação do contrato de arrendamento.

Foi proferida sentença julgando a acção procedente e decidindo:
1.Julgar válida a Oposição à Renovação comunicada pelos Autores à Ré e declarar a extinção do contrato de arrendamento, por não renovação do mesmo;
2.Condenar a Ré no despejo do locado, correspondente a fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 5.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua ......., n.º ... ,descrito na matriz predial sob o n.º .... da União das freguesias de ......, São ......, Paço ...... e C____, descrito na Conservatória do Registo Predial de ......, 1.ª Secção, sob o n.º ..., da União das freguesias de ......, São ......, Paço ....... e C_____, procedendo à entrega do mesmo livre de pessoas e bens à Autora;
3.Condenar a Ré a proceder ao pagamento da quantia de 800€, por cada mês decorrido desde Maio de 2022 até à entrega efectiva do imóvel aos Autores (subtraído o pagamento que tenha sido realizado de 400€ por cada mês que não entregou a fracção aos Autores) .

Inconformada com a decisão a Ré veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra :
1º-Ficou assente e muito bem pela Douta Sentença recorrida que, com a renovação imperativa de três anos, o novo termo do contrato de arrendamento ocorreu a 1 de Maio de 2022.
2º-Os A.A - os senhorios para se opor à renovação teriam de o comunicar ao arrendatário o mais tardar até 31.12.2021.
3º-Não existem dúvidas dos factos provados, a comunicação dos Autores foi feita a 9 de Novembro de 2021 e posteriormente a 15 de Novembro de 2021, tendo ambas as cartas  dirigidas à morada da Ré –
4º-Em face que dispõe o artigo 9.º, n.º 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano que se refere às comunicações legalmente exigíveis entre as partes, nomeadamente relativas a cessação do contrato de arrendamento, cartas dirigidas à morada do contrato e que os prazos quer da primeira comunicação quer o da segunda foram remetidas dentro dos prazos legais – art. 1097º, nºs 1 e 2, do Código Civil e Artºs. 9 e 10º do NRAU.
5º-Tendo sido tempestiva a comunicação da oposição à renovação do contrato por parte dos Autores à Ré.
6º-A ora Recorrente na sua contestação invocou a suspensão da entrega da casa de morada de família até à cessação da situação excepcional de Prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-COV-2 e da doença COVID-19 e pelo facto de ser portadora de incapacidade de 60 %;
7º-Pelo que apenas com a publicação a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias após a publicação, se revoga as leis que impediam as entregas de imóveis, existe a obrigação da recorrente de restituir o imóvel.
8º-A publicação do Dec. Lei nº 66- A/2022 de 30 de Setembro, que determinou a cessação da vigência de alguns decretos-leis publicados, precisamente no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
9º-Ainda que, inexistindo qualquer declaração de “estado de alerta”, ainda se mantém em vigência da legislação invocada pelos Executados, não estando assim caducada, até 3/8/2023.
10º-E o argumento que pode ser alegado de que a L 1-A/2020 tinha sido revogada tacitamente pelo DL 66-A/2022 não procede;
11º-Portanto não existia a Revogação expressa - da L 1-A/2020-, publicada a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias apos a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis,
12º-Pelo que se manteve em vigor- e de direito – mantendo-se vigente, até à data da publicação a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias apos a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis.
13º-A Sentença recorrida faz uma interpretação na sua aplicação da Lei n.º1-A/2020, de 19-3 que Viola a constituição da Republica Portuguesa nos seus Artºs, – quando se impõe a revogação expressa- da lei- Artº-3 (Força jurídica) e Artº 18 (Soberania e Legalidade da Constituição da República Portuguesa)
14º-A Decisão judicial recorrida violou a lei pela omissão de aplicação da L 1-A/2020 que ainda não tinha cessado a sua vigência porque reportando-se aquela data ainda não tina sido revogada expressamente., precisamente até a publicação a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias após a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis
15º-Este diploma não serviu, para esclarecer se o referido artigo 6º-E aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril já caducou.
16º-Alude-se aos motivos expressos na Proposta de Lei n.º 45/XV3 que se destina a considerar” revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei.”.
17º-A Proposta menciona “considerar revogadas “uma série de Leis,
18º-Pareço claro que a mesma não distingue quais já não estavam em vigor em razão de caducidade ou revogação tácita anterior. 30º-Reporta-se no conjunto dessa mesmas Leis que se consideram revogadas, concretamente a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com excepção do seu artigo 5º). 31º-.
