Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1450/18.1T8AMD-B.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
DIREITO ABSOLUTO
TRATAMENTO MÉDICO COERCIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O dever dos pais proverem à saúde dos filhos, estabelecido pelo n.º 1, do art.º 1878.º, do C. Civil, não pode ser confundido com um direito próprio e absoluto dos progenitores.

2.O incumprimento desse dever pelos progenitores, podendo determinar a inibição do exercício das responsabilidades parentais, como previsto no art.º 1913.º, do C. Civil e de exigir a aplicação de outras medidas inibitórias, como previsto no art.º 1918.º, do C. Civil, é ainda suscetível de determinar a intervenção coactiva pública própria do direito criminal, haja em vista, entre outros, o disposto nos art.ºs 137.º, 144.º, al. d), 148.º e 150.º, do C. Penal.

3. Estando o filho menor afetado de doença grave que exige lhe sejam administrados tratamentos médicos de especialidade, omitindo os progenitores a prática dos atos necessários para que o mesmo os receba e recorrendo, em vez deles, aos serviços de um clinico geral, sem canal de comunicação com a especialidade em causa e a serviços médicos estrangeiros em fase experimental, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial pelo período de 6 (seis) meses para recebimento desses tratamentos de especialidade corresponde ao superior interesse do menor na prossecução dos seus direitos relativos à vida e proteção da saúde, consagrados nos art.ºs 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e à proteção que, como pessoa jurídica distinta dos seus progenitores lhe é devida, como decorre dos art.ºs 2.º, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP, cuja aplicação não é postergada pela relação de paternidade/filiação a que se reporta o n.º 6, do art.º 36.º, da mesma CRP.


(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.



1. RELATÓRIO.


No âmbito dos autos de promoção e proteção relativos aos menores D …, A …e R … o tribunal a quo proferiu decisão de revisão das medidas de promoção e proteção aplicadas, tendo decidido:
1)-Em relação aos menores D e A manter a execução da medida de apoio junto dos pais, por 6 meses, sensibilizando-se estes para a necessidade de o apoio educativo especial e da terapia da fala, ser assegurado com premência, ao primeiro;
2)-Em relação ao menor R “…aplicar, a título cautelar e pelo período de 6 (seis) meses a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial.
São autorizadas visitas dos pais ao menor, inicialmente, supervisionadas, em contexto residencial, em dias e horário a acordar pela Casa de Acolhimento com os pais.
No âmbito da execução da medida, deverá ser assegurado pela C.A. apoio psicológico ao menor e terapia da fala, bem como os necessários apoios educativos especiais de que o menor careça.
Quanto à manutenção da frequência escolar do menor no Colégio ... de ..., conforme promovida pelo M.P., a mesma só será de manter, se no superior interesse do menor, tal for viável, salientando-se que a escola, sendo privada terá que ser paga pelos progenitores, para além de que importará asseverar a terapia da fala e do apoio educativo especial, que a escola não assegura, pelo que, nessa senda, a CA deverá efetuar a gestão, a esse nível, mais adequada aos interesses do R.
Por via expedita e com nota de muito urgente, oficie ao Núcleo de Gestão de Vagas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a fim de ser indicada Casa de Acolhimento onde o menor possa ser acolhido.
Comunique, de imediato, e com nota de muito urgente, à EMAT.
Uma vez obtida a indicação de vaga em Casa de Acolhimento Residencial em que o menor vier a ser acolhido, emitam-se os respetivos mandados de condução do menor.
A decisão, acompanhada da douta promoção do Ministério Público, e do relatório da EMAT de 13.10.2023 e do relatório clínico do Hospital de Santa Maria, deverá ser notificada aos progenitores, pessoalmente, aquando da execução da medida, pelo OPC competente, em articulação com a EMAT, com possibilidade de a execução da presente decisão, ser efetuada em contexto escolar, de forma discreta, preservando a intimidade e reserva da vida privada da criança.
Concretizada que seja a execução da medida provisória, solicite ao C.D.O.A. a indicação de Patrono a ser nomeado ao menor R ....
Para tomada de declarações aos pais, ao menor R, à EMAT e Técnicos da CA, notificando-se, igualmente, o I. Patrono que vier a ser nomeado ao menor R ..., com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção e eventual alteração dos condicionalismos do acordo de promoção e proteção do menor D, que preveja apoio psicológico para este, se necessário com recurso à atribuição de apoio económico, designo o dia 7 de dezembro de 2023 às 09h30m.
*Convoque a I. Psicóloga que presta assessoria técnica junto do Juízo de Família e Menores de Sintra, a fim de preparar e assistir, tecnicamente, a audição da criança.
*Após execução da medida, remeta ao INML, para consideração, nas perícias a realizar aos progenitores, de cópia da ata de 16.10.2023 e do presente despacho.
*Autorizo a EMAT a realizar entrevista ao menor D ..., em contexto escolar e visita domiciliária ao agregado materno.
Por não se afigurar impertinente nem dilatória, autorizo a realização de perícia psicológica ao menor R ... da ..., com o objeto constante dos quesitos enunciados pela EMAT no seu relatório de 17.03.2023, excetuado o constante do ponto 4 (que se reportaria ao menor D).
Instrua o pedido junto do INML, remetendo certidão de todo processado, incluindo da CPCJ e quesitos que deverão pautar a perícia.
*Autorizo a realização de perícia clínica ao menino R (para aferir da evolução da sua situação clínica, qual o impacto na doença que o tratamento realizado na Suíça tem/teve atenta a condição clínica do menor, tratamento a seguir e as consequências para a saúde da criança que resultaram da omissão da terapêutica prescrita e do não tratamento atempado das cáries dentárias.
*Notifique o Espaço Pessoa para partilhar com a EMAT os relatórios atinentes à avaliação em terapia da fala dos menores R e D, no prazo máximo de 10 dias”.
*

Inconformada com essa decisão, relativa ao menor R, a progenitora dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
A)-Dispõe o art. 124.º, n.º 2 da Lei 147/99 que “cabe ao tribunal recorrido fixar o efeito do recurso” e, estando em causa uma violenta, injustificada e desproporcional subtração de um menor à sua família natural – pais e irmãos –, o presente recurso deve ser tramitado com natureza suspensiva, atentos os interesses que estão em apreciação e a brutalidade da decisão aplicada pelo tribunal a quo.
