Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24405/16.6T8SNT.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE ARRENDAMENTO
CONTRATO PROMETIDO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-Um denominado contrato-promessa onde logo se estabeleçam as cláusulas do contrato prometido, antecipando-se os efeitos próprios deste que logo passam a verificar-se, não merece a qualificação de contrato-promessa, mas antes a que juridicamente cabe ao contrato definitivo – o supostamente prometido.
II-A extrema dificuldade em obter uma licença de utilização para actividade comercial, inviabilizando a realização do contrato de arrendamento deverá ser equiparada à impossibilidade legal de celebrar o mesmo. Assim, nos termos do disposto no art.º 280.º do Código Civil, será nulo o contrato promessa de arrendamento quando não seja possível obter a licença de utilização para fim diverso daquele para a qual de se destinava o prédio a arrendar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:  

I-RELATÓRIO
J……todos melhor identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa na forma de processo comum, contra:
C… LDA, com sede na Rua  …pedindo:
- que se reconheça que a Ré quebrou o compromisso constante do acordo judicial referido na p.i.
- que se condene a Ré a reconhecer que violou o princípio da boa fé ao recusar-se a celebrar o contrato definitivo;
- que se condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores, relativamente ao imóvel a que se referem os autos e a entregá-lo, de imediato, livre e desocupado;
- se condene a Ré a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia de €2500,00/mês, desde a data da citação até efetiva restituição do imóvel.
Subsidiariamente pediram os Autores que:
- se declare formalizado o contrato de arrendamento, com as cláusulas constantes da transação judicialmente homologada;
- se declare a resolução do contrato, condenando a Ré a entregar o imóvel livre e devoluto, assim como a pagar as rendas vencidas e que se vencerem.
Para tanto, alegam, em síntese o seguinte:
São proprietários do prédio urbano sito na Rua ...
Por escrito particular, datado de 1 de Janeiro de 1994, os Autores  e o anterior proprietário celebraram com a Ré um contrato promessa de arrendamento que teve por objecto o referido prédio, pela renda estipulada de 310 000$00, o qual se destinou ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão, residencial, lar de idosos e lar de estudantes, sendo que o contrato definitivo nunca chegou a ser celebrado.
Numa acção judicial que correu termos no Tribunal de Sintra, foi celebrado termo de transação entre os então autores e a Ré , no qual se comprometeram a celebrar um novo contrato de arrendamento relativo ao imóvel até ao dia 30-04-2015, pelo prazo de 5 anos e pela renda mensal de € 2500,00.
Após a celebração de tal acordo, no Tribunal, os Autores foram confrontados com sucessivas exigências da Ré, de introdução de novas cláusulas e alterações de outras, nomeadamente de data de início e duração do contrato.
Os Autores não aceitaram a alteração do prazo do contrato e , em 12 de Abril de 2016, remeteram à mandatária da Ré a última versão do contato, sendo que desde então, até ao presente,  a Ré e o seu legal representante se remeteram ao silêncio.
Cansados, os Autores deram por encerradas as negociações, e requereram a notificação judicial avulsa da Ré, notificando-a para comparecer na sede da Associação Lisbonense de Proprietários, no dia 29-6-2016, para se proceder à assinatura do contrato. Porém, o legal representante da Ré não compareceu à assinatura do contrato e enviaram ao Autor uma carta referindo “o impedimento legal derivado da falta de licença de utilização e certificado energético, requisitos a cargo dos senhorios”.
Alegam que estas desculpas da Ré são infundadas.
De qualquer modo, independentemente de não ter assinado o contrato, a Ré liquidou as rendas referentes aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015, o que parece significar que a Ré aceitou as condições principais do contrato, aceitando tal clausulado.
Porém, a Ré não pagou a renda de Outubro de 2015, nem as posteriores, no valor de € 2500,00 cada, o que constitui fundamento legal de resolução do contrato.
Terminam pedindo a procedência da acção.
Devidamente citada, veio a Ré contestar e deduzir pedido reconvencional.
Alegou a Ré que o contrato-promessa vigorou até à instauração da acção, pelo que os senhorios, mensalmente, passaram um recibo das rendas, sendo que à data da
instauração da acção, todas as rendas estavam pagas. Por outro lado, relativamente à essencialidade da licença e do certificado energético os mesmos eram absolutamente indispensáveis sob pena de nulidade do contrato. O acordo alcançado em termos de transação não pode vincular à outorga de um contrato em violação da lei. A Ré está pronta para formalizar e cumprir a transação, mas deverão primeiro ser sanadas, pelos senhorios, a falta de licença de utilização. A Ré ignorava que o edifício não tinha licença de utilização.
Em reconvenção, a Ré pede que se condenem os Autores a pagar-lhe a título de indemnização pela impossibilidade do exercício de actividade no locado, resultante da falta de licença, à razão de € 2000/mês contados desde o 1.º mês do contrato, até à obtenção da licença de utilização do locado pelos Autores, a liquidar em execução de sentença. Pede ainda que os Autores sejam condenados a reconhecerem o direito de retenção da Ré sobre o locado.
Termina, assim, requerendo a improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido e procedência da reconvenção.
Os Autores responderam pugnando pela improcedência da reconvenção.
Decorridos todos os trâmites legais, realizou-se o julgamento e seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente e, consequentemente:
(a)Condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores e habilitados sobre o prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua, descrito na Conservatória de Registo Predial de Queluz sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Massamá e Monte Abraão sob o artigo ...      
(b) condenou a Ré a reconhecer o incumprimento definitivo do contrato promessa de arrendamento, celebrado através de transação judicialmente homologada;
(c) condenou a Ré a entregar aos Autores, livre e desocupado de pessoas e bens o imóvel descrito em a);
(d) condenou a Ré no pagamento aos Autores, a título de indemnização, da quantia de €2500,00 por cada mês de ocupação do imóvel, desde a citação até efectiva restituição do mesmo aos Autores.
Absolveu os Autores/reconvindos do pedido contra eles deduzido pela Ré.
Inconformada com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:
4.ªA Douta Sentença recorrida encontra-se inquinada de erros sobre o julgamento da matéria de facto, conforme se irá expor nas subsequentes conclusões e que determinam a sua impugnação e reapreciação com base em prova gravada e outros elementos probatórios que constam dos autos, que expressamente se indicam a seguir, bem como sentido das decisões de facto que se devem proferir:
INSUFICIÊNCIA      DA      MATÉRIA     DE       FACTO:
essencialidade de consignar nos factos provados a concreta utilização acordada entre as partes para o prédio prometido locar para poder conhecer da questão de existência, ou não, de necessária e adequada licença da utilização estipulada pelas partes (Qual a utilização que foi licenciada para tal prédio? Habitação OU comércio OU serviços OU outra utilização? A uitilização   licenciada adequa-se, ou não, à prometida e convencionada pelas partes?).
