Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17375/17.5T8LSB.L1-B-6
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (sem sumário)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I.  Relatório:
J… intentou uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum M… (advogada), pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 16.596.47 Euros, acrescida de juros de mora vincendos a contar da citação e até integral pagamento.
Julgada a causa, na primeira instância foi proferida Sentença a julgar a acção totalmente improcedente.
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Desta Sentença recorreu o A., formulando as seguintes Conclusões:
“1. Resulta dos documentos anexos aos autos que os factos considerados como provados não estão correctamente fixados, porquanto:
Consta da M.D. sentença recorrida - Facto provado n.º 1 que: “ Em data não concretamente apurada de Janeiro de 2010 a Ré M… foi nomeada patrono ao Autor, em sede do benefício do apoio judiciário, com vista à propositura de uma acção contra a vulgarmente conhecida Casa… e, mais concretamente, …”
2. Ora, desde logo se dirá que, tal facto não corresponde à verdade, porquanto, resulta do documento n.º 1 anexo à Contestação da Ré, que a mesma foi nomeada em 29/1/2010, facto que aliás, também resultou de acordo entre Autor e Ré.
3. Conta da M. D. sentença recorrida - facto provado n.º 2 que : “Através da acção referida em 1 - pretendia o Autor obter a condenação da referida sociedade a pagar-lhe um determinado valor, por um alegado estudo pelo Autor obtido ou viabilizado através do mesmo, a pedido de …”.
4. Ora, tal também não corresponde à verdade, sendo que, deveria resultar provado que Através da acção referida em 1 - pretendia o Autor obter a condenação da referida sociedade a pagar-lhe um valor de €2.500,00, porquanto tal afirmação consta do artigo 2º da P.I. e é confirmado pela Ré, em sede de contestação, onde se lê : “Também corresponde à verdade o alegado no art.º 2.º, da PI, indicando-se que a denominação da sociedade em causa é “…(doc.2)”
5. Assim e face ao exposto, desde logo se poderá concluir que o Facto não provado B) n.º 1, deveria ter sido considerado como provado.
6. Quanto aos factos não provados e devida fundamentação,
também aqui se verifica uma clara manobra do Meritíssimo Juiz a quo, em desvirtuar as provas efetivamente oferecidas aos autos.
7. Refere o Meritíssimo Juiz a quo – Factos não provados B) n.º 2 que: “Os factos constantes dos artºs 13º a 18º, 22º, sendo os 31º e 32º (até abandono) da p. inicial meramente conclusivos e que, por isso, não são matéria para ora considerar ou não como provada e sim para, dos demais, extrair o tribunal as inerentes conclusões”
8. Então vejamos especificamente, o que dizem os artigos 13º a 18º e 22º:
13º
De referir que, o Autor não ficou com qualquer cópia dos documentos entregues à Ré, uma vez que a mesma não tinha papel para fotocopiar os documentos.
14º
O Autor entregou todos os documentos que possuía à Ré e, que eram necessários para intentar a Acção pretendida, não ficando com qualquer cópia.
15º
Ficou logo agendada uma nova reunião para acertar pormenores da Acção a intentar pela Ré, reunião que, até à presente data nunca se realizou.
16º
A Ré adiou de forma sistemática todas as reuniões marcadas entre março e Setembro de 2010.
17º
Muitas dessas desmarcações eram feitas no próprio dia e hora, pois quando o Autor se deslocava ao escritório da Ré, encontrava-o fechado, ou era atendido por uma Colega da Ré, a Sra. Dra. S…, que informava o Autor que a Ré não estava e que não sabia quando voltava.
18º
A última reunião foi agendada para o dia 14 de Setembro de 2010, sendo que mais uma vez a Ré não compareceu nem contactou o Autor.
22º
Nessa mesma data, o Autor enviou carta à Ré, pedindo-lhe a devolução dos documentos que lhe havia entregue.
9. Ora salvo o devido respeito, por que razão, tais factos não deverão ser considerados!!!!!!!! De que maneira se trata de factos meramente conclusivos!!!!!!!
10. São facto essenciais para a descoberta da verdade material, tendo em conta os temas da prova, identificados no despacho saneador de 16/1/2019, a saber:
“Dos temas da prova
Os temas da prova reconduzem-se aos seguintes:
a) à indagação sobre se após a nomeação da Ré como patrono ao Autor e após duas conferências entre as partes, o Autor não mais conseguiu reunir com a demandada, por esta ter adiado sistematicamente todas as reuniões agendadas;
b) à indagação sobre se, no âmbito da nomeação da Ré como patrono ao Autor e para a instauração da acção referida o Autor entregou à Ré, no início de 2010, todos os documentos necessários à sua interposição, não ficando com cópia dos mesmos por facto imputável à demandada;
c) à indagação sobre se, por tais factos, o Autor pediu a substituição da demandada em sede de apoio judiciário e pediu à Ré, em 4.10.2010, a restituição dos documentos que lhe entregara com vista à propositura da acção e se esta apenas o fez em 4.2,2011 por o Autor apenas os querer receber via postal e a Ré os pretender entregar pessoalmente, contra recibo de recepção;
d) à indagação sobre se, em consequência da conduta da Ré, o Autor sofreu danos e quais, na afirmativa e, e) à indagação da eventual exclusão do âmbito do seguro de grupo a que se referem fls. 66 e segs. dos autos dos factos em causa nos autos, no que à interveniente se refere.
11. E tais factos considerados não provados ( B n.º 2) resultaram efetivamente provados, quer pelas Declarações de parte de Autor e Ré, que confirmaram que o Autor entregou à Ré os documentos necessários para instaurar a acção pretendida e também, do depoimento da Dra. …, que referiu que o Autor se deslocou por várias vezes ao escritório Ré, sem reunião agendada e, sem que nunca tivesse conseguido contactar pessoalmente com a Ré.
12. Resultou provado, pelo depoimento de parte da Ré e da testemunha Dra. S…, que foi por decisão da Ré, que a mesma não devolveu os documentos, cuja devolução tinha sido solicitada pelo Autor, quer verbalmente, quer por carta.
