Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO IMÓVEL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I- Autora e Réu vieram em união de facto entre Outubro de 1996 e 27 de Maio de 2017 (factos 1, 2, 3), na fracção que, em 2005, adquiriram e registaram em compropriedade. II-Numa relação convivencial em que ambos os membros tem que partilhar uma habitação que tem custos de aquisição e/ou de manutenção, existe uma causa para que ambos os membros da união de facto, como é o caso que se nos apresenta, efectuem pagamentos relacionados com as despesas dessa habitação e que é justamente o facto de viverem como se marido e mulher se tratasse sob o mesmo tecto numa habitação, que tem custos os quais, em princípio, devem ser suportados por ambos os membro das união, mas que até podem apenas ser suportados, a título definitivo, por um dos membros, se apenas esse auferir rendimentos que lhe permitam suportar essas despesas sendo que esse pagamento nunca poderá ser considerado o pagamento de uma dívida alheia. III- Se a causa subjectiva –porque apenas essa é possível vislumbrar no facto 17- para a aquisição do imóvel na proporção de metade para o Autor e para o Réu que assim acabou por ficar registado foi a relação de união de facto que Autor e Ré mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria, a partir do momento em que Autor e Ré decidiram comprar o referido imóvel e o decidem registar na proporção de metade para cada um em compropriedade, a extinção dessa compropriedade de imóvel não se pode produzir com a extinção da relação de união de facto, pelo que, a Ré, mesmo após a extinção dessa relação de união de facto, se mantém como comproprietária de imóvel na proporção de metade e cuja extinção operará no processo de divisão de coisa comum que corre, assistindo, naturalmente, à Ré o direito a receber do comprador a parte que lhe compete em razão da sua quota. E só assim não seria se Autor e Ré tivessem acordado em contrato de coabitação ou de divisão da coisa comum que, uma vez dissolvida a união de facto, a divisão do imóvel adquirido e registado em compropriedade se operaria de forma diferente, ou seja, que em caso de divisão do imóvel, à Ré não assistiria qualquer parte do seu valor, ou uma parte diferente daquela que a lei presume, e tal não decorre, minimamente, do facto dado como provado | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO APELANTE/RÉ: AAA (representado em juízo, juntamente com outra pelo ilustre advogado Mário …, com escritório em Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores, conforme cópia do instrumento de procuração de 7/11/2017 de fls. 36) APELADO/AUTOR: BBB (representado em juízo juntamente com outro pela ilustre advogada Beatriz …, com escritório Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores, conforme cópia do instrumento de procuração de 9/8/2017 de fls. 9 v.º) * Com os sinais dos autos. * Valor da acção: 120.162,74 euros (ref.ª 47470473, despacho saneador de18/12/2018 de fls. 69/71) * I.1. Inconformada com a sentença de 28/9/2020, de fls. 142/148 (ref.ª 50240476), que julgou a acção procedente, consequentemente declarou dissolvida a relação de união de facto entre o Autor BBB e a Ré AAA, com efeitos a partir de 30 de maio de 2017, e condenou a Ré a devolver ao Autor metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel sito na Rua do ... n.º 138 da freguesia de São Vicente Ferreira concelho de Ponta Delgada em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o n.º 000 da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz quanto à parte rústica sob o art.º 000 secção 002 e quanto à parte urbana sob o art.º 000 com base no instituto do enriquecimento em causa, o montante de 6.120,12 euros, improcedendo o mais pedido dela apelou a Ré, em cujas alegações conclui, em suma: 1. O Tribunal deu como provado que a totalidade do preço de aquisição do imóvel dos autos no montante de 190 mil euros, com registo a favor de Autor e Ré foi doada pelos pais do Autor, registo esse que foi efectuado no pressuposto de que a relação de unidos de facto, que mantinham, se manteria, o que deixou de ocorreu a partir de 2017; com base nas declarações de parte prestado pelo autor e no testemunho de CCC, mãe do autor DDD, amigo da Autora e do pai deste, amigos de infância; das declarações de parte do Autor e dos outros testemunhos que se transcrevem parcialmente na conclusão 6.ª, resultam discrepâncias quanto ao contacto que o Autor teve com os pais para lhes pedir o dinheiro e que a testemunha CCC refere que a conversa ocorreu em Macedo de Cavaleiros e que teria presenciado a conversa quando a testemunha DDD já refere que o pedido foi efectuado por telefone, mas o mais importante é o facto de os pais do Autor ou, pelo menos, o pai ter tido conhecimento de que na celebração da escritura de aquisição do imóvel iria também ser outorgada pela Ré e teve conhecimento antes da outorga da escritura e nada fez, o que só por si é estranho, ainda para mais que no dia da escritura da compra e venda foi pago o remanescente do preço aos vendedores no valor de 170 mil euros através de cheque emitido pelo próprio pai do Autor, assim se havia alguém que poderia solicitar a alteração dos termos da outorga da escritura era o pai que nada fez; das declarações de parte do Autor e dos depoimentos de sua mãe Teresa o que resulta é que quem pagou a aquisição do imóvel identificado na petição inicial foi o Autor que o dinheiro pertencia ao pai do Autor que estes deram o dinheiro mas não ficou provado que esta entrega foi efectuada a título de doação ou até que lhe foi doado em exclusivo pelos seus pais, mas sobre tal não houve prova tanto mais que por óbito do pai do requerido tal doação não foi devidamente comunicada na participação do imposto de selo, devendo a sentença ser