B)-O tribunal a quo decidiu implementar medida de acolhimento temporário do menor R – o que implica o afastamento da sua família (pais, irmãos e avós) –, porque, desde junho, não esteve presente em consulta da especialidade de ... em Portugal.
C)-No entanto, o tribunal a quo refere que o perigo para a saúde do R resulta de uma alegada falta de colaboração da progenitora com os médicos de ... do CHUC e com os técnicos da EMAT, falta de colaboração essa que, de acordo do tribunal, existe desde 2019.
D)-O tribunal ignorou os relatórios médicos do Dr. António ..., pretendendo que prevaleçam as opiniões médicas da Dr.ª Isabel ..., médica que não segue o R (a pedido da própria, de resto), e que já admitiu não estar atualizada no que diz respeito à terapia celular levada a cabo pela ... Medica, e a que o R está atualmente sujeito.
E)-Com a decisão proferida, o tribunal a quo violou ostensivamente os arts. 4.º, als. a), e), g), h) e j) e 91.º e 92.º da Lei 147/99.
F)-Nos termos do art. 4.º, a), a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas.
G)-Ao separar o R da sua família, que tão bem o trata e tanto se preocupa com a sua saúde e bem-estar, incluindo dos seus irmãos mais novos, com relação muito próxima do R e com quem este gosta de estar e de brincar, o tribunal está a violar o dever de priorizar a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas.
H)-Nos termos no art. 4.º, e), a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
I)-Ao estabelecer a medida de acolhimento em instituição, o tribunal violou o princípio da proporcionalidade ínsito à referida norma, nas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
J)-Com efeito, não existe qualquer perigo à saúde do R provocado pelos progenitores, pelo que falha de imediato o pressuposto da intervenção. O perigo para a saúde do R é provocado pela doença de que infelizmente padece e que o acompanha desde que é recém-nascido, e para o que em nada contribuiu qualquer ato da progenitora – pelo contrário.
K)-A medida de acolhimento não é necessária, uma vez que o R tem acompanhamento médico, em Portugal (Dr. António ...) e no estrangeiro (Clínica ... Medica), pelo que o seu acolhimento em instituição não é necessário para que esse acompanhamento médico se verifique.
L)-Tal acolhimento não é sequer adequado, uma vez que tornará o R num prisioneiro do tribunal, com pernoitas fora do seu local de segurança e conforto, sem os seus pais, sem os seus irmãos, sem os seus bens e brinquedos, no meio de estranhos que nunca viu, submetendo-o sabe ... a que tipo de intervenções.
M)-Tal acolhimento é desproporcional, na medida em que porá em risco de vida o R – vide relatório do Dr. António ... –, que tem histórico de febres emocionais quando é afastado da família de referência de forma abrupta e inesperada.
N)-Nos termos do at. 4.º, g), a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
O)-Ao determinar a medida de acolhimento institucional, o tribunal a quo não está a respeitar a preservação das relações afetivas entre o menor e os pais, avós e irmãos, que são as suas relações afetivas estruturantes de grande significado.
P)-Nos termos do art. 4.2, h), deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família.
Q)-Ao não ponderar o acolhimento do R por membros da sua família natural – avó paterna, tios, primos –, o tribunal a quo violou a supra referida norma, violada igualmente com a fundamentação inusitada relativamente à avó materna, que refere não poder ficar com o R por não conhecer a medicação que ele toma (o que é falso, e em qualquer caso nunca poderia ser impeditivo de tal acolhimento – a instituição que o receberia também não sabe que medicação toma, mas passaria a saber).
R)-Nos termos do art. 4.2, j), os pais e crianças têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção.
S)-Tal norma estabelece o direito a uma audição prévia ao decretamento de qualquer medida, já que confere o direito à participação na definição da medida de promoção dos direitos.
T)-Ao não ouvir a progenitora antes do decretamento da referida medida, o tribunal violou a supra referida norma legal.
U)-Como já se referiu, não existe qualquer perigo para a saúde do R que seja criado, aumentado ou potenciado por qualquer conduta da progenitora. Pelo contrário, tudo nos autos revela o seu extremo cuidado, carinho, preocupação, zelo e diligência no cuidado do seu filho que, infelizmente, sofre de doença crónica.
V)-A precipitação do tribunal a quo na determinação desta medida não tem qualquer justificação legal atendível. Com efeito, parece ser uma prepotente “vingança” por ter a progenitora faltado à perícia psicológica, sendo certo que a progenitora telefonou para os serviços, que lhe disseram que não era obrigatório comparecer, tendo faltado com a convicção de que era um ato facultativo.
W)-O tribunal ameaça os parentes do menor com processos por desobediência, condena os pais em multa por faltarem a atos onde não eram obrigados a estar – porque isso não lhes foi comunicado, nem foi cominada a condenação em multa em caso de falta –, dá por certas conclusões de clínicos que se desconhecem (“Dr.ª Sara”), ignora relatórios médicos por clínicos que acompanham efetivamente o R, o que é grave e demonstra um desrespeito pelo superior interesse do menor, pondo em causa a imparcialidade que deve estar subjacente à atuação de qualquer magistrado, o que se alegará em sede própria.
X)-Com efeito, o tribunal estabelece que a mãe “nunca” colaborou e sempre se mostrou reticente com o acompanhamento proposto pela Dr.ª Isabel ..., razão pela qual não houve, em 24.10.2023, qualquer aumento do grau de perigo, que sempre seria pressuposto da implementação da medida de acolhimento em instituição, ao abrigo dos arts. 91.º e 92.º da Lei 147/99.
Y)-Ao alterar a medida vigente, o tribunal violou os arts. 91.º e 92.º, uma vez que o alegado perigo se mantém inalterado desde o início do processo (2019).
Z)-Acresce que o alegado relato da Dr.ª Sara de existência de pressão sobre uma veia não se baseia em nenhum exame a que o R tenha sido submetido, o que deveria ter sido devidamente indagado pelo tribunal antes de determinar a execução de uma medida tão gravosa quanto aquela que decidiu implementar.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2.– FUNDAMENTAÇÃO.