19º-o texto da Proposta chegou à conclusão «. de que é propósito do legislador manter vigentes as alíneas b) a e) do n.º 7, bem como do n.º 8 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março por mais algum período de tempo..»
20º-Revelando de que, apesar do fim do estado de alerta, não se pode considerar ainda ultrapassada a “situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19” e, por consequência, se possa afirmar ter já ocorrido a caducidade do “regime processual excepcional e transitório” introduzido pelo referido artigo .
21º-A restituição não é exigível a partir de 1/5/2022 apesar da sua interpelação […], apesar de operado eficazmente a oposição à renovação do contrato de arrendamento a 1.05.2022, no entanto , não são exigíveis rendas por estar suspensa a entrega do imóvel aos A. A até publicada a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias após a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis.
22º-Tendo a Ré procedido ao pagamento das rendas após a cessação do contrato, tal valor corresponde à indemnização do nº 1, não era devido, deve ser restituído pelos A-A e não sendo devido também o valor de 400,00€ a título de nº 2 (mora) do art. 1045º do CC. Até à da publicação da lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias após a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis
23º-Ao abrigo do disposto no Artº 864 do Cod. Processo Civil perante as razões sociais imperiosas, caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação pelo facto de ser portadora de incapacidade de 60 % ; e - Ter um filho dependente com menos de 25 anos,a estudar, e a situação de baixa médica e graves problemas de saúde da Inquilina que se podem agravar com a efectivação do despejo
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V.Ex.ª que julguem o presente recurso de Apelação procedente e por provado, determinando-se a suspensão da entrega do imóvel à luz do disposto no art.º6.º-E, n.º7, al. b) da Lei 1- A/2020, de 19.3, que se manteve em vigor até publicação da lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias após a publicação, que revoga as leis que impediam as entregas de imóveis e consequentemente, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, nos seguintes termos:
1º-Absolver a Ré do despejo imediato do locado, no sentido de ainda não proceder- (suspender) - a entrega do mesmo livre de pessoas e bens à Autora até a publicação a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias apos a publicação, ou seja 3/8/2023, que revoga as leis que impediam as entregas de imoveis, correspondente a fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 5.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua ......., n.º ... ,descrito na matriz predial sob o n.º .... da União das freguesias de ......, São ......, Paço ...... e C____, descrito na Conservatória do Registo Predial de ......, 1.ª Secção, sob o n.º ..., da União das freguesias de ......, São ......, Paço ....... e C_____,
2º-Absolver a Ré de proceder ao pagamento da quantia de 800€, por cada mês decorrido desde 1 de Maio de 2022, termo do contrato até à data de publicação a lei 31/2023 de 4 julho, com entrada em vigor 30 dias apos a publicação, ou seja 3/8/2023 que revoga as leis que impediam as entregas de imoveis e consequentemente à entrega efectiva do imóvel aos Autores (ficando o pagamento que a recorrente que tinha vindo realizando de 400€ por cada mês que não entregou a fracção aos Autores um seu crédito destinado a prestação de contas- nomeadamente para compensação.) “Os Recorridos  responderam às alegações da Recorrente,  pugnando pela improcedência do recurso .

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.

II–OBJECTO DO RECURSO

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na motivação do recurso em apreciação, estando vedado a este Tribunal conhecer de questões aí não contempladas , sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se impõe ( artigos  635º, nº 2, 639º, nº1 e nº 2 , 663º, nº2 e 608º, nº 2, do  C.P.C.).
Deste modo, e considerando as conclusões do recurso, as questões que  cumpre apreciar são as seguintes :
- o pedido de absolvição do despejo do locado no período compreendido entre 1.5.2022 e 3.8.2023 (data da entrada em vigor da Lei nº 31/2023 , de 4.7) ;
- o pedido de absolvição da Recorrente da condenação no pagamento da quantia mensal de 800,00 euros no período compreendido entre 1.5.2022 e 3.8.2023  (ficando o pagamento que a recorrente que tinha vindo realizando de 400€ por cada mês que não entregou a fracção aos Autores um seu crédito destinado a prestação de contas- nomeadamente para compensação).

