Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4837/13.2TBALM-C.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: PEÇAS PROCESSUAIS
MODO LEGAL DE ENVIO
INOBSERVÂNCIA
CORREIO ELECTRÓNICO
NULIDADE INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–A inobservância do meio previsto para o envio de peças processuais não está cominada no regime legal aplicável.

II–O envio de peça processual por correio eletrónico, meio que não está expressamente previsto no CPC (nem na Portaria nº 280/2013), fora do âmbito de aplicação dos nºs 7 e 8 do artº 144º do CPC, não se insere em nenhuma das nulidades expressamente previstas na lei.

III–Assim, há que concluir que se trata de irregularidade que apenas se reconduzirá à nulidade inominada a que alude o artigo 195º, nº 1, do CPC, se for suscetível de influir no exame ou decisão da causa.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa interposta por Banco … contra B, JM, MGomes e FP, a executada MG deduziu oposição à penhora.

O requerimento foi subscrito por advogada, com carimbo aposto sobre a assinatura, e enviado por e-mail, em março de 2022. No e-mail de junção alegou-se “Venho pela presente, solicitar a V. Exa., que seja aceite o documento em anexo, pois não foi possível o seu envio via citius.”

O requerimento foi digitalizado e introduzido no processo eletrónico.

Foi determinado que a secção informasse o que tivesse por conveniente quanto ao envio por e-mail.

A secção informou o seguinte:
“a ilustre mandatária da executada no email datado de 8 de março de 2022 declara não ter sido possível o envio da oposição via citius. Mais informo V. Exª. que a Secretaria desconhece a razão pela qual a ilustre mandatária não conseguiu fazê-lo.”

O M.P. promoveu o desentranhamento por não ter sido alegado justo impedimento.

Em 29/03/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“O requerimento de oposição à penhora não deu entrada pelo Citius, mas sim por e-mail, no dia 7 de Março de 2022 e encontra-se subscrito por advogado.
Não foi apresentada qualquer justificação fáctica para tal, nem comprovativo de impossibilidade de envio pelo Citius, nem foi alegado justo impedimento (artº 144º, nº 8 do NCPC).
Preceitua o artº 144º do NCPC, sob a epígrafe “Apresentação a juízo dos atos processuais”, no seu nº 1, que: “Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.”
Refere o artº Artigo 132.º do NCPC, sob a epígrafe “Processo electrónico, nos seus nºs 1 e 2, que:
1– O processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos.
2– A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
A tramitação electrónica dos processos judiciais é regulada pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, referindo o seu artº 3º, nº 1, que “A tramitação eletrónica dos processos judiciais prevista na presente portaria é efetuada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.”.
O artº 5º, nº 1 da supra referida Portaria estipula que “1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.”.

Nos termos do artº 6º da referida Portaria:
1-A apresentação de peças processuais é efetuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço eletrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam:
a)-Ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários;
b)-De forma individualizada, os documentos que devem acompanhar a peça processual.
2-A informação inserida nos formulários é refletida num documento que, juntamente com os ficheiros anexos referidos na alínea a) do número anterior, faz parte, para todos os efeitos, da peça processual.
3-O documento contendo a informação inserida nos formulários deve ser assinado digitalmente através de certificado de assinatura eletrónica que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário, podendo ser utilizado para o efeito o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais associado ao Cartão de Cidadão e à Chave Móvel Digital.
4-A assinatura referida no número anterior é efetuada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais no momento da apresentação da peça processual, assegurando o sistema informático que essa assinatura garante a integridade, integralidade e não repúdio da peça processual.
5-Podem ser entregues em suporte físico os documentos: a) Cujo suporte físico não seja em papel ou cujo papel tenha uma espessura superior a 127 g/m2 ou inferior a 50 g/m2; b) Em formatos superiores a A4.
6-A entrega dos documentos referidos no número anterior deve ser efetuada no prazo de cinco dias após o envio dos formulários e ficheiros através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
Refere o nº 7 do artº 144º do NCPC que “Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas: a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal; c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição; d) Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.”
Todavia, “Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.” (nº 8 do artº 144º do NCPC).
Porém, nos presentes autos, não foi alegado justo impedimento (artº 140º, nº 1 do NCPC), nem foi oferecida qualquer prova (nº 2 do artº 140º do NCPC).
Pelo exposto, não admito a prática do acto mediante envio de e-mail.
Custas pela Opoente, sem prejuízo do apoio judiciário.”

