Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2516/17.0T8CSC-B.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RÉPLICA
RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Apresentada a réplica e notificada a mesma à ré, estabilizou-se a instância e com isso precludiu-se a possibilidade de o autor apresentar uma nova réplica e de nela alterar o requerimento probatório.
II. Mas os documentos que vieram juntos com a 2.ª réplica podem ser considerados apresentados nos termos do art. 423/2 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

1. A 31/07/2017, H intentou uma acção de divórcio sem consentimento contra a sua mulher, M.
2. A 25/10/2017 realizou-se a tentativa de conciliação, sem qualquer êxito, pelo que a ré foi então notificada para contestar, o que fez em 24/11/2017, sem excepções, com reconvenção (arts. 8 a 15) e pronúncia quanto à atribuição da casa de morada de família (arts. 16 ao final), que foi notificada ao autor por carta elaborada a 27/11/2017.
3. A 14/12/2017 o autor apresentou um articulado a que chamou de requerimento, em que, dando-se por notificado da contestação com reconvenção, veio, “no âmbito do princípio do contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3º do CPC”, pronunciar-se sobre vários artigos da contestação, incluindo artigos que constavam da parte que a ré chamou de reconvenção (9, 11, 12, 13, 14) e sobre a atribuição da casa de morada de família (fê-lo com multa do 3.º dia, do art. 139/5-c do CPC).
4. Este “requerimento” foi notificado à ré, pelo autor, no próprio dia.
5. A 17/01/2018, o autor apresentou novo articulado, a que desta vez chamou de réplica (fê-lo também com multa do 3.º dia do art. 139/5-C do CPC).
6. A 05/02/2018, a ré apresentou um requerimento em que, em síntese, diz que tendo o autor já apresentado um requerimento que é, materialmente, uma réplica, a 14/12/2017, não pode apresentar uma nova réplica; pelo que entende dever ser desentranhada a nova réplica, o que requer. Mas, caso assim não se entenda e sejam mantidos nos autos as duas réplicas, a primeira e a segunda, o que apenas admite sem conceder e como hipótese de raciocínio, vem requer que o autor seja notificado para apresentar a cores os documentos 15 [a ré está-se a referir a 15 fotografias], de forma a que se possa responder aos documentos juntos, caso os mesmos se mantenham; identificar as pessoas visadas nas fotografias; esclarecer se as pessoas visadas nas fotografias consentiram, e em caso afirmativo, de que forma, para serem fotografadas.
7. Seguiu-se, a 12/04/2018, o seguinte despacho:
Veio a ré requerer o desentranhamento da réplica junta aos autos em 18/01/2018 (ref. citius 11517449 e 11517451), alegando, para o efeito, já ter o autor respondido à contestação com reconvenção por requerimento junto aos autos em 15/12/2017 (ref. Citius 11308409).
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o art. 584 do CPC, que “… Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção”, preceituando o art. 585 do mesmo normativo que “A réplica é apresentada no prazo de 30 dias, a contar daquele em que for ou se considerar notificada a apresentação da contestação”.
Ora, o autor veio exercer o direito que a lei lhe confere ao abrigo dos citados normativos com a apresentação do requerimento – réplica – junto aos autos em 15/12/2017, razão pela qual, naturalmente, a “nova” réplica apresentada em 18/01/2018, e respectiva documentação, é legalmente inadmissível, quer por o direito de o autor a apresentar se encontrar precludido com a junção aos autos do requerimento de 15/12/2017, quer por ser manifestamente intempestiva.
Assim, e porquanto tal articulado se traduz num desvio em relação ao formalismo seguido na lei, constitui o mesmo um acto legalmente inadmissível que, por influir na decisão da causa é sancionado pelo legislador com a nulidade (cfr. art. 195 do CPC).
Pelo exposto, declaro nulo o articulado junto aos autos a 18/01/2018.
Após trânsito desentranhe e devolva tal articulado à parte.
Custas do incidente pelo autor, com taxa que se fica em 1UC.