alterada por outra que julgue improcedente a acção por não provada a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa. [Conclusões 1 a 13] 2. No presente recurso não ficou provada a existência do empobrecimento do Autor e como tal não se encontra verificada a sua aplicação e existia uma causa justificativa para esse aumento do património por parte da requerida e que é o regime de compropriedade estabelecido, a união de facto, por si só, não é titulo de aquisição do direito de propriedade, no momento da outorga da escritura de compra e venda o Autor pretendeu beneficiar a ora recorrente atento o tripo de relacionamento existente, ou seja, há que presumir que, à luz da relação convivencial que existia, a causa jurídica para a deslocação patrimonial verificada foi a liberalidade que o Autor quis pratica em favor da Ré e essa causa jurídica não podia extinguir-se com a extinção da relação, mera causa naturalística da deslocação, não havendo motivo para qualquer restituição por banda da Ré como se entende no AcRC disponível no sítio ww.-dgsi.pt procº 535/14.8TBAC.C1, para ser aplicado o instituto do enriquecimento sem causa é preciso que se verifique um enriquecimento, a obtenção deste enriquecimento à custa de outrem, a falta de causa justificativa para o enriquecimento e por não estarem verificados esses requisitos a sentença deve ser substituída por outra que considere improcedente a acção. [Conclusões 14 a 20] Termina pedindo a revogação da sentença nos termos expostos I.2. Em contra-alegações o Autor conclui em suma: a) A recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, em segundo lugar, não indica a concerta decisão probatória que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas em terceiro não procedeu a qualquer apreciação crítica da prova. (Conclusões 1 a 4] b) Mantendo-se a decisão de facto, decorre desta que a Ré se tornou proprietária de metade do prédio misto dos autos e que viu aumentado o seu património no valor pecuniário dessa metade, sem qualquer causa justificativa e que, correlativamente, o Autor viu o seu património diminuído nessa mesma razão já que foi o Autor quem pagou a totalidade do valor de aquisição de tal bem, tendo pois que restituir a quantia correspondente ao valor pecuniária de metade de tal bem embora a Ré não invoque nas suas conclusões uma única disposição legal que tenha sido violada porque, na verdade não existe, dos factos provados resulta que a totalidade do preço de aquisição do imóvel foi doado ao Autor pelos seus pais e que aquisição do imóvel na proporção de metade para o Autor e para o Réu do prédio dos autos teve na sua base a relação e unidos de facto que mantinham e no pressupostos de que a mesma se manteria, logo está provado que o movimento patrimonial descrito foi intenção do Autor contemplar a Ré com um benefício apenas enquanto mantivessem a união de facto e no pressuposto de que a mesma se manteria. [Conclusões 5 a 8] Termina pedindo a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e no mais julga-lo improcedente confirmando na íntegra a sentença recorrida I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso. I.4: Questões a resolver: a) Saber se ocorre erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de facto; b) Saber se, alterando-se a decisão de facto, na forma alegada, ocorre erro de interpretação e de aplicação das disposições legais do art.ºs 473, do CCiv ocorrendo causa justificativa para a deslocação patrimonial. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.1 Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes facto vindo impugnado o facto 27 na apelação: 1. A. e R. têm ambos o estado civil de divorciados e nunca casaram entre si, contudo, viveram em condições análogas à dos cônjuges (comunhão de cama, mesa e habitação, dormindo na juntos e mantendo intimidade sexual, afeto e carinho, confecionando e tomando as refeições na casa que constituía a morada de família), desde pelo menos outubro de 1996, em Bragança, e até de maio de 2017; 2. Essa vivência em comum passou, apesar da R. ser professora e trabalhar na Ilha Terceira desde setembro de 2005, a fazer-se na ilha de São Miguel e a partir do verão de 2005 e a terem, a partir de 19 de dezembro de 2005, todo o seu centro de interesses na moradia sita à Rua do ..., nº.118, freguesia de São Vicente Ferreira, concelho de Ponta Delgada, que passou a constituir a respetiva casa de morada de família; 3. O A. e a R. separaram-se e a partir de 27 de maio de 2017, data em que a R. deixou de residir no imóvel que constituía a casa de morada de família, terminando entre eles a relação referida em 1. em 30 desse mesmo mês e ano; 4. O A. decidiu, em Setembro de 2005, comprar uma moradia na freguesia de São Vicente Ferreira, concelho de Ponta Delgada, assim, no dia 22 de Setembro de 2005, celebrou com FFF e GGG, entretanto já falecida, um contrato promessa de compra e venda mediante o qual o A. prometeu comprar, e aqueles prometeram vender-lhe, o prédio misto com a área de 5220m2, com uma casa destinada a habitação, sito na Rua do ... nº.138, freguesia de São Vicente Ferreira, concelho de Ponta Delgada, em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o nº.000 da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz quanto à parte rústica sob o artigo 000, Secção 002 e quanto à parte urbana sob o artigo 000; 5. Nos termos do referido contrato promessa, o preço da venda do prédio foi de €300.000,00 (trezentos mil euros), sendo paga com a assinatura do contrato promessa a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) e o remanescente, no valor de €270.000,00 (duzentos e setenta mil euros), seria pago no ato da escritura definitiva de compra e venda; 6. Ficou estabelecido no contrato que a escritura, o registo e os impostos relacionados com a transmissão