A cláusula 7ª da minuta de contrato definitivo apresentada pelos Recorridos à Recorrente através da notificação judicial avulsa identificada no ponto nº 20 dos factos provados consta o seguinte, escrito pelo punho dos próprios Recorridos:
«7ª-O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios»
Esta concreta finalidade do arrendamento prometido entre as partes é essencial ao julgamento da presente causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito - uma das operações realizadas pelo Tribunal “ a quo” no julgamento da presente causa foi a de apurar da existência, ou não, de licença de utilização referente ao locado.
- Para aferir da existência, ou não, de tal necessária licença, é forçoso saber que tipo de utilização foi convencionada entre as partes – o que erradamente não consta da matéria de facto provada, apesar de em sede de julgamento ter sido realizada toda a prova necessária para tal efeito, conforme se passará, a seguir, a indicar.
O tipo de utilização do locado definido pelas partes deverá – conforme exige o DL 64-A/2000, de 22.04 – encontrar-se licenciado pela respectiva Câmara Municipal, sob pena de nulidade do contrato de arrendamento.
O Tribunal “ a quo” não pode aferir da existência, ou não, de licença de utilização relevante para validade formal de um contrato de arrendamento, sem, antes, determinar a concreta finalidade do arrendamento, ou seja, o tipo de utilização do locado acordada entre senhorio e inquilino para o locado.
No caso dos autos, a Douta Sentença recorrida, em sede de “factos provados” e também a propósito do Direito, discorre sobre licença e utilização em termos genéricos, sem identificar: nem a concreta utilização determinada pelas partes para o locado, nem os termos de qualquer concreta utilização (Habitação? Comércio? Serviços? Outros fins?) que tenha sido “licenciada” para o prédio identificado nos autos.           
É, assim, manifesto o erro grave de julgamento que a inquina “ab initio” – pois é certo que competiria aos Recorridos provar que o locado apresentaria todos os requisitos legais para outorga do contrato de arrendamento em 29/06/2016, nos termos da minuta que se encontra junta à notificação judicial avulsa que promoveram para tal efeito.
MEIOS PROBATÓRIOS QUE DETERMINAM DEVER SER JULGADO PROVADO E INSERIDO NOS FACTOS RELEVANTES QUE O ARRENDAMENTO PROMETIDO ENTRE RECORRENTE E RECORRIDOS através da transação referida no ponto 5. dos factos provados  se destina “…à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto
é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios»:
a)Teor integral da notificação judicial avulsa para outorga de contrato de arrendamento na data de 26/06/2016 – cuja junção foi promovida pelos Recorridos – nomeadamente a minuta de contrato que a integra, elaborada pelos Recorridos;
b)Declarações de parte da habilitada MD__ (…)
Em face do exposto, passa-se a indicar a DECISÃO QUE DEVERIA TER SIDO PROFERIDA RELATIVAMENTE AO PONTO DA MATÉRIA DE FACTO EM FALTA, devendo, pois, aditar-se à matéria de facto provada, o seguinte facto:
“- O arrendamento prometido entre as partes através da transação referida nos pontos nºs 4 e 5 dos factos provados e que consta minuta de contrato que integra a notificação judicial avulsa referida no ponto nº20 factos provados, destina-se ao exercício da seguinte actividade pela Ré, ora Recorrida, no prédio identificado no ponto nº 1 dos factos provados, conforme se lê na cláusula 7ª da minuta de contrato que integra aquela notificação judicial:
“O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios”.
Só em face deste concreto facto seria, pois, possível, ao Tribunal “a quo” ajuizar da existência, ou não, e em que termos temporais, de licença que determinasse possibilidade legal de exercer a referida utilização do prédio referido no ponto 1. dos factos provados, em termos de também possibilitar a outorga de um contrato de arrendamento válido, conforme impõe o DL 64-A/2000, de 22.04 e só em face deste facto poderia o Tribunal “ a quo” aferir da questão do cumprimento ou incumprimento da promessa de arrendamento outorgada pelas partes em transação judicial, pelo que se encontra evidentemente demonstrado erro no julgamento da matéria de facto, a qual peca, neste ponto, por omissão.
ERRADO  JULGAMENTO DOS PONTOS Nºs 26, 27 e 28 DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA: estes pontos versam sobre “licença de utilização”.
Contrariamente ao que se lê na Douta Setença recorrida, da documentação junta não resulta qualquer licenciamento para concreta a actividade a qual os Recorridos prometeram arrendar o prédio à Recorrente, conforme reconhece a Mma. Juiz no trecho que acima se transcreveu. O Perito discorre sobre licença de utilização PARA HABITAÇÃO e não para qualquer uso comercial licenciado para o prédio, nomeadamente, para o uso acordado pelas partes.
Em  do exposto, passa-se a indicar a DECISÃO QUE DEVERIA TER SIDO PROFERIDA RELATIVAMENTE AOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO 26., 27 e 28:
- Não foi provada a emissão de qualquer licença de utilização que, concretamente, permitisse a utilização do prédio identificado no ponto nº 1 da matéria de facto provada convencionada pelas partes, a saber:
- O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do  imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios.
O próprio relatório pericial junto aos autos apenas refere uma licença de utilização PARA HABITAÇÃO emitida em 2018 – e não refere qualquer licenciamento de utilização para a finalidade convencionada entre as partes e prometida outorgar em contrato de arrendamento.
ERRADO JULGAMENTO DO PONTO Nº 30 DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, do seguinte e teor:
- “30. Não obstante a não assinatura do contrato de arrendamento, a Ré procedeu ao pagamento de algumas das rendas devidas pela ocupação do locado.”.
A expressão “rendas devidas pela ocupação do locado” não corresponde a qualquer facto, mas sim a uma qualificação jurídica espúria e a expressão “algumas” por referência a pagamentos realizados pela Recorrente apresenta uma falta de rigor tal que não se compadece com as exigências de precisão necessárias ao imperativo constitucional do direito a um processo justo e equitativo consagrado no artº 20º, nº 1 da CRP.
Deve, assim ser eliminado este pondo do elenco de matéria de facto dada por provada.
