Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
131/21.3T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
PEDIDO DE CONDENAÇÃO EM QUANTIA CERTA
RESPONSABILIDADE CIVIL
MEDIADOR
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- O que importa, para efeitos de aferir se determinada decisão condena ultra petita (art.º 615º nº 1, al. e)) é, não tanto o objecto imediato/providência peticionada, mas mais o objecto mediato; ou seja, o que releva não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar.
2- Não sendo atendidas as alterações à matéria de factos invocados pela autora e, baseando-se a pretensão de revogação da sentença apenas nessas alterações de facto, fica sem fundamento o recurso, ocorrendo uma situação de inviabilidade do recurso: os pressupostos de facto em que se assenta não se verificam.
3- O facto de o autor ter formulado, na acção declarativa de condenação, um pedido de indemnização líquido, não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente desde que os elementos de facto revelem a existência de um dano embora insuficientes para a sua quantificação.
4- Aceitando mediar a celebração de contrato de arrendamento de prédio urbano, a ré, enquanto profissional, tinha o dever de conhecer as normas do art.º 1070º do CC e do art.º 2º desse DL 160/2006, de 08/08,  e da inerente obrigatoriedade da existência de licença de utilização para permitir a conclusão do contrato, no qual, de resto, deve constar a respectiva indicação, número, data e entidade emitente.
5- A inobservância do disposto nas alíneas do nº 1 do art.º 17º do RJAMI – que estabelece deveres de protecção destinada a proteger interesses dos destinatários - que se revele causadora de danos, é susceptível de conduzir à responsabilidade civil da empresa de mediação imobiliária por via do disposto no art.º 483º nº 1, 2ª parte, do CC.
6- A autora enquanto empresa de turismo com destaque para a actividade de Alojamento Local, também tinha o dever de conhecer a obrigatoriedade de constar no contrato de arrendamento a existência de licença de utilização do locado e que, sem licença de utilização, não lhe era possível obter licenciamento da actividade de Alojamento Local e de abrir o estabelecimento.
7- Tinha, pois, a autora, o dever de indagar sobre a existência dessa licença de utilização e, não existindo o documento, podia optar por não celebrar o contrato ou, correr o risco da sua celebração.
8- A “assunção do risco” traduz, essencialmente, a atitude do lesado de se expor a um perigo típico ou específico que devia ser conhecido, sem a isso ser obrigado, mas conservando a esperança de o perigo não se concretizar em dano.
9- Há uma situação de concurso de culpa do lesado na produção dos danos que, no caso, o facto culposo da autora (lesada) contribuiu, em maior grau, para a produção dos seus próprios danos, decorrentes da impossibilidade de abrir, logo a 01/02/2020, o Alojamento Local (e desenvolver as demais actividades).
10- A esta luz, entendemos, ao abrigo do art.º 570º nº 1 do CC, fixar a culpa da autora numa percentagem de 70% e, da ré em 30% dos danos sofridos pela autora, com o retardamento da abertura do Alojamento Local.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

1- SI, Lda, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra MMI, Lda – havia instaurado a acção também contra RMI, Lda, mas desistiu da instância contra esta, desistência homologada por sentença – pedindo:

- A condenação da ré no pagamento de 345.515,73€; e, por ampliação do pedido, também a condenação da ré a pagar juros de mora, desde a notificação da ampliação do pedido, à taxa legal, até integral cumprimento.

Alegou, em síntese, que tem como actividade, entre outras, a exploração de alojamento mobilado a turistas que desenvolvia em imóvel sito na Rua do Possolo. A ré, no âmbito da sua actividade de mediação imobiliária, tinha em carteira uma moradia para arrendar sita na Encosta do Restelo. A autora contactou a ré e visitaram essa moradia, explicando a autora que a pretendia destinar a Alojamento Local; após negociações entre autora, a ré e a proprietária da moradia foi alcançado acordo de contrato de arrendamento à autora. O contrato de arrendamento foi minutado pela ré, ficando estabelecido que o locado se destinava a Alojamento Local e, assinado a 10/12/2019. Mercê da celebração deste contrato, a autora denunciou o contrato de arrendamento da Rua do Possolo e iniciou obras na moradia para a adaptar ao fim acordado. Ao tentar obter licenciamento, junto da Câmara Municipal de Lisboa, para o exercício da actividade de Alojamento Local, a autora apurou que a moradia dada de arrendamento não tinha licença de utilização; a ré não podia desconhecer que a moradia cujo arrendamento mediou não tinha licença de utilização. A autora ficou impossibilitada de exercer a sua actividade na moradia arrendada. Entretanto, apenas em 16/07/2020 foi emitida a licença de utilização da moradia e, por isso, a autora apenas logrou obter o licenciamento para Alojamento Local a 22/08/2020. A ré estava legalmente obrigada a certificar-se se o imóvel cujo arrendamento mediou possuía licenciamento. A moradia tinha maior capacidade de exercício de actividade de Alojamento Local do que o hostel da Rua do Possolo, em cerca de 7%. As receitas do hostel da Rua do Possolo entre 1/02/2019 e 22/08/2019 foram de 44.831,93€, sendo expectável que para igual período de tempo, entre 1/02/2020 e 22/08/2020 a autora obtivesse receitas na moradia da Encosta do Restelo de 47.970,16€.
Por outro lado, a autora desenvolve programas de voluntariado em várias cidades, incluindo Lisboa; no período de 01/02/2019 a 31/08/2019 a autora facturou, no hostel da Rua do Possolo, com essa actividade de voluntariado, 251.757,87€; a impossibilidade de utilizar a moradia da Encosta do Restelo por igual período causou um prejuízo à autora de 251.757,87€. Em refeições que deixou de servir naquele período, a autora teve um prejuízo de 42.965,50€. A impossibilidade de utilizar os espaços para actividades que estavam previstas implicou uma perda de lucro de 2.822,20€. No total, a autora teve um prejuízo correspondente aos lucros cessantes, de 345.515,73€.

2- Citada a ré contestou.
Nega terem sido os seus serviços jurídicos a inserir a cláusula do contrato de arrendamento relativa à finalidade do contrato. Os serviços jurídicos da autora tinham a possibilidade de verificar a existência, ou não, de licença de utilização da moradia. Não cabia à ré assegurar-se que o imóvel tinha licença de utilização. Além disso, o documento que a ré remeteu à autora substituía a licença de utilização. Por outro lado, não pode ser imputável á ré a demora na emissão de licença de utilização que, por regra, ocorre em 10 dias. Não são aplicáveis ao caso dos autos as normas do DL 77/99 de 16/03, por ter sido revogado em 2004. Impugna os valores de perdas de ganhos alegados pela autora.
Pugna pela improcedência do pedido.

3- A 08/04/2021 a autora deduziu ampliação do pedido, pedindo a condenação da ré a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data da formulação do pedido.
Essa ampliação do pedido foi admitida por despacho de 17/12/2021.

4- Foi dispensada a realização de audiência prévia.
Saneado tabelarmente o processo, foi fixado o valor da causa, indicado o objecto do litígio e os temas de prova.

5- Teve lugar a audiência final, realizada a 19/04/2023 e, com data de 24/06/2023 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Decisão:
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a indemnizar a Autora pelo valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a determinar em incidente de liquidação de sentença, até ao limite do valor peticionado (devendo ser levado em conta as limitações que decorreram para a actividade da Autora provenientes da situação de pandemia que se viveu nesse período e consequente redução da margem de lucro que daí adveio), acrescendo os juros moratórios desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo pagamento, à taxa legal supletiva, aplicando-se, actualmente, a taxa de 4 % (Portaria 291/2003, de 08/04), sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas que venham a vigorar aos juros corridos na vigência desses novos normativos.
Custas por Autora e Ré, fixando-se provisoriamente a sua responsabilidade em 50% para a Autora e 50% para a Ré.”

6- Inconformada, a autora interpôs recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente imputa à Sentença agora colocada em crise, os seguintes vícios: 
a) Erros na decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no que tange aos factos dados como não provados com os n.ºs 1, 2, 3, 5, 6 e 7.
b) Consequentemente, impõe-se a reformulação da decisão, em conformidade com as alterações à decisão sobre a matéria de facto que deverá ser dada como provada, mais concretamente, por se revelar possível determinar o montante da indemnização a atribuir à Autora;
c) Finalmente, a Sentença recorrida condena a Recorrida em objecto diverso do pedido, mais concretamente, "a indemnizar a Autora pelo valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a liquidar em incidente de liquidação de sentença" quando deveria ter condenado a Ré a indemnizar a Autora pelos danos e prejuízos causados, correspondente às receitas por esta perdidas no referido período (subtraindo o montante correspondente à redução das despesas apurado).
I — Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (Factos não provados)
1 — Factos não provados nºs 1 e 3
2. O Douto Tribunal a quo considerou como não provado que as despesas com a mão-de-obra e equipamentos para a exploração do hostel no período a que se reportam os prejuízos (1 Fevereiro de 2020 a 22 de Agosto de 2020) se tenham mantido ou tenham aumentado, em relação às despesas do mesmo período de 2019.
3. Porém, da fundamentação constante da Douta Sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo desconsiderou por completo os documentos que a Recorrente juntou através do Requerimento Probatório de 29 de Março de 2023, com a referência Citius 35531106.
4. Do Documento n.º 5 (Doc. n.º 10 de acordo com o Citius) desse Requerimento Probatório, resulta de forma cristalina que a Recorrente suportou em custos operacionais em todo o exercício do período de 2020, o total de €390.631,10 (trezentos e noventa mil e seiscentos e trinta e um euros e dez cêntimos) e do Documento n.º 15 junto com a Petição Inicial, extrai-se que os custos operacionais totais do período de 2019 foram de €428.151,11 (quatrocentos e vinte e oito mil e cento e cinquenta e um euros e onze cêntimos).
5. Do confronto entre os referidos documentos conclui-se que a Recorrente, entre os anos de 2019 e 2020, viu as suas despesas de operação diminuir em €37.520,01 (trinta e sete mil e quinhentos e vinte euros e um cêntimo).
6. Pelo que, contrariamente ao decidido, era perfeitamente possível ao Tribunal a quo calcular a diferença entre as despesas globais de 2019 e 2020, e condenar a Recorrida em quantia certa, conforme se impõe.
7. In verbis, quanto aos factos não provados n.ºs 1 e 3, deve efectivamente ser considerado não provado que a Autora tenha mantido ou aumentado as suas despesas de operação, registando-se como provado que teve uma redução nos seus custos no valor de €37.520,01 (trinta e sete mil quinhentos e vinte cêntimos e um cêntimo).
2. Facto não provado nº 2
8. O Tribunal a quo considerou como não provado que a receita projectada da Autora para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 22 de Agosto de 2020, fosse de €47.970,16 (quarenta e sete mil novecentos e setenta euros e dezasseis cêntimos).
9. A fundamentação do Tribunal a quo confundiu duas alegações distintas da Autora: (i) a previsão de receitas para 2020 e (ii) a perda de receitas em 2020.
10. No que se refere à previsão de receitas ("receita projectada" na terminologia utilizada pelo Douto Tribunal a quo na sua decisão quanto a este facto), é razoável esperar que a facturação do Hostel a instalar na moradia objecto dos presentes autos seria 7% superior à do Hostel da Rua do Possolo, face à existência de mais 3 camas, à possibilidade de exploração de novos serviços, tais como programas de voluntariado, café/bar e restaurante e dinamização de novas actividades, e face à manutenção dos preços praticados anteriormente.
11. Isso mesmo resulta de forma clara e evidente das declarações de parte da Representante Legal da Recorrente (RM), quando inquirida para explicar os cálculos constantes dos autos (do minuto 08:20 ao minuto 09:53 das referidas declarações).
12. Quanto à efectiva perda de receitas, é evidente que o Tribunal a quo tem razão ao concluir que o exercício de 2020 não é comparável com o de 2019, não sendo provavelmente comparável com mais nenhum ano da história da humanidade, porque nunca tinha havido uma pandemia com semelhantes efeitos económicos.
13. Pelas razões apresentadas, quanto ao facto não provado n.º 2, e face à prova produzida acima identificada, designadamente as declarações de Parte da Representante Legal da Autora, RM, impõe-se que seja dado como provado que a Autora projectou para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 22 de Agosto de 2020 uma receita de €47.970,16 (quarenta e sete mil novecentos e setenta euros e dezasseis cêntimos) relativa à venda de estadias (noites) no Alojamento Local IH.
14. Quanto às receitas efectivamente perdidas pela Autora, compete ao Tribunal decidir, fixando a indemnização equitativamente, conforme determina o art.º 566.º, n.º 3 do Código Civil.
3 — Facto não provado n.º 5
15. O Tribunal a quo considerou como não provado que a Autora tenha perdido toda a receita prevista para os programas de voluntariado que deixou de realizar entre fevereiro e agosto de 2020 (no valor de €251.757,87).
16. É evidente que a Autora perdeu toda a receita relativa aos programas de voluntariado pelo facto de não ter podido abrir ao público, como consequência directa das acções praticadas pela Ré, sendo igualmente evidente que essa receita dificilmente seria igual à do mesmo período de 2019, devido à pandemia de Covid-19.
17. Isso mesmo resulta das declarações de Parte da Representante Legal da Recorrente, RM (do minuto 10:15 ao minuto 10:55 das referidas declarações).
18. Por esse motivo, quanto ao facto não provado n.º 5, e face à prova produzida acima identificada, impõe-se que seja dado como provado que a Autora tinha previsto para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 31 de Agosto de 2020 uma receita de €251.757,87 (duzentos e cinquenta e um mil setecentos e cinquenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos) relativa aos programas de voluntariado.
19. Quanto às receitas efectivamente perdidas pela Autora, compete, mais uma vez, ao Tribunal decidir, fixando a indemnização equitativamente — conforme determina o art.º 566º, nº 3, do Código Civil.
4 — Facto não provado nº 6
20. O Tribunal a quo considerou como não provado que a Autora tenha perdido lucros no valor de €42.955,50 (quarenta e dois mil novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos).
21. Como é evidente, tendo o café/restaurante fechado, a Autora não adquiriu os produtos (matéria-prima) relativos às refeições a confeccionar.
22. Por esse motivo, quanto a este pedido em particular, a Autora peticionou a margem de lucro perdida, correspondente à diferença entre as despesas (que não suportou, mas que suportaria se tivesse aberto o estabelecimento ao público) e as receitas que deixou de auferir.
23. Por não ter suportado despesas relativas à confecção das refeições, não pode ser exigido à Autora que apresente prova material dos custos com essas refeições, pelo que deve ser considerada bastante a prova testemunhal e documental produzida.
24. Resulta das declarações de Parte do Representante Legal da Recorrente, RM, quando instada para explicar os cálculos (do minuto 11:16 ao minuto 11:40 das referidas declarações), que a previsão foi feita com base no "food cosi" referindo-se ao "Food Cost Analysis" constante do Plano de Negócios da Autora (Doc. n.º 25 junto com a Petição Inicial).
25. Por esse motivo, quanto ao facto não provado n.º 6, e face à prova produzida acima identificada, impõe-se que seja dado como provado que a Autora tinha previsto para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 31 de Agosto de 2020 o lucro de €42.955,50 (quarenta e dois mil novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) relativo aos serviços do café/bar e restaurante.
26. Sendo que, também quanto a este item, e uma vez que não será possível, em sede de liquidação de Sentença, apurar o prejuízo concreto da Autora, sempre competirá ao Tribunal decidir, fixando a indemnização equitativamente —conforme determina o art.º 566.º, nº 3, do Código Civil.
5 — Facto não provado nº 7
27. O Tribunal considerou como não provado que a Autora tenha perdido lucros no referido valor, fundamentando a decisão nos seguintes termos:
28. Sucede, todavia, que todos os custos de operação da Autora foram calculados para o funcionamento do hostel na sua globalidade, dirigido essencialmente para o alojamento local, os programas de voluntariado e o café/bar restaurante.
29. Não é possível saber o custo de energia e limpeza de uma única sala destinada às actividades descritas na Petição Inicial (judo, dança, ioga, boxe, etc.) de um hostel composto por 44 camas (facto provado nº 32), com 950m2 de área construída e 1600m2 no total (com jardim, piscina, etc. — facto provado nº 36).
30. Neste contexto, não pode ser exigido à Autora que apresente prova material dos custos com de limpeza e energia de uma única sala, tratando-se de prova impossível.
31. As declarações de Parte da Representante Legal da Recorrente, RM (do minuto 11:41 ao minuto 12:11 do depoimento prestado) confirmam a receita expectável de €2.822,20 (dois mil e oitocentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos).
32. Pelo que, quanto ao facto não provado nº 7, impõe-se que seja dado como provado que a Autora tinha previsto para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 31 de Agosto de 2020 o lucro de €2.822,20 (dois mil oitocentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos) relativa à dinamização de actividades.
33. Caso assim não se entenda, também quanto a este item, e uma vez que não será possível, em sede de liquidação de Sentença, apurar o prejuízo concreto da Autora, compete ao Tribunal decidir, fixando a indemnização através da equidade — conforme determina o art.º 566.º, nº 3, do Código Civil.

II — A decisão que decorre da alteração que se impõe à matéria de facto
34. O Tribunal a quo condenou a Recorrida no pagamento de uma indemnização a ser calculada em liquidação de sentença em virtude de entender que o "processo não fornece todos os dados necessários para efectuar esse cálculo".
35. Da análise dos factos não provados n.ºs 1 e 3 deve concluir-se que no ano de 2020 a Autora reduziu as suas despesas em €37.520,01 (trinta e sete mil quinhentos e vinte cêntimos e um cêntimo), em relação a 2019.
36. Pelo que, mesmo se se admitir que toda essa redução de despesas se deveu à circunstância de o estabelecimento não ter aberto ao público durante o período compreendido entre 1 de Fevereiro e 22 de Agosto de 2020, à indemnização que é devida à Recorrente (e corresponde à totalidade da perda de receitas verificada) só poderia ser reduzido o equivalente à totalidade da redução das despesas (ou seja, €37.520,01).
37. Verificou-se igualmente, no que respeita aos factos não provados nºs 2, 5, 6 e 7, que as dificuldades de prova que o Douto Tribunal a quo identificou não poderão ser ultrapassáveis em sede de liquidação de sentença, porque não é possível liquidar de modo contabilístico qual teria sido a facturação da Autora, num ano totalmente distinto de todos os demais devido ao impacto do Covid-19.
38. Nem é possível apurar contabilisticamente quais teriam sido as despesas que a Autora não teve relativas ao funcionamento do café/bar e restaurante, ou os custos de funcionamento de uma sala num hostel com 44 camas (facto provado n.º 32), com 950m2 de área construída e 1600m2 no total (com jardim, piscina, etc. — facto provado n.º 36).
39. Para definir o quantum da indemnização em situações de lucros cessantes deve atender-se apenas a critérios de probabilidade, sendo certo que era expectável e provável que as receitas da Recorrente se mantivessem no ano de 2020 (vide artigo 564.º do Código Civil), sendo naturalmente atendível alguma matização, decorrente do impacto da pandemia de Covid-19 em alguns dos itens peticionados.
40. Impõe-se, portanto, como consequência directa da impossibilidade de apurar contabilisticamente alguns custos e receitas, que o Tribunal fixe equitativamente o montante da indemnização a atribuir à Autora através de um critério de probabilidade, conforme resulta dos arts.º 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil.