seriam pagos pelo A.; 7. Ficou também estabelecido que em caso de incumprimento do contrato pelo A., este perderia o sinal e que se constituía na obrigação de indemnizar os promitentes vendedores de eventuais prejuízos que pudessem sofrer; 8. Na véspera da assinatura pelo A. do contrato promessa referido em 4, ou seja, no dia 21 de setembro de 2005, os pais do A. doaram-lhe a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) para que este pagasse o sinal devido, o que fizeram por depósito desse montante na conta de que o A. é o único titular junto da Caixa Geral de Depósitos, SA., com o nº.000000000000; 9. No dia 22 de setembro de 2005, o A. levantou da conta com o nº.000000000000 da Caixa Geral de Depósitos, SA., a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) referida em 8. e depositou essa exata quantia na conta dos promitentes vendedores; 10. Em 2 de Novembro de 2005, o A. e os promitentes vendedores FFF e GGG celebraram um aditamento ao contrato promessa referido em 4., nos termos do qual, com a assinatura do aditamento, foi pago pelo A. um reforço do sinal no valor de €100.000,00 (cem mil euros), o que foi feito através do cheque nº.8459947936, datado de 7 de novembro de 2005, sacado sobre a conta nº.00000000 titulada pelo A. na Caixa Geral de Depósitos, SA 11. Do aditamento referido em 10. ficou a constar que, naquela data (2 de novembro de 2005), o A. entregava aos promitentes vendedores um cheque pré-datado com o nº.7559947937 da Caixa Geral de Depósitos, SA., no valor de €170.000,00 (cento e setenta mil euros) a ser depositado no dia da escritura pública de compra e venda a efetuar no dia 19 de dezembro de 2005; 12. Na data do vencimento do cheque referido em 10., ou seja, no dia 7 de novembro de 2005, os pais do A. doaram-lhe a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) para que este pagasse o reforço de sinal aos promitentes vendedores, o que fizeram por depósito desse exato montante na conta de que o A. é o único titular junto da Caixa Geral de Depósitos, SA., com o nº.000000000000; 13. No dia 19 de dezembro de 2005, no Cartório Notarial de Ponta Delgada, a cargo do Dr. Jorge Carvalho, foi celebrada a escritura definitiva referente ao contrato promessa referido em 4., tendo as partes declarado que a compra e venda foi feita pelo preço de €190.000,00 (cento e noventa mil euros) e não €300.000,00 (trezentos mil euros) como foi efetivamente pago, em virtude de o A. e os vendedores pretenderem pagar menos impostos; 14. Nos termos da referida escritura referida em 13., FFF por si e na qualidade de procurador da sua mulher GGG declaram vender ao A. e à R., livre de ónus ou encargos, e na proporção de metade para cada um, o prédio misto com a área de 5220m2, com uma casa destinada a habitação, sito na Rua do ..., nº.138, freguesia de São Vicente Ferreira, concelho de Ponta Delgada, em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o nº.000 da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz quanto à parte rústica sob o artigo 000, Secção 002 e quanto à parte urbana sob o artigo 000; 15. Para pagamento do remanescente do preço, no valor de €170.000,00 (cento e setenta mil euros), o A. entregou aos vendedores o cheque nº.3822753125, sacado sobre a conta nº.00000060018 da Caixa Geral de Depósitos titulada pelo seu pai, que foi depositado pelos vendedores na sua conta…quantia que foi doada ao A. pelos seus pais, para que o A. pudesse pagar aos vendedores o remanescente do preço; 16. Os honorários do Notário e os demais impostos devidos pela aquisição do imóvel dos autos foram pagos exclusivamente pelo A.; 17. A aquisição referida em 14., na proporção de metade para o A. e para a R., do prédio dos autos teve na base a relação de unidos de facto que mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria; 18. O A. foi citado para uma ação de divisão de coisa comum, que corre termos sob o nº.3056/17.3T8PDL, junto da Instância Local Cível de Ponta Delgada - J4, deste Tribunal da Comarca dos Açores, instaurada pela R., na qual pede que se proceda à adjudicação ou à venda do imóvel dos autos; 1 19. O A. é filho de EEE e de CCC. II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provado que: 20. O A. passou a residir na casa de morda de família na companhia de outra mulher já em junho de 2017; 21. Os pais do A. não doaram a este as quantias referidas, mas antes fizeram um empréstimo ao casal para que estes adquirissem a sua casa de morada de família; 22. A intenção de compra do imóvel na proporção de metade para A. e R., tal como consta da escritura de aquisição, foi ao longo dos anos referida pelo A. como se fosse a casa que no futuro seria da filha do A. e dos filhos da R., como legais herdeiros de ambos III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608/2, 5, 635/4 e 639 (anteriores 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3), do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539. III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I. III.3 Saber se ocorre erro na apreciação os meios de prova e subsequente decisão de facto III.3.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (alínea b)”. III.3.2. Dispunha o n.º 1, do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]” E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.” III.3.3. Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se na alínea c) do n.º 1 do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum). III.3.4. Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[2]. III.3.5. O Autor, em contra-alegações de recurso, alega que a Ré, nas suas alegações de recurso, não indica os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados e não indica a concreta decisão probatória que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, não bastando para tanto transcrever os depoimentos das testemunhas, além do que não procedeu a qualquer apreciação crítica de toda a prova produzida. Verdade que a Autora não indica claramente a decisão ou decisões de facto ou segmentos de decisão incorrectamente julgados, na conclusão 4 transcreve 7 pontos da decisão de facto e na conclusão 12 refere “como alegado pelo recorrido foi dinheiro que lhe foi doado em exclusivo pelos seus pais, mas não existe prova do mesmo tanto para mais que por óbito do pai do requerido tal doação não foi devidamente comunicada na participação de imposto de selo”. Muito imperfeitamente, embora, o segmento da decisão de facto com a qual ao Ré não concorda e por isso, implicitamente especifica,- quando alega que deve ser suprimida- é o segmento do ponto 8 onde consta “os pais do Autor doaram-lhe a quantia de 30.000,00 euros…”, no ponto 12 o segmento “…os pais doaram-lhe a quantia de 100.000,00 euros…” e no ponto 15 “…quantia que foi doada ao Autor pelos seus pais”; a Ré transcreve as passagens das declarações de Autor e depoimentos de testemunhas que alegadamente e suportam essa supressão pelo q muito embora imperfeitamente a Ré cumpriu o seu ónus. III.3.6. Este Tribunal está assim em condições de proceder à reapreciação do mencionado segmento daquela decisão de facto dos pontos 8, 12, 15. Motivou o Tribunal recorrido a decisão em causa do seguinte modo que se a seguir se transcreve na parte que importa: “…O Autor declarou de parte…confirmando a relação que manteve com a Ré e o tempo que durou…como não tinha dinheiro (para comprar a casa)…os pais doaram-lho e ficaram muito agastados como ele porque a final a aquisição acabou por se fazer em compropriedade co a Ré, o que nunca lhes foi anunciado em momento anterior. A casa acabou por ficara em compropriedade e porque ela intercedeu para que assim fosse e na altura em razão da relação que mantinham, não viu qualquer problema nisso. A Ré interveio apenas na escritura…já que nunca esteve presente em tido o processo prévio até lá…nem assinou o contrato-promessa.. A Ré depôs de parte- veja-se assentada de fls. 80 e confirmou os factos alegados pelo Autor negando apenas que o dinheiro para a aquisição da casa tivesse sido doado ao Autor pelos respetivos progenitores…afirma que o valor lhes foi, ao casal, emprestado pelos progenitores do Autor e para comprarem uma propriedade que mais tarde rentabilizariam e com esse rendimento restituiriam o montante do empréstimo…mais tarde com o falecimento do pai do Autor a verba acabou por lhes ser doado. A testemunha CCC mãe do Autor conhecedora de todo o processo que aqui importa foi clara ao referir que o dinheiro para a compra da prosperidade por parte do filho lhe foi doado por si e pelo falecido marido. A totalidade saia da sua conta (do marido e sua) e foi diretamente para o pagamento da casa…nunca houve qualquer empréstimo ao casal, mas sim uma doação ao filho e na senda do que já tinham feito com o irmão dele. Acompanharam todo o processo ficaram muito zangados quando souberam que a casa tinha sido comprada em compropriedade com a Ré…a testemunha DDD, amido do Autor e do progenitor deste referiu que acompanhou todo o processo de aquisição da casa aqui em causa…tanto mais que o Autor no ano de 2005, quando veio para S. Miguel ficou em sua casa e foi a partir daí que começaram à procura de uma propriedade para adquirir…que encontrou…e porque não tinha dinheiro el próprio lhe referiu que o pai lhe doaria o dinheiro para isso…o que confirmou com o próprio lho revelou…foi enfática e credível a testemunha CCC coisa que também era conhecida da testemunha DDD amigo dos progenitores do Autor e de quem soube e o declarou de forma credível…as razões que levaram o Autor a registar a propriedade em partes iguais com a sua então companheira foram por ele declaradas…afirmando-as no facto de manter com a Ré uma relação análoga à dos cônjuges e nela se pretender manter…” III.3.7. Sustenta a Ré, no corpo das alegações de recurso que, resultando provado que quem pagou a aquisição do imóvel identificado na petição inicial foi o pai do Autor, que estes deram o dinheiro, mas não ficou provado que foi uma doação, ou que lhes foi doado em exclusivo pelos seus pais. Nos art.ºs 10, 11, 12, 13, 15, 16, 20, 21 da contestação a Ré, em suma, diz que os pais do Autor não doaram a este as quantias referidas antes fizeram um empréstimo ao casal para que estes adquirissem a sua casa de morada de família nenhuma outra explicação havendo para que a Ré tivesse tido intervenção na escritura de compra e venda de 19/12/05 como compradora, já que não teve intervenção no contrato-promessa, o bom sendo e os costumes dita que nestes caso o imóvel seria adquirido em exclusivo pelo Autor sendo assim o seu único proprietário, mas a intenção de compra do imóvel foi outra seja a aquisição na proporção de metade para a Autora e para a Ré como consta da escritura de aquisição, tendo ao longo dos anos o Autor referido por diversas vezes que a casa no futuro seria da filha do Autor e dos filhos da Ré como herdeiros legais e ambos, é falso o alegado no art.º 29 da p.i,.