A)-OS FACTOS.

O Tribunal a quo estruturou a sua decisão na factualidade que elencou nos seguintes termos:
Com base na colheita de declarações dos progenitores, médicos, documentos clínicos juntos aos autos, informações escolares, relatórios da EMAT e declarações das Técnicas desta entidade, garantem-me os autos a seguinte factualidade:
1-Os presentes autos tiveram início em 2018, no Tribunal da Amadora, na sequência de os progenitores não terem assinado acordo de promoção e proteção junto da CPCJ por falta de colaboração com esta entidade.
2-Os menores R ... da ..., nascido a 23.06.2013, D ... da ..., nascido a 15.07.2017 e A ... da ..., nascido a 17.03.2018, são filhos de ... Simões ... da ... e ... Manuel ... da ....
3-A sinalização à CPCJ foi efetuada pelas autoridades da Irlanda do Norte (Northern Health and Social Care Trust) quando os menores e a sua mãe, regressaram para Portugal, estando lá sinalizados por negligência nos cuidados de saúde a asseverar aos menores R e D, com índice de cáries significativas para o R e também para o D, por a criança R estar a faltar a consultas de especialidade fulcrais à estabilização do seu estado de saúde, não ter assiduidade na escola e não a estar a frequentar desde fevereiro de 2018 (sendo a sinalização efetuada de 20.07.2018).
4-A mãe não demonstrou capacidade de priorizar as necessidades de saúde dos filhos, em especial do R. Aquando da sinalização das crianças à Segurança Social da Irlanda do Norte, constatou-se que as mesmas abandonaram a residência onde moravam com os pais e voltaram com a mãe para Portugal, tendo sido dados como desaparecidos e com pedido de localização. Apesar de contatos telefónicos efetuados, a mãe dos menores, alegadamente, recusou-se a prestar informação sobre o seu local de residência em Portugal. Os Serviços Sociais Norte-Irlandeses comunicaram à CPCJ da Amadora que havia referência a várias deslocações da família entre Portugal e a Irlanda do Norte e várias mudanças de habitação enquanto permaneceram na Irlanda do Norte, aduzindo que as visitas domiciliárias seriam um dado importante para se avaliar a estabilidade habitacional das crianças.
5-A mãe alegou à CPCJ que se sentia “perseguida” pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, onde a criança R tinha sido acompanhada. A mãe referiu que tanto este Hospital como o Hospital Dona Estefânia, onde a criança tinha sido acompanhada, quebraram a confiança na relação médico-paciente. A família aparentemente confiava na Equipa do Hospital de Santa Maria, onde a criança já tinha sido observada num episódio de urgência. Relativamente à frequência do R em equipamento escolar, a mãe referiu que a criança “não gostava da professora” e que esta agrediu, física e gravemente, a criança.
6-O pai tinha informado que a mãe dos menores havia regressado a Portugal com as crianças devido ao seu descontentamento perante os serviços sociais norte-irlandeses.
7-O R, fruto da doença rara e grave, de origem genética, de que padece-colestase intrahepática progressiva associada a defeito genético no gene ABCB4, e hipertensão portal, identificada em 2014, pós diagnóstico de trombocitopenia (após recurso a serviço de urgência por queda), após tentativas de orientação diagnóstica e terapêutica recusadas no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca e Hospital Dona Estefânia. A mãe refuta a origem genética da doença, atribuindo-a à toma, em meio hospitalar, após o nascimento do R, da vacina da Hepatite B.
8-Nessa senda, os pais optaram por não administrar qualquer outra vacina ao R. Os menores D e A não têm qualquer vacina, igualmente, por opção dos pais.
9-O menor R carece de acompanhamento médico regular, que passa, inclusive, por realização de análises sanguíneas e outros exames médicos e pelo cumprimento escrupuloso da terapêutica medicamentosa implementada.
10-Os pais têm-se demitido de asseverar os mais elementares cuidados de saúde e de educação (no que tange ao desenvolvimento cognitivo e de competências escolares) ao R e de educação e desenvolvimento cognitivo (no que tange ao desenvolvimento cognitivo e de competências escolares) ao D.
11-Os pais estão, atualmente, separados, e o pai assume uma postura demissionária nas decisões fulcrais acerca da educação e saúde dos filhos, delegando, in totum, tais funções na mãe, em quem confia plenamente.
12-Já em 2016, quando correu processo na CPCJ da Amadora, a mãe das crianças referiu sentir-se pressionada quer pela sua família, quer pela família do seu companheiro, entrando estas em sucessivas “guerras de razão”, o que levou os pais a viajarem para a Irlanda. A avó paterna aparentava exercer uma forte influência nas decisões a serem tomadas a nível da saúde do neto R. Contudo, em 2018, a mãe aparentava assumir um maior poder nas decisões a tomar e relacionadas com os filhos, adotando o pai uma postura mais passiva.
13-A mãe tem sido irregular em assegurar a comparecência do R nas consultas médicas junto do Centro Universitário Hospitalar de Coimbra –Unidade de ... Pediátrica onde foi, até junho último, seguido pela Médica ... Pediátrica, Dr.ª Isabel ... e, mais recentemente, no Hospital de Santa Maria para onde foi encaminhado, com a cadência temporal que se impõe, sendo a criança doente de risco que, a seu tempo, terá indicação para transplante hepático.
14-Em caso de estabilidade do doente, as consultas deveriam ter uma periodicidade semestral, impondo-se realização de consultas intermitentes em caso de descompensação.
15-A mãe justifica as faltas dadas às consultas com base em doenças que acometem o agregado familiar e, por vezes, solicita remarcações, sendo certo que, entre setembro de 2021 e 12 de setembro de 2022, o R esteve um ano sem comparecer nas consultas junto do C.H.U.C. e fazer exames ou análises naquela Unidade Hospitalar.
16-No C.H.U.C., foi implementada terapêutica medicamentosa e administração de vitamina K ao R (sob a denominação de “Kanakion”, só passível de levantamento na farmácia hospitalar), sendo que nem sempre a mãe levantava a prescrição na farmácia hospitalar.