ERRADO JULGAMENTO DOS PONTO C) a F)   e I) DA MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA NÃO PROVADA, do seguinte teor:
(…)
Da certidão judicial junta pela Recorrente aos autos em 14/03/2017, em suporte de papel, constam elementos probatórios de extrema relevância, que foram completamente ignorados pelo Tribunal “ a quo”, a saber e que se APONTAM COMO CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS QUE DETERMINAM QUE A MATÉRIA DE FACTO DOS PONTOS C) a F) e I) DOS FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS devesse ter sido JULGADA PROVADA (devendo ser este o sentido da decisão a proferir):
a)Recibos referentes a pagamento de rendas, emitidos e assinado por J (cuja assinatura não foi sequer impugnada pelos Recorridos) – relevante para provado facto referido na alínea C) dos factos não provados;
b) Ofícios da PSP de 08/11/1995 e 25/06/1996 onde se notifica a Recorrente de ordem de encerramento do seu estabelecimento por falta de licença de utilização do prédio em causa nos autos.
c) Relatório de avaliação dos valores das obras realizadas pela Recorrente no mesmo prédio, que indica expressamente o seu valor.
ERRADO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO DO PONTO G) DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, do seguinte teor:
«g) que em condições normas a Ré tivesse um lucro mensal não inferior a €2000,00;»
CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS E ELEMENTOS DOS AUTOS QUE DETERMINAM QUE O PONTO G) DA MATÈRIA DE FACTO NÃO PROVADA SEJA CONSIDERADO COMO PROVADO (sendo esse o sentido da decisão que se defende dever proferir):
a)Depoimento INTEGRAL das testemunhas LM__ como docs. nºs 3 e 4 ) – conjugado com o Estudo de Rentabilidade que se encontra nos autos – a impossibilidade da Recorrente promover a finalidade que previa exercer no prédio a locar e os prejuízos daí derivados;
b) Teor integral da notificação judicial avulsa para outorga de contrato de arrendamento na data de 26/06/2016 – cuja junção foi promovida pelos Recorridos – nomeadamente a minuta de contrato que a integra, elaborada pelos Recorrido;
c) DOCUMENTAÇÃO JUNTA PELO SR. PERITO A FLS 333 e ss:
5ª – A Douta Sentença recorrida encontra-se inquinada de erros de julgamento sobre a matéria de direito, conforme se irá expor nas subsequentes conclusões 6ª a 26º.
6ª - A Recorrente aceita a decisão proferida na Douta Sentença Recorrida a propósito da questão “Direito de Propriedade dos Autores” e aceita a natureza de contrato promessa da  transação celebrada entre as partes.
7ª - Com a transação descrita nestes autos é claro que as partes visaram estabelecer ex novo a sua relação senhorio/inquilino, prometendo outorgar contrato de arrendamento sanado de todas as irregularidades e litigiosidade anteriores, tendo por objecto a utilização do prédio propriedade dos Recorridos para a finalidade por eles descrita na clª 7ª da minuta que enviaram à Recorrente através de notificação judicial avulsa, a saber:
«O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios.»
8ª - É requisito formal ESSENCIAL para outorga do contrato prometido que, à data da sua outorga, o locado apresente LICENÇA DE UTILIZAÇÃO QUE PERMITA O USO QUE FOI CONVENCIONADO ENTRE AS PARTES – conforme DL 64-A/2000 de 22/04.
9ª - É claro no caso dos autos que, nem no momento em que os Recorridos notificaram a Recorrente para outorga do contrato prometido, nem atualmente (pelo menos que tenha sido comunicado à Recorrente ou que esta o saiba), que não fora emitida qualquer licença pela Câmara Municipal competente que permita a utilização do prédio dos Recorrentes para a finalidade para a qual estes prometeram arrendá-lo à Recorrida.
10ª - É, assim, claro, que QUEM SE ENCONTRA EM INCUMPRIMENTO SÃO OS RECORRIDOS e não a RECORRENTE. Ou, pelo menos, que qualquer impossibilidade legal de outorga do contrato não decorre de culpa da Recorrente.
11ª - – Os factos provados nos autos nem sequer determinam qualquer incumprimento definitivo da Recorrente susceptível de determinar direito de resolver o contrato-promessa outorgado entre as partes: não foi realizada pelos Recorridos qualquer interpelação admonitória subsequente à notificação judicial avulsa para outorgado contrato prometido e a Recorrente justificou a sua não comparência com a falta de licença de utilização para o uso determinado pelas partes para o locado, falta essa que, aliás, continua evidente nestes autos.
12ª - É, assim, manifestamente ERRADO e INJUSTO o trecho da Douta Sentença recorrida que se passa a transcrever:
Não obstante o compromisso assumido pela Ré de celebrar – em termos formais – o contrato de arrendamento, o facto é que a mesma não o veio a celebrar, tendo inclusive faltado à assinatura do contrato no dia 29/06/2016, para a qual havia sido notificada através de notificação judicial avulsa.
Defendeu-se a Ré antecipando essa sua não comparência com a circunstância da inexistência (…) de licença de utilização e de certificado energético.
Sem comparecer à assinatura do contrato, não poderia a Ré fazer futurologia a afirmar a inexistência de elementos necessários à elaboração do contrato”.
13ª - Efectivamente, prevendo a minuta de contrato uma determinada utilização que a Recorrente sabia não se encontrar devidamente licenciada e tendo a Recorrente justificado expressamente a sua não comparência com base neste facto (conforme carta referida no ponto 22. dos factos provados), não se vê qualquer razoabilidade para o argumento da “futurologia” que a Douta Sentença recorrrida esgrime.
14ª - Nos termos do artº 280º do C. Civil é nulo um contrato cujo objecto não se encontre conforme à lei. Neste caso, o contrato prometido e notificado à Recorrente previa uma utilização do prédio a locar que não se encontrava licenciada – como exige a lei, quer para efeitos de outorga formal de contrato, quer, em termos administrativos público, para utilização efectiva do prédio (Que sentido faz exigir a comparência para outorga de um contrato que seria inevitavelmente contrário à lei?) -a argumentação vertida na Douta Sentença recorrida é, por isso, salvo o devido respeito, absurda.
15.ª -O Tribunal “ a quo” não percebeu que, para cumprir a exigência legal de licenciamento de um prédio a locar NECESSÁRIO LICENCIAR A CONCRETA UTILIZAÇÃO ACORDADA ENTRE AS PARTES, QUE CONSTA DA MINUTA PROPOSTA PELOS RECORRIDOS NA NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA, e que corresponde à actividade para a qual se pretende USAR o prédio prometido locar, a saber, no caso dos autos:
«O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios.»
16ª - E quem tem o dever de obter e desenvolver todas as diligências no sentido de obter tal licença (que permita o exercício lícito dessa utilização) quem tem legitimidade para tal, nos termos do regime legal de licenciamento de obras, são os proprietários do prédio – os Recorridos – pois são eles quem detém poderes de disposição do mesmo (e não os promitentes locatários), sendo também a eles quem compete o ónus da prova de que o objecto negocial a locar apresentava – à data da interpelação para cumprimento – os requisitos legais para o concreto negócio pretendido.