III — Nulidade da Sentença por condenação em objecto diverso do pedido
41. O Tribunal a quo condenou a Recorrida "a indemnizar a Autora [aqui Recorrente] pelo valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a determinar em incidente de liquidação de
sentença, até ao limite do valor peticionado (...)".
(Destaque nosso)
42. De acordo com a decisão do Tribunal a quo, ao valor do pedido formulado na Petição Inicial (€345.515,73 — que corresponde às receitas que a Autora deixou de receber) deveriam ser subtraídas todas as despesas com os "custos operacionais" do negócio da Recorrente, tornando-se indemnizável apenas o lucro projectado ao invés da receita projectada (conforme havia sido pedido pela Recorrente).
43. Na opinião da Recorrente, o Tribunal a quo olvidou completamente a pretensão da Recorrente e condenou a Recorrida em objecto diverso, que resultará em montante muitíssimo inferior ao prejuízo causado pela sua actuação.
44. Conforme facilmente se constata, a actuação da Recorrida conduziu a que a Recorrente perdesse todas as receitas previstas, e a que teria direito não fossem os factos da responsabilidade da Recorrida.
45. Mas o Tribunal a quo esqueceu-se que a Autora manteve a generalidade das suas despesas — aliás, como se verificou supra, a Autora reduziu as suas despesas em €37.520,01 (trinta e sete mil quinhentos e vinte cêntimos e um cêntimo), correspondente à
diferente entre as despesas de 2020, no montante de €390.631,10 e as de 2019, que foram de €428.151,11.
46. A margem de lucro, como se sabe, corresponde ao saldo entre as despesas de operação e as receitas produzidas por determinada actividade.
47. Por isso, para que a margem de lucro da Recorrente seja reposta (conforme a Autora tem direito e o Tribunal a quo efectivamente reconhece), não basta condenar a Recorrida ao pagamento da margem de lucro. É necessário condená-la ao pagamento das receitas perdidas (descontando a apurada redução das despesas de operação).
48. Ou seja, mesmo admitindo que a Autora possa ter obtido uma redução das suas despesas de operação, do ponto de vista conceptual, a Douta Sentença recorrida padece de um erro grave, ao condenar a Ré "a indemnizar a Autora pelo valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a liquidar em incidente de liquidação de sentença" quando deveria ter condenado a Ré a indemnizar a Autora pelos danos e prejuízos causados, correspondente às receitas por esta perdidas no referido período, deduzindo o montante correspondente à redução das despesas, no valor apurado de €37.520,01 (trinta e sete mil quinhentos e vinte cêntimos e um cêntimo).
49. Não restando dúvidas que a Recorrida deveria ser condenada no pagamento à Recorrente do montante de €307.995,72 (trezentos e sete mil e novecentos e noventa e cinco euros e setenta e dois cêntimos) (correspondente ao montante peticionado, deduzido em €37.520,01), relativo à redução das despesas — isto desconsiderando os efeitos da pandemia de Covid-19.
50. Lê-se no artigo 615.º n.º 1 al. e) do CPC, que são nulas as sentenças que condenem em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
51. Ora, o Tribunal a quo decidiu pela condenação da Recorrida em indemnização correspondente ao "valor da margem de lucro projectada", tendo preterido o pedido da Recorrente em condenar pelo valor das receitas perdidas.
52. Pelo que, impõe-se a declaração de nulidade da sentença ora recorrida por violação do artigo 615.º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil, devendo, em consequência, ser a Sentença substituída por decisão da qual resulte a condenação da Recorrida no pagamento das receitas perdidas pela Recorrente (deduzindo o montante equivalente à redução das despesas de funcionamento da Autora).
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, requer-se:
a) A reapreciação da matéria de facto, e a alteração da decisão proferida quanto aos factos não provados n.ºs 1, 2, 3, 5, 6 e 7;
b) Como consequência directa da alteração da decisão quanto aos factos não provados nºs 1, 2, 3, 5, 6 e 7, deve o Tribunal ter em consideração as receitas previstas pela Autora e a redução das respectivas despesas de operação, e condenar a Recorrida em montante a fixar equitativamente, através de um critério de probabilidade, conforme resulta dos artsº 564.º, nº 2 e 566º, nº 3, ambos do Código Civil.
E, em qualquer caso,
c) Deve a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação do artigo 615º nº 1 al. e) do CPC, devendo, em consequência, ser a Sentença substituída por decisão da qual resulte a condenação da Recorrida no pagamento das receitas perdidas pela Recorrente (deduzindo o montante equivalente à redução das despesas de funcionamento da Autora).

***

7- A ré, igualmente inconformada, interpôs também recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. A acção proposta pela Autora contra a Ré, nos termos expostos nos autos, não poderia ter sido julgada procedente, por total ausência de fundamentos de facto e de direito.
II. O Tribunal a quo não deveria ter dados como provados os factos elencados nos pontos 15., 21., 25., 26., 27., 28., 40., 43., 48., 51., 52., 53., e 57. da Matéria de facto dada como provada.
III. A Fundamentação apresentada na sentença a quo não é de forma alguma suficiente para que o Tribunal a quo tenha dado como provado os factos elencados nos pontos 15., 21., 25., 26., 27., 28., 40., 43., 48., 51., 52., 53., e 57. da Matéria de facto dada como provada.
IV. A Mma Juiz a quo desconsiderou por completo parte da prova produzida na Audiência de Julgamento, em particular o depoimento da testemunha Dra. MT – gerente da Senhoria “DP.”, representante da empresa proprietária do Locado em causa nestes autos.
V. A Mma. Juiz parece admitir que não existe licença de utilização, pois faz menção à explicação apresentada para Sra. Dra. MT que afirmou de forma peremptória que o locado ainda não tem licença de utilização, conforme registo áudio do depoimento da testemunha que afirmou aquela casa não tem licença de utilização nem pode ter.
VI. Não se compreende, assim, como pode a Mma Juiz a quo ter dado como provado que
A emissão da licença de utilização foi requerida em 12 de Fevereiro de 2020 e foi emitida em 16 de Julho de 2020 (Alvará de Utilização para Habitação n.º 320/UT-CML/2020, o que impediu o pedido de emissão da licença de alojamento local, imprescindível para a abertura do Hostel ao público, quando nenhuma licença foi ainda emitida até à data!
VII. O documento a que a Mma. Juiz se refere na fundamentação da sentença recorrida – Documento nº 13 junto com a PI – corresponde ao Alvará de Utilização, emitido por conta do Alvará de Construção que havia sido remetido à Autora pela Sra. R (junto como Documento nº 4 da Contestação).
VIII. Quando confrontada com o Documento nº 4 junto pela Ré com a Contestação – certidão emitida pela CML datada de 21 de Novembro de 2011 –, a Dra. MT confirmou que aquele era, à data, o único documento a considerar para os devidos efeitos legais em substituição da licença de utilização.
IX. O que resulta provado nos autos é que à data dos factos em análise na presente acção, a Autora já dispunha do documento que lhe permitia fazer o registo do imóvel junto da CML para efeitos de exercício da actividade de Alojamento Local.
X. O Alvará de Utilização nº 320/UT-CML/2020 junto aos autos como Documento nº 13:
Este alvará é emitido sob a condições de ser regularizada a descrição predial do respectivo prédio junto da Conservatória do Registo Predial, fixando-se para o efeito o prazo de 6 (seis) meses, devendo posteriormente ser emitido aditamento ao presente Alvará de Autorização Utilização.”
XI. Se o referido documento nº 13 fosse o que a Autora necessitava para fazer o registo do Locado para a actividade de Alojamento Local, prevemos que a Autora iria enfrentar um dos seguintes cenários:
a. A Autora não conseguiria fazer o registo tendo em conta que a validade da referida certidão é de 6 meses apenas; ou
b. A Autora faria o registo, mas, entretanto, o mesmo caducaria no prazo de 6 meses por não ter sido possível apresentar a licença de utilização.
XII. O estabelecimento da Autora continua a funcionar no Locado, nos mesmos termos em que funcionava em 2020, mesmo não tendo licença de utilização!
XIII. Uma licença de utilização de um imóvel não se obtém em 10 dias úteis por mero requerimento feito à CML. A emissão de tal licença só é possível após a verificação pelas entidades competentes, através de inspecção ao imóvel em causa, de que todas as condições de habitabilidade estão preenchidas e, como tal, o imóvel pode ser utilizado para o propósito requerido (no caso, habitação).
XIV. Contrariamente ao que é referido no artigo 53 da matéria de facto dada como provada, não resulta provado dos autos que a impossibilidade de a Autora desenvolver a sua actividade entre 1 de Fevereiro de 2022 e 22 de Agosto de 2022, foi “imposta pela falta da licença de utilização”.
XV. Não resulta da prova produzida nos autos que a não realização do registo do imóvel para a actividade de Alojamento Local pela Autora logo após a celebração do contrato de arrendamento, se deve à ausência de licença de utilização. Como tal, não poderia o tribunal a quo ter dado como provado que:
A Autora ficou impossibilitada de abrir o estabelecimento ao público na data prevista, por falta de licença de utilização, sem a qual não podia requerer a emissão de licença para o alojamento local.”
XVI. O Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que
23. A Autora procurou, junto da Câmara Municipal de Lisboa (adiante abreviadamente CML), localizar a cópia da referida licença, não tendo obtido qualquer sucesso.
XVII. Não existe prova nenhuma de que a Autora procurou a licença de utilização na CML, mas apenas que perguntou pela licença à representante da Ré MR, e à representante da Senhoria!
XVIII. Consequentemente, os factos alegados nos pontos 22, 25 e 53 devem ser dados como “Não provados.”
XIX. A Autora formula vários pedidos contra a Ré com fundamento no disposto nos artigos 18º e 23º do DL 77/99 de 16.03, e do disposto no artigo 1070º do Código Civil. Não poderia, assim, o Tribunal a quo alterar as conclusões e fundamentações jurídicas da Autora.
XX. O Tribunal a quo não distingue entre a emissão de uma licença e a obtenção de certidão/cópia da licença. Por outro lado, é também evidente a confusão entre Alvará e Licença de utilização.
XXI. A Sra. Dra. MT teve a oportunidade de afirmar que o Locado “não tem licença de utilização” e de explicar que a impossibilidade de obter a licença de utilização “radicam num erro na escritura original que impede o registo do imóvel na conservatória do registo predial”.
XXII. Se, como refere a Autora, o denominado “Alvará de Utilização”, junto aos autos como Documento nº 13 da PI, foi o documento que permitiu obter a “licença de Alojamento Local”, permanecem as dúvidas quanto à real impossibilidade de a Autora fazer o registo do Locado para o exercício da actividade de Alojamento Local.
XXIII. A Mma Juiz a quo esquece-se que: a ausência da licença de utilização não impede que o mesmo seja arrendado para habitação; já que a Senhoria tinha um documento emitido pela própria CML, que substituía a licença de utilização para os devidos e legais efeitos, o qual foi junto com a Contestação e corresponde ao Documento nº 4 e foi disponibilizado à Autora, inclusive pela gerente da Senhoria.
XXIV. O Tribunal a quo desconsiderou por completo que, tal como referido pelas testemunhas, o imóvel foi publicitado pela RMI com vista ao “Arrendamento para Habitação” e não Arrendamento para desenvolvimento da actividade de Alojamento Local.
XXV. A Ré não violou o disposto no artigo 17º da Lei nº 15/2013 de 08.02, pelo que a Mma Juiz a quo não poderia concluir que a Ré não cuidou de assegurar que o imóvel tivesse a necessária licença de utilização para poder ser arrendado para o fim a que se destinava (o que facilmente poderia ser esclarecido junto da proprietária e mediante a análise da licença de construção existente que já constava dos seus arquivos), induzindo em erro a Autora, tratando-se de elementos relevantes para a celebração do contrato em causa, sendo que a A. não foi informada atempadamente da inexistência de licença.
XXVI. Tal como referido, o imóvel foi publicitado tendo em vista o Arrendamento para Habitação e foi a Autora que, depois de visitar o locado mesmo sabendo que o propósito do mesmo seria a habitação, solicitou a autorização da Senhoria para que o mesmo pudesse ser utilizado para Alojamento Local.
XXVII. Em momento algum a Autora questionou a Ré sobre os documentos do imóvel ou qualquer outra característica do mesmo, com relevância para o registo do Alojamento Local. Como tal, a Ré nada poderia omitir!
XXVIII. Cabia única e exclusivamente à Autora averiguar se o imóvel dispunha das características necessárias para o exercício da actividade de Alojamento Local, bem como informar a Ré de todos os documentos de que iria necessitar para o registo do mesmo, antes mesmo de celebrar o contrato de Arrendamento.
XXIX. Não poderia de forma alguma ser exigido à Ré que fosse esta a averiguar se a Autora poderia, ou não, registar o imóvel para o exercício da actividade de Alojamento Local ou se o imóvel dispunha de todos os documentos necessários para tal, quando a
alteração do uso do mesmo foi proposta pela própria Autora, ainda que não fosse esse o propósito da Senhoria e da RMI quando publicou o anúncio.
XXX. Ao concluir nos termos expostos na sentença recorrida, a Mma Juiz parece partir do pressuposto de que a Ré anunciou o arrendamento do imóvel para Alojamento Local e assegurou à Autora que tal actividade poderia ser exercida no imóvel, o que não faz sentido algum!
XXXI. Ainda que a Mma Juiz a quo pudesse considerar que o facto de a Autora ser assessorada por advogados não exclui a responsabilidade da Ré quanto à obrigação de se certificar que o imóvel dispunha de todos os documentos legalmente exigíveis para ser arrendado para habitação, a verdade é que este facto tem relevância no que diz respeito à avaliação das características do imóvel e possibilidade de registo do mesmo para a actividade de Alojamento Local.
XXXII. É a Autora quem determina que:
“(…) Em relação ao contrato assim que me enviar, valido com a nossa advogada e damos logo seguimento. Se poder assinar com a Dra. MT e deixar no nosso hostel (rua do Possolo), com a chaves, na sexta feira a primeira hora vou entregar onde lhe for oportuno.
Em relação aos pagamentos, podemos faze-los assim que se validar o contrato.)” – cuja cópia se junta como Documento nº 3 junto com a Contestação.
XXXIII. Autora já ter desenvolvido a mesma actividade anteriormente (ainda que na vertente de Hostel, conforme resulta do facto nº 4 da matéria de facto dada como provada), bem sabendo quais os documentos de que iria necessitar e procedimentos necessários para a realização desse registo. Tais factos são por demais relevantes na avaliação dos motivos do atraso no registo do AL, tendo em conta o efeito que a Autora alega que esse atraso teve no início da actividade do Alojamento Local. Consequentemente, tornam-se igualmente relevantes na avaliação da eventual responsabilidade da Ré na reparação dos danos invocados pela Autora decorrentes desse atraso.
XXXIV. Salvo melhor entendimento, caberia à Autora averiguar, antes mesmo de pedir a alteração da minuta de contrato para que fosse permitida a actividade de AL e de celebrar o contrato de arrendamento com a Senhoria, se lhe seria possível registar o
imóvel para a actividade de Alojamento Local. Não à Ré e ora Recorrente!
XXXV. Resulta provado nos autos, em particular pelo depoimento da Dra. MT que a Autora teve a oportunidade de se desvincular do contrato de arrendamento celebrado, mas optou por seguir em frente, mesmo sabendo que poderiam existir atrasos no processo.
A Autora tomou a decisão de forma livre e esclarecida, bem sabendo que não haveria nenhum prazo para que a licença esperada fosse emitida. Decidiram apostar nos contactos que tinham, esperando que tudo se resolvesse.
XXXVI. Ao fazê-lo, assumiram as consequências pela falta da licença que pretendiam, ainda que a mesma (como vimos) não fosse essencial para o registo do Alojamento Local e funcionamento do estabelecimento “Hostel”.
XXXVII. Como tal, não pode agora exigir que a Ré seja responsável por eventuais danos que alega ter sofrido pela demora na emissão do Alvará de utilização, já que a Autora teve a oportunidade de resolver o negócio.
XXXVIII. Face ao exposto, entende a Recorrente que não existem factos que sustentem a conclusão da Mma Juiz a quo quanto ao incumprimento da Ré dos deveres previstos no artigo 17º da Lei nº 15/2013 de 08.02. Como tal, também não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 483º do Código Civil referentes à responsabilidade civil extracontratual da Ré, pelo que devem os pedidos da Autora improceder na íntegra.
XXXIX. Os factos que constam do Ponto 16 da matéria de facto dada como “provada” não têm qualquer suporte na prova produzida, pelo que devem ser dados como não provados.
XL. De acordo com a Mma Juiz a quo, tal facto foi dado como provado com base nas declarações dos legais representantes da Autora, “que o confirmaram”. Em primeiro lugar, a Ré não estranha de forma alguma que os representantes legais da Autora tenham confirmado o facto por si alegado na Petição Inicial. Estranha, contudo, que o Tribunal a quo se tenha bastado com tais declarações.
XLI. O registo de estabelecimentos de alojamento local é efetuado mediante comunicação prévia com prazo dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente, nos termos do artigo seguinte.
XLII. Para o exercício da actividade de Alojamento Local, a Autora não tinha de pedir nenhuma “licença”. Bastava-lhe fazer o registo com recurso ao Balcão Único Electrónico, como resulta do nº 2 do citado artigo.
XLIII. A Autora não apresentou nenhum elemento de prova do referido contacto ou da impossibilidade de efectivação do registo do Alojamento Local junto da CML, por exemplo:
a. Uma notificação da Câmara Municipal de Lisboa, ou de qualquer outra entidade municipal, com a Oposição ao registo do Alojamento Local nos termos do artigo 6º;
b. Uma notificação para junção de documentos complementares; ou
c. Comunicação com a informação sobre os documentos necessários.
XLIV. A Mma Juiz a quo deixar de considerar como possível que o motivo pelo qual o registo do AL não foi (ou não pode ser) feito pode, de facto, ser bem diferente do que foi referido pela Autora (por exemplo, a falta de outros elementos necessários para a instrução do registo). Nem resulta provado, na verdade, se a Autora tentou sequer fazer o registo, o que seria fácil de provar…
XLV. Por fim, e salvo melhor entendimento, também não resulta provado que:
26. Após a emissão da licença de utilização, em 16 de Julho de 2020, a Autora requereu a emissão da licença de alojamento local, a qual foi emitida em 22 de Agosto de 2020. porquanto, conforme exposto, não existe licença para o exercício da actividade de Alojamento Local. O processo de registo é muito mais simples e em resultado do mesmo não é emitida qualquer licença.
27. Assim, não poderia a Mma Juiz a quo dar como provados os factos que resultam dos pontos 15., 25., 26., 27. e 28. da matéria de facto dada como provada, os quais devem ser dados como “Não provados”.
XLVI. A Mma Juiz a quo não poderia ter dado como provados os factos que constam do ponto 54 da matéria de facto dada como provada
XLVII. Por outro lado, a Mma Juiz a quo deveria ter dado como Provado que:
11. A Ré estava convicta de que o imóvel tinha as licenças necessárias para a Habitação.
12. A Ré transmitiu à Autora que, de acordo com a informação de que dispunha, o documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa que lhe foi apresentado, substituía a licença de utilização.
XLVIII. O Tribunal a quo não poderia concluir que a Ré incumpriu os deveres a que está vinculada pelo exercício da actividade de mediação imobiliária, nomeadamente os previstos no artigo 17º da Lei nº 15/2013 de 08.02.
XLIX. Inexistindo a violação do disposto no citado artigo 17º inexiste responsabilidade civil extracontratual da Ré pelos danos alegadamente sofridos pela Autora.
L. A impossibilidade de prova dos factos elencados na sentença com os números 1 a 7 e dados como “Não Provados”, evidencia de forma clara que a Autora não conseguiu fazer prova nos autos dos danos que alega ter sofrido, na PI apresentada.
LI. Permitimo-nos salientar com particular interesse, a frase: O processo não fornece todos os dados necessários para efectuar esse cálculo
LII. No entanto, e tal como resulta da douta sentença recorrida, a Autora não logrou fazer prova dos elementos considerados no cálculo dos valores apresentados a título de lucros cessantes.
LIII. Salvo melhor entendimento, apenas faria sentido remeter o cálculo e fixação da indemnização para ulterior liquidação de sentença, se tal cálculo fosse impossível de realizar no momento em que a sentença é proferida.
Contudo, não é esse o caso!
LIV. A impossibilidade de cálculo dos lucros cessantes resulta única e exclusivamente da falta de prova apresentada pela Autora, provavelmente devido à falta de fundamento dos pedidos formulados.
LV. A Autora não fez prova:
a. Dos valores estimados de receitas para o período considerado do encerramento; E
b. Dos valores das despesas que realizou ou teria de realizar se tivesse iniciado a sua actividade comercial no prazo previsto.
LVI. Ora, sendo um problema de falta de prova, devem os pedidos formulados pela Autora simplesmente improceder.
LVII. Em suma, entende a Recorrente que a faculdade prevista no nº 2 do artigo 609º do CPC não tem como propósito permitir nova produção de prova pelas Partes. como tal, deve o Tribunal dar como não provados os “lucros cessantes” alegados pela Autora na Petição Inicial e cujo ressarcimento é exigido no pedido formulado na acção. Pelo que, não tendo a Autora feito prova dos prejuízos que alega ter tido, ou lucros cessantes,
devem os pedidos formulados improceder totalmente.
LVIII. O Tribunal a quo deveria ter dado como PROVADOS os factos elencados nos pontos 8. e 9. da matéria de facto dada como “Não Provada”.
Termos em que se requer a V. Exas. seja dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente:
a) Seja a sentença recorrida declarada nula por falta de fundamentação, de acordo com o disposto nos artigos 615º do CPC;
b) Seja a matéria de facto dos pontos 15., 21., 25., 26., 27., 28., 40., 43., 48., 51., 52., 53., e 57. dada como Provada ser alterada e dada como “Não provada”, nos termos expostos;
c) Seja a matéria de facto dos pontos 8 e 9 dados como Não provados, ser alterada e tais factos serem dados como “Provados”.
d) Seja a sentença recorrida integralmente revogada, por falta de fundamentação de facto e de direito, absolvendo-se assim a Ré e aqui Recorrente na íntegra, de todos os pedidos formulados pela Autora.