17-Entre 09 de setembro de 2021 e 12 de setembro de 2022, o menor R, tendo faltado às consultas no C.H.U.C., não teve disponível para toma o Kanakion.
18-O R, por decisão da mãe, sustentada pelo pai, e sob aconselhamento e indicação do Dr. António ..., clínico de medicina geral e familiar que segue o R, em clínica privada, deixou de tomar a medicação instituída pela Dr.ª Isabel ..., ... pediátrica do C.H.U.C. –os medicamentos ursofalk e rifaximina) e viu substituída a administração do Kanakion por um outro complexo de vitamina K (o Complete K, cuja natureza a Dr.ª Isabel ... desconhece, advogando que o kanakion MM*, fitomenadionamicelar é a única formulação recomendada e disponível para suporte do défice de vitamina K associado às doenças colestáticas.
19-Em janeiro de 2023 o R faltou a uma avaliação em cardiologia.
20-Ouvido o clínico Dr. António ..., em diligência judicial, o mesmo referiu que R deixou de tomar o Kanakion desde a 2.ª toma, por se ter sentido mal, sem que, porém, tenha sido comunicado à Dr.ª Isabel ... que deixou de fazer o mesmo, apesar de, em algumas ocasiões, e para despiste de que o tomaria, a mãe fazia o seu levantamento na farmácia hospitalar.
21-Paralelamente, o R, à revelia do seguimento pela Dr.ª Isabel ..., foi medicado pelo Dr. António ..., com silimarina e NAC, sendo que este clínico descreveu este NAC como aminoácido hépato-protetor, sem que esta substituição medicamentosa tivesse sido comunicada à Dr.ª Isabel ....
22-O R deixou de tomar a rifaximina, sendo que, de acordo com a Dr.ª Isabel ..., tal  antibiótico, bem tolerado, é usado para baixar a amónia, quando persistentemente elevada, prevenindo episódios de encefalopatia hepática, que pode originar coma e, fatalmente, a morte.
23-A não administração da medicação ao R, conforme traçada pela Dr.ª Isabel ... era do desconhecimento da clínica, que de tal teve conhecimento, em junho último, após diligência realizada em 21.06.2022, no Tribunal.
23-A encefalopatia hepática tem como sinais de alerta, sintomas como sonolência excessiva, sobretudo diurna, irritabilidade e alterações no comportamento, despertares noturnos, podendo desembocar em coma hepático.
24-A intoxicação cerebral por amónia nas crianças tem efeito na aprendizagem e nas atividades diárias.
25-O menor, no final do ano letivo transato, adormeceu duas vezes em contexto de sala de aulas. Na diligência judicial ocorrida a 21.06.2023, a mãe e o Dr. António ... ressalvaram que o menor chegou a ter valores de amónia perto dos 300, quando o máximo admissível seriam os 150, o que levou a que a Dr.ª Isabel ..., após ter tido conhecimento dessa situação, tenha devolvido à mãe, que, no dia seguinte, deveria ir com o R ao Hospital de Santa Maria, a fim de aferir os valores da amónia.
26-Em caso de doença hepática descompensada e amónia superior a 150, as análises devem ser repetidas em serviço de urgência e se se confirmar o valor da amónia, o doente tem que ser internado para ajuste terapêutico e vigilância.
27-A mãe compareceu com o R no dia 22.06.2023 no Hospital de Santa Maria e aduziu como justificação que o filho estava bem e já não se encontrava em jejum, pelo que não poderia fazer a análise, se comprometeu a comparecer no dia seguinte para que o menor fizesse as  análises em jejum.
28-Na sequência de a médica ter reiterado a necessidade de realização de tal análise, a avó materna foi com o R ao Hospital de Santa Maria no dia 23.06.2023 –a amónia estava já estabilizada, e foi devolvido àquela familiar que administrasse à criança a terapêutica da manhã, que a avó alegou desconhecer.
29-Foi a avó e não a mãe quem acompanhou o R aos exames realizados no dia 28.06.2023 no CHUC, apesar de a mãe se ter deslocado a Coimbra, de carro, para levar a avó até ao Hospital, em cuja consulta a avó referiu que o menor estava bem e que cumpre a medicação.
30-Em julho de 2023, a mãe deslocou-se com o R à Suíça para, segundo ela, fazer um tratamento inovador à base de células estaminais, sobre o qual não informou a Dr.ª Isabel ..., ponderando riscos/benefícios, sendo que, solicitado que fizesse chegar aos autos informação clínica sobre esse tratamento, apenas procedeu à junção de um certificado, em inglês, com valores, não havendo qualquer conclusão clínica e documentalmente comprovada sobre eventual seguimento/continuidade do tratamento na Suíça e tampouco que a mãe e o pai, a quem o ónus competia, devolvesse esses resultados/tratamentos à equipa médica ... que acompanha a criança.
31-O R faltou à consulta agendada para 27.07.2023, estando há quatro meses sem acompanhamento médico especializado –quer em Coimbra, quer junto do Hospital de Santa Maria. Desconhece-se se faz, presentemente, medicação para a sua condição clínica, sendo que em junho passado já não a fazia nos termos prescritos pela Dr.ª Isabel ..., apenas tomando o Complete K e a medicação supra referenciada, prescrita pelo Dr. António .... Desconhece-se, igualmente, se os valores da amónia se encontram estabilizados.
32-Não obstante a Dr.ª Isabel ... ter encetado diligências no sentido de deixar de acompanhar clinicamente o R e ter encaminhado o seu processo clínico para o Hospital de Santa Maria, hospital da área de residência da criança, este último, na informação remetida ao Tribunal, no decurso deste mês de outubro, referiu que: “salienta-se gravidade do quadro clínico e a necessidade de seguimento regular no Centro de Transplantação Pediátrico de Coimbra, associado a incumprimento no plano de seguimento e de terapêutica por parte desta família.”
33-Foi ponderado pela EMAT a administração da medicação ao R diariamente por uma equipa de enfermagem, e a mãe chegou a ser confrontada com essa viabilidade em diligência judicial, não tendo manifestado abertura para que tal assim decorresse, alegando que teria que ser falado com o pai, porque não decide as coisas sozinha, o que é contrário à postura que vem sendo assumida por ambos os progenitores, de delegação total da mãe das decisões a tomar relativamente às crianças.