8. O despacho foi notificado por carta de 18/04/2018.
9. A 11/05/2018 (ainda com multa do 3º dia, art. 139/5-c do CPC) o autor apresentou recurso de tal despacho, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem com algumas simplificações):
2. O autor respondeu à reconvenção no dia 17/01/2018, no 3º dia de útil subsequente ao termo do prazo de 30 dias, com o pagamento imediato da respectiva multa.
3. O direito do autor de apresentar defesa quanto à matéria da reconvenção, não foi anteriormente exercido no processo, nem foi exercido extemporaneamente no dia 18/01/2018.
4. Quanto à contestação, o autor decidiu exercer o princípio do contraditório previsto no art. 3/3 do CPC, tendo apresentado o seu requerimento do dia 14/12/2017.
5. O exercício do contraditório nos termos do direito geral consagrado no artigo 3 quanto à matéria da “Contestação”, não se confunde com o direito próprio e autonomamente previsto pelo legislador na criação e previsão legal de que a resposta à “Reconvenção” é apresentada em juízo através da “Réplica”.
6. O conteúdo de uma e outra peça processual não se confundem.
7. O requerimento responde à contestação.
8. A réplica responde à reconvenção.
9. A réplica in casu é admissível e tem que se manter nos autos por se tratar de articulado previsto pelo legislador, conforme o disposto no art. 584 do CPC, uma vez que a ré apresentou reconvenção.
10. A decisão de julgar nula a peça processual réplica viola a lei processual, ou seja, viola o art. 584 do CPC, uma vez que coarcta o direito da defesa do autor à matéria da reconvenção.
11 a 13. A decisão recorrida viola o art. 547 do CPC por violação do princípio da adequação formal do processo, pois o legislador expressamente consagrou o articulado réplica como resposta à reconvenção, os artigos 4 do CPC e 13 da Constituição da República Portuguesa [por] promover a desigualdade entre as partes e o art. 20 da CRP por denegação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
[…]
15. A decisão recorrida julgou incorrectamente as datas de entrada do requerimento de resposta à contestação de 14/12/2017 e da réplica de 17/01/2018, ou seja, cumprindo o disposto no artigo 139/5-c do CPC.
16. A decisão devia ter considerado […] que ambas as peças foram apresentadas dentro dos respectivos prazos processuais.         
[…]
20. Caso se entenda que há lugar a um desentranhamento, de uma das peças processuais, essa só poderá incidir sobre o requerimento de resposta à contestação apresentado no âmbito do princípio do contraditório.
10. Não foram apresentadas contra-alegações.
11. O processo principal entretanto está parado (apesar da subida do recurso em separado e a atribuição de efeito devolutivo ao mesmo, que se destinam a permitir que a acção prossiga os seus regulares termos).
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Questão que importa decidir: se não devia ter sido mandada desentranhar a réplica, com a alteração do requerimento probatório e os respectivos documentos.
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Os factos provados são os que constam dos 6 primeiros pontos deste acórdão, comprovados pelas peças processuais em causa e pelo histórico electrónico do processo, consultado como já decorre do que antecede, deste modo se corrigindo, por isso, as datas que constam do despacho recorrido, pois que as correctas são as acima mencionadas.
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Assim sendo, desde já se pode concluir que, ao contrário do decidido, a réplica foi apresentada em tempo, ou melhor, no decurso do prazo suplementar com pagamento de multa (art. 139/5- do CPC).
Com efeito, tendo a contestação sido notificada por carta elaborada a 27/11/2017, considera-se notificada ao autor a 30/11/2107 (art. 248 do CPC), pelo que o prazo de 30 dias para a réplica só terminava (descontando-se o período de natal) a 12/01/2018 (sexta-feira), sendo os três dias úteis seguintes 15, 16 e 17/01/2018, data esta última em que o autor apresentou a réplica.
Pelo que fica apenas por saber se, tendo sido antes apresentada um requerimento de resposta à contestação, tal precludiu a possibilidade de se apresentar a réplica e os respectivos documentos.
Um processo tem de seguir regras estabelecidas no respectivo código.
O CPC, quanto ao divórcio sem consentimento do outro cônjuge, prevê uma tentativa de conciliação e, no caso de falta de êxito desta, a notificação do réu para contestar, seguindo-se, decorrido o prazo para a apresentação da contestação, os termos do processo comum (arts. 931 e 932 do CPC).