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

a)-O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos :
1.–Os Autores, na qualidade de legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 5.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua ......., n.º ... ,descrito na matriz predial sob o n.º .... da União das freguesias de ......, São ......, Paço ...... e C____, descrito na Conservatória do Registo Predial de ......, 1.ª Secção, sob o n.º ..., da União das freguesias de ......, São ......, Paço ....... e C_____, celebraram a 01 de maio de 2017 com a Ré e o Sr. F., pelo prazo de 2 (dois) anos, com início a 01 de maio de 2017 e termo a 01 de maio de 2019, com renovações automáticas por prazos consecutivos de um ano, no caso de não ter sido deduzida oposição à renovação automática, um Contrato de Arrendamento para Habitação por Prazo Certo – conforme documento nº 1 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2.A 01 de maio de 2018, mediante Adenda ao Contrato de Arrendamento, a Ré passou a ser a única Arrendatária no âmbito do aludido Contrato, – conforme documento nº 2 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
3.Os Autores remeteram carta registada com aviso de recepção para a Arrendatária, a 09 de novembro de 2021, mediante a qual lhe comunicavam a oposição à renovação do Contrato de Arrendamento – conforme documento nº 3 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
4.A carta foi recusada pela Arrendatária – conforme documento nº 4 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5.Os Autores voltaram a remeter nova registada C/AR, mediante a qual lhe davam a conhecer a oposição à renovação do Contrato de Arrendamento, desta feita enviada no dia 15 de novembro de 2021, – conforme documento nº 5 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
6.A carta foi recusada pela Ré – conforme documento nº 6 junto com a Petição Inicial, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7.A Ré é portadora de atestado médico de Incapacidade Multiuso de 40% – conforme documento nº 1 junto com a Contestação, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8.Desde data não apurada, mas pelo menos entre 5.09.2022 e 04.20.2022 e 04.11.2022 e 03.12.2022, a Ré encontra-se de baixa com incapacidade para a actividade profissional – conforme documento nº 2 junto com a Contestação e documento 1 junto a 05.11.2022, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9.A ré é portadora de fibromialgia, doença cardíaca, diabetes e doente oncológica - conforme documento nº 3 junto com a Contestação, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

b)-O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos :
- Que o senhorio tenha pressionado a Ré para aumentar a renda.
- Que a Ré acusa o A. de intimidação, ameaçando com as seguintes palavras; «isto não fica assim», «nem que eu vá até as últimas consequências e gaste o que for preciso».
- que Ré sentiu medo/ receio dessas ameaças .
- que um dia quando a Ré chegou a casa o Senhorio estava no seu interior à sua espera.
- que vive com a Ré um dos filhos, T. de 20 anos, estudante com necessidades educativas especiais .
- que a Ré recebe o RSI no valor de 189.66€ .

IVFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O pedido de absolvição do despejo do locado no período compreendido entre 1.5.2022 e 3.8.2023 (data da entrada em vigor da Lei nº 31/2023, de 4.7)
Conformando-se a Recorrente com a decisão recorrida na parte em que julgou tempestiva a comunicação da oposição à renovação da extinção do contrato de arrendamento por parte dos Autores, e por conseguinte cessado esse contrato com efeito a partir de 1.5.2022, sustenta  a mesma que por força do disposto na Lei nº 1-A/2020, de 19.3, que se manteve em vigor até 3.8.2023, não era exigível a restituição do locado no período compreendido entre 1.5.2022 e  3.8.2023, e que por conseguinte o tribunal a quo errou ao determinar  o despejo sem ter em conta essa realidade.