34-O menor R continua com cáries profundas por tratar, situação que se arrasta de há anos, atualmente persistente sob a égide de recusa de anestesia local ou eventual tratamento, em bloco operatório, a todas as cáries, com recurso a anestesia geral. Os pais refutam o tratamento, temendo uma hemorragia da criança.
35-A médica dentista do R aguardava orientação da Dr.ª Isabel ... ou do Dr. ... sobre a anestesia mais adequada ao contexto clínico da criança. A EMAT solicitou informação à Dr.ª Isabel ..., a qual, prestada, foi reencaminhada para a Dr.ª Mafalda ..., médica dentista do R, a qual entendeu que a criança deveria ser encaminhada para o meio hospitalar onde deverá dar continuidade aos tratamentos e que os pais já declinaram efetuar em meio hospitalar.
36-A EMAT solicitou orientações à Dr.ª Isabel ... relativamente aos tratamentos dentários, tendo a mesma referido que a criança “pode usar anestesia local sim, mas não sei se a criança vai colaborar no procedimento. O problema maior será hemorragia eventual porque tem coagulação alterada e habitualmente a família recusa a fitomenadiona intravenosa que deve ser administrada nestas situações. (...) Aliás esteve marcado neste hospital para ir ao Bloco fazer os tratamentos e garantir medicação de suporte e vigilância adequadas, mas faltaram. (...) Caso entenda que ele necessita de anestesia geral e ambiente hospitalar deve ser contactada a pediatria do Hospital de Santa Maria / CHULN onde ele passou a ser seguido em primeira linha”
37-Os menores R e D, em março de 2023, deixaram de frequentar o ensino público na sua área de residência, onde tinham terapia da fala e apoios educativos especiais e passaram a frequentar o Colégio ... de ..., na Estrela, onde deixaram de ter asseverados tais apoios.
38-A mãe alegou para o facto, que os filhos R e D eram vítima de agressões na escola por uma criança, facto que não é corroborado pela escola, aduzindo que os menores estavam bem integrados. O Agrupamento Professor ... da Silva deu conta de irregularidades ao nível da assiduidade e pontualidade, interferindo no benefício de alguns apoios, o que a mãe negou, alegando que todas as faltas dos filhos se encontram devidamente justificadas por motivos de doença.
39-R e D têm graves dificuldades de aprendizagem, não encontrando apoios educativos especiais nem terapia da fala nesta última escola frequentada.
40-A comunidade escolar verbaliza que o menor R, este ano, ao contrário do ano letivo transato, está bem integrado inter pares, parece um menino diferente, estando até com ar muito mais saudável, revelando energia e muita vontade em aprender, aduzindo a professora que “o tratamento que realizou este verão ajudou-o muito”.
41-O D está, igualmente, bem integrado, mostrando interesse e empenho e realizando as atividades escolares com gosto e dedicação.
42-Ambos os irmãos têm sido pontuais e têm-se apresentado bem arranjados e cuidados.
43-O A integrou a Solami a 10.05.2021 na resposta social do pré-escolar -3 anos, com adaptação muito difícil, demonstrando dificuldade na desvinculação com a mãe/avó no acolhimento e em respeitar as regras da sala visto que a criança esteve num ambiente restrito e protegido pela família.
44-Desde a sua integração tem sido assíduo, mas pouco pontual, mas a encarregada de educação avisa sempre quando a criança chega mais tarde à instituição.
45-O A é muito bem cuidado ao nível da higiene e vestuário e, no dia a dia, mantém um relacionamento saudável com os pares e adultos da sala. Tem desenvolvimento adequado à sua idade, é uma criança educada, meiguinha e bastante feliz. A Encarregada de Educação mostrou-se sempre preocupada com o seu educando.
46-A EMAT indicou o Espaço Pessoa para terapia da fala dos menores. Estando marcada consulta para dia 05.09.2023, as crianças faltaram e foi o pai, quem posteriormente, indagou por nova marcação para 15.09.2023, à qual os menores R e D compareceram.
47-O Espaço Pessoa apenas consegue assegurar a terapia da fala no contexto das suas instalações e não com deslocações à Escola, o que foi devolvido ao pai, que não o partilhou com a mãe. A mãe, quando soube da situação, ficou bastante aborrecida, pediu os relatórios e informou que o acompanhamento dos meninos não seria no Espaço Pessoa.
48-Estão em curso diligências encetadas pela EMAT com o CAIDI –Centro de Apoio e Intervenção no Desenvolvimento Infantil, no sentido de aferir se haverá possibilidade de assegurar o seguimento das crianças em terapia da fala, condicionados a um processo de recrutamento de Terapeutas dessa instituição, que se encontra em curso.
49-O R apresentou discurso menos lentificado, mas pobre, com respostas a questões simples (aferido em contexto médico na última consulta de 28.6.23 com a Dr.ª Isabel ...), salientando-se dificuldades escolares e cognitivas.
50-A mãe não autorizou a partilha das avaliações em terapia da fala feita pelo Espaço Pessoa com a EMAT, assim como os pais não permitiram a realização de perícias psicológicas aos menores a fim de se aferir da dinâmica familiar pais versus crianças e a vinculação emocional que cada uma das crianças tem com os pais, o modo como o R vivencia a sua doença e a forma como é vivenciada pelo irmão D e impacto que a mesma tem nas dinâmicas do agregado familiar.
51-Os pais concordaram em sujeitar-se a perícias psicológicas, a que, depois de devidamente notificados, faltaram.
52-Marcadas novas datas, os pais voltaram a faltar à segunda perícia agendada para o dia 23 de outubro de 2023.
53-A tia dos menores, ... ..., assim como os demais elementos da família delegam em ... a tomada de decisões e entendem que a criança R estar hoje viva é um milagre, atribuído à mãe, que tudo tem feito pelo seu bem-estar. Denote-se que, num e-mail redigido por ... ..., à Técnica da EMAT gestora do processo, a 30.06.2023, a mesma aduz, entre o mais, que; “O que a ... pretende é que este percurso de estabilidade e melhorias se mantenha por vários anos, para que o filho também possa decidir, uma vez que se tratar da vida dele. A verdade é que já passaram mais anos do que os que lhe faltam para a idade adulta. Há que ter esperança e o que tenho assistido é a um discurso fatalista por parte dos médicos e se a ... discorda está a por em risco a vida do filho e é de imediato ameaçada com o Tribunal de Menores. Para concluir, tenho a convicção que a ... tem cuidado do filho de um modo responsável, consciente dos prós e contras das decisões que é obrigada a tomar e que não o faz de ânimo leve.”
54-O pai, demitindo-se da tomada de decisões, sufraga e ratifica as decisões tomadas pela mãe e que não primam de forma prudente e zelosa pelo asseverar dos seus cuidados de saúde.
55-O pai, presentemente, vive com a avó paterna e não reúne condições logísticas para o garante de pernoitas nos convívios com os menores, além de que o pai confia plenamente em todas as decisões tomadas pela mãe, sem ponderação de outras alternativas, não sendo, igualmente, zeloso na prestação de cuidados de saúde ao menor R, em adequação à sua situação clínica.
56-Recentemente a EMAT tentou efetuar visita domiciliária à residência onde os menores habitam, que se revelou infrutífera, pois estando pessoas em casa, os estores da varanda foram fechados, não tendo havido colaboração a tanto.
57-A mãe dos menores não atende os telefonemas da EMAT nem retribui os mesmos.
58-Os pais faltaram à conferência em Tribunal do dia 16 de outubro, em que estava prevista a audição do menor R. Nada comunicaram ao tempo da diligência e, posteriormente, a mãe veio juntar atestado médico emitido pelo Dr. António ..., por doença da criança por um período de cinco dias desde o passado dia 12 de outubro (dia em que foi comunicado pela Escola que o menor estava com febre). O pai não justificou a falta a juízo.
59-Nessa diligência, não obstante o teor do relatório de 13.10.2023, em que era propugnada a manutenção, para o R, da medida de promoção e proteção em curso, de apoio junto dos pais, a Técnica da EMAT, reconhecendo:
-o incumprimento da mãe no plano das consultas agendadas;
-a não administração da medicação à revelia e sem o conhecimento da Dr.ª Isabel ..., o facto de ter tentado fazer visita domiciliária, que foi obstaculizada, porque estando pessoas em casa, os estores da varanda foram fechados;
-o facto de a mãe presentemente não atender os telefonemas à EMAT e não os retribuir, não partilhar os relatórios de avaliação da terapia da fala;
-o facto de a mãe, à semelhança da não colaboração com a EMAT, Hospital e Tribunal da partilha da informação, não colaboraria com um CAFAP e, não aceitaria a administração da medicação por uma equipa de enfermagem, podendo até levar medicação que não seria a prescrita;
-o facto de a médica do Hospital de Santa Maria, Dr.ª Sara ... ter tido que estava chocada com a situação do R - que não se trata apenas de aferir os valores de amónia, e ter dito que está tudo grave e mal com o R, não é só a amónia, é tudo!, tendo, inclusive, a veia porta de entrada para o fígado sob pressão, que causa a morte lenta deste órgão;
-o facto de os menores estarem sem terapia da fala e apoios educativos especiais, quando têm graves dificuldades de aprendizagem;
-a irregularidade do acompanhamento psicológico do R e do D (que sofre com a situação clínica do irmão e com as maiores ausências da mãe);
-concluiu que o único fator de proteção em manter a medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe seria o vínculo emocional e que o acolhimento residencial se assume como alternativa única a assegurar todos os cuidados necessários de saúde ao R com vista à sua compensação clínica e seria sempre “um mal menor.”;
60-A Dr.ª Isabel ..., na consulta de 28.06.2023, assinala dificuldades escolares e cognitivas do R, sendo preciso trabalhar, do ponto de vista psicológico, com regularidade, a individualidade do R e o seu posicionamento face aos pares –a sua “diferença”, pois que tem uma alimentação diferente, não pode jogar à bola e acaba por ter vida muito condicionada fruto das consultas e exames a que se tem que submeter.
61-Neste conspecto, foi proposta, pois, pela Segurança Social, medida, de acolhimento residencial ao menor R ... e manutenção das medidas de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, quanto aos menores A ... e D ..., por quanto a estes dois últimos ainda ser viável a execução da medida na comunidade.
62-A mãe dos menores está desempregada e vive do auxílio económico da família.

B)-O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante em relação à medida de proteção do menor, R, consistem em saber se a) deve ser fixado o efeito suspensivo ao recurso (conclusão A), b) o tribunal ignorou os relatórios médicos do Dr. António ... e violou ostensivamente os art.ºs. 4.º, als. a), e), g), h) e j) e 91.º e 92.º da Lei 147/99, uma vez que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, art. 4.º, e), a intervenção deve ser a necessária e a adequada, a medida de acolhimento não é necessária, uma vez que o menor tem acompanhamento médico, em Portugal (Dr. António ...) e no estrangeiro (Clínica ... Medica), pelo que o seu acolhimento em instituição não é necessário para que esse acompanhamento médico se verifique, não é sequer adequado, uma vez que tornará o menor num prisioneiro do tribunal, com pernoitas fora do seu local de segurança e conforto, sem os seus pais, é desproporcional, na medida em que porá em risco de vida, 4.º, g), a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas, 4.2, h), deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, 4.2, j), os pais e crianças têm direito a ser ouvidos (conclusões B a T), c) ao alterar a medida vigente, o tribunal violou os arts. 91.º e 92.º, uma vez que o alegado perigo se mantém inalterado desde o início do processo (conclusão Y).
Conhecendo.
1)-Quanto à primeira questão, a saber, se deve ser fixado o efeito suspensivo do recurso.
O tribunal a quo fixou à apelação o efeito meramente devolutivo, fundamentando esta sua decisão, como é apanágio das decisões judiciais.
A confirmação ou a alteração desse efeito no tribunal ad quem compreende-se nas funções do Relator, como decorre do disposto na al. a) do art.º 652.º, do C.P. Civil - Ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: a) Corrigir o efeito atribuído ao recurso- que as exerceu na fase processual própria, ordenado a notificação da sua decisão às partes, a ser realizada com a que vier a ser feita deste acórdão, atenta a natureza urgente dos autos.