17ª - A Recorrente continua interessada no cumprimento do contrato promessa, manifestando a sua disponibilidade TOTAL para auxiliar na obtenção de tal licenciamento, sendo evidente a sua boa - fé.
18ª - Não é justo nem equitativo que os Recorridos peticionem pagamento de quantias pela Recorrente quando é certo que não cumprem a obrigação de licenciar a alteração de uso do prédio que prometeram locar.
19ª - É assim também, claro, o equívoco da Sentença recorrida ao condenar a Recorrente no pagamento de quantias aos Recorridos, violando a proibição legal de venire contra factum proprium ínsita no artº 334º do C.
Civil.
20ª-AdetençãoqueaRecorrentefazdoprédioprometidolocarderiva de traditio em contrato-promessa outorgado por transação judicial, não sendo devido o pagamento de qualquer valor em virtude de tal facto, pois nada foi estipulado elas partes que determine constituição dessa obrigação, encontrando-se, assim, violada na Sentença recorrida a norma do artº 406º do C. Civil.
21ª - Subsidiariamente e sem precindir, sempre se dirá que, a ser devido qualquer valor por tal ocupação, jamais poderia o mesmo orçar em 2.500,00€ mensais (conforme determinou a Douta Sentença recorrida), pois tal valor foi o estipulado para um uso pleno do prédio, devidamente licenciado e lícito, nos termos descritos na clª 7ª da minuta de contrato de arrendamento elaborada pelos recorridos e que conta da notificação judicial avulsa que realizaram e juntaram aos presentes autos – não sendo aplicável ao uso limitado a “habitação do legal representante da Recorrida e sua família” que se encontra provado nos autos.
22ª - A Recorrente não pode exercer a sua actividade comercial no prédio em virtude do mesmo não se encontrar devidamente licenciado para tal e, além desse prejuízo, suportou obras de avultado valor no prédio – tudo com o acordo dos Recorridos, conforme estes reconhecem na minuta de contrato que anexam à notificação judicial avulsa junta aos autos presentes auto) e nas legitimas expectativas da Recorrente relativamente à possibilidade legal e outorga do contrato prometido.
26ª - Conforme escreve o Tribunal “ a quo” – e nesta parte, bem:
A desistência do pedido teve como pressuposto querido entre as partes a
celebração de arrendamento, assumido como compromisso entre as mesmas “. (…) As partes quiseram a celebração de um novo contrato, sujeito a novos prazos e novas cláusulas genericamente acordadas”(…) “… é nosso entendimento que entre as partes foi celebrado um contrato-promessa de arrendamento”.
27ª - Do exposto decorre que, o Tribunal “ a quo” violou e interpretou erradamente as normas dos artºs 280º, 334º, 406º e 762º do C.Civil, artº 20º, nº 1 da CRP e DL 64-A/2000, de 22/04 e errou no julgamento de Facto e de Direito realizado na Douta Sentença recorrida;
28ª – Deveria ter interpretado e aplicado as referidas normas e realizado o julgamento deste caso por forma a declarar conforme anteriores conclusões 1ª a 26º;
29ª - Em desenvolvimento da impugnação e reapreciação da matéria de facto atrás apontada, os autos encontram-se munidos de todos os elementos que permitem seja o presente recurso julgado integralmente procedente, julgando-se completamente improcedentes os pedidos dos AA., ora Recorridos, e totalmente procedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré, ora Recorrente.
II-OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1-Os autores são comproprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio urbano constituído sob o regime da propriedade horizontal sito na Rua, inscrito sob o artigo ... da matriz predial urbana da união de freguesias de ….
2. Por escrito particular de 1 de janeiro de 1994 J, e outros celebraram com a Ré um contrato promessa de arrendamento, tendo por objecto o prédio referido em 1, pela renda mensal de 310.000$00.
3. O arrendamento teve início em 1 de Janeiro de 1994 e destinou-se ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão residencial, lar de idosos e lar de estudantes.
4. Na acção judicial de despejo – intentada pelos então proprietários contra a Ré – que correu termos na Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Instância Central 1.ª secção Cível – J3, sob o n.º ... foi celebrado termo de transação entre os então autores .. e a então Ré…
5. Nessa mesma transação as partes comprometeram-se a celebrar um novo contrato de arrendamento, relativamente ao imóvel até ao dia 30 de Abril de 2015, pelo prazo certo de 5 anos, com início em 01 de Maio de 2015 e termo em 30 de Abril de 2020, pela renda mensal de € 2.500,00, fazendo constar nesse contrato uma cláusula de opção de compra pelo preço de € 400.000,00, a exercer pela Ré durante o período de duração do contrato e nessa conformidade os Autores e Ré desistiram dos pedidos formulados na acção e na reconvenção.
6. A acção referida em 5. era uma acção de despejo e tinha como fundamento a falta de pagamento de rendas do local arrendado por parte da Ré.
6 a. Nessa acção, a Ré apresentou contestação onde deduziu pedido reconvencional no qual pediu a condenação dos Autores “a título de indemnização pela impossibilidade de exercício de actividade no locado, resultante da falta de licença, à razão de €2000 mensais, contados desde o 1.º mês do contrato até à obtenção da licença de utilização (…) e ainda na quantia que se apurar em sede de perícia a realizar no imóvel, a título de indemnização por obras de adaptação e benfeitorias executadas no locado, igualmente a liquidar em execução de sentença (…)”.
7. Após a transação, os mandatários das partes encetaram negociações para a formalização do contrato de arrendamento.
8. Em15 de Abril de 2015, o mandatário dos Autores enviou ao então mandatário da Ré a minuta do contrato de arrendamento a celebrar entre ambos.
9. Em 05 de Maio de 2015, o ilustre mandatário dos Autores enviou ao ilustre mandatário da Ré a comunicação constante de fls. 16 que aqui se dão por integralmente reproduzida.
10. Em 05 de Maio de 2015, o então mandatário da Ré enviou ao mandatário dos Autores a comunicação constante de fls. 17, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11. Em 7 de Maio de 2015, o então mandatário da Ré enviou ao mandatário dos Autores a contraproposta de minuta de arrendamento, com o teor fls. 19v. e ss. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Em 18 de Maio de 2015, o mandatário dos Autores enviou ao mandatário da Ré o email constante de fls. 21 v., aceitando as alterações propostas com exceção da cláusula 14.ª.