***

8- A ré contra-alegou ao recurso interposto pela autora, com as seguintes CONCLUSÕES:
A. A Recorrente não tem qualquer fundamento factual, legal ou contratual para pedir que sejam dados como “Provados” os factos elencados nos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como “Não Provada” na sentença recorrida.
B. A Recorrente não apresentou prova que permitisse à Mma Juiz a quo dar como provados os factos dos pontos 1 e 3 dos factos “Não Provados”
C. A Autora apresentou duas versões diferentes (manutenção da despesa vs aumento da despesa) em relação aos mesmos factos e período do ano de 2020.
D. Os documentos que a Recorrente juntou através do Requerimento Probatório de 29 de Março de 2023, com a ref.ª 35531106, foram impugnados pela Ré e ora Recorrida através do Requerimento com a ref.ª 45243619 junto aos autos em 10.04.2023. Como tal, tais documentos – todos eles documentos particulares, que não são autênticos nem autenticados - apenas poderiam ser aceites pelo tribunal a quo se e quando verificada a sua origem e veracidade.
E. Como a Recorrente bem sabe, tais documentos não foram objecto de análise ou confirmação em sede de Audiência de Julgamento desconhecendo-se, assim:
iii. Quem elaborou tais documentos?
iv. Qual a base de suporte da informação que resulta dos mesmos?
F. Os diversos documentos contabilísticos apresentados nestes autos para prova dos cálculos feitos para alcançar o quantum indemnizatório que a Autora pretendia pedir nestes autos, por se tratarem de meros documentos particulares cuja autoria se desconhece mesmo, não podem ser aceites como suficientes para prova dos factos alegados pela Autora.
G. Alega a Recorrente que do Documento nº 5 resulta que em 2020 a Autora teve custos operacionais no valor total de €390.631,10, e do Documento nº 15 resulta que em 2019 os custos operacionais foram de €428.151,11 e, como tal, resulta inequívoco que entre 2019 e 2020 as despesas da Autora diminuíram em €37.520,01.
H. Os valores de custos/despesa respeitantes ao ano de 2020 (365 dias – 12 meses) não nos permitem perceber o que se passou, em concreto, durante os meses de Fevereiro a Agosto de 2020. Apenas nos permitem perceber o que se passou entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2020, período bastante mais longo do que o período relevante para esta acção. Como poderia, assim, este douto Tribunal saber se o valor total de custos suportados pela Autora em 2020 não diz respeito apenas aos meses de Setembro a Dezembro de 2020? Caberia à Autora fazer prova disso, se é o que alega.
I. A Recorrente não pode alegar que deve ser dado como provado que a Autora “teve uma redução nos seus custos no valor de €37.520,01” durante os meses de Fevereiro a Agosto de 2020, se, segundo a própria Recorrente, esse é o valor total da redução de custos de 2019 para 2020
J. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos nos pontos 1 e 3.
K. É evidente que a Recorrente não compreende a diferença entre “receita projectada” e “receita esperada”. A “receita projectada” é um conceito contabilístico (ou com relevância contabilística) que é alcançado através da análise de elementos e dados concretos, com razoabilidade.
L. O que a Mma Juiz a quo diz na sentença recorrida, e bem, é que não pode dar como provado que a receita projectada para 2020 fosse de €47.970,16 e que este fosse o valor legitimamente expectável de receita para a Autora, porquanto a fórmula por esta apresentada para o cálculo não faz qualquer sentido e não tem suporte contabilístico.
M. Cabia à Autora produzir prova suficiente para suportar os cálculos apresentados o que, mais uma vez, não foi feito.
N. O Tribunal e a Mma Juiz a quo não se demitiram “da sua função de estimar prejuízos decorrentes da perda de receita da Autora”. Parece-nos, sim, que a Mma Juiz entendeu, contudo, que os cálculos deveriam ter sido realizados pela Autora tendo em conta os pedidos formulados na acção, apresentados e produzida prova que os sustente, o que não sucedeu.
O. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos no ponto 2.
P. A Recorrente vem, assim, pedir que seja dado como provado algo que nunca foi alegado na Petição Inicial pela Autora. Efectivamente, não resulta dos artigos 82º, 87º e 105º da PI, ou de qualquer outro artigo, qualquer alegação de que a Autora tinha previsto uma receita de €251.757,87 com programas de voluntariado para o período de 1 de Fevereiro de 2020 a 31 de Agosto de 2020. A Autora alegou, sim, que “era estimável, pelo menos, a mesma facturação no ano de 2020” – artigo 86º da PI – estimativa esta que parece ter sido feita para efeitos de propositura da acção mas que poderia não ser uma expectativa real e efectiva da Autora em Fevereiro de 2020.
Q. A perda da receita que a Autora alega ter sofrido em relação aos programas de voluntariado não é uma “evidência”, em particular se a Autora não provar que:
i. Pretendia e planeou vender programas de voluntariado, e estava em condições de os realizar (não fosse o encerramento do Hostel);
ii. O valor de vendas previsto, indicado o preço de cada programa e número de vendas esperado;
iii. A base de sustentação dos cálculos e que, apesar de tudo, tais números eram possíveis de alcançar em 2020;
iv. Os programas não se realizaram ou não foram vendidos.
R. A falta de prova apresentada pela Autora para suportar os factos alegados, levou a que a Mma Juiz a quo não pudesse dar o facto do ponto 5 como provado. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos no ponto 2.
S. Não existe nenhum fundamento para que a Autora seja dispensada de apresentar prova dos factos que alega na presente acção, até porque o raciocínio formulado pela Autora tem de ter algum suporte documental, face às características do mesmo.
T. A Autora alega que não dispunha de elementos concretos para sustentar os cálculos do custo de cada refeição. A verdade, é que a Autora poderia, por exemplo, ter apresentado documentos de registo das vendas (reais e efectivas) de refeições realizadas nos meses de Setembro a Dezembro de 2020….
U. Apresentar meras “estimativas de facturação do café/bar e restaurante” não é prova suficiente para confirmar o que foi alegado pela Autora na sua PI. A ausência de informação sobre os custos associados às refeições e actividade geral, impedem que a Mma Juiz a quo consiga saber qual a margem de lucro desta parte da actividade. E, na verdade, cabia à Autora fazer os cálculos necessários do que está a pedir e não esperar que outros façam esse trabalho por si.
V. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos no ponto 6.
W. Não pode ser aceite como “lucro perdido” pela Autora o valor da receita esperada nas actividades: a comissão de 20% sobre as receitas das actividades a desenvolver no período de referência.
X. A Recorrente está consciente das dificuldades de cálculo dos valores indicados na PI.
Y. Se, como a Recorrente agora alega, as despesas da Autora associadas à “Dinamização de actividades” foram consideradas no cálculo do lucro com outros sectores da actividade global (como, por exemplo, o alojamento), então o cálculo do lucro perdido de todos os sectores da actividade deveria ter sido feito em conjunto, tal como é apresentado no artigo 105º da PI.
Z. A Autora e Recorrente não pode ser “dispensada” de calcular os lucros cessantes cujo pagamento vem exigir à Ré e Recorrida, ou que todos devem concordar com as suas fórmulas de cálculo.
AA. A Recorrente está consciente de que “(…) não será possível, em sede de liquidação de Sentença, apurar o prejuízo concreto da Autora (…)”, mas tal apenas se deve à incapacidade da Autora de produzir prova sobre os mesmos, ou o facto de não ter existido nenhum prejuízo real para a Autora do encerramento temporário do estabelecimento.
BB. A Recorrente não pode alterar o pedido formulado na PI, requerendo que o Tribunal decida e fixe o montante da indemnização “através da equidade”.
CC. Acresce que, a falta de elementos concretos (documentos de suporte) dos quais se possam retirar bases de cálculo salientada por diversas vezes na sentença proferida, impede que o Tribunal a quo decida de acordo com a equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC
DD. A Autora não produziu prova suficiente que permitisse ao Tribunal julgar equitativamente. E, mais uma vez, a Autora nunca poderia ser “dispensada” de produzir prova sobre os factos em análise.
EE. O juízo de equidade não pode servir para colmatar falhas de prova da Autora.
FF. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos no ponto 7.
GG. A Recorrente entra em clara contradição nas suas Alegações de recurso e, no final, acaba por suportar (e até reforçar) a decisão do Tribunal a quo e deixar bem evidente a falta de prova apresentada nos autos por parte da Autora.
HH. Chegados à fase de Recurso é que a Autora conclui que não é possível produzir prova dos lucros cessantes no pedido de indemnização por danos patrimoniais por si formulado, o que poderá, na verdade, ficar a dever-se ao facto de a Autora não ter sofrido quaisquer prejuízos na sua actividade durante o período de 1 de Fevereiro a 22 de Agosto de 2020.
II. O problema da Autora é que:
i. A Autora não produziu prova sobre os prejuízos;
ii. A prova apresentada não permite à Mma. Juiz a quo fixar qualquer quantum indemnizatório equitativamente.
JJ. Face ao exposto, e tendo em conta que a Recorrente não apresenta fundamentos factuais ou legais que justifiquem qualquer alteração, devem manter-se como “Não Provados” os factos descritos nos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como “Não Provada”.
KK. O Tribunal a quo não “olvidou” a pretensão da Recorrente que resulta dos pedidos formulados na PI. Simplesmente concluiu que, tendo em conta os factos e fundamentos legais alegados na PI, o pedido formulado pela Autora é desprovido de fundamento factual e legal.
LL. Como bem salienta a Mma Juiz a quo, a Autora não vem pedir a reparação de danos – entendendo-se como tal a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado – mas sim uma indemnização por lucros cessantes – devendo entender-se como tal, o(s) benefício(s) que a Autora deixou de auferir.
MM. Face à matéria de facto dada como “Não provada”, e a ausência de prova das despesas que a Autora alega ter tido e que teria de pagar com as receitas esperadas, então, a admitir-se o direito da Autora a receber uma indemnização, esta apenas poderia incluir aos lucros cessantes, ou seja, prejuízos que o lesado não teria provavelmente sofrido se não fosse a lesão, conforme previsto no artigo 563º do CC.
NN. A Ré e ora Recorrida teve a oportunidade de referir em sede de Alegações do Recurso por si interposto, a verdade é que, salvo melhor opinião, a Mma Juiz a quo deveria simplesmente ter dado como “Não provado” a existência de danos emergentes ou lucros cessantes sofridos pela Autora que devem ser ressarcidos pela Ré.
OO. A sentença recorrida concede à Autora uma segunda oportunidade de produzir prova sobre os lucros cessantes invocados na PI, sem qualquer fundamento legal.
PP. A Recorrida também entende que a Mma Juiz a quo não deveria ter condenado a Ré no pagamento à Autora de indemnização no “valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a determinar em incidente de liquidação de sentença, até ao limite do valor peticionado (devendo ser levado em conta as limitações que decorreram para a actividade da Autora provenientes da situação de pandemia que se viveu nesse período e consequente redução da margem de lucro que daí adveio)”, mas apenas porque entende que a alternativa seria a absolvição integral da Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.
QQ. Por todo o exposto, deve improceder o Recurso interposto pela Autora.
Termos em que se requer a V. Exas. que o presente Recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a matéria de Facto dada como Não Provada, e improcedendo a alteração da decisão nos termos propostos pela Autora e ora Recorrente.

***

9- A autora contra-alegou ao recurso interposto pela ré, rematando com as seguintes CONCLUSÕES:
1. A inexistência da licença de utilização
1. Da prova produzida no processo mostrou-se inequívoca a inexistência (até 16 de Julho de 2020) de licença de utilização para o imóvel em causa nos autos.
2. A testemunha MT, proprietária do imóvel, confirmou, várias vezes, sem hesitações, que o imóvel não tinha licença de utilização, porque entendia que não era preciso, porque fazia contratos de arrendamentos na mesma, e até declarou ter dado essa informação à Ré.
3. Apesar disso, e sem qualquer justificação que o pudesse fundamentar, a Ré alega despudorada (ou inconscientemente), “que nenhuma licença foi ainda emitida até à data!”
4. E fá-lo, apesar do teor do documento n.º 12 junto com a Petição Inicial, que é o Alvará de Utilização n.º 320/UT-CML/2020, e que, segundo o mesmo “titula a legalização da utilização total do edifício sito na Estrada do Forte do… (…)” e de acordo com o qual “foi autorizada a seguinte utilização: 1 (uma) utilização para Habitação com área de 795,44 m²; 3 (três) lugares de estacionamento autorizado com área de 107,40 m² afetos à utilização acima descrita (localizados no piso -1) (…)
5. Afirma também a Ré que a testemunha MT confirmou que o Doc. n.º 4 junto com a Contestação (que se refere a uma licença de construção na qual foi manuscrita que “substitui a licença de construção / utilização”) era, à data, o documento a considerar para os devidos efeitos legais em substituição da licença de utilização.
6. Qualquer pessoa de mediana diligência percebe que a aposição de uma frase manuscrita numa licença de construção não a transforma, qual truque de magia, numa licença de utilização.
7. É, portanto, totalmente desprovida de razoabilidade a afirmação da Ré, segundo a qual “resulta provado é que à data dos factos em análise na presente acção, a Autora já dispunha do documento que lhe permitia fazer o registo do imóvel junto da CML para efeitos de exercício da actividade de Alojamento Local.”
8. E continua a Ré com alegações totalmente incoerentes e absurdas, afirmando que o Alvará de Utilização nº 320/UT-CML/2020 (Doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial, mas que a Ré ao longo de toda a peça designa como Doc. n.º 13) foi emitido sob condição, e pretendendo retirar daí consequências baseadas em factos que não foram provados no processo.
9. É verdade que o Alvará de Utilização foi emitido “sob a condição de ser regularizada a descrição predial do respectivo prédio junto da Conservatória do Registo Predial, fixando-se para o efeito o prazo de 6 (seis) meses, devendo posteriormente ser emitido aditamento ao presente Alvará de Autorização Utilização.” mas daí não se pode concluir, simplesmente, como fez a Ré, que a condição não foi cumprida, ou que o prazo não foi prorrogado.
10. Quod non est in actis non est in mundo.
11. Prossegue a Ré, alegando que contrariamente ao que é referido no facto provado n.º 53, não resulta provado dos autos que a impossibilidade de a Autora desenvolver a sua actividade entre 1 de Fevereiro de 2022 e 22 de Agosto de 2022, foi “imposta pela falta da licença de utilização”. (leia-se 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, porque a Ré enganou-se nas datas).
12. Este argumento da Ré assenta no pressuposto de que “o imóvel ainda não tem licença de utilização”, o que, como já demonstrado, colide frontalmente com o teor do Doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial, sendo, portanto, totalmente irrelevante o que referiu a testemunha MT a esse respeito.
13. Finalmente, a Ré pretende que os factos provados 22, 25 e 53 sejam dados como não provados.
14. O facto provado n.º 22 refere-se a um email de 26 de Janeiro de 2020, da Autora para a Ré, a solicitar o envio da licença de utilização, que foi junto à Petição Inicial como Doc. n.º 8, e que contém em anexo um documento/email da CML de onde resulta quais os documentos e informações necessárias para a emissão da licença de alojamento local, que inclui a indicação do n.º da Licença de Utilização.
15. O facto provado n.º 25 refere-se à data do pedido de emissão da licença de utilização, junto da CML, que foi efectuado em 12 de Fevereiro de 2020, sendo que essa informação consta do Doc. n.º 10 junto à Petição Inicial.
16. Por fim, o facto provado n.º 53 respeita às consequências da falta de licença de utilização, sendo certo que, conforme resultou provado à exaustão do processo, a Autora ficou impedida de pedir a licença de alojamento local, porque o imóvel não dispunha de licença de utilização.
17. Pelo que se conclui que todas as alegações da Ré constantes do presente capítulo são improcedentes, por total irrazoabilidade e por contrariarem frontalmente a prova produzida e as conclusões lógicas e silogísticas a retirar da mesma.
2. O ALEGADO FACTO ILÍCITO CAUSADOR DO DANO
18. A Ré alega neste capítulo que o Tribunal a quo “não distingue entre a emissão de uma licença e a obtenção de certidão/cópia da licença” e confunde o “Alvará” com a “Licença de utilização”.
19. Dá-se aqui por reproduzido o alegado no capítulo anterior, a respeito da distinção entre o Alvará e a Licença, não se conseguindo alcançar o que pretende a Ré ao afirmar que o Tribunal confundiu a emissão da licença com a obtenção de uma certidão a cópia da mesma.
20. Depois de passar um capítulo inteiro a alegar que “nenhuma licença foi ainda emitida até à data”, a Ré alega agora que a testemunha MT “explicou, ainda, todo o procedimento que levou à apresentação do pedido junto da CML e obtenção do Alvará de Utilização junto aos autos pela Autora na PI.”
21. E prossegue, alegando agora contra legem que “a ausência da licença de utilização não impede que o mesmo seja arrendado para habitação. Isto porque, conforme explicado pela Sra. Dra. MT, a Senhoria tinha um documento emitido pela própria CML, que substituía a licença de utilização para os devidos e legais efeitos, o qual foi junto com a Contestação e corresponde ao Documento nº 4 e foi disponibilizado à Autora, inclusive pela gerente da Senhoria.”
22. Já se demonstrou bastamente que o Doc. n.º 4 junto com a Contestação se refere unicamente a uma licença de construção, da qual consta o seguinte: “Consultada a obra n.º 5…, referente ao local verificou-se que o lote 1… da freguesia de Sta Maria de Belém é de construção legal, através do processo n.º 1…/OB/1975, deferido e licenciado com licença de construção n.º 1…/C/1975, paga em 22/12/1978.”
23. Como tal, o referido documento nunca poderia substituir a licença de utilização, sendo evidente que nem sequer contém qualquer referência à utilização permitida para o imóvel e muito menos poderia alcançar esse objectivo mediante a aposição de um manuscrito, a lápis, pela proprietária com a menção “substitui a licença de construção / utilização”.
24. Mas a Ré não se fica por aqui, alegando também que a ausência da licença de utilização não impede que o mesmo seja arrendado para habitação”.
25. Ignora a Ré o estatuído no n.º 1 do art.º 1070º do Código Civil e o n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto.
26. Acresce que, conforme estabelecido na alínea d) do art.º 2º do referido Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, do contrato de arrendamento deve obrigatoriamente constar referência à “existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível”.
27. Em suma, e como é reconhecido, não é legalmente admissível o arrendamento de imóveis para habitação sem que quanto ao mesmo tenha sido emitida a respectiva licença de utilização com essa finalidade.
28. No n.º 2 da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento junto aos autos como Doc. n.º 4, consta que “O local arrendado destina-se a sublocação para habitação – no todo ou em parte, nomeadamente para Atividade de Alojamento Local – por parte da Arrendatária, ficando desde já expressamente autorizada a realização destes tipos de atividade (sublocação e Alojamento Local) no local arrendado”.
29. Pelo que dúvidas não restam que a Autora destinava o imóvel a habitação, podendo subarrendá-lo ou destiná-lo a alojamento local.
30. Resulta das disposições legais supra invocadas (n.º 1 do art.º 1070º do Código Civil e n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto), que só podem ser objecto de arrendamento urbano para habitação os imóveis cuja aptidão para habitação seja atestada pela respectiva licença de utilização.
31. Como é óbvio, não estando o imóvel habilitado com licença de utilização, não estava apto para o fim a que a Autora o pretendia destinar, fim esse que era do pleno conhecimento da Ré, e constava inclusivamente do referido contrato de arrendamento.
32. De onde se conclui que a actuação da Ré foi claramente culposa, tendo disponibilizado para arrendamento para fins habitacionais um imóvel que não dispunha de licença de utilização.
33. A questão de o imóvel se destinar a habitação própria, a subarrendamento ou a alojamento local, é totalmente irrelevante para a responsabilização da Ré, tendo meramente efeitos nos prejuízos causados.
34. Contrariamente ao que alega a Ré, a circunstância de esta não ter publicitado o imóvel para alojamento local é totalmente irrelevante, porque essa utilização carece de licença para habitação, tal como ocorreria se o imóvel fosse para habitação própria ou para subarrendamento de habitação.
35. A Ré alega que não compreende qual a norma que incumpriu, mas é fácil constatar que violou, pelo menos, as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 17º da Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro.
36. Prossegue a Ré invocando a pretensa importância que resulta da circunstância de a Autora ter tido apoio jurídico e alegando que não competia à Ré verificar se o imóvel estava apto à actividade de alojamento local.
37. Porém, o que releva não é meramente a aptidão para a actividade de alojamento local, mas sim a própria aptidão do imóvel para habitação, a qual carecia da respectiva licença.
38. Como é óbvio, tendo a Ré publicitado o imóvel para habitação, a Autora presumiu, fundadamente, que o imóvel dispunha de licença de utilização para habitação, pois no caso contrário, o imóvel não poderia ser afecto a esse destino.
39. Pelo que é objectivamente falsa a alegação da Ré, segundo a qual “o imóvel tinha todas as condições para ser Arrendado para habitação, como publicitado” precisamente porque não tinha licença de utilização para habitação, não se vislumbrando em que se baseia a Ré para ficcionar que “O facto de a certidão do Alvará de Habitação apenas ter sido posteriormente, não coloca em causa a aptidão do imóvel à data da publicitação e arrendamento; apenas veio confirmar que o imóvel estava apto para esse fim.”
40. Conforme resulta do Doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial, a autorização para utilização como habitação foi emitida por Despacho de 29 de Junho de 2020, sendo o respectivo Alvará emitido em 16 de Julho de 2020.
41. Continua a Ré alegando que “estava convicta de que o imóvel tinha a licença necessária para poder ser arrendado para habitação.”
42. Porém, a alegada “convicção” da Ré decorria de um manuscrito com os dizeres “substitui a licença de construção / utilização” apostos num documento que se refere a uma licença de construção, pelo que não se pode ter esta “convicção” como minimamente razoável, para uma entidade que actua no ramo da mediação imobiliária e ostenta uma marca que se vangloria de ser reconhecida mundialmente.
43. Finalmente, e para cúmulo, a Ré alega que «A Autora teve a oportunidade de se desvincular do contrato de arrendamento celebrado, mas optou por seguir em frente, mesmo sabendo que poderiam existir atrasos no processo.”
44. A Autora tinha de tomar uma decisão: ou desistia do negócio, arriscava perder todos os clientes do antigo Hostel, ficava sem local onde se instalar e operar, sem saber quando e onde encontraria outro espaço com características que permitissem a operação do Hostel conforme pretendido, ou procurava resolver o problema, que dependia unicamente da emissão de licença de utilização.
45. Encontrar um espaço para instalar um Hostel com 44 (quarenta e quatro) camas, num local comercialmente bem situado, com uma renda acessível, e que esteja disponível não é propriamente um dado adquirido, sendo provável que a Autora demorasse ainda mais tempo a localizar um espaço com estas características, e sendo mesmo possível que nunca o viesse a encontrar.
46. A decisão da Autora foi ponderada, e razoavelmente tomada, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade pela mesma.
47. Pelo que, também falecem todos os argumentos apresentados pela Ré neste capítulo.
3. A ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE REGISTO DO IMÓVEL PARA ALOJAMENTO LOCAL POR PARTE DA AUTORA
48. Alega a Ré, com base no disposto no n.º 2 do art.º 5 do Decreto-Lei n.º 128/2014 de 29 de Agosto que para o exercício da actividade de Alojamento Local, a Autora não tinha de pedir nenhuma “licença”, bastando-lhe fazer o registo com recurso ao Balcão Único Electrónico.
49. Porém, decorre precisamente da legislação invocada [alínea a) do artigo 6.º do D.L. n.º 128/2014, de 29 de Agosto] que da comunicação prévia com prazo dirigida ao Presidente da Câmara Municipal deve obrigatoriamente constar “a) a autorização de utilização ou título de utilização válido do imóvel”, sendo evidente que a Autora tinha de
obter os documentos necessários antes de submeter o pedido junto da CML.
50. A Ré alega que “(…) das declarações da Autora, parece que esta nem sequer tentou realizar o registo!”
51. Como é evidente, e já foi bastamente explicado, a apresentação do registo online pressupõe o preenchimento de diversos campos, sendo um deles a indicação do número da licença de utilização.
52. É, pois, notório que a falta de licença de utilização era o único obstáculo à emissão da licença de alojamento local, desde logo, porque não foi identificada no processo a falta de qualquer outro documento ou requisito, e depois porque logo que a licença de utilização foi emitida, a Autora formulou o pedido da licença de alojamento local, a qual foi deferida pouco depois (cerca de um mês depois).
53. Conclui a Ré, com base nas alegações constantes deste capítulo que os factos provados n.ºs 15, 25, 26, 27 e 28 deveriam ter sido considerados não provados.
54. O facto provado n.º 15 resulta provado do anexo no Doc. n.º 8 da Petição Inicial, sendo certo que existe fundamento legal para a exigência de apresentação da licença de utilização (art.º 6º n.º 1 do DL n.º 128/2014, de 29 de Agosto).
55. O facto provado n.º 25 resulta do Doc. n.º 10 junto com a Petição Inicial, que faz prova de que foi requerido o pedido de licença de utilização, de tal forma que foi emitido!
56. O facto provado n.º 26 resulta do mesmo Doc. n.º 10 junto com a Petição Inicial, que prova o pedido e o Doc. n.º 12 junto com a Petição Inicial prova a emissão respectiva emissão.
57. A falta de licença de utilização impedia a licença de alojamento local, conforme o artigo 6.º n.º 1 DL n.º 128/2014, de 29 de Agosto porque não era possível facultar o número da licença aquando da comunicação prévia.
58. O facto provado n.º 27 resulta provado do Doc. n.º 13 junto com a Petição Inicial.
59. E, finalmente, o facto provado n.º 28 é a mera consequência dos factos anteriores.
4. OS DANOS ALEGADAMENTE SOFRIDOS PELA AUTORA E A
RESPONSABILIDADE DA RÉ
60. A Ré volta, neste capítulo, a insurgir-se contra o facto provado n.º 53, que já havia abordado no capítulo inicial.
61. O facto provado n.º 53 é a consequência lógica e real dos demais factos dados como provados.
62. A Ré alega ainda que o Tribunal a quo desconsiderou “os depoimentos das testemunhas que confirmaram que a Autora teve o estabelecimento em causa a funcionar.”
63. Só com manifesta má-fé se pode pretender que “foram para lá”, “estavam lá” e “estavam lá instalados” corresponde a ter um Hostel com 44 camas a funcionar sem licença de alojamento local.
64. Resultou de forma clara do depoimento de MT e depois demais depoimentos prestados pelas testemunhas, que a Autora utilizou o locado como escritório e fez obras na moradia (facto provado n.º 15), o que, manifestamente, não equivale a “ter o estabelecimento a funcionar”, como pretende a Ré, a todo o custo.
65. Importa ter presente que a prova produzida em sede de audiência de julgamento está sujeita aos princípios da oralidade e da imediação, sendo neste caso incontroverso quais os motivos que conduziram à decisão do Tribunal a quo a respeito destes factos.
66. Quanto a alegação da Ré, segundo a qual “na data em que foi celebrado o contrato de arrendamento, a Ré disponibilizou à Autora o documento que substituía (e ainda substitui nesta data) a licença de utilização”, já tudo foi dito, e repetido, considerando-se que a inteligência do raciocínio é suficiente para que se facilmente se conclua pela sua falência.
5. LIQUIDAÇÃO DO MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO EM SEDE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA
67. A Ré começa por distorcer o pedido formulado pela Autora, transformando o pedido condenação da Ré “a indemnizar a Autora pelos danos e prejuízos decorrentes da sua actuação ilícita e culposa” (pedido formulado na Petição Inicial), num pedido de condenação “a título de lucros cessantes” (conforme referido nas alegações de recurso da Ré).
68. Mas, a este respeito, já a Autora se pronunciou no seu Recurso, devendo a questão ser analisada à luz dos fundamentos então apresentados, e que nos escusamos de repetir nesta instância.
69. Mas a Ré vai ainda mais longe e alega que “apenas faria sentido remeter o cálculo e fixação da indemnização para ulterior liquidação de sentença, se tal cálculo fosse impossível de realizar no momento em que a sentença é proferida. Contudo, não é esse o caso!
A impossibilidade de cálculo dos lucros cessantes resulta única e exclusivamente da falta de prova apresentada pela Autora, provavelmente devido à falta de fundamento dos pedidos formulados.
70. No primeiro parágrafo alega que o cálculo não é impossível de realizar (e nisso, até tem razão, conforme demonstrado no Recurso apresentado pela Autora) e no segundo parágrafo afirma que o cálculo é impossível.
71. E depois afirma que “Não era de forma alguma previsível que, entre o momento em que a acção é proposta e o momento em que é fixada a indemnização, existisse qualquer tipo de oscilação dos valores a considerar.”
72. Entre a Petição Inicial (Janeiro de 2021) e o Julgamento (Abril de 2023) decorreram mais de 2 anos, pelo que, naturalmente, a Autora obteve mais informação contabilística, que foi apresentada e que serviu para fundamentar e demonstrar os prejuízos sofridos.
73. É preciso notar que a grande dificuldade de prova dos prejuízos, conforme resulta da Sentença recorrida, decorre da circunstância de os exercícios de 2021 e 2022 terem sido marcados por um evento extraordinário, a pandemia de covid-19, que complicou o que seria o simples e directo apuramento das receitas perdidas.
74. Não se trata, portanto, de um problema de falta de prova, mas sim de um problema de quantificação dos prejuízos face a uma variável que os torna, de certa forma, incertos face a exercícios anuais “normais”, ou seja, sem incidência de eventos de natureza global como seja a pandemia de covid-19.
75. Pelo que, a respeito da quantificação dos prejuízos, dever-se-á atender ao alegado no Recurso da Autora, para onde se remete.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso interposto pela Ré, mantendo-se a decisão recorrida quanto à matéria de facto e direito nele suscitadas.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, autora e ré, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
A) - Do Recurso da autora:
i)- A impugnação da matéria de facto;
ii) - A nulidade da sentença por condenação em objecto diverso com a consequente substituição por decisão que condene a ré no pagamento das receitas perdidas (deduzido o montante equivalente à redução das despesas de funcionamento).
B) - Do Recurso da ré:
i) - Nulidade da sentença, por falta de fundamentação;
ii) - Impugnação da matéria de facto;
iii) - A revogação da sentença com absolvição da ré do pedido.