O conhecimento direto desta questão da apelação encontra-se, pois, prejudicada pelo disposto na citada a) do art.º 652.º, do C.P. Civil.
2)-Quanto à segunda questão, a saber, se o tribunal ignorou os relatórios médicos do Dr. António ... e violou ostensivamente os art.ºs. 4.º, als. a), e), g), h) e j) e 91.º e 92.º da Lei 147/99, uma vez que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, art. 4.º, e), a intervenção deve ser a necessária e a adequada, a medida de acolhimento não é necessária, uma vez que o menor tem acompanhamento médico, em Portugal (Dr. António ...) e no estrangeiro (Clínica ... Medica), pelo que o seu acolhimento em instituição não é necessário para que esse acompanhamento médico se verifique, não é sequer adequado, uma vez que tornará o Menor num prisioneiro do tribunal, com pernoitas fora do seu local de segurança e conforto, sem os seus pais, é desproporcional, na medida em que porá em risco de vida, 4.º, g), a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas, 4.2, h), deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, 4.2, j), os pais e crianças têm direito a ser ouvidos.
Na amplitude com que é formulada, por referência à violação dos princípios orientadores da decisão do tribunal em prol da promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, que lhe é cometida, desde logo, pelo art.º 1.º, da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), esta questão traduz-se, afinal, na imputação de erro de julgamento à decisão sob recurso, a qual não corresponderá, segundo a apelante, à promoção dos direitos e proteção do menor R.
Não obstante esta direta e extensa imputação, o certo é que, tendo o tribunal a quo fixado a matéria de facto que se encontra provada nos autos, a apelante não a impugna nesta apelação, com ela se conformado.
Nestas circunstâncias processuais, é perante essa factualidade e não outra que deverá ser aferido o acerto ou desacerto da decisão da primeira instância.
Perante ela, desde logo, se configura como desprovido de qualquer fundamento de facto e de pertinência legal o aduzido sob as conclusões
W- O tribunal ameaça os parentes do menor com processos por desobediência, condena os pais em multa por faltarem a atos onde não eram obrigados a estar – porque isso não lhes foi comunicado, nem foi cominada a condenação em multa em caso de falta –, dá por certas conclusões de clínicos que se desconhecem (“Dr.ª Sara”), ignora relatórios médicos por clínicos que acompanham efetivamente o R, o que é grave e demonstra um desrespeito pelo superior interesse do menor, pondo em causa a imparcialidade que deve estar subjacente à atuação de qualquer magistrado, o que se alegará em sede própria
e
Z- Acresce que o alegado relato da Dr.ª Sara de existência de pressão sobre uma veia não se baseia em nenhum exame a que o R tenha sido submetido, o que deveria ter sido devidamente indagado pelo tribunal antes de determinar a execução de uma medida tão gravosa quanto aquela que decidiu implementar
que por isso não colherão a apreciação deste Tribunal da Relação.
Tendo, pois, em atenção a matéria de facto pertinente para apreciação da apelação, acima descrita, podemos desde já afirmar que não assiste razão à progenitora apelante e que a medida decidida pelo tribunal a quo corresponde à prossecução dos direitos do menor, relativos ao seu direito à vida e proteção da saúde, consagrados no art.ºs 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e à proteção que, como pessoa jurídica distinta dos seus progenitores, lhe é devida, como decorre dos art.ºs 2.º, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP, entre outros, cuja aplicação não é postergada pela relação de paternidade/filiação a que também se reporta o n.º 6, do art.º 36.º, da mesma CRP e cuja limitação, quer na perspetiva dos direitos e deveres dos progenitores, quer na perspetiva da intervenção da República Portuguesa no âmbito dessa relação.
Este enquadramento constitucional reportado à factualidade acima descrita permite, desde já, firmar o princípio segundo o qual o dever dos pais de prover à saúde dos filhos, estabelecido pelo n.º 1, do art.º 1878.º, do C. Civil, não pode ser confundido com um direito próprio e absoluto destes no provimento das necessidades de saúde, devendo o cumprimento desse dever ser aferido pela República em face das realidades que em cada momento lhe impõem a ação adequada. 
Aliás, o incumprimento por parte dos progenitores dos seus deveres de proverem à saúde dos filhos, podendo determinar a inibição do exercício das responsabilidades parentais, como previsto no art.º 1913.º, do C. Civil e de exigir a aplicação de outras medidas inibitórias, como previsto no art.º 1918.º, do C. Civil, é ainda suscetível de determinar a intervenção coactiva pública própria do direito criminal, haja em vista, entre outros, o disposto nos art.ºs 137.º, art.º 144.º, na al. d), 148.º e no art.º 150.º, do C. Penal.
Com este enquadramento legal de fundo, que, a ter sido presente na altura própria, teria proporcionado, primeiramente, uma percepção legalmente correta da intervenção do tribunal a quo em relação ao menor e em segundo lugar teria inibido a disléxica imputação sob a conclusão W da apelação, importa agora analisar cada um dos fundamentos de erro de julgamento imputados à decisão sob recurso.
Quanto ao interesse do menor, princípio transversal e nuclear a que se reporta a al. a), do art.º 4.º, da LPCJP.
O menor está afetado de doença grave, como consta, entre outros, sob os n.ºs 7, 9, 13, 23.º-A, e 32 da matéria de facto acima descrita, a qual exige que lhe sejam dispensados os tratamentos médicos adequados.
O que sejam os tratamentos médicos adequados deve ser aferido em face do conhecimento médico, objetivo, conhecido, da respetiva especialidade.
Esgotados estes, não se poderá/deverá descartar a possibilidade de tratamentos médicos em fase de implementação, situação que, todavia, se não configura nos autos.
Ora, como decorre, entre outros, dos n.ºs 14, 16, 26, 32, 36 da matéria de facto pertinente, perante uma concreta possibilidade de prestar ao menor os tratamentos de especialidade que lhe eram adequados, os progenitores têm vindo a omitir a prática dos atos necessários para que o mesmo receba o tratamento médico que lhe é devido, como demonstram os factos sob os n.ºs 3 a 5, 10, 13, 15, 17 a 19, 22, 23,25, 27 a 31 e 58 da mesma matéria de facto.