13.Em 27 de Maio de 2015 o mandatário da Ré enviou ao mandatário dos Autores o email constante de fls. 24 v. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. No mesmo dia 27 de Maio de 2015, o mandatário dos autores respondeu aos mandatários da Ré nos moldes constantes de fls. 24 v. que aqui se dá por reproduzidos nos seguintes moldes “ Se a questão é o n.º 2 do art. 14.º, e assumindo eu a responsabilidade da sua eliminação, sem falar com os senhorios e se me garante que a casa de hóspedes paga a renda de Maio e até ao dia 8 de Junho, faça o favor de eliminar a cláusula 2 do art. 14.º (…) Envie-me logo que possa o contrato e as cópias assinadas, para os senhorios poderem liquidar o I. selo.(…)”.
15. No dia 29 de Maio de 2015 o mandatário da Ré enviou ao mandatário dos Autores o email constante de fls. 27 v com o seguinte teor “Ainda não foi desta, porque a cliente me tem vindo a levantar questões a pouco e pouco, embora sempre me diga (também me parece que não) que não é por causa do valor ou do pagamento da renda. A questão prende-se agora com a responsabilidade pelo eventual risco de falta de licença, pretendendo o cliente que não fiquem dúvidas que, caso isso aconteça, a responsabilidade seja da inquilina. A questão da compra pelos € 400 000 é o ressuscitar de uma promessa que os seus clientes lhe fizeram, em 2013, em que aceitavam vender o prédio por € 300 000,00 com o pagamento mensal de 2500,00, mas que depois retrocederam. Sei que o colega já deve estar cansado disto, mas eu também(…)”
16. Em resposta ao email referido em 15., o ilustre mandatário dos Autores enviou o mail constante de fls. 28, com o seguinte teor “Isto está a ultrapassar o bom senso e a boa-fé nas negociações. Compreendo a sua posição, mas a sua cliente não deve andar todos os dias a arranjar uma nova forma ou um novo motivo para não assinar o contrato. (…) Hoje foi esta, amanhã qual será a imposição da sua cliente? (…)”
17. Em 04 de Junho de 2021 o mandatário dos Autores enviou ao mandatário dos Réus o email de fls. 33 v. no qual refere “Para não atrasarmos mais isto (estamos em junho com a renda de Maio vencida e a de Junho até dia 8) tomo a liberdade de lhe pedir que a C..assine o contrato e o faça chegar à Associação Lisbonense de Proprietários, tal como consta da minuta que me enviou…e seja o que Deus quiser. Vou já interceder junto da família …ara começar a tratar do assunto da licença de utilização até com colaboração da própria ALP.(…)”.
18. Em 5 de Junho de 2015, o mandatário da Ré informa o mandatário dos Autores que vai para os Açores e regressa na 3.ª f afirmando “Julgo que agora não vai haver mais nenhum problema, a não ser mais este atraso. Mas tem de ser, devido à minha ausência! O mais tardar na 3.ª feira este assunto ficará certamente concluído. (…)”
19. No dia 24 de Junho de 2015 o mandatário da Ré comunicou ao mandatário dos Autores o abandono do patrocínio por “divergências surgidas”.
20. Na falta de concretização do contrato, os Autores intentaram um procedimento de notificação judicial avulsa da Ré, notificando-a para comparecer no dia 29 de Junho de 2016, entre as 11h e as 11.30, na Associação Lisbonense de Proprietários, para proceder à assinatura do contrato, com a cominação de que, caso não compareça, os requerentes consideram rompidas todas as negociações para a celebração do contrato.
21. O legal representante da Ré não compareceu à assinatura do contrato.
22. No dia 27 de Junho de 2016, a Ré enviou aos Autores uma carta na qual referia que “não é possível outorgar o contrato para o qual fomos notificados em virtude do impedimento legal derivado da falta de licença de utilização e certificado energético, requisitos a cargo dos senhorios”.
23. A Ré continua a deter as chaves do todo o prédio fruindo-o.
24. O prédio em apreço é constituído por quatro pisos, lados direito e esquerdo, sendo o r/c direito constituído por dois vestíbulos, 3 assoalhadas, cozinha, casa de banho e arrecadação no sótão, os 1.º, 2.º e 3.º andares direitos são constituídos por 2 vestíbulos, 4 divisões, cozinha, duas casas de banho e uma arrecadação no sótão; o rés-do- chão esquerdo é constituído por dois vestíbulos, 4 divisões assoalhadas, duas casas de banho e uma arrecadação no sótão e os 1.º, 2.º e 3.º andar esquerdos por dois vestíbulos, 4 assoalhadas, duas casas de banho e uma arrecadação, cada um.
25. Está situado no centro de M..e é servido por transportes públicos.
26. Relativamente ao pedido de emissão de licença de utilização (proc.2535/76) o mesmo foi deferido por despacho do Sr. Presidente da Câmara de 26-04-2003.
27. Indeferido foi o pedido de mudança de utilização do prédio, apresentado pela C,,l, que deu origem ao processo OB199504370.
28. Posteriormente, em 31 de Janeiro de 2018, foi emitida nova licença de utilização referente ao mesmo prédio.
29.Nãoexiste registo da existência de certificado energético relativamente ao prédio dos autos.
30. Não obstante a não assinatura do contrato de arrendamento, a Ré procedeu ao pagamento de algumas das rendas devidas pela ocupação do locado.
31. O legal representante da Ré vive no prédio com a sua família, fazendo do mesmo sua habitação.
Foram considerados “não provados”, os seguintes:
a)que em data incerta do ano de 2003, na sequência da crise económica nacional que já se vivia e da frágil situação económica da Ré, foi estabelecido um acordo entre os senhorios e a Ré, segundo o qual, para pagamento da renda de € 2546,00, após a retenção de 15%, entregaria aos autores mensalmente dois cheques com vencimento imediato de € 1164,00, e outro de 1000€ que os senhorios manteriam na carteira, para ser descontado em data a combinar entre as partes.
b) que este acordo tenha vigorado até à instauração da acção referida em 4.
c) que ao longo os anos as rendas tenham sido pagas aos senhorios, na pessoa de J, encontrando-se as mesmas pagas à data da instauração da acção referida em 4).
d) que após executar as obras de adaptação o ramo de actividade, ao pretender requerer o licenciamento da sua actividade, a Ré tenha sido informada pela Câmara Municipal de Sintra que o edifício locado era clandestino e que não possuía licença de utilização.
e) que a falta de licença de utilização tenha impedido e continue a impedir a actividade da Ré;
f) que desde o início do contrato até ao momento a Ré esteja impedida de exercer a sua actividade;
g) que em condições normas a Ré tivesse um lucro mensal não inferior a €2.000,00;
h) que à data do arrendamento nada fazia prever que o imóvel não possuísse licenciamento camarário e que a Ré ignorasse que o edifício não tinha licença de utilização.
i) que nas obras de adaptação das fracções a Autora tenha gasto quantia não inferior a 50 000,00;
j) que a Ré tenha efectuado tais obras no pressuposto que o edifício era legal.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal as questões que importa conhecer são as seguintes:
1-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
2-Da qualificação jurídica do contrato em vigor entre as partes, incumprimento contratual, a quem imputar esse incumprimento e consequências jurídicas desse incumprimento
3-Direito da Ré a uma indemnização a pagar pelos Autores
1-a)A Apelante começa por impugnar a decisão sobre a matéria de facto, por omissão, defendendo que deveria ser aditada à matéria de facto provada a matéria constante da Cláusula 7.ª da minuta do contrato que integra a notificação judicial avulsa referida no ponto 20.º dos factos provados. Tal destina-se a que fique provada qual a actividade a que se destina o locado, pois no entender da Apelante, só desse modo se pode aferir se a licença de utilização visa a actividade que é objecto do contrato de arrendamento.