A executada recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“A requerente sabia que o envio do requerimento de oposição à penhora deveria ter sido enviado via Citius. Porém, tal não foi possível, pois o processo era omisso, não restando assim outra via para além do e-mail.
Refere o nº 7 do art. 44º do NCPC que “a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no nº 1 é efetuada por uma das seguintes formas:
d)-Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no nº 2 do art. 132º, valendo como data da prática do ato, a da respetiva expedição.”
Todavia, “Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos praticados nos termos indicados no nº1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior (nº 8 do art. 144º do NCPC).
Ora, refere o nº1 do art. 140º do NCPC “Considera-se justo impedimento, o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.”
Refere o nº 3 do mesmo artigo “É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o nº 1 constitua facto notório, nos termos do nº 1 do art.412º, e seja imprevisível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.
Refere o nº 2 do referido art. 412º “Também não carecem de alegações os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra desses factos deve fazer juntar ao processo documento que os comprove”
Ora, a requerente quando enviou o e-mail, mencionou que o referido ato processual estava a ser enviado por essa via por não ser possível o seu envio via Citius. E o motivo era notório ao tribunal, pois o processo não era visível no Citius.
Também não houve tempo para enviar por correio, pois a defensora oficiosa não foi notificada. Esse facto também é notório e do conhecimento oficioso do Tribunal, pois basta consultar o processo.
Nos termos expostos, com os respetivos fundamentos e com o douto suprimento de V. Exas., deverá revogar-se a douta decisão recorrida e considerar-se válida e aceite a prática do ato enviado via e-mail.
Ou se V. Exas. assim o entenderem, dar-se nova oportunidade à requerente de deduzir oposição à penhora, com o prazo de 10 dias, conforme termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código de Processo Civil, para poder enviar via citius ou correio registado.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
*

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em apurar se o envio do requerimento de oposição à penhora por correio eletrónico determina a não admissão da prática do ato.

Estabelece o artº 132º do CPC:
1-O processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos.
2-A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
3-Em caso de indisponibilidade do sistema referido no número anterior, os atos dos magistrados podem excecionalmente ser praticados em papel, procedendo a secretaria à sua digitalização e inserção naquele sistema.
4-A tramitação eletrónica dos processos deve garantir a respetiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade, bem como o respeito pelo segredo de justiça e pelos regimes de proteção e tratamento de dados pessoais e, em especial, o relativo ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.
5-As comunicações entre tribunais ou agentes de execução e entidades públicas e outras pessoas coletivas que auxiliem os tribunais no âmbito dos processos judiciais podem ser efetuadas por via eletrónica, através do envio de informação estruturada e da interoperabilidade entre o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e os sistemas de informação das referidas entidades, nos termos previstos em portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e pela entidade pública em causa.
6-O processo pode ter um suporte físico, a constituir nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, com o objetivo de apoiar a respetiva tramitação.”

E o artº 144º do CPC, sob a epígrafe “apresentação a juízo dos atos processuais” dispõe:
1–Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.
2–A apresentação de peça processual nos termos do número anterior abrange também os documentos que a devam acompanhar, ficando a parte dispensada de remeter os respetivos originais, exceto quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não permitirem o seu envio eletrónico, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
3–(Revogado.)
4–Os documentos apresentados nos termos previstos no n.º 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.
5– O disposto no n.º 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por via eletrónica, sempre que o juiz o determine nos termos da lei de processo, designadamente quando:
a)-Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos;
b)-For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos.
6–Quando seja necessário duplicado ou cópia de qualquer peça processual ou documento apresentado por via eletrónica, designadamente para efeitos de citação ou notificação das partes, compete à secretaria extrair exemplares dos mesmos.
7–Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:
a)-Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b)-Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c)-Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
d)-Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.
8–Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.
9–Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 34/2009, de 14 de julho, o disposto no n.º 7 é igualmente aplicável à apresentação de peças processuais e outros documentos por peritos e outros intervenientes processuais não representados por mandatários.
10–Quando a peça processual seja apresentada por via eletrónica e o sistema de informação através do qual se realiza a apresentação preveja a existência de formulários com campos para preenchimento de informação específica:
a)-Essa informação deve ser indicada no campo respetivo, não podendo ser apresentada unicamente em ficheiros anexos;
b)-Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
11–Quando a apresentação de peças processuais e documentos for efetuada em suporte físico, nos termos dos números anteriores, a secretaria procede à sua digitalização e inserção no sistema de informação, exceto nos casos em que o formato ou o estado de conservação do documento o não permitirem, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
12–Aos documentos digitalizados pela secretaria nos termos do número anterior é aplicável o disposto no n.º 4.
13–Quando a apresentação de peças processuais e documentos for efetuada nos termos previstos na alínea a) do n.º 7, após a digitalização, as peças processuais e os documentos são devolvidos ao apresentante, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 4 e 5.
14–Nos casos previstos no número anterior, se a secretaria constatar que a digitalização não permite um adequado exame da peça processual ou documento, arquiva e conserva o seu original no suporte físico do processo.”

A Portaria a que se refere o artº 132º, nº 2 do CPC é a Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto regula a apresentação de peças processuais e documentos por via eletrónica, nos seguintes termos:
1–A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados dispensa a remessa dos respetivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.
2–O disposto no n.º 1 não prejudica:
a)-O dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, designadamente, quando:
i)-Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos;
ii)-For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos.
b)-Que, nos processos penais e tutelares educativos, sejam integrados no suporte físico do processo os originais das peças e documentos apresentados nessa forma pelo Ministério Público.
3–A apresentação de peças processuais e documentos pelos magistrados do Ministério Público é efetuada por transmissão eletrónica de dados, através de módulo específico do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.”

Decorre do regime legal que as peças processuais são apresentadas a juízo por via eletrónica.
Esta é a regra, tendo sido previstas as seguintes exceções: tratando-se de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada; justo impedimento.
Nestes casos a parte pode utilizar os meios previstos no artº 144º, nº 7 do CPC, a saber: entrega na secretaria judicial; remessa pelo correio, sob registo; envio através de telecópia; entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
Na decisão recorrida não se admitiu a peça processual por não ter sido enviada por via eletrónica e não se verificar nenhuma das mencionadas exceções, mormente justo impedimento. Na alegação de recurso a apelante pugna pela verificação de justo impedimento.
A patrona da apelante ao enviar o requerimento de oposição à penhora mencionou fazê-lo por correio eletrónico por não ter sido possível o seu envio via citius. Esta sintética alegação não foi acompanhada por qualquer meio de prova.
Por seu turno, a secretaria informou desconhecer a razão pela qual a ilustre mandatária não conseguiu fazê-lo.
Invocar que não foi possível o envio pela via eletrónica é manifestamente insuficiente para fundar justo impedimento, a que acresce não ter sido apresentada qualquer prova da alegada e genérica impossibilidade.
Apenas em sede de recurso a apelante veio defender que não era possível o acesso eletrónico, uma vez que o processo se encontrava omisso no citius, o que era notório ao tribunal. Mais alegou que, não tendo a patrona da requerente sido notificada do prazo para deduzir oposição à penhora, não teve tempo para enviar o respetivo requerimento por outro via, restando-lhe enviar por e-mail, o que também é facto notório e do conhecimento oficioso do Tribunal, pois basta consultar o processo. Invocou o disposto nos artºs 140º, nºs 1 e 3 e 412º do CPC.

Dispõe o artº 140º, nº 1 do CPC:
1–Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2–A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3–É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”

E o artº 412º estabelece:
1.–Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
2.–Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove.”

A alegação de mera impossibilidade de envio de peça processual através do sistema eletrónico, sem qualquer concretização fáctica do respetivo motivo, inviabiliza que tal alegação possa integrar facto notório ou de conhecimento do Tribunal.

Acresce que a secretaria informou que desconhecia o motivo daquela impossibilidade.

São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova.
“O incidente deve ser suscitado logo que tenha cessado a situação invocada como impeditiva da prática atempada do ato. Além de alegar as circunstâncias que motivaram o impedimento, a parte deve apresentar logo os meios de prova”. [1]
A situação em apreço não pode estar a coberto do justo impedimento dado que a apelante não alegou as circunstâncias que motivaram o impedimento nem apresentou qualquer meio de prova. Por outro lado, não está em causa qualquer facto notório ou do conhecimento do tribunal.
A decisão recorrida não imputou expressamente qualquer vício à apresentação da peça processual por correio eletrónico, mas tal imputação está-lhe necessariamente subjacente.
O envio de peça processual por correio eletrónico, meio que não está expressamente previsto no CPC (nem na mencionada Portaria), fora do âmbito de aplicação dos nºs 7 e 8 do artº 144º do CPC, constitui um vício, que importa qualificar com vista a aferir das respetivas consequências.
A inobservância do meio previsto para o envio de peças processuais não está cominada no regime legal aplicável.
O apontado vício não se insere em nenhuma das nulidades expressamente previstas na lei.
Assim, há que concluir que se trata de irregularidade que apenas se reconduzirá à nulidade inominada a que alude o artigo 195º, nº 1, do CPC, se for suscetível de influir no exame ou decisão da causa.

Como se refere no Ac. da RL de 26/09/2017, disponível em www.dgsi.pt “as peças processuais escritas deverão ser apresentadas nos tribunais da Relação através de entrega na secretaria, correio registado ou telecópia. Não estando elencado como forma de apresentação o envio por correio electrónico. O correio electrónico não é, pois, meio idóneo de envio de peças processuais escritas.

Mas daí não se pode retirar, como pretende o Apelante, que a consequência do envio de uma peça processual escrita por correio electrónico seja a imediata e total desconsideração dessa peça.
O desiderato fundamental do art.º 144º do CPC não é tanto regular o meio de apresentação de peças processuais em si mas, fundamentalmente, relacionar o modo de entrega do requerimento com a fixação do momento da entrega, de forma a criar certeza jurídica no cômputo dos prazos e seus efeitos preclusivos.

Na essência das coisas o que aí se estabelece é que se a peça processual for remetida por meios electrónicos o acto se considera praticado na data da expedição, se for entregue em mão o acto se considera efectuado na data da entrega, se for remetida por correio registado o acto se considera efectuado na data do registo postal e se for remetida por telecópia o acto se considera praticado na data da expedição.

Por exclusão de partes, se o acto for praticado de outra forma, ele apenas vale se e quando for notado pelo tribunal. O envio por outro modo que não o previsto no art.º 144º do CPC não é causa de inamissibilidade, mas importa uma total assunção do risco da chegada do acto ao tribunal. Mas uma vez registada a entrada do acto no tribunal (embora por outra via que não a prevista) esse facto não pode deixar de ser tido em consideração, por imposição dos princípios constitucionais da protecção da confiança, da proporcionalidade e da proibição do excesso e dos princípios processuais da cooperação e da boa-fé processual.

Aliás, a omissão de uma formalidade que a lei prescreva – no caso o envio da peça processual mediante determinado meio -, segundo os ditames do art.º195º do CPC, só acarreta nulidade se a lei assim o declarar – não havendo na lei tal declaração, designadamente indicando como causa de recusa de petição inicial não apresentada segundo os meios previstos no art.º 144º CPC – ou quando tal possa influir no exame ou decisão da causa – o que manifestamente não ocorre com a simples apresentação de uma peça processual. (…)

Ou seja, e em conclusão, a consequência da não utilização do meio legalmente estabelecido de apresentação em juízo de actos processuais é tão somente a de o apresentante ficar desprovido de qualquer garantia, assumindo por inteiro os inerentes riscos, quanto à efectiva chegada e à fixação do momento da chegada desse acto ao tribunal. Mas uma vez chegado o acto ao tribunal (o que ocorre com o seu diligente registo nos livros/sistema do tribunal) a existência e relevância desse acto é inelutável. – sublinhados nossos.

E como se salientou no Ac. STJ de 05/03/2015, disponível em www.dgsi.pt “Em todo o caso, não resultando do artigo 150.º do Código de Processo Civil, na versão aplicável aos autos, nem da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, com as suas sucessivas alterações, ou do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil, a previsão de que a apresentação de um acto processual escrito, fora dessas condições, seria sancionada com a nulidade, nada autoriza a que se conclua pela verificação desse vício.

Neste sentido, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2011 (proc.877/07.9TBFND.C1.S1, cujo sumário se encontra disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2011.pdf), que:
I–A lei não fere de nulidade ou de ineficácia a remessa de peças processuais por via electrónica diferente da aplicação CITIUS ou de qualquer outra via de transmissão, telecópia ou correio electrónico, nem de qualquer outro vício capaz de cercear o direito das partes de acesso aos tribunais, onde se integra o direito ao recurso. (…)”.
Também a propósito do actual artigo 144.º do Novo Código de Processo Civil, e mesmo sendo este taxativo nos n.ºs 1 e 2 quanto à obrigatoriedade dos actos processuais escritos serem apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, ressalvando os casos especiais, previstos nos n.ºs 7 e 8, da parte não se encontrar patrocinada por mandatário, quando tal não seja obrigatório, ou quando se verifique uma situação de justo impedimento, entende a doutrina que tal falta constitui mera irregularidade.
Na verdade, distinguindo as normas sobre a forma dos actos e sobre as formalidades que devem observar, das meras normas referentes ao meio ou via para a prática dos actos escritos, entendem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro que “a apresentação em juízo de um acto processual por um meio não admitido constitui uma irregularidade” (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, pág. 142). (…)

Concluímos, pois, que, face ao regime legal decorrente do artigo 150.º, n.ºs 1 e 2 do anterior Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/207, de 24 de Agosto, a apresentação de um requerimento de interposição de recurso através de correio electrónico, apesar de não corresponder a uma forma de apresentação a juízo de um acto processual válida, constitui uma mera irregularidade.

Tal irregularidade, contudo, tendo o acto sido efectivamente praticado, recebido pela secretaria e do conhecimento da contraparte que veio responder ao mesmo, não se mostra susceptível de determinar a nulidade do acto praticado.

Pelo contrário, trata-se de uma irregularidade susceptível de ser sanada, nomeadamente, através de convite que deveria ter sido formulado pelo juiz, ao abrigo dos anteriores artigos 265.º, 508.º, n.º 2 e 685.º-C do anterior Código de Processo Civil, para a parte vir regularizar a sua intervenção mediante a apresentação do acto através de uma das formas previstas no artigo 150.º do Código de Processo Civil, então em vigor.

Entender o contrário seria dar prevalência às formalidades relativas à apresentação dos requerimentos sobre a substância do direito de interposição de recurso que pretendeu ser exercido, sendo certo que o Novo Código de Processo Civil, precisamente, para evitar tais desequilíbrios, veio consagrar no artigo 6.º o dever do juiz promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção tendo em vista a justa composição do litígio (…)

Finalmente, tal é também, no nosso entendimento, a solução que melhor se adequa às exigências constitucionais respeitantes à garantia do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, tal direito na vertente da garantia das partes a um processo equitativo, implica que não deva existir uma manifesta desproporção entre a gravidade da falta cometida e as graves e irremediáveis consequências processuais, designadamente, quando não se faculte à parte qualquer suprimento ou possibilidade de correcção da deficiente actuação processual.

A manifestação da protecção deste direito nesta acepção, foi, designadamente, defendida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes termos:
“uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflicta considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efectividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.”

O indeferimento da possibilidade do recorrente ver apreciado o requerimento de interposição de recurso de apelação por si interposto, como consequência deste ter sido apresentado por correio electrónico, e sob a invocação de uma dificuldade inexplicável de acesso à plataforma Citius, atento o princípio constitucional de garantia de acesso ao direito, justificava que, no caso, fosse dada a possibilidade ao recorrente de vir praticar o acto por alguma das formas então legalmente admissíveis, sendo certo que terá cometido um incidente tributável.

Perante o concreto desenvolvimento processual, em nome da economia processual e para evitar a prática de um acto inútil, afigura-se-nos serem suficientes, para assegurar o prosseguimento dos autos e respeitar a exigência do artº 144º, nº 1 do NCPC, as peças processuais escritas pertinentes já constantes dos autos.” [2] - sublinhado nosso.

O requerimento de oposição à penhora foi remetido do e-mail da patrona da apelante, mostrando-se subscrito pela mesma, com carimbo aposto sobre tal assinatura.

O ato foi praticado e notado pelo Tribunal, que o digitalizou e inseriu no sistema eletrónico.

A irregularidade cometida não teve qualquer influência no exame ou decisão da causa e, caso se revelasse necessário, sempre seria suscetível de sanação, mediante convite à parte para regularizar a apresentação através de uma das formas previstas no artigo 144.º do CPC.

Atenta a sua inserção no sistema eletrónico, não vislumbramos necessidade na apresentação da peça processual por outra forma.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, admitindo-se a prática do ato de apresentação de oposição à penhora, mediante correio eletrónico.
Sem custas do recurso.



Lisboa, 30 de junho de 2022 


                             
Teresa Sandiães
Octávio Diogo       
Cristina Lourenço




[1]Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 176
[2]Em sentido idêntico v. Ac. STJ de 19/06/2019, in www.dgsi.pt