Em vez dos tratamentos médicos da especialidade que se impõe, de acordo com o estado atual da evolução da medicina, sem fundamento objetivo e racional para o efeito, uma vez que inexistem nos autos sequer indícios de ineficácia da especialidade, a progenitora, a par da referida omissão, recorreu aos serviços de um clinico geral, sem canal de comunicação com a especialidade em causa (factos sob os n.º 18 e 21) e a serviços médicos estrangeiros que se afiguram em fase experimental (facto sob o n.º 30).
Não cabe no âmbito desta apelação tomar qualquer decisão sobre a valia dos serviços médicos prestado pelo Exm.º Clinico em causa, que exercerá a sua profissão segundo as legis artis, aplicando o melhor do seu saber, como também não temos que tomar qualquer decisão sobre os serviços prestados pela entidade a que se reporta o facto sob o n.º 30, sobre os quais partilharemos da esperança comum nos avanços da medicina, uma vez que nestes autos não está em causa o confronto de veredictos médicos no que respeita aos cuidados de saúde de que o menor necessita.
O que está em causa é saber se a progenitora recorrente omite em relação ao menor os cuidados médicos que lhe devem ser dispensados e a resposta a essa questão não pode deixar de ser positiva uma vez que o interesse do menor está em receber o tratamento médico que, objectivamente, em face do estado de evolução da medicina, lhe é devido, e omitindo estes a progenitora se propõe prestar ao filho um tratamento, que diríamos intuitivo e até de alvitre, na medida em que ela, sem fundamento objetivo, “acha” que é o melhor.
Ora, o quadro legal acima aflorado não lhe permite que, na sua qualidade genética de progenitora e na sua qualidade sócio legal de mãe, faça essa opção em relação ao filho.
Como mãe, a apelante deve ao filho o cuidado médico objetivo, que tem omitido, e que determinou a decisão sob recurso, em ordem a que o menor seja tratado segundo as legis artis da medicina e não segundo as suas convicções.
Não podemos, pois, deixar de concluir que a decisão sob recurso acautela o interesse do menor a que se reporta a al. a), do art.º 4.º, da LPCJP.
E acautela também os princípios estabelecidos pelas als. e), g), h) e j), do art.º 4.º, e nos art.ºs 91.º e 92.º da LPCJP.
Com efeito, atenta a continua omissão da apelante, a medida aplicada configura-se como um medida mínima, a que se espera que corresponda a alteração de paradigma de atitude da apelante na assunção da sua cidadania e maternidade, uma vez que o tratamento médico de que o menor necessita se não limita a seis meses.
Essa mesma medida não põe em causa a prevalência da família, entendida esta na perspectiva comum de um bonus pater familiae e no âmbito do ordenamento jurídico em que vivemos e não em qualquer outra perspectiva e também não põe em causa as relações psicológicas no âmbito da relação de filiação/maternidade/paternidade.
E como decorre da totalidade da matéria de facto supra e da globalidade dos autos, se algo neles não tem faltado é a predisposição a ouvir os intervenientes, entre eles, a apelante, que em consonância com o seu reiterado comportamento omissivo descrito nos autos, omitiu também a sua presença na audiência a que se reporta o facto sob o n.º 58, o que, aliás, o Ministério Público expressamente realça nas suas contra-alegações.
Por tudo que fica exposto, não pode, pois, esta segunda questão deixar de improceder, o que se declara.
3)-Quanto à terceira questão, a saber, ao alterar a medida vigente, o tribunal violou os art.ºs 91.º e 92.º, uma vez que o alegado perigo se mantém inalterado desde o início do processo.
A apelante não explicita esta sua conclusão, balizando as respectivas premissas em face da factualidade relevante para decisão da apelação.
Ora, a matéria de facto acima descrita permite concluir que a necessidade da medida decretada tem vindo a assumir a urgência determinada pela reiterada omissão do tratamento médico devido ao menor, cujas afeções de saúde se não compadecem com essa omissão, como abordado na questão anterior.
No mais, em especial na questão de sabermos se a decisão recorrida deveria ter sido adiantada no tempo, ou seja, proferida antes, tal como acima explicitado (introito de B) O DIREITO APLICÁVEL), por não integrar o objeto da apelação, não poderá este Tribunal da Relação pronunciar-se.
Improcede, pois, também esta terceira questão da apelação e com ela a própria apelação.

C)- SUMÁRIO
1. O dever dos pais proverem à saúde dos filhos, estabelecido pelo n.º 1, do art.º 1878.º, do C. Civil, não pode ser confundido com um direito próprio e absoluto dos progenitores.
2. O incumprimento desse dever pelos progenitores, podendo determinar a inibição do exercício das responsabilidades parentais, como previsto no art.º 1913.º, do C. Civil e de exigir a aplicação de outras medidas inibitórias, como previsto no art.º 1918.º, do C. Civil, é ainda suscetível de determinar a intervenção coactiva pública própria do direito criminal, haja em vista, entre outros, o disposto nos art.ºs 137.º, 144.º, al. d), 148.º e 150.º, do C. Penal.
3. Estando o filho menor afetado de doença grave que exige lhe sejam administrados tratamentos médicos de especialidade, omitindo os progenitores a prática dos atos necessários para que o mesmo os receba e recorrendo, em vez deles, aos serviços de um clinico geral, sem canal de comunicação com a especialidade em causa e a serviços médicos estrangeiros em fase experimental, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial pelo período de 6 (seis) meses para recebimento desses tratamentos de especialidade corresponde ao superior interesse do menor na prossecução dos seus direitos relativos à vida e proteção da saúde, consagrados nos art.ºs 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e à proteção que, como pessoa jurídica distinta dos seus progenitores lhe é devida, como decorre dos art.ºs 2.º, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP, cuja aplicação não é postergada pela relação de paternidade/filiação a que se reporta o n.º 6, do art.º 36.º, da mesma CRP.

3.– DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 21-03-2024


(Orlando Santos Nascimento)
(José Manuel Monteiro Correia)
(Inês Moura)