(a aquisição na proporção de metade para o Autor e para a Ré do prédio dos autos teve na base a união de facto e foi no pressupostos de que a união de facto entre o Autor e a Ré se manteria), uma e vez que o contrato de compra e venda não foi celebrado, nem poderia ser, na condição e no pressuposto de que a união de facto entre Autor e Ré se manteria até à eternidade antes com todos os riscos inerentes a qualquer negócio independentemente do estado civil dos intervenientes ou do tipo de relação existente, por conta da Ré a relação não teria terminado, não fosse a vontade do Autor, o Autor confunde a existência da união de facto em si e o direito de propriedade da ora Ré que deriva da celebração da escritura de compra e venda, a cessação da relação amorosa não extingue o direito de propriedade da Ré. A assentada do depoimento de parte da Ré de fls. 80 coincide com a motivação a decisão de facto, assim como coincidente as transcrições das alegações de recurso das declarações de parte do Autor, do depoimento da sua mãe CCC e bem assim como do depoimento de DDD. A mãe do Autor refere uma conversa presencial entre o Autor e o falecido pai em que “pensa” ter estado presente, enquanto a testemunha DDD presencia um telefonema do Autor ao pai em que lhe dá conta da sua intenção de comprar uma quinta sendo que o Autor lhe relata, depois, o teor dessa conversa segundo a qual o pai lhe ofereceria a quinta mas uma tal conversa telefónica a que a testemunha tenha assistido não colide com a situação relatada pela mãe do Autor de uma conversa presencial em Macedo de Cavaleiros (que pode ter sido depois desse telefonema) relatada pela mãe do Autor dando conta da intenção de ambos oferecerem ao filho o dinheiro necessário à compra da quinta. Nada disto retira a credibilidade do Autor e das testemunhas e, subsequentemente, do conteúdo dos depoimentos. De resto, nenhuma dessas transcrições de depoimentos permite vislumbrar o alegado empréstimo pelos pais do Autor ao casal e nos termos constantes da contestação a Ré. O Tribunal analisou criticamente toda a prova que livremente apreciou, nos termos do art.º 607/4, o qual de nenhuma inconstitucionalidade padece pelo que se mantem a decisão de facto. III.4. Saber se, alterando-se a decisão de facto, na forma alegada, ocorre erro de interpretação e de aplicação das disposições legais do art.ºs 473, do CCiv, ocorrendo causa justificativa para a deslocação patrimonial. III.4.1. Entende a recorrente, em suma, que não ficou provada a existência de um empobrecimento do Autor e como tal não se encontra verificada a sua aplicação, para além do que existe uma causa justificativa a compropriedade, como alega o Autor a transferência de património para a ora requerente baseou-se na existência da união de facto, mas a união de facto não é título de aquisição do direito de propriedade, no momento da outorga da escritura de compra e venda o Autor pretendeu beneficiar a recorrente atento o tipo de relacionamento existente, esta causa jurídica não podia extinguir-se com a extinção daquela relação da união de facto mera causa naturalística da deslocação, não havendo motivo para a restituição por banda da Ré conforme AcRC processo 535/14.8tbacb.c1, não se verificando os requisitos do enriquecimento em causa. Na sentença entendeu-se, em suma, que ao Autora cabia o ónus da prova que manteve uma relação análoga à dos cônjuges, a data em que terminou, que o bem foi pago integralmente por si, com verbas que lhe cabiam exclusivamente, e que por isso a Ré se enriqueceu nessa exacta medida à sua custa, a Ré cabendo demonstrar que o dinheiro usado na compra resultou de um empréstimo concedido pelos progenitores; não se discute a propriedade do imóvel que está registado na proporção de metade parada cada um do Autor e Ré a qual beneficia da presunção de propriedade que não foi impugnada por qualquer meio. A Ré tornou-se proprietária da metade do prédio misto, vendo por isso aumentado o seu património no valor pecuniário dessa metade sem qualquer causa justificativa e correlativamente o Autor viu o seu património diminuído nessa mesma razão já que foi ele quem pagou a totalidade do valor da aquisição de tal bem, não tendo o empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, assim de acordo com o art.º 479, do CCiv, tem a ré de restituir a quantia correspondente ao valor pecuniário de metade de tal bem. III.4.2. O Autor fundamentou o pedido de b) -ser a Ré condenada a devolver ao Autor aquilo com que injustificadamente se locupletou à custa do Autor, ou seja metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel referido nos autos na acção de divisão de coisa comum que corre termos sob o n.º 3056/17.3t8pdl e a que se refere a escritura de 19/2/05- na alegação de que o preço da compra do imóvel foi pago, exclusivamente, pelo Autor com dinheiro que os seus pais lhe doaram e que a aquisição na proporção de metade para o Autor e para a Ré do prédio dos autos teve na base a união de facto e foi no pressuposto de que união de facto entre o Autor e a Ré se manteria, mas cessada a união de facto em Maio de 2017, o Autor tem o direito de exigir da Ré o que esta recebeu por virtude de uma causa que deixou de existir, sendo que a Autora tem um activo patrimonial correspondente a metade do valor do mesmo imóvel que foi obtido à custa do Autor tendo a Ré enriquecido na proporção de metade do valor do imóvel empobrecendo o Autor correspondentemente o seu património. Os membros da união de facto não estão vinculados por deveres jurídicos recíprocos, nem as relações patrimoniais entre ambos e em relação a terceiros, estão reguladas pela lei de forma especial, como acontece com os cônjuges, não existe entre os membros da união de facto um dever de assistência, no entanto eles podem fixar a contribuição de cada um para as despesas da casa, o que influirá no montante das suas despesas individuais, os membros da união de facto são estranhos um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais, no entanto, os companheiros poderão regular os efeitos patrimoniais da sua relação através dos chamados “contratos de coabitação”, incluindo, por exemplo, cláusulas a inventariar os bens levados para a união, a estabelecer regras de divisão dos bens adquiridos na vigência da união, a fixar presunções relativas à titularidade dos bens adquiridos ou às quantias depositadas em contas bancárias, a regular a contribuição de cada um dos conviventes para as despesas do lar[3]. Os conviventes têm a possibilidade de modelar um aspecto