***

2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a matéria de facto da seguinte forma:
Factos Provados.
1. A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade de operadora turística, agência de viagens, desenvolvimento de actividades de animação turística, organização de eventos, transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, desenvolvimento de actividades de alojamento mobilado para turistas, promoção de apartamentos turísticos com restaurante e arrendamento de bens imobiliários.
2. A Ré MMI usa a designação comercial de “RMI” e é uma empresa que desenvolve as actividades de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para os referidos fins, mediação imobiliária, administração e gestão de imóveis, e consultoria na área do imobiliário.
3. A Ré MMI, utilizando as plataformas que lhe são disponibilizadas pela RMI, publicitou o imóvel a que se referem os autos na internet, anunciando a sua comercialização para arrendamento
4. No âmbito da sua actividade, a Autora explorava desde 27 de Fevereiro de 2018 o Hostel sito na Rua do Possolo, n.º…, em Lisboa.
5. A Autora iniciou a procura por um imóvel com melhores condições de utilização, mais camas disponíveis, e possibilidade de instalação de mais serviços a prestar aos seus hóspedes.
6. No âmbito dessa busca, em meados de Novembro de 2019, a Autora deparou-se com um anúncio da marca RMI, no site “Idealista”, referente ao arrendamento da moradia sita na Estrada do Forte à Avenida das Descobertas (Encosta do Restelo), também designada por Estrada para o Forte do Alto do Duque, lote…, em Belém, Lisboa, tendo ficado interessada na mesma.
7. Nessa ocasião, a Autora contactou a Ré MMI, que usa a designação comercial de “RMI” e agendou uma visita ao referido imóvel.
8. Na sequência desse contacto, foram efectuadas visitas ao imóvel, juntamente com a mediadora da Ré MMI, Senhora D. RD.
9. Nessas visitas e nos diversos contactos estabelecidos, a Autora transmitiu que pretendia tomar a referida moradia de arrendamento, com o intuito de a sublocar e nela instalar uma unidade de alojamento local (Hostel).
10. Após negociação com a proprietária, CI, S.A., foi alcançado um acordo quanto às condições do arrendamento, e a Ré MMI, através da mediadora Senhora D. RD, transmitiu que o seu Departamento Jurídico elaboraria a minuta do contrato de arrendamento.
11. O Departamento Jurídico da Ré MMI minutou o respectivo contrato de arrendamento.
12. No n.º 2 da Cláusula Segunda do referido contrato, consta o seguinte: “O local arrendado destina-se a sublocação para habitação – no todo ou em parte, nomeadamente para Atividade de Alojamento Local – por parte da Arrendatária, ficando desde já expressamente autorizada a realização destes tipos de atividade (sublocação e Alojamento Local) no local arrendado”.
13. O contrato de arrendamento foi celebrado em 10 de Dezembro de 2019, sendo nele indicado que a mediação imobiliária foi efectuada pela MMI, Lda., com a licença AMI n.º 9… que correspondente à RMI, Lda.
14. Em 12 de Dezembro de 2019, a Autora comunicou ao senhorio do anterior contrato de arrendamento que deixaria a moradia na Rua do Possolo, com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2020.
15. Após a celebração do contrato de arrendamento a Autora realizou obras na moradia, para a habilitar ao fim pretendido e contactou a Câmara Municipal de Lisboa para emissão da licença para alojamento local, tendo-lhe sido solicitada a apresentação da licença de utilização para habitação.
16. Contactada a mediadora por telefone, foi transmitido pela Ré MMI, através da Senhora D. RD, que iria enviar a licença de utilização;
17. Através de email de 23 de Dezembro de 2019, o que foi enviado foi uma cópia pouco legível de uma certidão da emissão da licença de construção, em formato fotografia.
18. Como o ficheiro enviado pela Ré MMI, através de email da Senhora D. RD, era de difícil leitura, a Autora solicitou, no mesmo dia 23 de Dezembro de 2019, a indicação do número da licença de utilização.
19. A Ré MMI, novamente por intermédio da Senhora D. MD, respondeu:
“A Sex, 27 de dez de 2019, 15:10, MD <…e@rmi.pt> escreveu: Ola R, Penso que o número é o 106/C/1975 de 22/12/1978...”
20. O número indicado pela Ré MMI corresponde ao número da licença de construção emitida em 1978.
21. A Autora procurou, junto da Câmara Municipal de Lisboa (adiante abreviadamente CML), localizar a cópia da referida licença, não tendo obtido qualquer sucesso.
22. Até que, no dia 26 de Janeiro de 2020, a Gerente da Autora enviou um email à Ré MMI, solicitando a licença de utilização, que era indispensável para que pudesse pedir a licença de alojamento local.
23. Em resposta enviada no mesmo dia a Ré MMI, através da Senhora D. RD, voltou a enviar o documento relativo à licença de construção.
24. O imóvel não dispunha de licença de utilização.
25. O pedido de emissão da licença de utilização foi efectuado, junto da CML, em 12 de Fevereiro de 2020, pela proprietária.
26. A emissão da licença de utilização foi requerida em 12 de Fevereiro de 2020 e foi emitida em 16 de Julho de 2020 (Alvará de Utilização para Habitação n.º 3…/UT-CML/2020, o que impediu o pedido de emissão da licença de alojamento local, imprescindível para a abertura do Hostel ao público.
27. Após a emissão da licença de utilização, em 16 de Julho de 2020, a Autora requereu a emissão da licença de alojamento local, a qual foi emitida em 22 de Agosto de 2020.
28. A Autora ficou impossibilitada de abrir o estabelecimento ao público na data prevista, por falta de licença de utilização, sem a qual não podia requerer a emissão de licença para alojamento local.
29. Até 31 de Janeiro de 2020, a Autora explorou o Hostel sito na Rua do Possolo.
30. Tratava-se de uma moradia com 41 (quarenta e uma) camas disponíveis e com condições de habitabilidade similares às do imóvel objecto dos presentes autos.
31. A Autora pretendia promover a venda de estadias na moradia objecto dos presentes autos através dos mesmos meios de divulgação e canais com que promovia a venda de estadias no Hostel da Rua do Possolo.
32. O Hostel que a Autora instalou no imóvel objecto dos presentes autos tem 44 camas disponíveis (mais 3 do que as camas do Hostel da Rua do Possolo).
33. Ambas as instalações possuem maioritariamente dormitórios e apontam a um público-alvo de pessoas jovens, sendo divulgados e vendidos ao público nos mesmos canais (Booking.com, Airbnb, hostelworld, etc).
34. O Hostel da Rua do Possolo tinha sensivelmente 400m² de área construída e um pátio de 72m².
35. Continha 9 quartos, 4 casas-de-banho e espaços comuns para os clientes.
36. O imóvel ora arrendado tem 950m² de área construída e 1600m² no total (com jardim, piscina, etc.).
37. Tem 9 casas de banho para as 47 camas em vez de apenas as 4 que existiam no Hostel da Rua do Possolo.
38. Para além do espaço de alojamento e espaços comuns para os hóspedes, dispõe de espaços a utilizar como restaurante e café abertos ao público, espaços adequados para realização de campos de férias para crianças, espaço para a realização de eventos, e espaço (no piso inferior) para um clube de actividades regulares de vida saudável.
39. As novas instalações possibilitavam à Autora a exploração de novos serviços, tais como programas de voluntariado, café/bar e restaurante e dinamização de novas actividades.
40. Aquando da celebração do contrato de arrendamento para o novo espaço no Restelo, era esperado um crescimento do volume de vendas sustentado na facturação do exercício anterior, na crescente divulgação dos serviços da Autora através da clientela angariada e fidelizada, e nas melhores condições que o novo imóvel proporcionava.
41. A Autora previa a abertura do Hostel em 1 de Fevereiro de 2020.
42. As receitas de 1 de Fevereiro a 22 de Agosto de 2019 do Hostel sito na Rua do Possolo,
relacionadas com alojamento (noites vendidas) foram de 44.831,93€ (quarenta e quatro mil oitocentos e trinta e um euros e noventa e três cêntimos).
43. Com o atraso verificado na abertura do Hostel instalado no imóvel arrendado, a Autora perdeu receitas decorrentes das noites não vendidas
44. A Autora desenvolve programas de voluntariado com alojamento de clientes nas suas
instalações.
45. Os programas de voluntariado internacional são a principal fonte de receitas da Autora.
46. Desde 2018 que a Autora opera em Lisboa mas também no Porto, Barcelona e em Split, promovendo programas de voluntariado em todos estes destinos.
47. Dos 716 voluntários que a Autora recebeu em 2019 no total de todos os destinos, 434 foram voluntários para Lisboa.
48. Em 2019, durante o período compreendido entre 1 de Fevereiro e 31 de Agosto de 2019, a Autora facturou, no Hostel de Lisboa, 251.757,87€ (duzentos e cinquenta um mil setecentos e cinquenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos) com programas de voluntariado.
49. Os programas de voluntariado tinham sempre início no 1º e no 3º domingo de cada mês, por isso, apesar de a licença de alojamento local ter sido obtida em 22 de Agosto de 2020, durante esse mês já não era possível prestar serviços de voluntariado, não tendo sido sequer possível efectuar reservas com a devida antecedência, porque não se sabia quando seria emitida a licença.
50. O público-alvo da Autora caracteriza-se maioritariamente por jovens com espírito aventureiro que estão, em geral, disponíveis para viajar, mesmo após o início da pandemia.
51. Os meses de maior facturação com programas de voluntariado são Junho (38.503,73€ em 2019), Julho (101.315,57 €em 2019) e Agosto (50.059,98€ em 2019).
52. No período de fevereiro a agosto de 2020, a Autora foi forçada a suspender as vendas para esta actividade em Lisboa, por falta de instalações para alojamento.
53. A inactividade imposta pela falta de licença de utilização, ocorrida entre 1 de Fevereiro e 22 de Agosto de 2020 (desconsiderando o período compreendido entre 13 de Março e 18 de Maio de 2020 devido ao estado de emergência implementado para combate à pandemia de Covid-19), no que diz respeito à exploração do café/restaurante que não abriu e às actividades desenvolvidas nas suas instalações (judo, dança contemporânea, yoga, boxe, osteopativa, massagens, workshops), que não tiveram lugar, causou à Autora uma perda de lucro.
54. A Ré tinha conhecimento da actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel
arrendado.
55. A Autora dispunha de assessoria jurídica na negociação e preparação da formalização do contrato de arrendamento.
56. A Autora participou na redacção do texto final do contrato de Arrendamento.
57. O prazo previsível para decisão no processo de pedido de licença é de 10 dias úteis.
58. Em meados de Março teve início o Estado de Emergência em Portugal devido à pandemia que se fazia sentir no país e no mundo que obrigou a que vários Países tomassem a decisão de decretar o Estado de Emergência que impôs como regra primordial o distanciamento social, impediu ou limitou a circulação de pessoas entre países, tendo todas as pessoas visto as suas vidas alteradas em função das medidas tomadas pelo Governo do País de cada pessoa.

Factos não provados:
1. A Autora manteve durante os meses de Fevereiro a Agosto de 2020 as mesmas despesas com mão de obra, equipamentos, etc.
2. A receita projectada para o período de Fevereiro de 2020 a Agosto de 2020, com noites vendidas no imóvel arrendado era de 47.970,16€ (quarenta e sete mil novecentos e setenta euros e dezasseis cêntimos)
3. No período de Fevereiro a Agosto de 2020, a Autora aumentou as suas despesas com mão-de-obra e equipamentos.
4. Imediatamente após a abertura das vendas para os programas de voluntariado em Lisboa, a Autora recebeu muitas reservas.
5. A Autora perdeu toda a receita prevista para os programas de voluntariado que deixou de realizar entre fevereiro e agosto de 2020, no valor de 251.757,87€
6. O lucro perdido pela Autora com os serviços de refeição no Hostel a instalar no imóvel arrendado, no período de Fevereiro a Agosto de 2020 corresponde a 42.965,50€ (quarenta e dois mil novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos).
7. O lucro perdido pela Autora com as actividades desenvolvidas nas suas instalações corresponde a 2.822,20€ (dois mil oitocentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos)
8. A Ré estava convicta de que o imóvel tinha as licenças necessárias para a Habitação.
9. A Ré transmitiu à Autora que, de acordo com a informação de que dispunha, o documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa que lhe foi apresentado, substituía a licença de utilização.

***

3- As Questões Enunciadas.

Antes de entrarmos na apreciação concreta de cada uma das questões elencadas acima, importa salientar que a respectiva análise não tem de ser feita pela ordem por que foram enunciadas, mas, antes, por uma ordem de precedência lógica e numa perspectiva de utilidade da decisão.
Assim, as questões mencionadas serão analisadas e decididas pela seguinte ordem:
1ª- Nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação, suscitada pela ré;
2ª- A impugnação da matéria de facto deduzida pela autora;
3ª- A impugnação da matéria de facto suscitada pela ré;
4ª- A nulidade da sentença por condenação em objecto diverso;
5-ª A condenação da ré no pagamento das receitas perdidas (deduzido o montante equivalente à redução das despesas de funcionamento);
6ª- A revogação da sentença com a consequente absolvição da ré do pedido;
           

Vejamos então estas questões, por esta ordem.

Assim:
3.1- Nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação, suscitada pela ré.

A ré/apelante, argui a nulidade da sentença alegando, em síntese (cf., essencialmente, conclusão XXXVIII), que não existem quaisquer factos que sustentem a conclusão da sentença de incumprimento pela ré dos deveres previstos no art.º 17º da Lei 15/2013, de 08/02.
Será assim?
Embora a ré/apelante não especifique em que concreta previsão do art.º 615º do CPC se estriba para lograr alcançar a alegada nulidade da sentença – refere, apenas, o art.º 615º do CPC no “pedido” a) da alegação – subentende-se que pretende invocar o vício tipificado na al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, que determina que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Vejamos então.
Para efeitos da al, b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, a falta de fundamentação susceptível de consubstanciar a nulidade da sentença/decisão ocorre apenas quando se verifica uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto quer de direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade da sentença, apenas afecta a sua valia doutrinal, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53).
Por outro lado, quanto à fundamentação de direito, vem sendo entendido que deve considerar-se fundamentada a sentença/despacho que, aplica normas jurídicas mesmo sem as identificar. Ou seja, o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar, de modo expresso ou implícito o teor material da regra ou princípio em que se apoiou (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, AAFDL, Vol. I, 2020, pág. 78; no mesmo sentido, veja-se Amâncio Ferreira Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53; Antunes Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 688).
No caso em apreço, é manifesto que a sentença está fundamentada de facto. Na verdade, bastará verificar que a 1ª instância deu como provados 58 pontos de facto e 9 pontos de facto não provados. Além disso, em termos de direito, a sentença fundamentou a decisão de condenação da ré (em quantia a liquidar posteriormente) argumentando o incumprimento de deveres de informação ao interessado (autora) pela ré. E enunciou mesmo as normas jurídicas em que se baseou para alcançar aquela decisão.
Ou seja, a sentença/decisão está fundamentada de facto e de direito. O que se denota é o inconformismo da ré/apelante com o teor da sentença. Mas o inconformismo não constitui fundamento de nulidade da sentença.
Se necessidade de outros considerandos, conclui-se pela improcedência da arguida nulidade da sentença invocada pela ré/apelante.

***

3.2- A Impugnação da Matéria de Facto.

Como enunciamos acima, quer a ré quer a autora, nos respectivos recursos, impugnaram a decisão sobre a matéria de facto. Nessas impugnações da matéria de facto, quer a ré quer a autora basearam-se na prova gravada e em documentos juntos aos autos.
Pois bem, antes de entrarmos na análise das concretas impugnações da matéria de facto, entendemos ser oportuno transcrever a síntese, relevante, dos vários depoimentos que tiveram lugar na audiência final que, de resto, foram integralmente ouvidos.
Assim:
- Depoimento de parte da autora, prestado pelo gerente DAR, à matéria de facto dos pontos 8, 12, 13, 17, 33, 51 e 54 da contestação (sessão de 19/04/2023).
Disse, em síntese, que a autora é uma operadora turística; celebrou (a autora) contrato com a dona da moradia através da ré; o contrato de arrendamento era para exploração de Alojamento Local, conforme consta da cláusula 2ª; o texto do contrato de arrendamento foi preparado pela mediadora (ré); quando pediu para redigirem o contrato, fez logo questão de o locado poder ser utilizado para alojamento local; foram pedindo opinião a uma advogada, a Dra. RC. Quando foram para registar o Alojamento Local depararam-se que não existia licença de utilização. Realizaram o programa de voluntariado designado por Marine Conservation em Julho de 2020; deixaram de poder vender programas de voluntariado porque não podiam alojar os voluntários dada a falta de licença.

- Depoimento de IVS (sessão de 19/04/2023).
Disse, em síntese, ser mediador de seguros e faz a mediação dos seguros da autora, desde recheio, responsabilidade civil e trabalhadores. Foi à moradia arrendada à autora em Dezembro de 2019 e estavam a iniciar as obras de adaptação. Foi-lhe dito que faltava a licença de utilização; para fazer o seguro de responsabilidade tinha de ter a licença Alojamento Local e não conseguiram porque não havia licença de utilização; só em Agosto é que a questão ficou resolvida. O quadro de pessoal da autora manteve-se entre o anterior (na Rua do Possolo) e o novo espaço (no Restelo); o volume/massa salarial manteve-se, não foi mexida. A autora aguentou os funcionários.

- Depoimento de VR (sessão de 19/04/2023).
Disse ser “companheiro” da sócia da autora. É cozinheiro. Ajudava na elaboração de menus na Rua do Possolo onde criava menus para a cantina. Em Janeiro de 2020 começaram a pensar na carta/menu para apoio à piscina das novas instalações e para o bar e fez logo, também, menus para o Verão. Estava previsto que ele daria formação aos empregados de cozinha, de mesa e do bar. Não conseguiram abrir logo em Fevereiro por falta de licença; só conseguiram a licença em fins de Julho. A autora iniciou a sua actividade no novo local em Agosto de 2020; sabe que foi um sucesso e, em 2022 foi um ano excelente.

- Depoimento de MD (sessão de 19/04/2023).
Disse ter trabalhado na ré, como consultora, entre 2010 e 2020. O imóvel estava a ser publicitado e ela era a angariadora; recebeu contactos da autora e foram fazer a visita ao imóvel; os sócios da autora gostaram do imóvel; foi um processo célere dada a urgência da autora ter de sair das instalações da Rua do Possolo. A ré preparou a minuta do contrato e a autora solicitou algumas alterações; a autora solicitou toda a documentação porque tinham uma advogada. Confirmou os documentos 1 e 2 da contestação, bem como o documento nº 3. O contrato foi assinado no escritório da senhoria; tinham a licença de construção e enviaram-na; depois do contrato assinado pediram a licença de utilização. Contactou a senhoria (D. MT) e ela disse que se havia problemas podiam resolver o contrato que ela devolvia as rendas e ficavam por ali e, a autora disse que não porque tinham contactos na Câmara (CML) e iam resolver o problema; entretanto, veio a pandemia e os Serviços deixaram de funcionar. Os inquilinos preferiram continuar. A senhoria, propôs-se resolver a situação de falta de licença de utilização. No seu trabalho como angariadora pede aos clientes as licenças, cadernetas, certidões e ficha técnica se houver e, depois manda para os serviços jurídicos e estes é que decidem se está tudo em condições de o negócio avançar. A documentação que tinham foi validada pela advogada da autora. Foi confrontada com diversos documentos.