Na data em que produziu efeitos a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre Recorrente e Recorridos, operando a cessação desse contrato, encontrava-se em vigor o artigo 6ºE, nº 7, da Lei nº 1-A/2022, de 19.3, com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4,que dispunha  :
7–Ficam  suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo :
(…)
b)-os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)-os actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa .
Com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4, o legislador passou a prever dois regimes distintos, com âmbitos  de aplicação diversos, consoante se tratasse de actos a realizar em sede de processo executivo que incidam sobre a casa de morada de família -  alínea b) -, ou de actos de execução de entrega de imóvel arrendado – alínea c).
Efectivamente, “o que diferencia o campo de aplicação de ambas as alíneas b) e c), do nº 7, do artº 6ºE é que a primeira, tem por objecto os actos a realizar em sede de processo executivo (…) relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família e a segunda, já incide sobre actos de execução de entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada “. (Acórdão da Relação de Lisboa de 13.10.2022, rel. António Santos, disponível em www.dgsi.pt)
Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que “ a referida alínea c) , prevê , deste modo, um regime especial para a entrega de coisa imóvel arrendada no período transitório a que se reporta a norma em questão, ainda que esta possa constituir a casa de morada de família “.(Acórdão da Relação de Lisboa de 6.12.2022, rel. Cristina Lourenço, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido ver Acórdãos da Relação de Guimarães de 10.3.2022, rel. António Beça Pereira, da Relação do Porto de 27.9.2022,  da Relação de Lisboa de 11.1.2022, rel. Cristina Coelho, da Relação de Lisboa de 13.10.2022, rel. António Santos, da Relação de Lisboa de 6.12.2022, rel. Cristina Maximiano e da Relação de Lisboa de 22.6.2023, rel. Ana Paula Olivença, todos disponíveis  em www.dgsi.pt)
A letra da lei não consente interpretação diversa, sendo de considerar que “ em ambas as alíneas b) e c) do nº 7, do artº 6º-E, há-de estar-se na presença de actos de execução que incidam sobre imóveis que constituam casa de morada de família do obrigado , pois que a alusão -  na  alínea c) – à falta de habitação própria só pode significar que aqui se inclui , necessariamente , a casa de morada de família “. (Acórdão da Relação de Lisboa de 13.10.2022 , rel. António Santos , disponível em www.dgsi.pt)
Deste modo “ a alínea c), do nº 7, do art.º 6º-E da Lei nº 1-A/2020 , de 19 de Março, na redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4 (…) prevê um regime especial para a entrega de coisa imóvel arrendada ou ex-arrendada, no período transitório ase reporta a norma (ainda que aquela possa constituir a casa de morada de família do executado) ficando a suspensão do acto de entrega dependente da procedência de incidente que o executado terá de deduzir na acção executiva, ao abrigo do regime previsto nos artigos 292º a 295º, do Código de Processo Civil e no âmbito do qual terá de alegar e demonstrar que em consequência da decisão de entrega pode ser colocado em situação de fragilidade  por falta de habitação própria ,  ou por outra razão social imperiosa. “. ( Acórdão da Relação de Lisboa de 6.12.2022, rel. Cristina Lourenço  , disponível em www.dgsi.pt ; no mesmo sentido ver Acórdãos da Relação de Guimarães de 10.3.2022, rel. António Beça Pereira, da Relação do Porto de 27.9.2022,   da Relação de Lisboa de 11.1.2022, rel. Cristina Coelho, da Relação de Lisboa de 13.10.2022, rel. António Santos, da Relação de Lisboa de 6.12.2022, rel. Cristina Maximiano e da Relação de Lisboa de 22.6.2023, rel. Ana Paula Olivença, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Como tal a suspensão dos actos de execução do despejo/entrega do imóvel arrendado  prevista na Lei nº 1-A/2020 , de 19.3, com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4,  não ocorre no âmbito da  acção declarativa comum mas apenas na fase executiva da mesma, e não é automática.
Assim sendo no âmbito da presente causa não podia o tribunal a quo suspender a execução do despejo que viesse a decretar, competência que recaía sobre o tribunal onde viesse a correr termos a  execução dessa decisão.
Por último, embora este tribunal de recurso não subscreva o entendimento seguido pelo tribunal a quo de que a vigência da Lei nº 13-B/2021, de 5.4, cessara em 1.10.2022, considerando que essa vigência apenas cessou na data em que entrou em vigor o DL nº 31/2023, de 4.7, a verdade é face ao cima expendido essa circunstância nenhuma relevância reveste para a decisão das questões em apreciação no âmbito do presente recurso.
Nada há assim a censurar neste ponto ao decidido pelo tribunal a quo , improcedendo nesta parte o recurso.