importante das suas relações patrimoniais através da fixação antecipada das regras que irão presidir à divisão dos bens em compropriedade após a ruptura da união de facto, podendo ter em consideração as particularidades da sua plena comunhão de vida, nomeadamente, a inevitável cooperação e assistência, partilha de esforços e de recursos dirigidas ao bem estar do casal e da família, evitando-se, por conseguinte, que no rescaldo daquele evento – muitas vezes fértil em desavenças – se imponha a obtenção de acordos numa matéria tão sensível como esta, o que os conviventes não fizeram. [4] O Autor, em alternativa ao pedido sob b), formulou sob c) o pedido de condenação da Ré a ver adjudicado (na acção de divisão de coisa comum) ao Autor a totalidade do referido imóvel sem qualquer contrapartida monetária à Ré. Ora, relativamente a este último pedido não se vislumbra qual seja o fundamento legal: a cessação da relação de união de facto entre Autor e Ré não é fundamento para a cessação da compropriedade no imóvel dos autos, compropriedade essa que apenas cessa por divisão amigável (acordo de divisão efectuado em escritura pública) ou nos termos da lei de processo tal como prevenido nos art.ºs 1413 do CCiv e 925 e ss mediante acção de divisão de coisa comum processo esse em que sendo o bem indivisível, na falta de acordo com vista a adjudicação a qualquer deles é vendido a terceiros (art.º 929/2 in fine) não se vislumbrando, por isso, fundamento legal para, por decisão judicial nesta acção, ser decretado que o imóvel seja adjudicado a um dos consortes e sem contrapartida ao outro. O Tribunal deu efectivamente como provado sob 17 que a aquisição referida em 14 na proporção de metade para o Autor e para a Ré do prédio dos autos teve na base a relação de unidos de facto que mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria. Na motivação da decisão de facto em questão o Tribunal louvou-se ao que tudo indica nas declarações de parte do Autor o qual registou a propriedade em partes iguais com a sua então companheira por manter uma situação análoga à dos cônjuges e nela se pretender manter. Ou seja, foi a convicção do Autor em manter-se numa relação de união de facto com a Ré que motivou, da parte do Autor, o registo da compropriedade do imóvel nos termos em que o foi mas esse pressuposto está longe de constituir uma circunstância em que Autor e Ré fundaram a decisão de contratar como contrataram no contrato de compra e venda nos termos e para os efeitos da resolução ou modificação do contrato e compra e venda ao abrigo do disposto no art.º 437, do CCiv, pedido que não foi formulado e para o qual teria ainda de estar presente o vendedor. Acresce que lida e relida a escritura de compra e venda de 19/12/2005 de fls. 23 e ss em que intervêm como compradores, para além do Auto,r também a Ré não consta qualquer condição resolutiva nos termos e para os efeitos dos art.ºs 270 e ss, sendo que tal condição teria de constar ou da escritura ou de outro documento com igual dignidade, sob pena de nulidade por força do disposto nos art.ºs 219, 220, 221, 222/2 do CCiv. Independentemente da circunstância de o dinheiro para o pagamento do preço da compra e venda do imóvel ter sido doado ao Autor pelos seus pais, pela forma dada como provada não se pode esquecer que da escritura consta que o vendedor declarou que recebeu o preço “dos segundos outorgantes para si e para sua representada”, segmento que não vem impugnado. III.4.3. Poder-se-á entender que por foça da cessação da união de facto deixou de haver causa para, na acção de divisão de coisa comum a Ré receber a ½ a que tem direito pela compropriedade, devendo, por isso, ser condenada a entregar essa metade ao Autor, por força do enriquecimento ilegítimo? III.4.4. O art.º 473 consagra como fonte autónoma de obrigação de restituir uma cláusula geral que pressupõe um enriquecimento, que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem e ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Dada a sua amplitude e generalidade para evitar a sua indiscriminada aplicação o legislador estatuiu a subsidiariedade desse instituto, estando vedada a sua utilização no caso de o empobrecido possuir outro fundamento de restituição, no caso de pretender que a aquisição à custa de outrem seja definitiva. Esta subsidiariedade não é absoluta podendo o enriquecimento concorrer com a reivindicação (quando o empobrecido não haja perdido a propriedade sobre os bens obtidos pelo enriquecido) com a responsabilidade civil (quando houver protecção idêntica à do enriquecimento), ou com o instituto da gestão de negócios (verificar o n.º 1, 2.ª parte do art.º 472)[5]. III.4.5.Atenta a multiplicidade de situações que podem integrar o enriquecimento torna-se difícil estabelecer o tratamento dogmático unitário do instituto, devendo, como bem refere Menezes Leitão[6] , estabelecer-se uma tipologia de categorias que permitam efectuar, através da integração do caso numa dessas categorias, a referida subsunção; assim, há que distinguir o enriquecimento por prestação, em que a obrigação de restituir ocorre quando a prestação é realizada com vista à obtenção de determinado fim e esse fim não vem a ser obtido (art.º 472/e, 476 e ss.), o enriquecimento por intervenção, como ocorre nos casos de uso, consumo, fruição ou disposição de bens alheios, mais especificamente nos direitos absolutos como os direitos reais, direitos de autor, direitos de personalidade, propriedade industrial; o enriquecimento por desconsideração do património (art.