- Depoimento de MT (sessão de 19/04/2023).
Disse ser gerente da senhoria (DP, Lda., gestora dos bens imobiliários da Construções…). Que era a segunda vez que o imóvel ia ser colocado em arrendamento e, da 1ª vez, não houve quaisquer problemas. Já depois de assinarem o contrato, a inquilina (a autora) telefonou a pedir a licença de utilização e ela informou que a casa não tinha licença de utilização; a “RMI” (a ré) nunca lhe tinha feito esse pedido. A casa não tinha licença de utilização, nem podia ter, devido ao “imbróglio” que a Câmara (CML) arranjou, porque o lote onde veio a ser construída a moradia foi adquirido, em asta pública, pelo senhor CP, à CML; o Lote 1586 (onde está implementada a moradia) era a destacar de outro lote e, a Conservatória não registou a aquisição pelo CP, porque a CML não podia destacar aquele lote. A CML reconheceu o erro e fez uma declaração e, mesmo assim, a Conservatória não registou porque só registaria mediante a rectificação da escritura de aquisição. Por isso, a casa não está registada. Anteriormente a casa foi posta em arrendamento e nunca houve problemas. Foi-lhe exibido o documento 4 da contestação e ela (testemunha) reconheceu ser de sua autoria a nota manuscrita aposta nesse documento “substitui a licença de construção/habitação”. De boa fé pensou que, aquando da celebração do contrato de arrendamento, a inquilina sabia da falta de licença de utilização porque eles precisavam da licença para obterem licenciamento do Alojamento Local. Ela, perante a situação de inexistência de licença de utilização, disse à inquilina que se desfazia o contrato e ela restituía todas as quantias recebidas, mas os arrendatários não quiseram dizendo que “tinham conhecimentos” na CML. O pedido de emissão de licença de utilização entrou na CML cerca de 2 ou três semanas depois.
Desde o dia em que assinaram o contrato de arrendamento, os inquilinos foram logo para lá (para a vivenda). Imediatamente ao pedido de emissão da licença de utilização pelos inquilinos ela foi logo tratar da licença junto da CML. A CML disse-lhe que o documento (4 junto com a contestação) era o único que podia substituir a licença de utilização. Como já tinha feito outros arrendamentos com a “RMI” (ré) mandava todos os documentos à
“RMI”, mas não tem a certeza se disse que não tinha licença de utilização, mas também não lhe perguntaram; nunca lhe disseram/pediram registo nem licença de utilização. Não sabia, de início, que o contrato era para Alojamento Local, só muito em cima do contrato é que teve conhecimento. Anteriormente teve outros interessados que pretendiam fazer uma escola na moradia, mas como não havia documentos, não avançaram. O contrato tem-se mantido o mesmo com prorrogações anuais.

- Declarações de parte da autora, por intermédio da gerente RM (sessão de 19/04/2023).
Disse ser gerente da autora e advogada.
Agora têm 46 camas e antes (na Rua do Possolo) tinham menos 7%. Terem estado parados seis meses implicou um impacto enorme nas finanças da sociedade. Precisavam de um espaço maior. Fecharam na Rua do Possolo em 31/01/2020. Estiveram sem possibilidade de abrir desde 01/02/2020 até 21/08/2020; só receberam a licença de utilização a 16/07/2020; começaram por abrir o café, depois o restaurante e depois o alojamento em 21/08/2020. Perderam as receitas de 01/02/2020 a 22/08/2020. Fizeram a previsão do que iriam receber no período em que estiveram fechados com base no que receberam em 2019, mas, no caso do alojamento, com mais 7% de acréscimo de camas, o que perfaz 47 970,16€ de receitas esperadas, mas continuaram a pagar ao pessoal, as rendas e mantiveram os custos, mas perderam as receitas. No período de 01/02/2019 a 31/08/2019, na Rua do Possolo, cobraram às organizações internacionais de voluntariado 251 575,87€; no período igual de 2020 tiveram de cancelar os contratos que já estavam programados e não puderam fazer outros; com café e restaurantes tinham uma previsão de receitas de 42.965,50€; pela impossibilidade de utilizarem o espaço para actividades tiveram uma perda de lucro de 2.822,28€. Isto com base nos dados de 2019. Compararam ainda estas contas com os anos de 2021 e 2022 para perceberem que os valores não eram descabidos. Estiveram de quarentena, por causa da COVID, entre 13/03/2020 e 18/05/2020; retiram 50% por causa dos constrangimentos devidos à COVID. Em 2021 estimaram receitas de 47.900€e receberam 41.200€. Em 2021, de receitas de voluntariado tiveram 92.567,08€. Fizeram a mesma lógica para o café e o restaurante, retiraram o período de quarentena e consideram só o período de 01/12 a 13/03 e de 18/05 a 22/08, períodos em que estiveram abertos e consideraram 72,5% de margem que têm nos produtos de almoço, jantar e café e perderam 21.406,18€ (café e restaurante). Em 2021 em termos de actividades facturaram 3.348€que tinham considerado em 2019. Os valores que apresentaram foram calculados em 2020 com base nos valores de 2019.

3.2.1- A Impugnação da Matéria de Facto pela Autora.

A autora/apelante impugna a matéria de facto decidida pela 1ª instância, defendendo que os pontos 1, 2, 3, 5, 6 e 7 dos factos não provados devem ser considerados provados. Baseia-se, em síntese, em documentos juntos aos autos – que se especificarão – e ainda da prova gravada que se especificará.
Vejamos cada um destes pontos, utilizando os agrupamentos de factos feitos pela autora apelante.
Assim:
- Pontos 1 e 3 dos Factos não provados.
A apelante defende que o tribunal não teve em consideração os documentos que foram juntos, concretamente o documento junto como documento 5 (surge em 10 lugar na junção efectuada a 29/03/2023) do qual resulta que suportou custos operacionais de 390 631€; e do documento 15 junto com a petição inicial resultam custos operacionais totais, no período de 2019, de 428.151,11€; entende que da comparação desses documento resulta que entre os anos de 2019 e 2020, a autora viu a suas despesas diminuírem em 37.520,01€. Defende que podia o tribunal calcular a diferença entre as despesas globais de 2019 e 2020, chegando à conclusão que deve ser considerando provado que a autora teve uma redução de custos no valor de 37.520,01€.
Vejamos.
O ponto 1º dos factos não provados corresponde ao que a autora alegou no ponto 68º da sua petição inicial. Nesse artigo, a autora alegou “…a Autora viu-se privada, por força da actuação culposa e ilícita das Rés, que promoveram o arrendamento pela Autora de um imóvel para o qual não foi emitida licença de utilização, da gerar receitas através da exploração do Hostel a instalar na moradia arrendada, mantendo as mesmas despesas com mão-de-obra, equipamentos, etc.” * (sublinhado nosso)
Por sua vez, o ponto 3º dos factos não provados corresponde ao que foi alegado pela autora no artigo 76º da petição inicial: “Uma vez que a Autora aumentou as suas despesas com mão-de-obra e equipamentos, conforme se pode confirmar através do Balancete Analítico da Autora de Março de 2020, a perda de facturação corresponde a um verdadeiro prejuízo directo, no valor de 47.970,16€ (quarenta e sete mil novecentos e setenta euros e dezasseis cêntimos), relativo a noites não vendidas.” * (sublinhado nosso).
Ora bem, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a alegação da autora nos ponto 68º e 76º da petição inicial mostra-se contraditória: no ponto 68º a autora alega que manteve as mesmas despesas com mão de-de-obra e equipamentos (no ano de 2020, pelo período em que não pode exercer a sua actividade) e, no ponto 76º da petição, alega que, no mesmo período, a autora aumentou as suas despesas com mão-de-obra e equipamento, concluindo que teve um prejuízo directo de 47.970,16€.
Por outro lado, naqueles artigos 68º e 76º, a autora pretende que, devido à impossibilidade de abrir o Alojamento Local, a autora teve um prejuízo direto de 47.970,16€e, agora, na alegação, pretende seja dado como provado que teve uma redução de custos de 37.520,01€. Ora, trata-se de tentar obter a prova de um facto diverso daquele que alegou, ou seja, de uma modificação do fundamento da pretensão que deduziu, o que não nos parece admissível.
Por outro lado ainda, o documento junto em 10 lugar com o requerimento probatório apresentado a 29/03/2023 vem intitulado como “Demonstração Resultados”, elaborado a 31/03/2022 e constitui uma tabela comparativa de diversas rubricas entre os anos de 2021 e 2020; e, o documento junto em 12 lugar com o segundo requerimento apresentado a 05/01/2021, constitui uma suposta “Demonstração de Resultados por Natureza” (não assinada nem oficial), que pretende comparar os valores de diversas rubricas de rendimentos e gastos, resultados antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos, resultados operacionais antes de impostos e resultados líquidos, entre os anos de 2019 e 2018. Pois bem, da comparação dos valores constantes desses dois documentos “Demonstração de Resultados” entre os anos de 2019 e 2020, não se alcança o valor de 37.520,01€ de redução de custos que a autora agora quer ver dado como provado. Com efeito, se somarmos as rubricas “fornecimentos e serviços externos, com gastos com pessoal e com outros gastos”, do ano de 2019 (documento 12 apresentado com o segundo requerimento probatório apresentado a 05/01/2021), obtém-se a soma de 428.151,11€ (157 124,39€+250 941,63€+20 085,09€) e, se somarmos as mesmas rubricas relativamente ao ano de 2020 (referido no documento 10 lugar do requerimento de 29/03/2023) obtém-se um resultado de 389.946,98€. A diferença entre estas duas somas dá 38.204,13€e não os invocados 37.520,01€. Além disso, aquela diferença de valores daquelas rubricas entre os anos de 2019 e 2010, não significa que esse valor corresponda a um prejuízo.
Em face do que se expôs, somos a entender que não há fundamento para alterar as respostas negativas vertidas nos pontos 1 e 3 dos factos não provados e, para dar como provado que a autora teve uma redução de custos de 37.520,01€.

- O ponto 2 dos factos não provados.
Pretende a apelante que seja dado como provado que a autora projectou, para o período de 01/02 a 22/08/2020, uma receita de 47 970,16€relativa à venda de estadias. Argumenta que o tribunal confunde previsão de receitas para 2020 com perda de receitas em 2020. A previsão de receitas foi projectada pela autora tendo por base o aumento de capacidade de alojamento da moradia em 7% relativamente à Rua do Possolo, o que foi confirmado pelas declarações de parte da sua legal representante, RM.
Vejamos.
Recordemos o teor do ponto 2 dos factos não provados:
A receita projectada para o período de Fevereiro de 2020 a Agosto de 2020, com noites vendidas no imóvel arrendado era de 47.970,16€
Nas declarações de parte prestadas pela representante da autora, RM, ela mencionou, sobre a questão, como referimos acima, que “Agora têm 46 camas e antes (na Rua do Possolo) tinham menos 7%. (…) Fizeram a previsão do que iriam receber no período em que estiveram fechados com base no que receberam em 2019, mas, no caso do alojamento, com mais 7% de acréscimo de camas, o que perfaz 47.970,16€ de receitas esperadas.
Pois bem, antes de mais, é oportuno esclarecer que o valor de 47.970,16€, não se trata de uma verdadeira “previsão”, ou seja, é um valor que não foi calculado antes do exercício de 2020, mas, antes, de uma “projecção”, visto que, conforme foi dito pela representante da autora, esse valor foi encontrado, no final de 2020, por altura da instauração da acção e, baseou-se no valor que receberam em 2019 aumentado de 7%.
Por outro lado, o ponto 2º dos factos não provados foi retirado da alegação da autora nos artigos 73º, 74º, 75º e 76º da petição inicial. E nesses pontos da petição inicial a autora alegava ter tido um prejuízo por noites não vendidas (no período de 01/02 a 22/08/2020) de 47.970,16€. Agora, com a impugnação da decisão da 1ª instância sobre o ponto 2 dos factos não provados, pretende que se dê como provado “…que a autora projectou, para o período de 01/02 a 22/08/2020, uma receita de 47.970,16€ relativa à venda de estadias…”. Trata-se, em rigor, de pretender provar um facto diverso do que foi alegado.
Por outro lado, não se percebe, dos documentos juntos pela autora com a petição inicial (os documentos foram juntos em 3 requerimentos distintos, embora todos no dia 05/01/2021), e posteriormente renumerados/conciliados (por força do despacho de 24/05/2022) como é que a autora chegou ao valor de 44.831,93€ de receitas de alojamento no período de 01/02 a 22/08/2019; isto porque o documento numerado como nº 18 (referido no artigo 72º da petição inicial) e o documento 19 referido no artigo 76º da petição inicial) não possibilitar alcançar, com clareza, essa quantia. Com efeito, o documento 18 corresponde a um extracto de conta de conferência, composto por 16 páginas, totalmente inalcançável quanto aquele valor; e o documento nº 19, consiste num balancete analítico acumulado até ao mês de março, composto por 9 páginas, que também não esclarecem, de modo claro, como chegou a autora àquele montante. Ora, sem a demonstração da receita de 44.831,93€, não é possível aplicar o adicional de 7% para chegar ao valor de 47.970,16€.
A esta luz, entendemos não existir razão para alterar o ponto 2º dos factos não provados.

- Ponto 5 dos factos não provados.
Entende a autor que o ponto 5 dos factos não provado deve ser alterado decidindo-se como provado que a autora tinha previsto para o período de 01/02 a 22/08/2020 uma receita de 251.757,87€ relativamente aos programas de voluntariado. Baseia-se, para o efeito, nas declarações de parte prestadas pela sua representante legal, RM.
Vejamos.
Recordemos o teor do ponto 5 dos factos não provados:
A Autora perdeu toda a receita prevista para os programas de voluntariado que deixou de realizar entre fevereiro e agosto de 2020, no valor de 251.757,87€
Ora bem, este facto teve origem na alegação feita pela autora na petição inicial nos artigos 82º e 87º e, nesses artigos, a autora não alegava que tinha previsto para o período de 01/02 a 22/08/2020 uma receita de 251.757,87€, como agora pretende, mas afirmava um prejuízo directo de 251.757,87€. Trata-se, portanto, de enunciados de facto diferentes.
Ora, nas declarações de parte da gerente da autora, ela, no essencial, limitou-se a repetir a alegação da petição inicial e, quanto a esta questão disse, como vimos, “No período de 01/02/2019 a 31/08/2019, na Rua do Possolo, cobraram às organizações internacionais de voluntariado 251.575,87€; no período igual de 2020 tiveram de cancelar os contratos que já estavam programados e não puderam fazer outros.” Pois bem, salvo o devido respeito, esta declaração da gerente da autora, por mera adesão ao que foi alegado na petição inicial, não se nos afigura suficiente para se poder alterar o ponto 5 dos factos não provados.
Note-se que isto não significa que tenhamos uma posição de inferiorização ou desconsideração da força probatória das declarações de parte; de resto seguimos o entendimento expresso por Teixeira de Sousa “…em vez de atribuir às declarações de parte o valor de princípio de prova, melhor solução parece ser o de atribuir a estas declarações o grau normal dos meios de prova, que é o de prova strictu sensu…Isto significa que, de acordo com o critério da livre apreciação de prova, o tribunal tem de formar prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando” (Blog do IPPC, 20/01/2017). E assim sendo, no caso dos autos, a simples declaração, por mera adesão à petição inicial, não nos permite formar uma suficiente convicção acerca do facto ora pretendido alterar pela autora.
A esta luz, sem necessidade de outros argumentos, entendemos que não há fundamento para alterar a decisão do ponto 5º dos factos não provados.

- O ponto 6º dos factos não provados.
Pretende a autora que se dê como provado que tinha previsto para o período de 01/02 a 22/08/2020, o lucro de 42.955,50€ relativo aos serviços de café/bar e restaurante. Invoca para o efeito as declarações de parte da sua legal representante que referiu que o valor foi calculado com base no “Food Cost Analysis”. Invoca ainda o documento 25 junto com a petição inicial.
Vejamos.
Recordemos o teor do ponto 6º dos factos não provados:
O lucro perdido pela Autora com os serviços de refeição no Hostel a instalar no imóvel arrendado, no período de Fevereiro a Agosto de 2020 corresponde a 42.965,50€.”
Este ponto de facto resulta do que foi alegado nos artigos 94º a 99º da petição inicial e, a alegação baseou-se num quadro que a autora elaborou no artigo 95º da petição inicial que depois, juntou, a 26/04/2022, indicando-o como documento 25.
Primeira nota: o suposto documento 25, junto a 26/04/2022, mais não é que um print do quadro constante do artigo 95º da petição inicial. Nele, a autora lançou uma série de dados, como o número de hóspedes por dia ao almoço e ao jantar, número de clientes externos ao pequeno almoço, almoço e jantar e, número de clientes por dia no café/bar, o custo de cada uma dessas refeições e o preço das mesmas e, daí extrapolou para uma (suposta) receita total perdida e um total de lucro perdido. Ora, salvo o devido respeito, não existem elementos que permitam alcançar como a autora chegou àquele número de clientes e de refeições. Assim, não vimos qualquer eficácia probatória no quadro constante do art.º 95º da petição inicial que, depois, se “transformou” em documento 25 junto a 26/04/2022.
Quanto às declarações de parte da legal representante da autora, nada acrescentam ao que consta daquele quadro: limitou-se a referir, quanto a esta questão “…no período igual de 2020 tiveram de cancelar os contratos que já estavam programados e não puderam fazer outros; com café e restaurantes tinham uma previsão de receitas de 42.965,50€.”.
A esta vista, entendemos que não há fundamento para alterar a decisão sobre o ponto 6 dos factos não provados.