O pedido de absolvição da Recorrente da obrigação de pagamento da quantia mensal de 800,00 euros no período compreendido entre 1.5.2022 e 3.8.2023  (ficando o pagamento que a recorrente que tinha vindo realizando de 400€ por cada mês que não entregou a fracção aos Autores um seu crédito destinado a prestação de contas- nomeadamente para compensação)
Esta pretensão recursória da Recorrente funda-se no entendimento de que estando suspensa a obrigação de restituição do locado no referido período se encontra igualmente suspensa a obrigação de indemnização pelo não restituição durante tal período.
Conforme anteriormente referido a suspensão prevista pela na Lei nº 1-A/2020, de 19.3, com a redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4, reportava-se tão só aos actos de concretização do despejo/entrega, não sendo  automática, e não ao direito à restituição do imóvel.
Confunde assim a Recorrente a suspensão dos actos de execução do despejo/ entrega do imóvel arrendado com a suspensão do direito dos Recorridos a  obterem o reconhecimento da resolução/ caducidade do contrato de arrendamento e a consequente condenação do arrendatário na entrega do imóvel .
Não pode olvidar-se que foi apenas relativamente aos actos tendentes à realização coactiva do direito do proprietário do imóvel arrendado que tem lugar a suspensão prevista no nº 7, alínea c), do art.º 6º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4, não tendo o legislador estendido essa suspensão à acção declarativa que visava o reconhecimento do direito do mesmo e a condenação na entrega do imóvel .
Ora a  Lei nº 1-A/2020, de 19.3, na redacção em vigor até 3.8.2023 , não colocou em crise o direito do locador receber a renda que constituía a contrapartida da cedência do gozo do imóvel, nem tão pouco de ser indemnizado  pelo atraso na restituição do imóvel.
Pelo contrário, as sucessivas leis que desde 2020 lidaram com as particulares necessidades  decorrentes da situação epidemiológica provocada pelo Coronavirús SARS-COV-2 e pela doença Covid-19 apenas preconizaram situações de moratória no pagamento das rendas, verificadas as condições aí previstas .
Conforme escreveu Higina Castelo a propósito da legislação publicada em 2020, mas plenamente aplicável àquela posteriormente publicada, “ a norma em análise é uma norma processual, que não afecta os direitos de crédito das partes de forma directa , nomeadamente o dever do arrendatário pagar a renda ou de o detentor pagar compensação pelo uso, se o contrato tiver terminado “. (Revista do Ministério Público, Número Especial Covid-19, 2020 pág. 339)
Importa ter em conta que “ sendo o locatário interpelado , e continuando no gozo da coisa, fica obrigado ao pagamento do dobro da renda ou aluguer convencionados  até à entrega da coisa “ conforme decorre do nº 2 do artigo 1045º do C. Civil.(Código Civil Anotado, vol. I, coord. Ana Prata, 2017, anotação de Elsa Sequeira Santos, pág. 1272).

Conforme acima referido apesar deste tribunal de recurso não subscrever o entendimento seguido pelo tribunal a quo de que a vigência da Lei nº 13-B/2021, de 5.4, cessara em 1.10.2022, considerando que essa vigência apenas cessou na data em que entrou em vigor o DL nº 31/2023, de 4.7, face ao acima expendido essa circunstância nenhuma relevância reveste para a decisão das questões em apreciação no âmbito do presente recurso.

Não existe assim fundamento legal para a pretendida exoneração da obrigação de pagamento da quantia mensal de 800,00 euros  fixada pelo tribunal a quo durante no período compreendido entre 1.5.2022 e 3.8.2023.

Por outro lado a pretensão de ser descontado o pagamento de 400,00 euros que realizou a título de renda já depois de cessado o contrato de arrendamento já tinha sido acolhida na sentença recorrida com decorre do respectivo dispositivo  .
Improcede assim o recurso interposto.

V–DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 8ª Secção Cível  do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença  recorrida,
Custas do recurso pela Recorrente (artigo 527º, do C.P.C.) .



Lisboa, 4/4/2024


Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Carla Cristina Figueira Matos
Maria do Céu Silva - (com voto de vencido)


Voto de vencido
Os AA. propuseram a ação a 23 de maio de 2022, invocando a cessação do contrato de arrendamento a 9 de maio de 2022, por oposição do senhorio à renovação.
Conforme resulta do art. 14º nº 1 do NRAU, na redação dada pela L 79/2014, de 19 de dezembro, “a ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.”.
Nos termos do art. 1097º nº 1 do C.C., “o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário”.
A lei não impõe o recurso à via judicial para promover a cessação por oposição do senhorio à renovação.
Resulta do art. 15º nº 1 do NRAU, na redação dada pela L 79/2014, que “o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Optar o senhorio pela ação de despejo em vez de pelo procedimento especial de despejo não é indiferente para o arrendatário.
Dispõe o art. 15º-N nº 1 do NRAU, na redação dada pela L 79/2014, que, “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas”.
Na ação de despejo, o arrendatário só pode pedir o diferimento da desocupação no caso de ser deferido o despejo imediato por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação (cf. art. 14º nº 5 do NRAU, na redação dada pela L 79/2014).
Não está previsto o requerimento de diferimento da desocupação na ação de despejo, salvo no caso de despejo imediato, por o legislador ter optado por consagrar a possibilidade de diferimento da desocupação na ação executiva. Na verdade, resulta do art. 864º nº 1 do C.P.C. que, “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas”.
Nos termos do art. 6º-E nº 7 al. c) da L 1- A/2020, de 19 de março, aditado pela L 13-B/2021, de 5 de abril, “ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa”.
Só há atos de execução da entrega do local arrendado no âmbito de ação de despejo quando é deferido o despejo imediato por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação.
A R. apresentou contestação a 30 de setembro de 2022 e, sem pôr em causa a cessação do contrato por oposição à renovação, requereu a suspensão da entrega da casa.
O despacho recorrido foi proferido a 19 de julho de 2023, mais de 9 meses após a apresentação da contestação.
São os seguintes os erros deste despacho:
- Apesar de, no despacho saneador que decida do mérito da causa, o juiz não poder julgar os factos controvertidos como provados ou não provados com base nas provas produzidas até então, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre os factos alegados pela R.
- Apesar de, na data em que foi proferido o despacho recorrido, já estar publicada a L 31/2023, de 4 de julho, que, no seu art. 4º, dispunha que “a revogação das alíneas b) a e) do nº 7 e do nº 8 do artigo 6.º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos 30 dias após a publicação da presente lei”, o tribunal recorrido considerou que, "face à não renovação da situação de alerta pelo Governo a partir do dia 1.10.2022, que a Lei nº 1-A/2020, e consequentemente o regime processual excecional e transitório consagrado no seu art. 6º-E, cessou por caducidade."
A opção do senhorio pela ação de despejo em vez do procedimento especial de despejo não pode traduzir-se numa menor proteção do arrendatário, pelo que a propositura pela R. da ação de despejo quando ainda vigorava o art. 6º-E nº 7 al. c) da L 1-A/2020 tem de obstar à condenação da R. a pagar a indemnização elevada ao dobro prevista no art. 1045º nº 2 do C.C.
Tal norma prevê a situação de mora, de não restituição da coisa locada em devido tempo por culpa do locatário.
Se a situação de fragilidade em que a R. pode ser colocada não pode ser apreciada na presente ação, então não se pode afirmar a culpa da R. no período em que vigorou o art. 6º-E nº 7 al. c) da L 1-A/2020.
Pelo exposto, julgaria parcialmente procedente o recurso, reduzindo a quantia devida por cada mês decorrido desde maio de 2022 até 3 de agosto de 2023 de € 800,00 para € 400,00.
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Maria do Céu Silva