Ora, apesar de constar do ponto 3.º dos factos provados que “o arrendamento teve início em 1 de Janeiro de 1994 e destinou-se ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão residencial, lar de idosos e lar de estudante”, podendo depreender-se, por inexistência de factos em contrário, que tal foi a actividade sempre exercida pela Ré no imóvel, a verdade é que o facto que a Apelante pretende que seja aditado contribui para a clareza dessa factualidade, por isso entendemos ser de deferir:
Assim, adita-se aos factos provados, o seguinte facto que terá o n.º 32.º:
“O arrendamento prometido entre as partes através da transação referida nos pontos nºs 4 e 5 dos factos provados e que consta da minuta de contrato que integra a notificação judicial avulsa referida no ponto nº20 factos provados, destina-se ao exercício da seguinte actividade pela Ré “ instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes”.
b)A Apelante pretende que sejam dados como não provados os pontos 26, 27 e 28 da matéria de facto apurada. Trata-se do seguinte teor:
26. Relativamente ao pedido de emissão de licença de utilização (proc.2535/76) o mesmo foi deferido por despacho do Sr. Presidente da Câmara de 26-04-2003.
27. Indeferido foi o pedido de mudança de utilização do prédio, apresentado pela C…que deu origem ao processo OB199504370.
28. Posteriormente, em 31 de Janeiro de 2018, foi emitida nova licença de utilização referente ao mesmo prédio.”
A Apelante refere que estes pontos versam sobre “licença de utilização” do prédio identificado no nº 1 dos factos provados – mas sem consignar que concreta utilização a que se referem; ou seja: continua sem constar dos factos provados qual a concreta utilização que foi, ou não, licenciada para o prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto provada, pelo que, face a esta ambiguidade, devem considerar-se como não escritos.
Cumpre apreciar:
Os factos em causa estão devidamente fundamentados na prova produzida, maxime resultam com grande clareza do teor do relatório pericial que exaustivamente explicita todos os trâmites burocráticos desenvolvidos neste âmbito e por quem foram desenvolvidos. Não há, pois, qualquer ambiguidade. Dos factos resulta, claramente, que em 2003, foi emitida a licença de utilização do imóvel, mas foi indeferido o pedido de mudança de utilização do prédio apresentada pela ... E do relatório pericial resulta mesmo que esse processo de alterações foi submetido em 20-11-1995, pela.., com o objectivo precisamente de alteração do uso, pois embora uma casa de hóspedes tenha fins habitacionais, tem algumas exigências específicas.
Ao contrário do que a Apelante quer fazer crer, também não há qualquer ambiguidade no relatório pericial. O perito distingue bem quando fala na licença de utilização para habitação e quando se refere a licença para outro fim e os diferentes trâmites realizados, por cada uma das partes, para as obter.
Os factos em apreço, apresentam-se claros e perfeitamente inteligíveis, apreendendo-se perfeitamente o seu sentido.
Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da Apelante.
c)A Apelante pretende que seja eliminado o ponto 30.º do elenco da matéria de facto dada como provada onde se diz o seguinte:
30. Não obstante a não assinatura do contrato de arrendamento, a Ré procedeu ao pagamento de algumas das rendas devidas pela ocupação do locado.”
Para tanto invoca a Apelante que a expressão “rendas devidas pela ocupação do locado” «não corresponde a qualquer facto, mas sim a uma qualificação jurídica espúria e a expressão “algumas” por referência a pagamentos realizados pela Recorrente apresenta uma falta de rigor tal que não se compadece com as exigências de precisão necessárias ao imperativo constitucional do direito a um processo justo e equitativo consagrado no artº 20º, nº 1 da CRP.»
Cremos que não há razão para eliminar o ponto referido pelo motivo invocado. É certo que “renda” é um conceito jurídico e, por isso, podemos reconhecer que o facto não esteja redigido no seu grau mais elevado de perfeição técnica, ao incluir tal vocábulo. Contudo, face à circunstância de esse conceito se ter vulgarizado na linguagem comum, quando se menciona tal palavra é claramente perceptível a realidade a que se faz referência. Por outro lado, a considerarmos que essa palavra não é a mais adequada, a consequência seria a correcção da redacção do facto e não a sua eliminação. De resto, é a própria Ré, ora Apelante que, sem grande precisão alega vários pagamentos de rendas nos artigos 5º a 12º da contestação.
No caso, cremos que a clareza que resulta da forma como está redigida a matéria em causa, não justifica que se proceda a qualquer alteração.
d) Quanto às alíneas c) a f) e i) dos factos dados como não provados:
“c) que ao longo dos anos as rendas tenham sido pagas aos senhorios, na pessoa de J, encontrando-se as mesmas pagas à data da instauração da acção referida em 4).
d) que após executar as obras de adaptação o ramo de actividade, ao pretender requerer o licenciamento da sua actividade, a Ré tenha sido informada pela Câmara Municipal de Sintra que o edifício locado era clandestino e que não possuía licença de utilização.
e) que a falta de licença de utilização tenha impedido e continue a impedir a actividade da Ré;
f) que desde o início do contrato até ao momento a Ré esteja impedida de exercer a sua actividade;
i) que nas obras de adaptação das fracções a Autora tenha gasto quantia não inferior a 50 000,00.”
Na verdade, em 15- 03-2017, a Apelante juntou aos autos uma certidão emitida  pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Sintra, referente ao processo  n.º ... de que faz parte um documento onde se pode ler o seguinte, designadamente:
“….”
A notificação foi realizada em 8 de Novembro de 1995.