- O ponto 7 dos factos não provados.
Pretende a autora que se considere provado que ela tinha previsto, para o período de 01/02 a 22/08/2020, um lucro de 2.822,20€ relativo à dinamização de actividades.
Discorda da fundamentação da decisão da 1ª instância sobre esse ponto de facto, dizendo que a limpeza e encargos com a sala das actividades estão incluídas nas despesas gerais do Hostel e não consegue calcular qual fossem esses encargos em ralação à sala em questão. Invoca ainda as declarações de parte da sua legal representante.
Vejamos.
O ponto 7 em questão tem origem nos artigos 100º a 103º da petição inicial e, neles, a autora alegava ter uma perda de lucros, em dinamização de actividades, de 2.822,20€. Tentava demonstrar essa perda de lucros através de um quadro que fez constar no artigo 100º da petição inicial, no qual apõe as diversas actividades realizáveis na sala de actividade, o preço das mensalidades das quatro modalidades, o número de inscritos, o preço de cada sessão das outras actividades, as estimativas das sessões por mês e, dois subtotais que soma e, depois, no artigo 102º da petição inicial retira os número de dias devido ao estado de emergência e chega ao valor de 2.822,20€.
Ora, o “documento” que a autora juntou posteriormente, a 26/04/2022 não é mais que a reprodução, integral do quadro que alegou no artigo 100º da petição inicial. Não se trata, em rigor, de qualquer documento. Além disso, não vem explicado como a autora chega aos números que “descarrega” naquele quadro. E as declarações de parte prestadas pela gerente da autora nada acrescentam ou esclarecem porque, também quanto a esta factualidade, limitou-se a repetir, de modo conclusivo, o que havia sido alegado na petição inicial.
A esta luz, não se altera a decisão sobre o ponto 7º dos factos não provados.

Em suma: improcede, totalmente, a impugnação da matéria de facto deduzida pela autora.

***

3.2.2- A Impugnação da Matéria de Facto pela ré.
A ré impugna a decisão da matéria de facto mencionando no início da alegação e nos pontos I e II das conclusões que discorda da decisão da 1ª instância quanto aos pontos 15, 21, 25, 26, 27, 28, 40, 43, 48, 51, 52, 53 e 57 dos factos provados, pretendendo que não deveriam ter sido dados como provados. Defende que os elementos de prova referidos pela Juíza da 1ª instância não são suficientes para se poder considerar aqueles factos como provados.
Porém, analisada a alegação (e as conclusões) verifica-se que a ré só especifica a motivação da impugnação relativamente a parte desses pontos de facto, em concreto, os pontos 22, 25, 28 e 53 (último parágrafo do ponto i) da alegação, a pág. 12 da alegação) e, pontos 15, 25, 26, 27 e 28 (último parágrafo do ponto iii) da alegação a pág. 22 da alegação.
Vejamos então a pretendida impugnação da matéria de facto feita pela ré.
Antes, porém, importa tecer algumas considerações sobre o regime de impugnação da matéria de facto e dos ónus que o legislador colocou a cargo do recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
Ora, como é sabido, o art.º 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Concretizando.
Estabelece o art.º 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Por comparação com o art.º 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desse ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.). 
Saliente-se ainda que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137).
Além disso, relembre-se, que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141).
Por outro lado, importa igualmente que se perceba que quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto. E que para alcançar esse desiderato impõe-se que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que deve concretizar, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova, o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro.
Dito isto, e voltando à concreta impugnação da matéria de facto pela ré verifica-se que embora tenha referido que impugnava, além dos demais referidos, os pontos 21, 40, 43, 48, 51, 52 e 57, a verdade é que sobre esta factualidade a apelante/ré nada disse: não lhes fez concreta referência, não indicou quaisquer meios de prova que, em seu entender, pudessem implicar diferente decisão, não indicou as respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas a tais pontos de facto e, acima de tudo, não fez uma análise critica da prova que permitisse levar a decisão diversa. O mesmo é dizer que, relativamente aos pontos 21, 40, 43, 48, 51, 52 e 57 dos factos provados, a ré/apelante não comprimiu, minimamente, os ónus de impugnação da matéria de facto que sobre ela impendiam. O que significa concluir pela rejeição da impugnação destes pontos de facto que, como tal, não serão apreciados.
Assim sendo, a análise do recurso de impugnação da matéria de facto suscitada pela ré/apelante apenas incidirá sobre os pontos 15, 22, 25, 26, 27, 28 e 53 dos factos provados.
Apreciemos então.
No capítulo i) (fls. 6 e segs) da alegação, que a ré intitula “A inexistência da licença de utilização”, impugna ela os pontos 22, 25, 28 e 53 dos factos provados. Alega que em face do depoimento da testemunha MT, não podia ter sido considerado como provado o ponto 25 dos factos provados relativo à emissão de licença de utilização em 16/07/2020; e que o documento 4 junto com a contestação substitui a licença de utilização. Quanto ao ponto 53 invoca que não foi demonstrado que a licença de utilização é necessária para o registo do imóvel para a actividade de alojamento local e, por isso, também não podia ter sido dado como provado o ponto 28 dos factos provados; igualmente, também não podia o tribunal dar como provado o ponto 22, porque a testemunha MT referiu terem sido os representantes da autora quem insistiu na obtenção da licença de utilização porque tinham “conhecimentos” na CML.
Vejamos.
- Quanto ao ponto 22 dos factos provados.
Recordemos a redacção deste ponto de facto:
22. Até que, no dia 26 de Janeiro de 2020, a Gerente da Autora enviou um email à Ré MMI, solicitando a licença de utilização, que era indispensável para que pudesse pedir a licença de alojamento local.”
Ora, relativamente a este facto, importa ter presente o teor da comunicação electrónica/email, datado de 26/01/2020, enviado pela gerente da autora, RM, colaboradora da ré, MD, a solicitar o envio, “…com a maior urgência da licença de utilização da casa que estamos a alugar para podermos pedir a licença de Alojamento Local”. De resto, esse documento já havia sido solicitando anteriormente, em 23/12/2019, conforme resulta do email dessa data, remetido pela RM à MD (documento junto em 4 lugar com o segundo requerimento apresentado a 05/01/2021).
Por outro lado, no que toca à indispensabilidade da licença de utilização do imóvel para que a ré pudesse obter licença de Alojamento Local, os legais representantes da autora referiram essa necessidade e, acima de tudo, ela resulta do art.º 6º nº 1, al. a) do DL nº 128/2014, de 29 de Agosto (Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local) que determina que um dos elementos necessários ao pedido de licenciamento de Alojamento Local é, entre outros: “a) A autorização de utilização ou título de utilização válido do imóvel;”.
A esta vista e sem necessidade de outros considerandos remos de concluir que não há fundamento para dar como não provado o ponto 22 dos factos provados.

- Ponto 25º dos factos provados.

Recordemos a redação do ponto 25:
25. O pedido de emissão da licença de utilização foi efectuado, junto da CML, em 12 de Fevereiro de 2020, pela proprietária.”
Ora bem, salvo o devido respeito, também quanto a este ponto de facto a ré não tem razão. Na verdade, a representante da senhoria disse, no seu depoimento ter sido ela a “tratar da licença”. Além disso, o documento junto em sétimo lugar com o segundo requerimento apresentado a 05/01/2021, que foi emitido pela CML e consiste no comprovativo de recepção do pedido de emissão de licença de utilização (Proc. 124/POL/2020), resulta que essa licença de utilização foi solicitada pela Construções e Imobiliária, SA, no dia 12/02/2020 e que foi paga, nessa data, a respactiva taxa de 90€.
Se necessidade de outras considerações, somos a concluir que não há fundamento para alterar o ponto 25 dos factos provados.

- O ponto 28 dos factos.
É a seguinte a redacção do ponto 28 dos factos provados:
28. A Autora ficou impossibilitada de abrir o estabelecimento ao público na data prevista, por falta de licença de utilização, sem a qual não podia requerer a emissão de licença para alojamento local.”
Pois bem, quanto a este facto já vimos que o art.º 6º, nº 1, al. a) do DL128/2014, de 29 de Agosto, exige que para a instrução do requerimento de emissão de licença de Actividade de Alojamento Local, seja junta licença de utilização do imóvel. Por outro lado, vimos que os gerentes da autora referiram que sem a licença de Alojamento Local, não podiam iniciar a sua actividade. De resto, a própria representante da senhoria, testemunha MT mencionou que os “inquilinos” lhe referiram que careciam da licença de utilização do imóvel para poderem obter licenciamento da actividade de Alojamento Local.
A esta luz, não existe fundamento para alterar o ponto 28 dos factos provados.

- O ponto 53 dos factos.
O ponto 53 dos factos provados tem a seguinte redacção:
53. A inactividade imposta pela falta de licença de utilização, ocorrida entre 1 de Fevereiro e 22 de Agosto de 2020 (desconsiderando o período compreendido entre 13 de Março e 18 de Maio de 2020 devido ao estado de emergência implementado para combate à pandemia de Covid-19), no que diz respeito à exploração do café/restaurante que não abriu e às actividades desenvolvidas nas suas instalações (judo, dança contemporânea, yoga, boxe, osteopatia, massagens, workshops), que não tiveram lugar, causou à Autora uma perda de lucro.
A ré/apelante impugna o ponto 53º dos factos provados alegando não ter ficado demonstrado ser necessária a licença de utilização do imóvel para que a autora pudesse obter a licença de exploração do Alojamento Local. Já se viu, acima, a necessidade da licença de utilização para a concessão de licença de Alojamento Local.
Assim, conclui-se que não se altera o ponto 53 dos factos provados.

Resta analisar a impugnação dos pontos 15, 26 e 27 dos factos provados.
Recordemos a letra destes pontos de facto:
15. Após a celebração do contrato de arrendamento a Autora realizou obras na moradia, para a habilitar ao fim pretendido e contactou a Câmara Municipal de Lisboa para emissão da licença para alojamento local, tendo-lhe sido solicitada a apresentação da licença de utilização para habitação.
26. A emissão da licença de utilização foi requerida em 12 de Fevereiro de 2020 e foi emitida em 16 de Julho de 2020 (Alvará de Utilização para Habitação n.º 3…/UT-CML/2020, o que impediu o pedido de emissão da licença de alojamento local, imprescindível para a abertura do Hostel ao público.
27. Após a emissão da licença de utilização, em 16 de Julho de 2020, a Autora requereu a emissão da licença de alojamento local, a qual foi emitida em 22 de Agosto de 2020.”
A impugnação destes pontos de facto é feita pela ré/apelante no capítulo iii) da alegação, sob o título “A alegada impossibilidade de registo do imóvel para Alojamento Local por parte da autora” (fls. 19 e segs. da alegação). Para o efeito diz que a 1ª instância se baseou, somente, nas declarações dos gerentes da autora e que não existe qualquer documento camarário ou outro a exigir a licença de utilização para a emissão do licenciamento do Alojamento Local e que bastava à autora fazer o registo no Balcão Único Electrónico.
Ora bem, como já vimos acima, por mais de uma vez, é o art.º 6º nº 1, al. a) do DL nº 128/2014, de 29 de Agosto (Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local) que determina que um dos elementos necessários ao pedido de licenciamento de Alojamento Local é, entre outros: “a) A autorização de utilização ou título de utilização válido do imóvel;”.
Só por aqui teríamos de concluir que o argumento utilizado pela ré/apelante para impugnar estes três pontos da matéria de facto, não procede.
Apesar disso, impõe-se que se diga que, conforme referimos acima, o documento junto em sétimo lugar com o segundo requerimento apresentado a 05/01/2021, que foi emitido pela CML e consiste no comprovativo de recepção do pedido de emissão de licença de utilização (Proc. 124/POL/2020), resulta que essa licença de utilização foi solicitada pela Construções e Imobiliária, SA, no dia 12/02/2020. E o documento junto em oitavo lugar com o segundo requerimento de 05/01/2020, emitido pela CML, em 16/07/2020, que consiste na cópia do Alvará de Utilização nº 3…/UT.CML/2020. Além destes dois documentos, importa ter em consideração o documento junto em nono lugar com o segundo do requerimento de 05/01/2020, que consiste na cópia da comunicação do Turismo de Portugal, IP, à gerente da autora a indicar ter-lhe sido atribuído o número de registo 1…/AL; mais consta desse documento que o pedido foi submetido a 24/07/2020. Além disso, decorre do art.º 6º nº 9 do DL nº 128/2014, de 29 de Agosto (Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local) que pode haver oposição à comunicação prévia com prazo se, num prazo de 10 dias contados a partir da sua apresentação ou num prazo de 20 dias no caso dos hostels, o Presidente da Câmara Municipal, territorialmente competente, com faculdade de delegação nos vereadores ou dirigentes, se oponha ao registo, com os fundamentos aí especificados; por isso, admite-se que a emissão de licença de Alojamento local tenha ocorrido a 22/08/2020.
Em face destes elementos de prova conclui-se que não existe fundamento para alterar os pontos 15, 26 e 27 dos factos provados.

À luz do que se expôs, conclui-se pela total improcedência da impugnação da matéria de facto suscitada pela ré.

***

3.3- A nulidade da sentença por condenação em objecto diverso.

Entende a autora que a sentença padece de nulidade por ter condenado a ré em objecto diverso daquele que foi pedido. Alega que a sentença condenou a ré “…a indemnizar a autora pelo valor correspondente à margem de lucro projectada entre 01/01 e 22/08/2020, a determinar em execução de sentença até ao limite do valor peticionado”., quando vinha pedido: “A condenação da ré no pagamento de 345.515,73€; e, por ampliação do pedido, também a condenação da ré a pagar juros de mora, desde a notificação da ampliação do pedido, à taxa legal, até integral cumprimento.” Diz que de acordo com o tribunal da 1ª instância o valor do pedido formulado na petição inicial (345.515,73€- que correspondem às recitas que o autor deixou de receber) deveriam ser subtraídas todas as despesas com os custos operacionais do negócio, tornando-se indemnizável apenas o lucro projectado ao invés da receita projectada, como havia sido pedido pela autora.
Será que a sentença é nula por condenação em objecto diverso?
Vejamos.
Determina o art.º 615º nº 1, al. e) do CPC que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. O preceito está relacionado com o art.º 609º nº 1 do mesmo código que impede o juiz, na sentença, de condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido.
Estes preceitos conjugam dois princípios básicos do processo civil, os poderes de cognição do juiz com o princípio do dispositivo do qual resulta que, em geral, compete às partes definir o objecto da lide, articulando os factos essenciais que fundamentem as pretensões ou excepções deduzidas e, formulando os consequentes pedidos. Determina-se, através deles, que o juiz está limitado, na sentença, por aquilo que lhe foi pedido pelas partes estabelecendo-se, desse modo, um limite quantitativo e um limite qualitativo ao conteúdo possível da sentença: o juiz não pode condenar em quantidade superior e não lhe é lícito condenar em objecto diverso.
Pois bem, no caso em apreço, a autora pediu:
“A condenação da ré no pagamento de 345.515,73€; e, por ampliação do pedido, também a condenação da ré a pagar juros de mora, desde a notificação da ampliação do pedido, à taxa legal, até integral cumprimento.
E a sentença determinou a seguinte decisão condenatória:
“…julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a indemnizar a Autora pelo valor correspondente à margem de lucro projectada da empresa entre 1 de Fevereiro de 2020 e 22 de Agosto de 2020, a determinar em incidente de liquidação de sentença, até ao limite do valor peticionado (devendo ser levado em conta as limitações que decorreram para a actividade da Autora provenientes da situação de pandemia que se viveu nesse período e consequente redução da margem de lucro que daí adveio), acrescendo os juros moratórios desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo pagamento, à taxa legal supletiva, aplicando-se, actualmente, a taxa de 4 % (Portaria 291/2003, de 08/04), sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas que venham a vigorar aos juros corridos na vigência desses novos normativos.”
Haverá diferença relevante, em termos qualitativos ou quantitativamente superiores entre o que foi pedido e o que vem atribuído em termos de permitir considerar que o juiz condenou em quantidade superior ou em objecto diverso?
Por pedido, de acordo com o art.º 581º nº 3 do CPC, entende-se o efeito jurídico que se pretende obter com a acção. No entanto, esse efeito jurídico pretendido, tanto pode ser visto como: (i) a providência concedida pelo juiz, através da qual é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.); (ii) como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecida. O primeiro é o objecto imediato; o segundo, é o objecto mediato. (Cf. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 1981, pág. 201 e seg.).
O que releva, para efeitos de aferir se determinada decisão condena ultra petita é, não tanto o objecto imediato/providência peticionada, mas mais o objecto mediato. Isto é, “…o que interessa não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objecto mediato deve entender-se como efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à pretensão.” (Anselmo de Castro, Direito Processual…cit., pág. 203). * (sublinhado nosso).
Ora, salvo o devido respeito, entendemos que a decisão da 1ª instância não condenou em objecto diverso:  Vinha pedida a condenação da ré em indemnização na quantia de 345 515,73€, correspondentes às recitas que a autora deixou de receber (acrescida de juros desde a notificação da ampliação do pedido). A primeira instância condenou em quantia a liquidar posteriormente, correspondente às receitas que obteria, deduzida das despesas com custos operacionais do negócio. Materialmente, a 1ª instância concedeu uma indemnização (a liquidar posteriormente) que, quando muito, poderá vir a revelar-se em quantia inferior ao que foi peticionado. De resto, a 1ª instância usa, no decisório, a expressão “…julgo a acção parcialmente procedente…”.
Ora, a condenação em quantia inferior (potencialmente inferior) não corresponde ao conceito de objecto diverso a que se reporta o art.º 615º nº 1, al. e) do CPC.
A esta luz, somos a concluir que a sentença não enferma da alegada nulidade, por condenação em objecto diverso/pronúncia excessiva.

***

3.4- A revogação da sentença com a consequente condenação da ré no pedido.

A autora entende que a sentença deve ser revogada e, por consequência, a ré condenada no pedido. Baseia-se, para tanto, na alteração da matéria de facto que havia pretendido, como decorre do capítulo 2 da sua alegação: “A decisão que decorre da alteração que se impõe à matéria de facto.” Defendia que em face da alteração da matéria de facto que pretendia fosse efectuada, o tribunal tinha todos os elementos que necessários para efectuar o cálculo do prejuízo sofrido.
Ora, como se verificou, a impugnação da matéria de facto foi totalmente improcedente, o que significa que não ocorreu a alteração fáctica que a autora pretendia para alicerçar a sua pretensão de condenação da ré no pedido, em vez do que foi decidido pela sentença da 1ª instância: condenação em indemnização a liquidar posteriormente. O mesmo é dizer, que não sendo atendidas as alterações à matéria de factos e baseando-se a pretensão de revogação da sentença apenas nessas alterações de facto, fica sem fundamento o recurso quanto a esta parte. Digamos que ocorre uma situação de inviabilidade do recurso: os pressupostos de facto em que se baseia não se verificam.
A esta vista e sem necessidade de outros considerandos, resta concluir não existir fundamento para condenar, neste acórdão, no pedido deduzido.