ºs 481, 289/2, 616 do CCiv), ou seja, aquelas situações em que o terceiro obtém a aquisição não a partir do empobrecido mas sim a partir de um património interposto, destes haverá ainda que distinguir as situações em que o enriquecimento resulte de despesas efectuadas por outrem, quer o enriquecimento se dê por incremento de valor de coisas alheias quer por pagamento de dívidas alheias. III.4.6. No âmbito do enriquecimento por incremento de valor em coisas alheias encontram-se situações em que alguém efectua despesas (gastos de dinheiros, de trabalho de materiais) em determinada coisa que se encontra na posse do benfeitorizante ou mesmo não se encontrando na posse ele acredita que lhe pertence. Já o enriquecimento por pagamento de dívidas alheias constitui uma hipótese em que o empobrecido libera o enriquecido de determinada dívida que este tem para com terceiros. O incremento no património do enriquecido não é, conscientemente, nem finalisticamente orientado pelo empobrecido mais é suportado economicamente pelo seu património. É esse sacrifício económico que determina a restituição do enriquecimento, é o facto de o incremento patrimonial do enriquecido ter origem em despesas suportadas pelo empobrecido, sendo por esse motivo que se considera esse enriquecimento à custa de outrem; não se põe, por isso, um problema de frustração de fim da prestação inerente ao conceito de “ausência de causa jurídica”, antes de sacrifício patrimonial inerente ao conceito “à custa de outrem”. A possibilidade de concessão de uma condictio para o exercício do direito de regresso contra o devedor num caso em que alguém cumpre uma obrigação de outrem, não ocorre se o pagamento é realizado por virtude de um mandato celebrado com o devedor uma vez que, neste caso, o reembolso das despesas é determinado nos termos do art.º 1167/c, do CCiv, se o pagamento é realizado em gestão de negócios regular nos termos doa art.º 468/1, ou, se o pagamento ocorre na convicção de estar a cumprir uma obrigação própria, circunstância em que ou há enriquecimento por prestação ou sub-rogação legal nos direitos deste (art.º 477 do CCiv); também não pode ter interesse directo na sub-rogação pelo credor ou devedor, uma vez que nesses casos há lugar a transmissão de créditos por sub-rogação (art.ºs 92, 589, 590 do CCiv[7]. III.4.7. Inquestionado que Autora e Réu vieram em união de facto, entre Outubro de 1996 e 27 de Maio de 2017 (factos 1, 2, 3), na fracção dos autos. No que diz respeito à divisão do património comum dos conviventes é de referir a corrente jurisprudencial que apela aos princípios do enriquecimento sem causa para fundar a obrigação de restituição de um dos membros da união de facto, logrando desse modo a liquidação e divisão do património adquirido pelo esforço comum de ambos. Grande parte da jurisprudência nacional tem entendido que a união de facto constitui causa justificativa da criação de um património adquirido através do esforço comum dos seus membros. A dissolução da união de facto extingue a causa justificativa em que se baseavam as atribuições patrimoniais dos conviventes, pelo que poderá recorrer-se ao instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de causa finita (n.º 2 do art. 473.º do Código Civil), pois tratar-se-á de um enriquecimento em virtude de uma causa que deixou de existir[8]. No entanto, também se sustenta não haver lugar para a aplicação do referido instituto, uma vez que não é possível apurar o enriquecimento de um dos membros da união de facto à custa do outro, nem o correspondente empobrecimento, na medida em que tudo o que foi prestando entre ambos teve em vista o bem comum, sobretudo quando ambos contribuíram, de forma quase igualitária, para a economia doméstica, nomeadamente com o produto do trabalho de cada um e com a partilha das tarefas domésticas[9]. Finalmente, importa referir a posição de uma parte da jurisprudência nacional que enquadra as contribuições dos conviventes para o património constituído durante a união de facto, nomeadamente no que diz respeito à partilha de despesas, como o cumprimento de uma obrigação natural (arts. 402.º a 404.º do Código Civil). Nesta medida, tudo o que foi prestado no contexto da união de facto seria insusceptível de repetição, por força do art. 403.º do Código Civil, uma vez que se tratou do cumprimento de deveres de ordem moral e social[10].A Lei n.º 23/2010, de 30/8, que procedeu à primeira alteração da LUF, não consagrou quaisquer soluções para os problemas relacionados com responsabilidade solidária por dívidas contraídas para acorrer aos encargos da vida do lar e à divisão do património adquirido durante a relação. Serão os elementos caracterizadores da comunhão de vida patrimonial entre os unidos de facto que a aproximarão da comunhão de vida conjugal: o esforço conjunto, a contribuição para as despesas comuns e a colaboração na vida quotidiana e profissional geram expectativas de participação no património adquirido a merecer uma disciplina reguladora dos conflitos eventualmente suscitados por ocasião da ruptura.[11] III.4.8. Numa relação convivencial em que ambos os membros tem que partilhar uma habitação que tem custos de aquisição e/ou de manutenção, existe uma causa para que ambos os membros da união de facto, como é o caso que se nos apresenta, efectuem pagamentos relacionados com as despesas dessa habitação e que é justamente o facto de viverem como se marido e mulher se tratasse sob o mesmo tecto numa habitação, que tem custos os quais, em princípio, devem ser suportados por ambos os membro das união, mas que até podem apenas ser suportados, a título definitivo, por um dos membros, se apenas esse auferir rendimentos que lhe permitam suportar essas despesas sendo que esse pagamento nunca poderá ser considerado o pagamento de uma dívida alheia. Se a causa subjectiva –porque apenas essa é possível vislumbrar no facto 17 como acima se disse- para a aquisição do imóvel na proporção de metade para o Autor e para o Réu que assim acabou por ficar registado foi a relação de união de facto que Autor e Ré mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria, a partir do momento em que Autor e Ré decidiram comprar o referido imóvel e o decidem registar na proporção de metade para cada um em compropriedade a extinção dessa compropriedade de imóvel não se pode produzir como acima se disse com a extinção da relação de união de facto pelo que a Ré, mesmo após a extinção dessa relação de união de facto mantem-se como comproprietária de imóvel na proporção e metade e cuja extinção operará no processo de divisão de coisa comum que corre na forma acima referida, assistindo, naturalmente, à Ré o direito a receber do comprador a parte que lhe compete em razão da sua quota. E só assim não seria se Autor e Ré tivessem acordado em contrato de coabitação ou de divisão da coisa comum que, uma vez dissolvida a união de facto, a divisão do imóvel adquirido e registado em compropriedade se operaria de forma diferente, ou seja que em caso de divisão do imóvel à Ré não assistiria qualquer parte do seu valor ou uma parte diferente daquela que a lei presume e tal não decorre, minimamente, do facto dado como provado sob 17. Por outro lado, independentemente da existência de uma causa para que a divisão do imóvel se faça de acordo com as quotas de Autor e Ré que se presumem pelo regime da compropriedade iguais, desconhece-se qual o esforço conjunto, a contribuição para as despesas comuns e a colaboração na vida quotidiana e profissional por parte do Autor e da Ré por forma a concluir que se geraram ou deixaram de gerar expectativas, designadamente do Autor reaver- por se considerar ter pago uma dívida alheia da Ré na sua aquisição, o que não se concede, sequer- a parte do valor da metade da Ré na venda posterior do imóvel, razão pela qual não é possível concluir estarmos perante uma situação que se posa enquadra no instituto do enriquecimentos em causa. IV- DECISÃO Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar procedente a apelação consequentemente revogam a decisão recorrida no segmento em que condena a Ré AAA a devolver ao Autor BBB metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel sito na Rua do ... n.º 136 freguesia de São Vicente Ferreira, concelho de Ponta Delgada, em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o n.º 000 da dia freguesia e inscrito na respectiva matriz quanto à parte rústica sob o art.º 000, Secção 002 e quanto à parte urbana sob o art.º 000, mantendo-se o demais da decisão recorrida. Regime da responsabilidade por custas: As custas são da responsabilidade do apelado que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2) Lxa., 11.02.2021 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Borges Carneiro _______________________________________________________ [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstâncias de a acção ter sido instaurada em 30/4/2016 tendo sido distribuída, ao Juiz 2, do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, em 4/5/2018, e a decisão recorrida ter sido proferida em 28/9/2020 e o disposto nos art.ºs 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs. [3] PEREIRA COELHO, Francisco e OLVEIRA, Guilherme de, “Curso de Direito de Família”, 4.ª edição, pág. 73. [4] CAVALEIRO, Tiago Nuno Pimentel, “a União de Facto no Ordenamento Jurídico Português”, Dissertação 2.º ciclo de estúdios para obtenção do grau de mestre, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, pág. 37, disponível on line. [5] Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, “O Enriquecimento sem Causa no Código Civil de 1966”, in “Comemorações do 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, vol. II, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, págs. 15/16 [6] Obra e local mencionados, págs. 27 e ss. [7] Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, “O Enriquecimento sem causa no Direito Civil”, págs. 820, 822/823, 832, 834. [8] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 273-275. Ponto é que o Autor alegue e prove as deslocações patrimoniais e que estas se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto [cfr. os Acórdãos do STJ de 31/3/2009, proc. 09B652 (João Bernardo), e de 20/3/2014, proc. 2152/09.5TBBRG.G1.S1 (Nuno Cameira [9] “Em caso de dissolução da união de facto, o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu naquela situação com o réu, porque constitui uma participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos, não lhe confere o direito de restituição do respectivo valor” [Acórdão do STJ de 6/7/2011, proc. 3084/07.7TBPTM.E1.S1 (Sérgio Poças) [10] Nos debates preparatórios da legislação vigente foi recusada tal regulação. O projeto que foi apresentado para as alterações que depois vieram a constar da Lei n.º 23/2010 propunha a consagração de normas que permitiam expressamente aos membros da união de facto convencionar cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos. Incluía ainda uma presunção de compropriedade dos bens móveis, a responsabilidade solidária dos membros da união de facto por dívidas contraídas para acorrer aos encargos da vida familiar, a possibilidade de ser fixado judicialmente o direito de um dos membros a exigir do outro ou da herança do falecido a “compensação dos prejuízos económicos graves resultantes de decisões de natureza pessoal ou profissional por ele tomadas, em favor da vida em comum, na previsão do carácter duradouro da união”. Como GUILHERME DE OLIVEIRA explica, as normas que previam soluções para estes problemas acabaram por não constar da Lei, na sequência de veto do Presidente da República [“Nota sobre a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (Alteração à lei da união de facto)”, cit., pp. 150-152 [11] XAVIER, Rita Lobo, “Limites à autonomia privada na disciplina das relações patrimoniais entre os cônjuges”, Coimbra, Almedina, 2000, pá. 479. |