No mandado de notificação datado de 25-06-1996, consta o seguinte:
“ Notifique na pessoa gerente ou proprietário da…, de que por despacho de 31 de Maio de 1996, do Exmo Senhor Governador Civil do Distrito de Lisboa, foi revogado o anterior despacho que suspendia a execução da ordem de encerramento da referida C.., atendendo a que a Câmara Municipal de Sintra, através do seu ofício 13188 de 96ABR09, voltou a solicitar o seu encerramento, não dando assim provimento à exposição em que a sociedade proprietária solicitava nova prorrogação do prazo anteriormente concedido, uma vez que o edifício onde o mesmo se encontra instalado ainda não possui licença de utilização.
Assim, e nos termos do despacho acima referido, fica o sócio gerente da sociedade proprietária do estabelecimento notificado de que deve proceder ao seu encerramento voluntário no prazo de cinco dias, situação que se manterá até decisão em contrário da Câmara Municipal de Sintra.”
Esta notificação foi realizada no dia 28 de Junho de 1996.
Ora esta matéria tem influência e deve ser considerada na apreciação das alíneas e) e f) dos factos não provados.
Assim, por relevante esta matéria deve ser aditada aos factos provados e eliminando-se as alíneas e) e f) dos factos “não provados”
Assim, adita-se o n.º33 ao elenco dos factos provados:
Em 8 de Novembro de 1995 e 28 de Junho de 1996 a ora Ré foi notificada pela PSP, nos termos dos mandados com os seguintes teores, respectivamente:
Notifique na pessoa do proprietário ou gerente responsável do estabelecimento da “….deve proceder ao encerramento voluntário da citada casa de hóspedes, no prazo de 30 dias a contar da notificação, em virtude de se encontrar sem alvará sanitário, nem licença de utilização, (…)”         
Notifique na pessoa gerente ou proprietário da.. de que, foi revogado o anterior despacho que suspendia a execução da ordem de encerramento da referida…, atendendo a que a Câmara Municipal de Sintra, através do seu ofício 13188 de 96ABR09, voltou a solicitar o seu encerramento, não dando assim provimento à exposição em que a sociedade proprietária solicitava nova prorrogação do prazo anteriormente concedido, uma vez que o edifício onde o mesmo se encontra instalado ainda não possui licença de utilização.
Assim, e nos termos do despacho acima referido, fica o sócio gerente da sociedade proprietária do estabelecimento notificado de que deve proceder ao seu encerramento voluntário no prazo de cinco dias, situação que se manterá até decisão em contrário da Câmara Municipal de Sintra”.
Quanto à alínea i), deve manter-se no elenco dos factos “não provados”, pois que não foi produzida qualquer prova quanto a tal matéria. O facto enferma de lapso de escrita, pois quer referir-se à Ré e não à Autora.
A própria Ré dizia no art.º 33.º da contestação da acção que correu termos sob o n.º ... que “ o apuramento do valor das obras e benfeitorias só em sede de perícia será possível determinar.” Também nesta acção não foi produzida qualquer prova sobre o valor de tais obras.
e)Igualmente no que se refere à alínea g) da matéria de facto não provada, por absoluta falta de prova sobre tal matéria não pode deixar de se considerar correcta a inclusão de tal alínea no elenco dos factos não provados.
2-Perante a pertinente alteração da decisão sobre a matéria de facto, vejamos se é de manter a decisão proferida sobre a matéria de direito.
Não está em questão e é aceite pela Ré o direito de propriedade dos Autores sobre o imóvel em questão.
Também não há dúvida sobre a realização de um contrato promessa de arrendamento relativamente ao mesmo imóvel, realizado no âmbito de uma transacção judicial que pôs fim a uma acção de despejo que correu termos sob o n.º ..., tudo conforme resulta dos pontos 4.º, 5.º e 6 .º dos factos provados.
Sucede que, após essa transação, realizada em 4 de Março de 2015, os mandatários das partes encetaram longas negociações para a formalização do contrato de arrendamento, conforme bem espelham os pontos 7.º a 19.º dos factos provados.
Contudo, tais negociações resultaram infrutíferas pois nunca chegou a ser formalizado o contrato de arrendamento que, tal como resulta da mencionada transação, deveria conter uma “cláusula de opção de compra pelo preço de € 400.000,00, a exercer pela Ré durante o período de duração do contrato”.
Conforme resultou demonstrado dos factos provados os senhorios intentaram, contra
a ora Ré, uma acção de despejo – proc. ..., 1.ª Secção – Juiz 3, da Instância Central Cível de Sintra.
Se bem atentarmos nesse acordo alcançado vemos que as partes desistiram reciprocamente dos pedidos ali formulados e essa desistência teve como pressuposto a celebração de um novo contrato, até 30 de Abril de 2015.
Ou seja, as partes não quiseram manter a relação contratual que mantinham anteriormente. Mas qual era essa relação contratual? Consta do ponto n.º 2 da matéria de facto provada que “por escrito particular de 1 de Janeiro de 1994 JJ..e outros celebraram com a Ré um contrato- promessa de arrendamento, tendo por objecto o prédio referido em 1, pela renda mensal de 310,000,00. Mais se provou que “o arrendamento teve início em 1 de Janeiro de 1994 e destinou-se ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão residencial, lar de idosos e lar de estudantes.” (ponto 2 da matéria provada.)
Afigura-se, pois, que a relação anterior era muito semelhante àquela que existe actualmente : a existência de um contrato promessa de arrendamento que nunca chegou a ser formalizado. Contudo, como resulta dos autos, desde 1994, a Ré passou a ocupar o imóvel a que respeita o contrato, pagando algumas contrapartidas mensais pela respectiva ocupação. Tanto assim, que nessa acção n.º ..., os autores pretendiam “a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas (vide ponto 6.º dos factos provados). Ora, como tem vindo a ser entendimento da nossa Jurisprudência[1], um denominado contrato-promessa onde logo se estabeleçam as cláusulas do contrato prometido, antecipando-se os efeitos próprios deste que logo passam a verificar-se, não merece a qualificação de contrato-promessa, mas antes a que juridicamente cabe ao contrato definitivo – o supostamente prometido.
Assim, ainda que se possa admitir que entre Autores e Réus ficou a vigorar um contrato de arrendamento celebrado em 1994, este sempre seria nulo por falta de forma, de acordo com o disposto no art.º 7º, nº 2 alínea b) do RAU, na redacção aplicável, anterior ao D.L. n.º 64-A/2000 de 22-04.
Nestas condições, nunca poderiam ser reconhecidos direitos de ocupação do imóvel por parte da Ré, ao abrigo da relação contratual anterior à supra mencionada transacção judicial outorgada, em Março de 2015.
Porém, como se referiu supra, dos termos da transacção efectuada, conclui-se que as partes não quiseram manter essa relação contratual, ao acordar na futura realização de outro contrato, com outras cláusulas e outras condições, pelo que não haverá que retirar consequências jurídicas dessa relação contratual cessada.