***
3.5- A revogação da sentença com a consequente absolvição da ré do pedido.
A ré pretende que a sentença seja revogada e, por consequência se determine a sua absolvição do pedido. Baseia-se, essencialmente, nos seguintes argumentos: (i) a alteração à matéria de facto que pretendia com a impugnação da matéria de facto; (ii) a inadmissibilidade de ser dada uma “segunda oportunidade” à autora de provar os lucros que deixou de obter; (iii)- cabia exclusivamente à autora averiguar se o imóvel possuía todas as condições para nele ser instalado um Alojamento Local; (iv) a relevância de a autora se encontrar assessorada por advogado.
Vejamos então se a ré/apelante tem razão, ou em que medida a terá.
3.5.1- Começando pela questão da alteração da matéria de facto pretendida pela ré.
Como vimos, revelou-se totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto invocada pela ré. Ora, à luz do que referimos acima acerca da improcedência da matéria de facto invocada pela autora,  também agora temos de concluir que, com a improcedência total da impugnação factual, o recurso da ré, na parte em que se baseava nessa modificação fáctica, deixa de ter fundamento e, por conseguinte, não pode proceder.

3.5.2- A invocada inadmissibilidade de ser dada uma “segunda oportunidade” à autora de demonstrar os danos que sofreu.
Também quanto a este argumento, salvo o devido respeito, a ré não tem razão. Com efeito, é pacífico o entendimento jurisprudencial que rejeita a argumentação meramente formal que valorizasse a circunstância de, na condenação em valor a liquidar posteriormente se estar a conceder, ao autor, uma segunda oportunidade de demonstração dos factos que fundamentem o seu direito (Cf. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 755, anotação 7). Compreende-se que assim seja. Com efeito, o disposto no artigo 609º nº 2, do CPC aplica-se em todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova. (Cf. Ac. TRC, de 11/10/2017 (Proc. 228/15), onde se pode ler, “… desde que esteja demonstrada a existência da obrigação – uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação, mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação –, o Tribunal, carecendo de elementos para fixar o seu objecto ou o seu exacto valor, deverá condenar naquilo que venha a ser liquidado posteriormente”.
De resto, Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 71) “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença
 No mesmo sentido, Lebre de Freitas, et alii (CPC anotado, Vol. 2º, 2001, pág. 648 e segs).
Na jurisprudência veja-se Ac. STJ, de 22/09/2016 (Proc. 681/14), onde pode ler-se “O facto de o autor ter formulado na acção declarativa de condenação um pedido de indemnização líquido não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente desde que os elementos de facto, embora revelando a existência de um dano patrimonial, se mostrem insuficientes para a sua quantificação”. E ainda Ac. STJ, de 11/05/22 (Proc. 3028/17).
A esta luz, sem necessidade de outros considerandos, não pode ter acolhimento este argumento da ré, de ser inadmissível que a autora tenha a oportunidade de demonstrar, em sede de incidente de liquidação os factos que possibilitem a quantificação dos seus prejuízos.

3.5.3- Se cabia exclusivamente à autora averiguar se o imóvel possuía todas as condições para nele ser instalado um Alojamento Local.
Este entendimento da ré pretende olvidar os deveres que sobre ela recaem enquanto mediadora imobiliária. Como é sabido e vem mencionado na sentença sob recurso, o art.º 17º da Lei 15/2013, de 08/02, (RJAMI) com a epígrafe “Deveres para com os clientes e destinatários” estabelece uma série de deveres (deveres de agir) e de proibições para o mediador imobiliário, quer relativamente aos clientes quer em relativamente aos destinatários.
Assim determina esse art.º 17º do RJAMI:
 “1 - A empresa de mediação é obrigada a:
a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;
d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.
2 - Está expressamente vedado à empresa de mediação:
a) Receber remuneração de clientes e destinatários no mesmo negócio;
b) Intervir como parte interessada em qualquer negócio que incida sobre imóvel compreendido no contrato de mediação de que seja parte;
c) Celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta;
d) Proceder à avaliação imobiliária dos imóveis objeto da mediação, bem como de todos os imóveis integrados nas carteiras das mediadoras imobiliárias com as quais mantenha qualquer relação de domínio ou de grupo ou daquelas que se apresentem no mercado sob a mesma marca comercial.
3 - A proibição contida na alínea b) do número anterior aplica-se igualmente no caso de o interessado no negócio ser sócio ou representante legal da empresa de mediação, ou ser cônjuge, ascendente ou descendente no 1.º grau de qualquer daqueles.
4 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.
Os deveres impostos ao mediador imobiliário, a que se referem as diversas alíneas do nº 1, têm em vista, essencialmente, proteger os destinatários dos negócios. Destinatários estes que devem ser entendidos em sentido amplo, consideram-se como tal, nos termos do art.º 2º nº 5 do RJAMI, “…a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado”. Por sua vez, as proibições do nº 2 do art.º 17º são dirigidas à protecção dos clientes e destinatários. Trata-se de normas de protecção que impõem ou proíbem comportamentos, com vista à protecção dos interesses dos destinatários e dos clientes e, por isso, alheios aos interesses do agente imobiliário.
Quando a inobservância desses deveres (de protecção) para com os destinatários cause danos, é susceptível de conduzir à responsabilidade civil da empresa de mediação imobiliária por via do disposto no art.º 483º nº 1, 2ª parte, do CC (Cf. Higina Castelo, Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária anotado, 2015, pág. 113; no mesmo sentido, Fernando Baptista Oliveira, Manual de Mediação Imobiliária, 2019, pág. 335).
Tratando-se de normas de protecção, a sua inobservância constitui uma actuação ilícita. (Cf. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, pág. 237). Além disso, a culpa tem de se referir apenas à própria violação da norma e não já à violação de bens jurídicos (Sinde Monteiro, Responsabilidade…, cit., pág. 239).
No caso dos autos, como se refere na sentença sob impugnação, “… Entre os deveres legais que ao caso importam destacam-se os seguintes:
- O dever de obter informação junto das pessoas com quem o contrato de mediação foi celebrado e fornecê-la aos interessados de forma clara, objectiva e adequada, nomeadamente sobre as características, composição, preço e condições de pagamento do bem em causa - art.º 17º, n.º 1, al. a) e b);
- O dever de propor com exactidão e clareza os negócios de que forem encarregadas, procedendo de modo a não induzir em erro os interessados - art.º 17º, n.º 1, al. c);
- Ou o dever de comunicar imediatamente aos interessados qualquer facto que ponha em causa a concretização do negócio visado - art.º 17º, n.º 1, al. d).”
E continua a sentença “…a actuação da Ré colidiu essencialmente com os deveres de obter informação junto da pessoa com quem o contrato de mediação foi celebrado e fornecê-la aos interessados de forma clara, objectiva e adequada, nomeadamente sobre a existência de condições legais para o exercício da actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel e que era do seu conhecimento, e o de propor com exactidão e clareza o negócio de que foi encarregada (…) informando a Autora antes da celebração do contrato de arrendamento, da inexistência de licença de utilização.” (…) “Contra o que estava legalmente obrigada, a Ré, através dos seus empregados ou representantes, não se assegurou de que o imóvel tivesse a necessária licença de utilização para poder ser arrendado para o fim a que se destinava (o que facilmente poderia ser esclarecido junto da proprietária…” (…) “Nestas circunstâncias, não há dúvida de que a Ré incumpriu deveres legais de informação e de esclarecimento, assim ficando preenchido o pressuposto da ilicitude…”.
Ora, do que se expôs, decorre que sobre a ré incidia um dever de protecção de interesses alheios (da autora) cuja inobservância constitui uma actuação ilícita, culposa, causadora de danos à autora.
Daqui decorre que contrariamente ao que a ré invoca, não cabia exclusivamente à autora averiguar se o imóvel possuía todas as condições para nele ser instalado um Alojamento Local. A ré estava obrigada a averiguar da existência, ou não, da licença de utilização do imóvel, dado que nos termos gerais do art.º 1070º do CC os contratos de arrendamento urbano só podem recair sobre locais cuja aptidão, para o fim do contrato, seja atestado pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização.
Aceitando mediar a celebração de contrato de arrendamento de prédio urbano, a ré, enquanto profissional, tinha o dever de conhecer a norma do art.º 1070º do CC e a inerente necessidade de existência de licença de utilização para a celebração do contrato, na qual, de resto, deve constar a respectiva indicação.

3.5.4- A relevância de a autora se encontrar assessorada por advogado.
A ré invoca que a autora dispunha de assessoria jurídica na negociação, preparação e formalização do contrato e, que participou na redacção do texto final do contrato de arrendamento e, por isso, sabia que não havia licença de utilização.
A 1ª instância desvalorizou essa factualidade, escrevendo:
O facto da Autora se encontrar assessorada por advogado em nada altera a conclusão sobre a existência de responsabilidade da Ré, não tendo igualmente a virtualidade de excluir a sua responsabilidade, pela confiança que a sua mediação no negócio confere a terceiros, mesmo tratando-se de profissionais.
Com efeito, era a Ré que tinha ou devia ter na sua posse a documentação respeitante ao imóvel, cujo dono era o seu cliente, criando, com a sua intervenção, a segurança de que tal documentação existia e havia sido analisada, conferindo ao imóvel as condições legais para nele ser exercida a actividade que a Autora nele pretendia desenvolver e que lhe foi comunicada.”
Será assim?
Recorde-se que ficou provado que:
55. A Autora dispunha de assessoria jurídica na negociação e preparação da formalização do contrato de arrendamento.
56. A Autora participou na redacção do texto final do contrato de Arrendamento.”
A pretensão indemnizatória da autora funda-se nos prejuízos que sofreu, por não ter podido abrir o Alojamento Local, a instalar na moradia do Restelo, objecto do contrato de arrendamento, por culpa da ré, que não a informou da não existência de licença de utilização da moradia. Ou seja, sinteticamente, a pretensão indemnizatória da autora radica na inobservância dos deveres que sobre a ré impendiam enquanto mediadora imobiliária, nos termos do art.º 17º nº 1 do RJAMI e, nos prejuízos que dessa conduta para ela resultaram.
Ora bem. Estamos perante a celebração de um contrato de arrendamento de prédio urbano. Como acima referimos, o art.º 1070 nº 1 do CC estabelece requisitos de celebração do contrato de arrendamento de prédio urbano: só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através da licença de utilização.
Por sua vez, o DL 160/2006, de 08/08, introduzido por força do nº 2 do art.º 1070º do CC, veio estabelecer os requisitos a que deve obedecer a celebração do contrato de arrendamento, isto é, os elementos do contrato de arrendamento urbano e os requisitos a que obedece a sua celebração (art.º 1º do DL 160/2006).
Ora, determina o art.º 2º desse DL 160/2006, com epígrafe “Conteúdo necessário” que um dos elementos que deve constar, obrigatoriamente, no contato de arrendamento urbano é, justamente, “A existência de licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente ou a referência a não ser aquela exigível”.
E o art.º 5º do DL 160/2006, de 08/08, com epigrafe “Licença de utilização”, determina que: “1 - Só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.”
Portanto e em síntese, é obrigatório fazer constar do contrato de arrendamento urbano a existência de licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente.
O contrato em causa nos autos é absolutamente omisso em relação a existência de licença de utilização, o seu número e entidade emitente.
A ré, enquanto “profissional” de mediação imobiliária, não podia desconhecer aquela obrigatoriedade.
E o mesmo se diga da autora que celebrou o contrato tendo em vista a sua actividade “profissional” de empresa de turismo com destaque para o Alojamento Local. Tanto mais que estava assessorada juridicamente e, inclusivamente a sua gerente, segundo afirmou nas declarações de parte, é advogada. Sem dúvida que à autora também era exigível saber que devia constar, obrigatoriamente no contrato de arrendamento, a existência de licença de utilização, o seu número, data e a entidade emitente. A actuação da lesada, autora, é igualmente censurável. Tinha o dever de saber que, sem a existência de licença de utilização não lhe era possível obter licenciamento da actividade a que se propunha levar a efeito na moradia arrendada e, por isso, antes de celebrar o contrato deveria indagar da existência desse documento e, não existindo, podia optar por não celebrar o contrato ou, correr o risco da sua celebração e consequente limitação/impedimento à obtenção de licença de Alojamento Local.
Entramos, assim, numa situação de concurso de culpa do lesado.
O art.º 570º nº 1 do CC, com epígrafe “Culpa do lesado”, refere:
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
Este preceito estabelece que a actuação culposa do lesado que contribuiu para os danos não corresponde a um acto ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a ocorrência de danos a si próprio. (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 7ª edição, pág. 334; no mesmo sentido, Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, pág. 524).
O sistema que corresponsabiliza o lesado pelo seu facto culposo, do art.º 570º nº 1 do CC, surge com a função de uma certa responsabilização do lesado perante si mesmo. A contribuição culposa do lesado para o seu dano continua a gerar um processo de ponderação das condutas que irá condicionar o quantum indemnizatório em função da maior ou menor participação do lesado no evento danoso. (Cf. Brandão Proença, A Conduta do Lesado…, cit., pág. 123). O art.º 570º está “…ao serviço de um determinado equilíbrio de posições, não onerando em demasia o lesante, nem desprotegendo em excesso o lesado.” (Brandão Proença, ob. Cit., pág. cit.). E continua este autor “…o art.º 570º nº 1, parece querer responsabilizar o lesado, perante si mesmo, como se sobre ele recaísse um qualquer dever de evitar o dano. A culpa parece funcionar, assim, não só como critério de responsabilidade, mas determinando, ainda, a sua medida, num processo objectiva e subjectivamente mais complexo do qua aquele que ocorre no âmbito do art.º 494º.” (Ob. Cit., pág. 123 e seg.). E mais adiante escreve o mesmo autor “O preceito do art.º 570º nº 1 não é uma norma primária ou autoresponsabilizante, no sentido em que o é a do art.º 483º, mas pretende, precipuamente, uma repartição justa, natural, do dano em função das contribuições, em regra culposas, do lesante e do lesado.” (Ob. Cit., pág. 128 * sublinhado nosso).
A imputação do dano, implicada na autorresponsabilidade, tem por perímetro o espaço decisivo dos interesses do lesado, parece curial a defesa de um peso, de uma “missão” de se ser cuidadoso com os bens próprios, afastando-se ou reduzindo-se o perigo de uma autolesão.
Por outro lado, a “assunção do risco” traduz, essencialmente, a atitude do lesado de se expor conscientemente a um perigo típico ou específico conhecido, sem a isso ser obrigado, mas conservando a esperança de o perigo não se concretizar em dano. Esta colocação voluntária em perigo, não se identifica com a decisão, mais ou menos difusa, de se poder sofrer um dano, reveste, por outro lado, a forma de uma conduta positiva, sem necessidade de manifestações declarativas. (Brandão Proença, Ob. Cit., pág. 615 e seg.).
Dito isto e regressando ao caso dos autos.
Vimos que quer a ré, quer a autora tinham, cada uma delas, o dever de saber da obrigação legal de fazerem constar, no contrato de arrendamento urbano celebrado, a existência de licença de utilização da moradia, o respectivo número e a entidade emitente. Mas, como igualmente vimos, o contrato de arrendamento urbano em causa é totalmente omisso quanto a esse requisito legal, obrigatório, do contrato de arrendamento.
Perante esta contribuição culposa de ambas, autora e ré, para essa omissão, poderíamos dizer que ambas contribuíram, igualmente, ou em igual medida, para que no contrato nada constasse sobre a licença de utilização.
Porém, ao celebrar o contrato sem menção (obrigatória) à licença de utilização, a autora correu o risco de, sem aquela licença de utilização, poder ver impossibilitada ou dificultada a obtenção do licenciamento para a sua actividade de Alojamento Local – matéria que para ela não era nova visto ter tido já, anteriormente, um estabelecimento de Alojamento Local na Rua do Possolo. Nessa medida, afigura-se-nos que o facto culposo da autora (lesada) contribuiu, em maior grau, para a produção dos seus próprios danos, decorrentes da impossibilidade de abrir, logo a 01/02/2020, o Alojamento Local (e desenvolver as demais actividades).
A esta luz, entendemos que, ao abrigo do art.º 570º nº 1 do CC, fixar a culpa da autora numa percentagem de 70% e, da ré em 30% dos danos sofridos pela autora, com o retardamento da abertura do Alojamento Local.

Do que se expôs, decorre que o recurso da autora é totalmente improcedente e, o recurso da ré parcialmente procedente.

***

III-DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
a) - Julgar improcedente o recurso interposto pela autora;
b) - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e, em consequência, condena-se a ré a indemnizar a autora, na percentagem de 30%, pelos lucros que a autora deixou de obter com as actividades inerentes à exploração do estabelecimento na Encosta do Restelo - relativas a noites não vendidas no Alojamento Local, programas de voluntariado não realizados, exploração do café/bar e restaurante e as outras actividades – calculado com base nas previsões de receitas, deduzidas as inerentes despesas com cada uma dessas actividades, no período de 01/02 a 22/08/2020, levando-se em conta as limitações imposta por lei à actividade da autora decorrentes da pandemia COVID 19, até ao limite dos valores peticionados, a liquidar posteriormente, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Custas:
A) - No recurso da autora, exclusivamente a cargo desta, na modalidade de custas de parte (as custas na modalidade de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não foram praticados actos tributáveis, nesta instância, como encargos);
B) - No recurso da ré, na proporção de 30% para esta e de 70% para a autora, igualmente na modalidade de custas de parte;
C)- Altera-se a decisão da 1ª instância de condenação em custas, fixando-se em 30% para a ré e, 70% para a autora.

Lisboa, 18/04/2024
Adeodato Brotas
Nuno Lopes Ribeiro
Teresa Pardal