13. E a este respeito, sempre se dirá que resultou inequivocamente provado, por documentos anexos aos autos, quer pelo Autor ( doc 2 anexo à P.I.), quer pela própria Ré (doc 3 da contestação / fls 21 verso a 23 dos autos)), o facto aludido a artigo 22º da P.I., ou seja, que em 4/10/2010, o Autor enviou carta à Ré, pedindo-lhe a devolução dos documentos que lhe havia entregue.
14. Contrariamente ao alegado na M.D. Sentença ora recorrida, apesar do Autor ter junto, uma carta simples, sem prova do seu envio, tal facto resulta provado, uma vez não foi impugnado pela Ré na sua Contestação e consta do relatório do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados (doc n.º 3 junto com a Contestação, pontos 13 e 14).
15. Aliás, foi a mesma data em que o Autor vem pedir a substituição da Ré como sua patrona, e tal resulta igualmente provado a fls 21 verso a 23 dos autos.
16. Quanto aos factos não provados, contantes do ponto B) 5 e sua fundamentação, o ora Recorrente não poderá concordar com as conclusões retiradas pelo Meritíssimo Juiz a quo.
17. Senão vejamos,
Efetivamente, resulta provado no ponto 33, o seguinte: “O Autor refere ter ficado desgastado devido ao facto de a Ré não ter restituído, de imediato ao mesmo, os documentos em causa nestes autos.”
18. Ora, obviamente que, dada a subjetividade dos factos em causa, teriam os mesmos que partir de prova produzida, por declarações de parte do Autor.
19. Sendo certo que, uma vez que foi recusada, pelo Meritíssimo Juiz a quo, a prova pericial, requerida pelo Autor, para avaliação psíquica e psicológica do mesmo no caso concreto dos presentes autos, foi requerida a junção de perícia médica forense realizada no Processo 1130/14.7TVLSB.
20. Tal documento, visa essencialmente comprovar os traços de personalidade rígida do Autor, que, perante o comportamento de Ré, que se recusou a enviar os documentos por correio ao Autor ( como a mesma reconhece e como é comprovado pela prova testemunhal), obviamente e consequentemente, criam no mesmo um estado psíquico e anímico de ansiedade, especialmente gravoso. O que determina as consequências descritas a artigos 33º a 37º da P.I.
21. Assim, partindo das declarações de parte do Autor, acompanhadas da perícia médico legal, anexa aos autos, resultam provadas as características especiais da personalidade rígida e vincada do Autor,
22. e ainda, estando provado que o Autor ficou desgastado devido ao facto de a Ré não ter restituído, de imediato ao mesmo, os documentos em causa nestes autos, teriam que se considerar como provados os factos 33º a 37 º da P.I.
23. Resultou provado nos autos, contrariamente à fundamentação constante da M.D. sentença recorrida, que o Autor e ora Recorrente, entregou à Ré, na qualidade de patrona nomeada ao abrigo do Apoio Judiciário, um conjunto de documentos, dos quais não tinha cópia, nem tinha possibilidade de obter cópias dos mesmos.
24. A Ré e ora Recorrida, por sua vez, tendo sido instada por carta remetida pelo Autor, para devolver os documentos em causa, recusou-se a fazê-lo.
25. E neste ponto teremos que referir que, a fundamentação apresentada pela Meritíssima Juiz a quo, para a recusa da Ré em restituir os documentos por correio, coloca diretamente em causa a honorabilidade do ora Recorrente e Autor, o que é manifestamente grave e infundado.
26. Ora, o que leva a Meritíssima Juiz a quo a concluir que o Autor pudesse colocar em causa o envio de documentos por correio registado??????
Esta conclusão e fundamentação é completamente desprovida de qualquer fundamento legal e, coloca diretamente em causa a respeitabilidade do Autor, ao concluir que o mesmo seria capaz de alegar que o conteúdo da expedição não era o referido pelo expedidor.
27. A Ré, enquanto patrona nomeada ao Autor, tornou-se fiel depositária dos documentos que o mesmo lhe havia entregue.
28. E como fiel depositária, quando instada para devolver documentos que não lhe pertenciam, a Ré, teria que o ter feito de imediato, uma vez que não resulta dos autos qualquer razão, válida ou legal, para não efetuar tal devolução.
29. Nada justifica que a Ré se tenha recusado a enviar os documentos ao Autor, por correio ou por outra via, até mesmo porque a carta remetida pelo Autor para esse efeito, refere mesmo que a Ré informe da sua disponibilidade para este os ir levantar ao escritório.
30. O Autor teve que aguardar que o novo patrono nomeado, “notificasse” por escrito a Ré, para a devolução dos documentos, e só assim, foi possível ao Autor, obter os documentos que lhe pertenciam e que eram fundamentais para instaurar a Acão que a Ré considerou inviável.
31. A Ré incumpriu, perante o Autor, a obrigação sobre si incidente, de devolução dos documentos que estavam na sua posse, facto este, omissivo que causou danos ao Autor, nomeadamente os indicados na P.I. e que resultaram inteiramente provados, por toda a prova documental existente nos autos.
Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o muito douto suprimento de Vexas, deverá o presente recurso de Apelação ser julgado procedente por provado, pelos fundamentos de facto e de direito atrás invocados e, em consequência deverá ser revogada a Mui Douta Sentença que absolveu a Ré M…. e em consequência ser a mesma condenada no pedido formulado pelo Autor/Recorrente, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará a devida Justiça.”
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Foi proferido Acórdão em 22/9/2022, onde a propósito da requerida reapreciação da matéria de facto se decidiu o seguinte:
“1) Se i) os factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada carecem de ser corrigidos (precisando a data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono ao Autor, em sede do beneficio do apoio judiciário, e a quantia exacta que o ora Autor pretendia reclamar da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu o beneficio do apoio judiciário); ii) se foram indevidamente considerados não provados os factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22°, e 33° a 37° da PI; e iii) se os factos alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial não são meramente conclusivos;
O Autor ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, em três segmentos:
- no tocante aos factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada, sustentando que os mesmos carecem de ser corrigidos (precisando-se a data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono ao Autor, em sede do benefício do apoio judiciário, e a quantia exacta que o ora Autor pretendia reclamar da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu o benefício do apoio judiciário);
- no segmento em que considerou não provados os factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI:
- na parte em que considerou meramente os factos alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial.