Cumpre, pois, analisar a relação contratual estabelecida após a referida transacção, a que se seguiram demoradas e exaustivas negociações com vista à realização do contrato de arrendamento prometido.
Pergunta-se: quem incumpriu o contrato-promessa? A sentença recorrida entende que foi a Ré, pois que faltou à assinatura do contrato, no dia 29-06-2016, para a qual havia sido notificada, através de notificação judicial avulsa. A Apelante, por sua vez entende que o incumprimento ocorre da parte dos Autores/proprietários a quem incumbe diligenciar pela emissão da licença de utilização do imóvel para o fim a que se destina o arrendamento.
Quid juris?                 
Como já se referiu supra, do relatório pericial resulta que um processo de alterações foi submetido em 20-11-1995, pela C.., com o objectivo, precisamente, de alteração do uso, pois embora uma casa de hóspedes tenha fins habitacionais, tem algumas exigências específicas. Ou seja, desde 1995, que a Ré desenvolve uma autêntica batalha burocrática com vista a obter da Câmara Municipal de Sintra a emissão da licença de utilização com vista ao desenvolvimento de actividade pretendida, ou seja casa de hóspedes, pensão residencial, lar de idosos ou lar de estudantes. E tais diligências resultaram num indeferimento da Administração, conforme está expresso no ponto 27 dos factos provados. A ora Apelante chegou mesmo a intentar no Tribunal Administrativo competente, uma acção contra a Câmara Municipal de Sintra, com vista a ver reconhecido o direito da ora Apelante, à emissão da referida licença, mas sem sucesso.
Ora, impõe-se concluir desta factualidade, em primeiro lugar, que não é verdade que se deva à inércia dos Autores a não existência da necessária licença de utilização para o uso comercial acordado pelas partes. Mas também se impõe concluir que ambas as partes sabiam que, por falta desse documento essencial, não era possível proceder à assinatura do contrato e, por conseguinte, a não comparência da Ré em obediência à notificação judicial avulsa, foi irrelevante para o efeito, pois ainda que tivesse comparecido, não estavam reunidas as condições legais para a assinatura do contrato.
Donde, não se vê que se possa atribuir culpa a qualquer das partes pela não celebração do contrato. O que se verifica é a circunstância de o contrato prometido não poder ser celebrado por impedimento legal dada a falta de documento imprescindível, a emitir pela Administração Pública, neste caso a Câmara Municipal de Sintra. E se bem repararmos, desde 1995, que essas diligências são desenvolvidas sem que tenha sido possível ultrapassar as barreiras burocráticas que têm impedido que, até ao presente, ainda não tenha sido emitida a tal licença de utilização para fim diverso daquele a que inicialmente o prédio se destinou. Decorridos mais de 25 anos, parece legítimo concluir que essa emissão de licença não virá a ocorrer. A extrema dificuldade em obter tal documento, inviabilizando a realização do contrato de arrendamento deverá ser equiparada à impossibilidade legal de celebrar o mesmo. Ora, nos termos do disposto no art.º 280.º do Código Civil “ é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja legalmente impossível.” Assim, impõe-se concluir que o contrato promessa celebrado entre as partes é nulo, por visar a realização de um contrato de arrendamento legalmente impossível, não em abstracto, mas, no caso concreto, revelando-se um contrato de arrendamento legalmente impossível.
Face à nulidade do contrato promessa de arrendamento e à inexistência desse contrato prometido, não existe qualquer título que legitime a ocupação do imóvel por parte da Ré, pelo que deverá esta restituir o imóvel aos seus legítimos proprietários.
Chegamos, assim, à mesma conclusão que a sentença recorrida, embora com fundamento diverso.
Também não merece qualquer reparo a decisão de condenar a Ré ao pagamento de indemnização pela ocupação do imóvel, até à efectiva entrega, em quantia equivalente àquela que as partes acordaram como sendo a renda devida.
3-Relativamente ao pedido de lucros cessantes pela impossibilidade de utilização do imóvel prometido arrendar, decorre do supra exposto a sua improcedência. Na verdade, não havendo culpa de nenhuma das partes pela não obtenção da licença de utilização e sendo certo que a Ré sabia da sua inexistência quando celebrou o contrato promessa de arrendamento, nunca poderia exigir dos Autores indemnização a esse título.
Por outro lado é inteiramente correcto aquilo que a este propósito foi dito na sentença recorrida, ou seja, ”da prova produzida não resultou que, não obstante a impossibilidade legal, a Ré de facto não tenha dado utilização ao local. Pode até não a ter utilizado para os fins que pretendia, mas resultou provado que o locado é a habitação familiar do legal representante da Ré, tendo os filhos deste inclusive vivido no mesmo até se terem autonomizado e constituído as respectivas famílias.
(…)
De igual forma não se provou que o rendimento previsível a retirar do locado,
caso o mesmo estivesse em pleno funcionamento, fosse de € 2000,00 líquidos.
Por outro lado, da prova produzida resulta que a Ré fez alterações no locado. Não obstante, não resultou provado a amplitude dessas alterações por forma a serem as mesmas consideradas como benfeitorias necessárias ou úteis. Na mesma forma que nenhuma prova foi feita quanto ao valor dessas eventuais benfeitorias realizadas.
As obras realizadas terão sido realizadas no âmbito do anterior contrato promessa de arrendamento.
Ora, tal pedido de indemnização – quer pelos lucros cessantes, quer pelas benfeitorias realizadas – havia já sido efectuado no âmbito da acção ..., no âmbito da qual foi alcançada a transação, cujo incumprimento deu origem aos presentes autos.
E relativamente a este pedido reconvencional a Ré desistiu o pedido. (…)
Tendo desistido do pedido, nos termos do disposto no art. 285.º, n.º 1, do CPC extinguiu-se o direito que pretendia fazer valer.
Não podendo posteriormente vir a deduzi-lo numa outra acção. Tal apenas seria possível se a Ré tivesse desistido da instância, ou se o pedido se referisse a uma outra causa que não as benfeitorias efectuadas e lucros cessantes da impossibilidade de utilização do locado. Assim, independentemente da prescrição invocada pelos Autores, um eventual direito da Ré a ser indemnizada, entre outras, pelas benfeitorias efectuadas encontrar-se-ia extinto por efeito da desistência do pedido, homologada na supra referida acção – art. 285.º,n.º 1, do CPC.”

Improcedem, pois as conclusões de recurso, devendo ser confirmada a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.
Lisboa, 10-11-2022
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate

[1] Vide a título exemplificativo Acórdão do STJ de 08-06-2006, disposnível em www.dgsi.pt.