No processo comum, a seguir à apresentação da contestação só se admite um outro articulado, que é a réplica, a qual, mesmo assim, só é admissível para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção (art. 584 do CPC), embora, se na contestação tiverem sido deduzidas excepções, o autor possa responder a elas na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (art. 3/4 do CPC). Também se vem admitindo que o autor, tendo havido uma contestação com excepções e reconvenção, possa aproveitar a réplica para responder, não só à reconvenção mas também às excepções, evitando dividir a resposta em duas partes, uma no prazo de 30 dias, e outra naquelas audiências (neste sentido, que não interessa desenvolver aqui, vejam-se as várias posições doutrinais referidas no ac. do TRL de 22/03/2018, proc. 207/14.3TVLSB-2).
Quer isto dizer, no que importa ao caso, que não é possível, apresentar uma resposta à contestação propriamente dita. O que o autor podia fazer, no caso, era apenas replicar, isto é, defender-se quanto à matéria da reconvenção.
Ora, foi isso que o autor fez, com o seu “requerimento” de 14/12/2017, embora também se tenha pronunciado quanto à matéria de impugnação e à da atribuição da casa de morada de família. O facto de o autor ter chamado “requerimento” a tal peça processual é perfeitamente irrelevante. Se se está perante uma defesa à matéria da reconvenção, o que há é uma réplica, independentemente da qualificação feita pelo autor (art. 5/3 do CPC).
Assim, reformulando a questão: pode o autor, depois de ter apresentado uma réplica apresentar uma outra, se ainda estiver dentro do prazo?
Quanto à apresentação de mais uma réplica (contendo defesa à matéria da reconvenção), ficando a outra também nos autos, é evidente que não pode, porque a lei só fala numa réplica e por isso não podem existir duas réplicas no processo.
Mas quanto à possibilidade de substituir uma pela outra, dentro do prazo da réplica?
A propósito da contestação, a jurisprudência brasileira resolve o problema falando da preclusão consumativa: apresentada uma contestação, fica consumado o acto e por isso não pode ser apresentada uma nova (neste sentido, as inúmeras decisões judiciais publicadas aqui).
Em Portugal diz-se que como toda a defesa deve, em princípio, ser apresentada ao mesmo tempo, na contestação (art. 573 do CPC), depois de ela ter sido apresentada não pode ser apresentada uma nova. Mas esta resposta é normalmente dada para casos em que já está passado o prazo da contestação ou a fase dos articulados normais (neste sentido, acórdãos do TRL de 25/09/2018, proc. 1059/10.8TBAGH.L1-7; do STJ de 01/10/2015, proc. 903/11, com o apoio de Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, em anotação 2 ao art. 573, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, 2017, pág. 566; do STJ de 29/01/2014, proc. 5509/10.5TBBRG-A.G1.S1; do TRL de 18/09/2007, proc. 3057/2007-1; e do STJ de 19/02/2004, proc. 03B4161). Ou seja, combinam-se os princípios da concentração da defesa e da preclusão. Só que isto não responde à questão quando a nova contestação é apresentada antes do fim do prazo para ela, o que afasta a preclusão, e desde que a nova contestação substitua a primeira, o que afasta a ofensa da concentração.
Significativamente, Miguel Teixeira de Sousa diz que “A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489/1 [na redacção anterior à reforma de 2013]) ou melhor, no prazo da sua apresentação (cfr. art. 486/1 do CPC [naquela redacção]), pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados fora do prazo determinado para a contestação, o tribunal não pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art. 668/1-d, 2ª parte – cfr. STJ – 21/04/1980, BMJ 296, 235)” [Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 2ª edição, pág. 287; também Remédio Marques, A acção declarativa, Coimbra Editora, 2007, pág. 309, reporta a preclusão ao prazo para a apresentação da contestação].
Ou seja, normalmente o problema não é ser uma nova contestação, mas sim o de ela ser apresentada fora do prazo para a contestação.