Quid juris ?
i) Quanto aos factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada:
As alterações que o ora Apelante pretende ver introduzidas na redacção dos pontos 1) e 2) da matéria factual tida por provada são totalmente inócuas, na medida em que a menção à data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono oficioso ao Autor, em sede de benefício de apoio judiciário, para efeitos de propositura duma acção, bem como a explicitação da quantia precisa que o ora Autor pretendia exigir da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu e lhe foi concedido apoio judiciário, na modalidade de patrocínio oficioso, não teriam qualquer reflexo no desfecho da presente accão de responsabilidade civil extra-contratual intentada pelo autor contra a advogada que a Ordem dos Advogados lhe nomeou para o patrocinar oficiosamente na aludida demanda, acção essa que está irremediavelmente votada ao insucesso (cfr. infra).
Ora, segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar- se na jurisprudência das Relações e que também perfilhamos, “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contrairia os princípios da celeridade e da economia processual” - Acórdão da Relação de Coimbra de 24/04/2012 (proferido no Proc. n° 219/10.6T2VGS.C1; relator - ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt
É que “A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis” - Acórdão da Relação do Porto de 19/05/2014 (proferido no Proc. n° 2344/12.TBVNG-A.P1; relator - CARLOS GIL), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt 5 6.
Na vigência do CPC de 1961 (após a revisão operada em 1995/1996), também já se entendia que “Não sendo os factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não se justifica a sua alteração, havendo motivo, nos termos do art. 712°, n° 1 do C.P.C.” - Acórdão do STJ de 27/01/2005 (Proc. n° 04B3832; relator - LUÍS FONSECA), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
Assim sendo, não se justifica proceder à reapreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal “a quo”, visto que, ainda mesmo que fossem aditadas aos factos considerados provados em Ia instância aquelas menções - supra indicadas - que o ora Recorrente pretende ver-lhe acrescentadas por esta Relação, nem por isso a ora Ré/Apelada ficaria constituída na obrigação de pagar ao Autor/Apelante a quantia indemnizatória (a título de danos patrimoniais e extra-patrimoniais) que este dela reclama, com base numa alegada (mas não demonstrada) violação dos seus deveres estatutários enquanto patrono oficioso do aqui Autor.
Eis por que se torna desnecessário conhecer do mérito da Apelação, quanto a esta questão do putativo erro na apreciação das provas alegadamente cometido pelo tribunal “a quo” (art. 608°, n° 2, do actual CPC de 2013, aplicável às decisões dos tribunais superiores em matéria de recursos, ex vi do art. 663°, n° 2, do mesmo diploma).
[Cfr., também no sentido de que «De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da Ia instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa», o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/3/2014 (Processo n° 1157/10.8TJCBR.C1; relator - HENRIQUE ANTUNES), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt.
Cfr., igualmente no sentido de que, «Se da base instrutor ia constarem factos que não deviam, à luz duma selecção bem feita, ter sido nela incluídos, não deverão os mesmos, embora “respondidos" na decisão de facto da 1Instância,ser alvo da reapreciação da Relação; num processo, tudo é comandado pelo direito, e por conseguinte e em termos factuais só deve ser apreciável e/ou reapreciável o que possa ter algum relevo jurídico», o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/1/2014 (Processo n° 1117/09.1T2AVR.C1; relator - BARATEIRO MARTINS), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt. ]
ii) Relativamente aos factos - que o tribunal “a quo” considerou não provados - descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI:
Sob o ponto de vista formal, constata-se que o ora Apelante não deixou de delimitar o âmbito da impugnação da decisão de facto do tribunal "a quo”, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (como impõe a al. a) do n.° 1 do cit. art.° 640° do CPC de 2013), nem de apontar os concretos meios probatórios, constantes do processo, que - na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (como exige a al. b) do n.° 1 do mesmo art.° 640°).
Simplesmente, apesar de esses meios probatórios consubstanciarem depoimentos prestados em Audiência de Julgamento nor testemunhas nessa sede inquiridas ou declarações de parte prestadas em audiência pelo Autor e pela ora Ré e que foram objecto de registo sonoro, o ora Apelante dispensou-se de mencionar exactamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como exige a al. a) do n° 2 do mesmo preceito), limitando-se a mencionar a existência desses depoimentos e dessas declarações, nem sequer os transcrevendo (total ou parcialmente).
Quid juris ?
Segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar-se nas Relações, sobretudo após a entrada em vigor (em 1/9/2013) do CPC aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, “Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n° 2, a) do art° 640° do NCPC, que corresponde ao n.° 2 do art.° 685°-B do CPC)” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (Processo n° 6213/08.0TBLRA.C1; relator - FALCÃO DE MAGALHÃES), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.7 8  
[Cfr., igualmente no sentido de que «Quando o fundamento da impugnação da decisão da matéria de facto tenha por base a prova gravada o recorrente deve indicar, sob pena de rejeição, com exactidão as passagens da respectiva gravação», o Acórdão da Relação do Porto de 30/6/2014 (Processo n° 1397/13.8TJPRT.P1; relator - MANUEL DOMINGOS FERNANDES), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.
Cfr., também no sentido de que «Deve ser rejeitado, sem oportunidade de aperfeiçoamento prévio, o recurso em matéria de facto alicerçado na reapreciação de prova testemunhal gravada e em que o recorrente nem nas conclusões nem nas alegações indica com exatidão as passagens da gravação que considera relevantes para a modificação pretendida, ainda que os depoimentos se encontrem transcritos, total ou parcialmente.», o Acórdão da Relação de Guimarães de 8/1/2015 (Proc. n° 1514/12.5TBBRG.G1; relator - FILIPE CAROÇO), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.]
Ora, “A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no B, n° 2 do CPC e que se exige agora no art° 640°, n° 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.” - ibidem.
“Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no art° 640°, n° 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito art° 685°-B, n° 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.” - ibidem 10 n.
Por isso, “Indicando o recorrente determinados depoimentos gravados como relevantes em sede de impugnação da decisão em matéria de facto, mas não tendo cumprido o ônus processual da indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso, a cominação imposta pelo art. ° 640°, n° 2, al. a), do Código de Processo Civil, é a imediata rejeição do recurso na respetiva parté’ - Acórdão da Relação de Guimarães de 29/9/2014 (Proc. n° 81001/13.0YIPRT.G1; relator - FILIPE CAROÇO), acessível on-line (o texto integral) www.dgsi.pt.
Assente, pois, que tais formalismos não foram minimamente respeitados pelo ora Recorrente - o qual não curou de mencionar exactamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como o exige a al. a) do n° 2 do mesmo art. 640°), limitando-se a mencionar a existência dum depoimento testemunhal (o prestado por uma Colega da Ré, a Sra. Dra. S…) e de declarações de parte do Autor e da Ré, não pode esta Relação senão rejeitar, imediata e liminarmente, o recurso por ela interposto, na parte atinente à impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em Ia instância, quanto aos factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI.
[9 Cfr., de igual modo no sentido de que « cumpre o ónus da impugnação da decisão da questão de facto, o recorrente que não procede à indicação exacta, precisa, das passagens da gravação em que o fundamenta, limitando-se a indicar o início e o terminus dos depoimentos e a proceder à transcrição parcial deles», o Acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2015 (Proc. n° 2466/11.4TBFIG.C1; relator - HENRIQUE ANTUNES), acessível on-line (o texto integral) in www.dasi.nt.
10 Cfr., também no sentido de que «A indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda", exigida pelo artigo 640.° n.° 2 CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais "passagens" tem o seu início; ela não se pode ter por efectuada quando somente se menciona a hora do início e do fim de cada depoimento ou se transcreve partes de», o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/11/2014 (Processo n° 1258/11.5TBPTL-A.G1; relator - ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.
11 Cfr., igualmente no sentido de que «A indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso sobre a impugnação da matéria de facto, exigida pelo n° 2 do art. 640° do CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais passagens tem o seu início, não podendo a mesma ter-se por efectuada quando apenas se menciona a hora do início e do fim de cada depoimento ou quando apenas se transcreve partes de.», o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2014 (Proc. n° 447/08.4TBAVV.G1; relator - MANUEL BARGADO), acessível on-line (o texto integral) in www.dasi.pl.]
iii)  Quanto aos factos - que o tribunal “a quo” considerou meramente conclusivos - alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial:
O teor dos arts. 31° e 32° da PI é ostensivamente conclusivo:
- A inércia da Ré e a impossibilidade de contactos, durante mais de um ano, prejudicou de forma directa o direito do Autor em intentar a acção pretendida e em ser ressarcido do seu crédito (art. 31°);
- A Ré votou o Autor ao abandono (art. 32° da PI).
Em ambos os casos, estamos perante afirmações que teriam de resultar da prova de factos concretos que evidenciassem a alegada inércia da Ré e por que rezão e em que medida é que essa propalada inércia teria impedido ou obstaculizado o exercício do direito de acção judicial do Autor contra a sociedade que ele pretendia demandar e a efectivação do seu pretenso direito de crédito contra essa sociedade (art. 31°). Por outro lado, ficaram por invocar factos concretos dos quais se pudesse extrair a conclusão de que o Autor foi abandonado pela ora Ré (art. 32°).
Não tendo sido invocados factos concretos que, uma vez provados, permitissem extrair as asserções de índole conclusiva que o ora Apelante fez constar dos mencionados arts. 31° e 32° da PI, bem andou o tribunal “a quo” quando afirmou não se estar perante matéria factual susceptível de ser considerada provada ou não provada.
Assim sendo, a Apelação improcede, quanto a esta questão da impugnação (parcial) da decisão sobre matéria de facto contida na sentença, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada em Ia instância.”
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O Recorrente interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, não admitido, tendo o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/9/2022 nos autos principais, aos quais estes são apenso transitado em julgado.
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O Recorrente vem agora, invocando o disposto no artigo 696º h) do Código de Processo Civil, interpor Recurso de Revisão do Acórdão Concluindo:
“1- O Acordão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que se pretende submeter à Revisão, com fundamento no disposto no artigo 672º n.º 1 alinea a) do C.P.C., decidiu, por unanimidade, confirmando a sentença de 1ª Instância que negou provimento à pretensão do Autor/Recorrente (julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a ré do pedido), e na parte que ora releva, que: “…..
ii} Relativamente aos factos - que o tribunal "a quo" considerou não provados - descrito nos artºs 13° a 18° e 22° da PI: Sob o ponto de vista formal, constata-se que o ora Apelante não deixou de delimitar o âmbito da impugnação da decisão de facto do tribunal "a quo", indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (como impõe a al. a) do n.º 1 do cit. art.º 640° do CPC de 2013), nem de apontar os concretos meios probatórios, constantes do processo, que - na sua perspetiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (como exige a al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 640°).
Simplesmente, apesar de esses meios probatórios consubstanciarem depoimentos prestados em Audiência de Julgamento por testemunhas nessa sede inquiridas ou declarações de parte prestadas em audiência pelo Autor e pela ora Ré e que foram objeto de registo sonoro, o ora Apelante dispensou-se de mencionar exatamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como exige a al. a) do n° 2 do mesmo preceito), limitando-se a mencionar a existência desses depoimentos e dessas declarações, nem sequer os transcrevendo (total ou parcialmente).
Quidjuris?
Segundo uma orientação jurisprudencial que tern vindo a sedimentar-se nas Relações, sobretudo após a entrada em vigor (em 1/9/2013) do CPC aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, "Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder a transcrição dos excertos que considere relevantes (n° 2, a) do art.º 640° do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685°-B do CPC)." - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (Processo n° 6213/08.0TBLRA.Cl; relator FALCÃO DE MAGALHAES}, acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.
………………………………………..
Assente, pois, que tais formalismos não foram minimamente respeitados pelo ora Recorrente - o qual não curou de mencionar exatamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como o exige a al. a) do n° 2 do mesmo art. 640°), limitando-se a mencionar a existência dum depoimento testemunhal (o prestado por uma Colega da Ré, a Sra. Dra. S…) e de declarações de parte do Autor e da Ré, não pode esta Relação senão rejeitar, imediata e liminarmente, o recurso por ela interposto, na parte atinente a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI.
2- Salvo o devido respeito, o Recorrente não poderá concordar com o M.D. Acordão proferido, porquanto:
Refere o artigo 640º do C.P.C.:
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
3- Ora, no que diz respeito à impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, o ora Recorrente, no cumprimento integral do disposto no artigo 640 n.º 1 alinea b) e n.º 2 alinea a), indicou as exatas passagens da Gravação da Audiência de Julgamento, referindo-se especificamente às Declarações de Parte do Autor e da Ré e ao depoimento da Dra. S…, como concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, cumprindo igualmente o disposto no artigo 640º n.º 1 do C.P.C.
4 - Salvo o devido respeito, a lei, ao referir exatidão, não determina que tal exatidão tenha que se traduzir na indicação - mister….., por referencia ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso." –
5 Nada na lei é referido quanto a essa exigência.
6 Tal exigência resulta, conforme se encontra igualmente explanado no M.D. Acórdão recorrido, de meras interpretações jurisprudenciais.
7 Aliás, conforme decorre da lei, a Gravação da Audiência de Julgamento é integralmente disponibilizada ao Tribunal de Recurso.
8 E, por confronto ao quadro que faz parte da Gravação disponibilizada ao Tribunal de Recurso, resulta claro e inequívoco que:
- As declarações de parte do Autor se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:20:57 a 01:09:34
- As declarações de Parte da Ré se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:22:44 a 00:57:54
- O depoimento da testemunha Dra. S… se encontra registado na gravação de 28/10/2019 – 00:01:16 a 00:10:55.
9 - Pelo que terá que se concluir que a indicação que o ora recorrente fez nas suas alegações de Recurso, cumpre o dispositivo legal do artigo 640 n.º 2 alinea a) do C.P.C.,
10 - Termos em que o indeferimento liminar do recurso, na parte atinente a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, carece em absoluto de qualquer fundamento legal.
11 - Até porque tal impugnação, fundamentou-se não só na prova gravada indicada como também dos documentos indicados nas alegações do Recorrente. E tais documentos não foram sequer considerados pelos Venerandos Desembargadores, sem que para tal existisse qualquer fundamento legal.
12 - Verificamos assim que as interpretações jurisprudenciais conferidas ao disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. têm vindo a cimentar uma obrigação de indicação do “inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento”.
13 - Querendo isto dizer que a redação expressa no artigo 640 n.º 2 alinea a) do C.P.C. não encontra acolhimento legal na interpretação jurisprudencial dessa mesma norma.
14 - Facto este que, no entender do ora Recorrente, determina que a redação atual do disposto no artigo 640 n.º 2, alínea a) do C.P.C., está claramente ferida de inconstitucionalidade.
15 - Ou seja, o texto do artigo 640 n.º 2 alínea a) do C.P.C., não é coincidente com a maioria das interpretações jurisprudenciais feitas à referida norma, no sentido de que, trazem à interpretação da referida norma, uma exigência especifica que não está identificada na lei (a especificação do início e termo da passagem ou das passagens do depoimento).
16 - A não coincidência entre a redação do disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. e a interpretação jurisprudencial que é conferida a esse dispositivo, determina uma limitação do direito de defesa do cidadão e como tal, a violação o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nomeadamente do princípio de acesso ao Direito e tutela Jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas e do direito a um processo equitativo.
17 - Por outro lado, verificamos que as posteriores decisões jurisprudenciais suscitadas pelo Recorrente, que junto do Supremo Tribunal de Justiça, quer no Tribunal Constitucional, utilizam igualmente subterfúgios legais para não apreciar a verdadeira questão suscitada pelo Recorrente.
18 - Sejam a alçado do Tribunal ou o facto de “a putativa interpretação indicada pelo Reclamante, não integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento da inconstitucionalidade que sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo.”
20 - Em suma, um conjunto de decisões jurisdicionais, que sem atender ao verdadeiro interesse da justiça e da descoberta da verdade material, “manipulam” as disposições legais a seu bel prazer e que não cumprem o seu desígnio primordial que é a correta e cabal interpretação da lei, com vista à realização da justiça.
21 - Criando obstáculos inultrapassáveis ao Recorrente no seu direito constitucional de acesso à justiça e provocando danos na esfera jurídica do mesmo.
22 - Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (na redacção conferida pela Lei n.º 31/2008, de 17/07), “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial”
23 - Nos termos do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”.
24 - E nos termos do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações e omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
25 - Determinando consequentemente, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/9/2022 e que absolveu a Ré/Recorrida do pedido, estando ferida de inconstitucionalidade, provocou danos irreparáveis ao Recorrente e a consequente responsabilidade civil do Estado nos termos da alínea h) do artigo 696º do C.P.C.
Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o muito douto suprimento de Vexas, deverá o presente Recurso, ser julgado procedente por provado, pelos fundamentos de direito supra invocados e, em consequência deverá ser revogado o M.D. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que rejeitou o recurso interposto pelo Recorrente, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará a devida JUSTIÇA.”
*
Foi proferida Decisão Singular onde se decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, resulta que nos termos do art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não havendo motivo para a revisão do Acórdão recorrido, se impõe o indeferimento do recurso de revisão agora interposto.”
*
Inconformado coma decisão proferida, o Requerente veio requerer que sobre a mesma recaia Conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 652º n.º 3 do Código de Processo Civil, alegando, na parte relevante, que:
“(…) 5º Ora, no que diz respeito à impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, o ora Recorrente, no cumprimento integral do disposto no artigo 640 n.º 1 alinea b) e n.º 2 alinea a), indicou as exatas passagens da Gravação da Audiência de Julgamento, referindo-se especificamente às Declarações de Parte do Autor e da Ré e ao depoimento da Dra. S…, como concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, cumprindo igualmente o disposto no artigo 640º n.º 1 do C.P.C.
6º A lei, ao referir exatidão, não determina que tal exatidão tenha que se traduzir na indicação - mister….., por referencia ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso." –
7º Nada na lei é referido quanto a essa exigência.
Tal exigência resulta, conforme se encontra igualmente explanado no M.D. Acórdão recorrido, de meras interpretações jurisprudenciais.
8º Aliás, conforme decorre da lei, a Gravação da Audiência de Julgamento é integralmente disponibilizada ao Tribunal de Recurso.
9º E, por confronto ao quadro que faz parte da Gravação disponibilizada ao Tribunal de Recurso, resulta claro e inequívoco que:
- As declarações de parte do Autor se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:20:57 a 01:09:34
- As declarações de Parte da Ré se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:22:44 a 00:57:54
- O depoimento da testemunha Dra. S… se encontra registado na gravação de 28/10/2019 – 00:01:16 a 00:10:55.
10º Pelo que terá que se concluir que a indicação que o ora recorrente fez nas suas alegações de Recurso, cumpre o dispositivo legal do artigo 640 n.º 2 alínea a) do C.P.C.,
11º Termos em que o indeferimento liminar do recurso, na parte atinente a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, carece em absoluto de qualquer fundamento legal.
12º Até porque tal impugnação, fundamentou-se não só na prova gravada indicada como também dos documentos indicados nas alegações do Recorrente. E tais documentos não foram, sequer, considerados pelos Venerandos Desembargadores, sem que para tal existisse qualquer fundamento legal.
13º Verificamos assim que as interpretações jurisprudenciais conferidas ao disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. têm vindo a cimentar uma obrigação de indicação do “inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento”.
14º Querendo isto dizer que a redação expressa no artigo 640 n.º 2 alinea a) do C.P.C. não encontra acolhimento legal na interpretação jurisprudencial dessa mesma norma.
15º Facto este que, no entender do ora Recorrente, determina que a redação atual do disposto no artigo 640 n.º 2, alínea a) do C.P.C., está claramente ferida de inconstitucionalidade.
16º A não coincidência entre a redação do disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. e a interpretação jurisprudencial que é conferida a esse dispositivo, determina uma limitação do direito de defesa do cidadã e como tal, a violação o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nomeadamente do princípio de acesso ao Direito e tutela Jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas e do direito a um processo equitativo.
17º Por outro lado, verificamos que as posteriores decisões jurisprudenciais suscitadas pelo Recorrente, que junto do Supremo Tribunal de Justiça, quer no Tribunal Constitucional, utilizam igualmente subterfúgios legais para não apreciar a verdadeira questão suscitada pelo Recorrente.
18º Sejam a alçado do Tribunal ou o facto de “a putativa interpretação indicada pelo Reclamante, não integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento da inconstitucionalidade que sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo.”
19º Criando obstáculos inultrapassáveis ao Recorrente no seu direito constitucional de acesso à justiça e provocando danos na esfera jurídica do mesmo.
20º Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (na redacção conferida pela Lei n.º 31/2008, de 17/07), “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial”
21º Nos termos do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”.
22º E nos termos do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações e omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
23º Determinando consequentemente, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/9/2022 e que absolveu a Ré/Recorrida do pedido, estando ferida de inconstitucionalidade, provocou danos irreparáveis ao Recorrente e a consequente responsabilidade civil do Estado nos termos da alínea h) do artigo 696º do C.P.C.”
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Contra-alegou o MºPº, pugnando pela manutenção do que ficou decidido em sede de Decisão Singular.
***
II. Questão a decidir:
Nos presentes autos está em causa a admissibilidade do recurso de revisão intentado pelo Requerente.
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III. Fundamentação de facto:
Para a decisão da Questão suscitada, há que considerar os factos relatados no Relatório Supra.
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IV. O Direito:
Foi a seguinte a fundamentação jurídica da Decisão Singular proferida:
“Nos termos do art.º 627º, nº 2 do Código de Processo Civil, o recurso de revisão é um recurso extraordinário, encontrando-se regulado nos art.ºs 696º a 702º deste diploma legal.
A lei faz distinguir, com base num critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão recorrida, os recursos ordinários dos recursos extraordinários, sendo estes interpostos depois daquele trânsito (ao contrário dos primeiros), recaindo, nos recursos extraordinários, o poder decisório sobre o mesmo tribunal que proferiu a decisão – cfr. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., Almedina, 2018, p. 30.
Donde, o recurso extraordinário de revisão é o meio processual adequado à impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado - arts. 627º, nº 2 e 696º do Código de Processo Civil.
Como refere Fernando Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, p. 267, apud Ac. do STJ de 05/06/2019, Chambel Mourisco, acessível em www.dgsi.pt: “Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma sentença transitada”.
O recurso de revisão pode incindir sobre qualquer decisão judicial, independentemente da sua natureza ou objecto e da categoria do tribunal de onde emana, desde que tenha transitado em julgado - Lebre de Freitas, in “Recurso extraordinário: recurso ou ação”, em “As Recentes Reformas na Ação Executiva e nos Recursos”, p. 25 e ss, apud António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, p. 830.
Como notava Manuel de Andrade, in “Noções elementares de processo civil”, Coimbra, ed. de 1944, p. 226, citado por Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. VI, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 373: “os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas. Como, porém, o seu objecto é constituído por um processo e uma decisão anterior (ou só por esta), a lei assimila-os, sob vários pontos de vista, aos recursos ordinários”.
Estipula a lei, para o que aqui interessa, no Artigo 696.º do Código de Processo Civil, que “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.”
E refere o art.º 696.º-A do Código de Processo Civil que:
“Responsabilidade civil do Estado
1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente:
a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e
b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.
2 - O recurso previsto no número anterior é interposto também contra o Estado.”
O recurso extraordinário de revisão é interposto para o mesmo – e no - Tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida (isto é, a decisão a rever) – art.º 697º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Ou seja, o Tribunal competente é o tribunal que proferiu a decisão que se pretende pôr em causa com a interposição do recurso de revisão.
O que significa que a competência para a apreciação dos recursos de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme o órgão jurisdicional que proferiu a decisão cuja revisão é pedida.
Posto isto, nos termos do art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.”
Vejamos.
Dispõe o art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que regula a Responsabilidade Civil extracontratual do Estado e Pessoas Colectivas de Direito Público que “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
A responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional vem prevista no Capítulo III da Lei 67/2007, sendo que nos termos do art.º 12º se estipula que “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”
Assim, para além do que expressamente se prevê no art.º 13º da Lei 67/2007; “Responsabilidade por erro judiciário
1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”
Há que ter ainda em consideração as regras gerais aplicáveis à responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.
Desta forma, dispõe o art.º 9º, n.º 1, sobre a ilicitude, que:
“1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”
E relativamente à culpa dispõe o art.º 10.º:
“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.”
Socorrendo-nos aqui do enquadramento jurídico efectuado sobre estas questões no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/3/2023, Proc. n.º 2139/20.7T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, temos que:
“A consagração da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelos danos causados por erro judiciário, como referido no acórdão deste STJ de 12.07.2018, CJ/STJ, II, pag. 177, “é novidade introduzida pelo regime criado pelo RRCEE, assim assumindo como certa ideia, hoje consensual, de que o Estado deve ressarcir os danos decorrentes de acto ilícito e culposo cometido exercício da função jurisdicional por um dos seus servidores, tal como sucede como os provocados no âmbito das demais responsabilidades estaduais.”
Estando em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegado erro grosseiro de uma decisão judicial, é imperioso tomar em conta os princípios constitucionais, todos concretizados na lei ordinária, que definem a estrutura do poder judicial, a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes.
Assim, é de referir que:
Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art. 202, nº2º da CRP);
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203º da CRP);
As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (art. 205º da CRP);
Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei (art. 216º, nº2, da CRP);
Os magistrados judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade e ambiguidade da lei, ou em caso de dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado (art. 3º, nº 2, do EMJ- Lei 21/85 de 30.07);
Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores de decisões proferidas, em via de recurso, pelo tribunais superiores (art. 4º, nº2 do EMJ);
Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas sua decisões (art. 5º, nº1 do EMJ);
Só nos casos especialmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar (art 5º, nº2 do EMJ).
Feito este enquadramento legal, resulta que para fundamentar a responsabilidade civil do Estado, o erro cometido deve revestir determinadas características, como igualmente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que se caba de fazer referência;
“É entendimento pacífico que apenas o erro evidente, crasso, indesculpável, inadmissível e sem justificação, que só por desatenção ou desleixo foi cometido, pode ser qualificado como erro grosseiro para efeitos do art. 13º do RRCEE.
O Conselheiro Carlos Alberto Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2ª edição, pag. 262), escreve o seguinte:
“O erro de direito, enquanto fundamento de responsabilidade civil, deverá revestir-se de um suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar de uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito.”
No mesmo sentido, se exprime o Professor Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 7ª edição, pag.674:
“Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer acto de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito  e pela valoração das provas. (…) Só nos casos de dolo ou culpa grave, “a culpa do juiz” tem de se integrar na ideia de funcionamento defeituoso do serviço de justiça”, também sob pena de se pôr em causa as dimensões fundamentais do iusdicere (autonomia e independência).”
Na jurisprudência do STJ e sem preocupação de se ser exaustivo, citam-se as seguintes decisões:
Ac. STJ de 28.02.2012, CJ/STJ, I, pag. 105:
“Os actos de interpretação das normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas, núcleo da função, jurisdicional, são insindicáveis;
O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade quando, salvaguardada a referida essência da função jurisdicional, seja grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas.”
(Ac. STT 23.10.2014, P. 1668/12):
“O erro de direito para fundamentar a obrigação de indemnizar terá de ser escandaloso, grasso, supino, procedente de culpa grave do errante, sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma actuação dolosa ou gravemente negligente é susceptível de ser qualificada como de “erro grosseiro”.”
(Ac. STJ de 24.2.2015, CJ/STJ, I, pag. 114 e ss);
“O erro de direito terá de ser manifestamente inconstitucional ou ilegal; não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso, indesculpável, que o magistrado tem o dever de não cometer.”
No acórdão supra citado de 28.02.2012 (Nuno Cameira), teceram-se as seguintes considerações que pela sua pertinência se transcrevem:
“ (…) a ciência do Direito não é exacta, faz parte da sua essência, a controvérsia, a argumentação e interpretação. Por outro lado, como alguém já lembrou, o número de casos excederá sempre o número de leis; e como não vivemos num mundo ideal, perfeito, nem o legislador é capaz de prever todas as hipóteses possíveis, nem os tribunais conseguem sempre, na prática, adequar sem distorções as leis às situações da vida que lhes compete apreciar. Enfim, a verdade absoluta é inatingível: tem de admitir-se a hipótese de ocorrência de erros na decisão jurisdicional, quer de facto quer de direito, porque nenhum dos intervenientes processuais, começando pelas partes e seus advogados, passando pelas testemunhas e peritos, e terminando nos juízes, tem o dom da infabilidade; todos estão sujeitos a errar e a induzir em erro.”
E acrescenta este douto aresto:
“A culpa do juiz só pode ser reconhecida, no tocante a decisão que proferiu, quando esta é de todo desrazoável, evidenciando um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório que a levem para fora do campo dentro do qual é natural a incerteza sobre qual vai ser o comando emitido.”
Ainda a propósito da apreciação que se há-de fazer do erro e com interesse para o caso que aqui nos ocupa, veja-se o que se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 774/96 - 1.ª Secção - Relator: Cons. Ribeiro Coelho:
“(…) XIII - Visto que as suas características de generalidade e abstracção distanciam cada vez mais a lei dos casos da vida, e considerando a multiplicidade de factores, endógenos e exógenos, determinantes da opção final que o juiz toma, bem se compreende que seja com grande frequência que se manifestam sobre a mesma questão opiniões diversas, cada uma delas capaz de polarizar larga adesão, e com isso se formando correntes jurisprudenciais das quais, se se pode ter a certeza de que não estão ambas certas, já difícil ou impossível será assentar em qual está errada.
XIV - Dentro deste quadro, a culpa do juiz só pode ser reconhecida, no tocante ao conteúdo da decisão que proferiu, quando esta é de todo desrazoável, evidenciando um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o iter decisório que a levem para fora do campo dentro do qual é natural a incerteza sobre qual vai ser o comando emitido.
XV - Não é sindicável a actividade de interpretação de normas jurídicas.
XVI - Se a decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer de lhe haver dado origem uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, não há actividade culposa relevante para o efeito.
XVII - Não pode um juiz ser criticado como gravemente negligente se, após considerar com cuidado uma questão que lhe é posta, segue uma orientação que, não sendo indiscutível, tem a seu favor o apoio que lhe dão outras já proferidas no mesmo sentido. (…)”.
Revertendo agora ao caso concreto, afigura-se que o Recorrente, na verdade, fundamenta o Recurso de revisão manifestando a sua discordância face ao que ficou decidido o que, sendo fundamento de recurso ordinário (agora já inadmissível, face ao trânsito em julgado) não sustenta o recurso de revisão.
Com efeito, desde já se adianta, nenhuma das razões invocadas é susceptível de integrar uma causa de revisão do Acórdão proferido com fundamento em responsabilidade civil do Estado, tendo aqui presente as normas e a doutrina e jurisprudência a que acima se fez referência.
Argumenta o Recorrente que deu cumprimento integral ao disposto no art.º 640º, n.º 1, b) e n.º 2, a) do Código de Processo Civil.
Não é verdade; lidas as alegações e conclusões de recurso resulta, tal como referido no Acórdão agora posto em crise, que o Recorrente se limitou a referir  “(…) Declarações de parte de Autor e Ré, (…) e também, do depoimento da Dra. S… (…)”.
Invoca o Recorrente nas suas Conclusões de Recurso: “4 - Salvo o devido respeito, a lei, ao referir exatidão, não determina que tal exatidão tenha que se traduzir na indicação - mister….., por referencia ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso." (…) 5 Nada na lei é referido quanto a essa exigência.”
Ora, o que resulta da Lei é precisamente, como impõe o n.º 2, a) do art.º 640º do Código de Processo Civil, que “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
O Recorrente não observou esta disposição legal, nem sequer indicando o início e o término das declarações e depoimentos de que se queria fazer valer; tal omissão é fundamento de rejeição da reapreciação da matéria de facto.
Veja.se que na posição que adoptou o Acórdão agora posto em crise, este veio referir Jurisprudência abonatória da sua decisão.
Não se esquece aqui as posições mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria (a título exemplificativo, a proferida no Proc. n.º 27/14.5T8CSC.L1.S1, de 23/5/2018, disponível em www.dgsi.pt) que numa interpretação mais favorável a quem recorre admite a reapreciação da matéria de facto quando, embora não se tenha feito referência às concretas passagens das gravações, as partes procedem às transcrições das partes que considerem mais relevantes. No entanto, transcrições (cópias do que se disse, passando as declarações ipsis verbis para escrito) não se confundem com as análises, conclusões ou súmulas ou interpretações que as partes venham a fazer dos depoimentos em causa, como efectuou o Recorrente.
Não colhe assim desde logo o argumento do Recorrente que carece de fundamento legal a rejeição da reapreciação da matéria de facto.
Alega ainda o Recorrente que o Acórdão recorrido olvidou a referência à prova documental; lida a fundamentação sobre a reapreciação da matéria de facto que supra se transcreveu verifica-se, sem necessidade de outra fundamentação, que tal afirmação não corresponde à verdade.
Entende o Recorrente que  “(…) a redação atual do disposto no artigo 640 n.º 2, alínea a) do C.P.C., está claramente ferida de inconstitucionalidade.”
Ora, considerar que a redacção da norma em causa pode estar ferida de inconstitucionalidade, por exigir os requisitos que no Acórdão recorrido se entendeu terem falhado, entra em contradição com o fundamento anterior - que se consubstanciava em que afinal a norma não exige os requisitos que se invocou no Acórdão recorrido terem falecido.
E limitar o acesso aos tribunais superiores estabelecendo para os recursos requisitos de admissibilidade há muito que se tem entendido não ser inconstitucional.
Como já ensinava Lopes do Rego, O Direito fundamental de acesso aos Tribunais e a reforma do Processo Civil, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues I, Coimbra Editora, 2001, p. 764: “(…) é evidente que não pode pretender pôr-se seriamente em causa a existência, no ordenamento processual [especificamente nos domínios dos processos civil e laboral], de limites objectivos à admissibilidade do recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão económica para a parte vencida: é que tais limitações derivam em última instância, da própria ‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais”.
Como pode ainda ler-se no Acórdão nº 70/2021, de 27 de Janeiro de 2021, do Tribunal Constitucional, o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; ou no acórdão nº 125/98, também do Tribunal Constitucional: a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso” (cf. Ainda Acs. do TC. nºs 72/99, 431/02, 374/02 e 106/06).
Assim, como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/1/2022, Proc. n.º 1028/19.2T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.”
Não resultando assim qualquer inconstitucionalidade na restrição do acesso ao recurso, também não se afigura que no caso concreto a decisão tenha violado o princípio do acesso ao direito ou da proporcionalidade.
 Quanto às considerações tecidas pelo Recorrente sobre as decisões proferidas quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer pelo Tribunal Constitucional, não é esta Relação competente para se pronunciar sobre as mesmas – como vimos, a competência para apreciar a revisão das decisões proferidas compete ao Tribunal que proferiu tais decisões.”
Ora, nada na fundamentação agora trazida pelo Requerente altera o que ficou decidido em sede de Decisão Singular, limitando-se o requerente a reproduzir o que já havia invocado no requerimento inicial e sem que existam motivos ou qualquer fundamentação que motive uma decisão diversa da que foi tomada.
Nestes termos, mantém-se a decisão proferida.
***

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Colectivo em julgar, em Conferência, que, nos termos do art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não havendo motivo para a revisão do Acórdão recorrido, se impõe o indeferimento do recurso de revisão agora interposto.
Mantém-se as já fixadas custas do recurso pelo Recorrente, nos termos do art.º 527º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Not.
Registe e notifique.

Lisboa, 4/4/2024
Vera Antunes
Nuno Gonçalves
António Santos