A propósito da petição inicial, por sua vez, tem sido generalizadamente aceite a posição de que dá notícia Antunes Varela (com outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, nota 1, págs 278-279), isto é, de que “enquanto a citação se não efectua, pode o autor, através de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir invocada. Sobre esta nova petição (juntamente com a anterior, que não pode ser retirada) recairá o acto de distribuição, se a anterior ainda não tiver sido distribuída; e sobre ela recairá o despacho inicial do juiz da causa, se a anterior já tiver sido distribuída, quer o juiz tenha ou não lavrado despacho (inicial) sobre ela. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 3.º, n.º 8, pág. 66).” (no mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 505). Pois que até à citação do réu a instância não é eficaz quanto a este (art. 259 do CPC) e por isso ainda não está estável e não há expectativas do réu a salvaguardar. E se o autor o pode fazer, naturalmente que o réu também o há-de pode fazer, nem que fosse pelo princípio de igualdade de oportunidades.
Conjugando o que antecede, pode-se então dizer o seguinte, em termos gerais: só com o conhecimento (ou possibilidade de conhecimento) do articulado em causa é que as posições tomadas se podem considerar estáveis e há expectativas da parte contrária a salvaguardar. Ou seja, a consumação do acto processual em causa só acontece com a citação/notificação dele à parte contrária e só a partir daí a alteração do articulado inicial pode prejudicar expectativas da parte contrária. Se o novo articulado substituir o primeiro e for apresentado dentro do prazo que havia para a prática dele, não se põe em causa o princípio da concentração, nem o seu corolário da preclusão.
Tudo isto tem paralelo também com o regime substantivo da eficácia das declarações recipiendas; art. 221/1 do CC: A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida […]; art. 230/1 do CC: Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida; art. 230/2 do CC: Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.
Assim, por exemplo, se uma nova contestação for apresentada dentro do prazo para a contestação e ainda não tiver sido notificada ao autor (pois que só o deve ser pela secretaria findo o prazo para a contestação), ela substituirá a primeira, sem que isso ponha em causa os princípios da concentração, da preclusão e da estabilidade da instância ou as expectativas do autor.
No caso da réplica, há que ter em conta que ela é notificada pelo advogado do autor ao advogado do réu (art. 221/1 do CPC, a contrario) pelo que, a apresentação da réplica, com a sua notificação ao réu, consuma o acto processual em causa: verifica-se pois, aqui, a tal preclusão consumativa, estabilizando-se a instância, pelo que o acto em causa já não pode ser modificado.
Ora, no caso dos autos foi isto que aconteceu: o autor replicou em 14/12/2017 e enviou carta para notificação da réplica à ré no próprio dia, pelo que a ré teve dela conhecimento muito antes da nova réplica. Assim, a réplica apresentada naquela data já não pode ser substituída por esta outra, apresentada um mês depois (mesmo que esteja em prazo, como está, descontando-se o período de férias de natal).
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Isto é válido quanto à réplica e ao rol de testemunhas apresentado nela (pois que era na 1.ª réplica que tal rol podia ser alterado: art. 552/2 do CPC). Por isso a nova réplica deve ser desentranhada dos autos e com ela o rol alterado.
Já não o é quanto aos documentos apresentados, pois que, quanto a estes, vale o disposto no art. 423/2 do CPC, ou seja, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Assim, o despacho recorrido tinha que fazer uma ressalva na decisão de desentranhamento, excluindo dela os documentos então apresentados, devendo agora o tribunal recorrido dar seguimento ao requerido pela ré quanto a eles.
Note-se que nada mais tem de ser revogado/anulado porque o tribunal recorrido parou o processo, nada mais se tendo processado desde a remessa do recurso.
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Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso:
a) confirmando-se o despacho recorrido quanto ao desentranhamento da réplica apresentada pelo autor em 17/01/2018, incluindo a alteração do requerimento probatório; e
b) revogando-se o despacho na parte em que não excluiu os documentos da ordem de desentranhamento, devendo o tribunal recorrido dar seguimento ao requerido pela ré quanto aos mesmos.
Custas, na vertente de custas de partes, em partes iguais pelo autor e pela ré (por ambos terem decaído parcialmente no recurso).
Lisboa, 21/02/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues