Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11495/23.4T8LSB.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
VIGILANTE
CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I. À qualificação de uma relação jurídica estabelecida em 1 de Outubro de 1998, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções de laboralidade previstas nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009.
II. Aponta no sentido da subordinação jurídica do A. à R., condomínio, a ponderação global dos seguintes indícios: o A. exerce a sua actividade no local determinado pela R., utiliza  equipamentos e instrumentos de trabalho a esta pertencentes, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento identificado com o logotipo da R., tem um horário de  trabalho definido pela R., estando em vigor um sistema de turnos rotativos, regista  diariamente num relógio de ponto situado à entrada das instalações da R. a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho, com vista à organização dos serviços e correspondente pagamento, recebe como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789,00  pago por transferência bancária, a R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho que o abrange e foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, por determinação da R. e consta da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da mesma, de pouco relevando serem os colaboradores que estabelecem, entre si, quem efetua o turno e quando cada um se ausenta, designadamente para descansos mais prolongados, bem como que combinem as férias, se a R. controla a marcação com um mapa de férias em que não deverão coincidir as férias de cada um.
III. Não tem relevo decisivo na qualificação a operar o facto de o A. receber onze pagamentos mensais em cada ano civil e de se encontrar inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, assegurando o pagamento dos respetivos descontos legais e emitindo recibos verdes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: O Ministério Público intentou [1]acção, com processo especial, de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra Condomínio do BB Shopping Center.
Pede a declaração da existência, desde 1 de Outubro de 1998, de um contrato de
trabalho por tempo indeterminado entre AA e a Ré.
Alega, em suma[2], que, desde 1 de Outubro de 1998, AA mantém um vínculo de natureza laboral com a Ré que não o reconhece.
A Ré foi citada e contestou.[3]
Impugna a verificação do vínculo de trabalho subordinado.
Alega que se trata de um “biscate” que o A. faz, sendo reformado da PSP, com inteira autonomia.
Em 2 de Agosto de 2023[4] , dispensou-se a realização de audiência prévia.
Saneou-se o processo.
Fixaram-se o objecto do litígio e os temas de prova.
Realizou-se julgamento [5]que foi gravado.
Em 8 de Dezembro de 2023, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:[6]
«Julgo a acção improcedente e, em consequência, decide-se:
- Absolver o réu Condomínio do BB Shopping Center do pedido.
Fixo à acção o valor de €30.000,01 (art.º 186º-Q, nº 2 do CPT).
Custas a cargo da ré.
Registe, notifique e após trânsito em julgado comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e ao Instituto da Segurança Social, I.P. (art.º 186º-O, nº 9 do CPT).» - fim de transcrição.
As notificações da sentença foram expedidas em 13 de Dezembro de 2023.[7]
Em 27 de Dezembro de 2023, o MºPº recorreu.[8]
Concluiu que:
«1. O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre a indicada AA e o Condomínio do BB Shopping Center configura uma relação laboral, o que é patente da prova colhida e produzida nos autos, mas que não encontra respaldo, na respectiva fundamentação proferida pelo tribunal a quo.
2. Compulsados os autos, verifica-se que o Ministério Público instaurou a presente acção declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a Ré – “Condomínio do BB Shopping Center”, na sequência da visita inspectiva realizada nas suas instalações pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, ao abrigo do disposto nos artigos 15º A, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e 186º K, e seguintes do CPT, requerendo que seja reconhecida e declarada unicamente a existência de um contrato de trabalho, desde 01 de Março de 1998;
3. AA que segundo o ponto 3 dos factos provados exerce as seguintes funções:
“a) Portaria: tem à sua guarda as chaves das entradas do Réu, que abriam e fechavam de acordo com os horários do mesmo;
b) Zeladoria: verifica o bom estado de funcionamento dos equipamentos dos serviços comuns, designadamente energia, água, esgotos, climatização, sistema SADI, etc, reportando eventuais anomalias;
c) Assistência à administração: acompanham fornecedores e outros prestadores de serviços, apoiam clientes e clientes e identificam necessidades de manutenção e limpeza das áreas comuns – corredores e instalações sanitárias.
Faz ainda rondas para inspecionar as áreas
do centro comercial e controle da entrada, presença e saída de pessoas e bens do centro comercial, reportando anomalias”.
4. Assim, remetendo-nos ao caso concreto e designadamente à matéria de facto provada passamos a analisar os indícios que a doutrina frequentemente referencia como indícios de subordinação:
5. A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho:
A sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 5 dos factos provados, refere que AA “utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças”. Dúvidas não existem que é a Ré que fornece todo o equipamento e restante material necessários ao desempenho das funções por parte do trabalhador.
6. O local de trabalho: mais uma vez sentença recorrida é clara, a sentença recorrida é clara, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 4 dos factos provados, que:
“O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade”.
7. O tempo de trabalho: mais uma vez sentença recorrida é clara, não deixando dúvidas que AA se encontra adstrito a um horário determinado de trabalho, determinado pelo empregador, com turnos rotativos, que delimita temporalmente a sua disponibilidade perante o empregador.
8. O modo de cálculo da remuneração: mais uma vez sentença recorrida é clara, visto que no ponto 11 dos factos provados,
“O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789,00 pago por transferência bancária”, o que indicia subordinação, diferentemente seria se estivéssemos perante uma remuneração à peça ou em função do resultado o que indicaria a autonomia do prestador de serviços,
9. A inserção do trabalhador numa estrutura organizativa determinada pelo empregador: A sentença recorrida é clara ao reconhecer uma estrutura organizativa na qual se integra AA quando nos factos 9 e 10 dos factos provados refere que “9- A R. tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração.
10- Destes 5, 3 estão considerados como prestadores de serviços, entre os quais AA, um trabalhador não declarado e um trabalhador vinculado por contrato de trabalho”.
E é tão patente essa estrutura que tais
trabalhadores exercem as suas funções, como já referimos anteriormente, mediante um turno rotativo definido pelo Réu (ponto 6 dos factos provados).
10. A existência de mapa de férias:
Mais uma vez sentença recorrida é clara ao reconhecer no ponto 17 dos factos provados a existência de um mapa de férias, o que revela desde logo a existência de férias, que se encontra colocado num espaço comum no gabinete da administração
“17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora”.
11. A existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho: consta do artigo 21 dos factos provados, que “A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT 007740709), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados”.
Acrescentando o ponto 26 dos factos provados que “em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora”.
12. Isto é um claro indício de subordinação jurídica na medida em que o seguro de acidentes de trabalho é uma incumbência do empregador, por contraponto com o prestador de serviço que deverá ele próprio diligenciar por subscrever um seguro de acidentes pessoais.
Por outro lado, resulta provado que é a Ré que no âmbito do seu poder de direcção determina que o trabalhador seja submetido a exames de saúde periódicos tendo em vista avaliar a aptidão física do trabalhador para o exercício daquelas funções.
13. O carácter duradouro da prestação: o trabalhador realização de tais funções com carácter continuado, permanente e duradouro, desde 1 de Outubro de 1998, ou seja, ao longo de 25 anos de trabalho no exercício das mesmas funções.
14. Pelo que depois de proceder à análise dos items que supra referimos, parece-nos que resultam provados indícios relevantes de um contrato de trabalho, que deveria ter sido declarado na douta sentença recorrida.
15. Patente se torna a existência de subordinação jurídica, traduzida, como sucede tipicamente, em poderes de orientação, direcção, ordens, mormente, em planos pessoais, como os de saúde e de fiscalização por parte do Réu, relativamente a
uma actividade que é exercida com instrumentos de trabalho do Réu empregador, num local que lhe (ao Réu) pertence, contra o recebimento de uma quantia pecuniária mensal fixa paga pelo Réu, dentro de um horário de trabalho previamente determinado pelo Réu e que perdura, segundo esse mesmo horário e aquelas mesmas orientações, há 25 anos.
16. Refira-se ainda que a Chefe dos Serviços Administrativos e de Segurança, CC, afirmou em tribunal quando se estava a referir aos trabalhadores do sector da assistência à administração, nos quais se inclui AA que “eles entendem-se muito bem uns com os outros, são conscientes, nunca faltam ao trabalho, chegam cedo, têm sempre essa consciência, são pessoas muito organizadas, (10.47) é por isso um privilégio trabalhar porque nunca me dão problemas (10.50), tenho problemas, sim, no sector da limpeza, frequentemente”.
17. Por seu turno a douta sentença recorrida parece fazer crer a douta sentença recorrida, que o poder disciplinar do empregador não existe e que as disposições emanadas pelo empregador não se traduzem em ordens quanto à prestação da actividade e a sua fiscalização, sendo tão só “instruções genéricas”.
18. Ora, a douta sentença recorrida examina o modo como, actualmente, AA desenvolve a sua actividade profissional e a sua relação com o empregador, todavia não podemos olvidar que este trabalhador exerce as funções dadas como provadas nos pontos 3 da matéria de facto há cerca de 25 anos.
19. Todavia não se pode olvidar que este trabalhador exerce as função dadas como provadas no ponto 3 da matéria de facto há cerca de 25 anos, funções essas que são as mesmas há 25 anos e que se desenvolvem no mesmo local trabalho, pelo que as concretas funções de vigilante daquele espaço, pela natureza das coisas, foram definidas pelo Réu uma vez quando AA, ex-agente da PSP, iniciou há 25 anos a sua prestação laboral perante o Réu, estando hoje em dia, por si, amplamente assimiladas que as cumpre, como já vimos, rigorosamente, não necessitando, por isso, de “ordens quanto à prestação da actividade e a sua fiscalização” (como refere a douta sentença recorrida) com regularidade.
20. O mesmo se passa quanto ao exercício do poder disciplinar a propósito do qual a sentença do tribunal a quo referiu que “segundo as testemunhas só em relação ao trabalhador efetivo houve em tempos uma situação registada”.
21. O que isso revela é a conduta exemplar, sem mácula, de AA.
22. O que as testemunhas disseram foi que nunca, quanto a AA, houve qualquer necessidade de exercer o poder disciplinar.
23. É diferente dizer que o poder disciplinar não existe, conclusão a que não aderimos ou que, como pensamos, o poder disciplinar existe e é uma possibilidade que se encontra na esfera do empregador, mas que ainda não teve de ser efectivada.
24. Ora, tendo em conta que o que se pretende na presente acção é regularizar a situação do trabalhador – AA que, a coberto de um pretenso contrato de prestação de serviços, vê a sua protecção jurídica diminuída, em face aos indícios supra elencados e concretamente verificados na situação em apreço não se suscitam dúvidas que deve ser a acção proposta julgada procedente e provada, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho.
25. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objectivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho.
26. Segundo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2013, in www.dgsi.pt “(…) aparentemente, basta que se verifiquem duas (…) delas para o trabalhador(a) beneficiar da presunção referida na norma, com os inerentes efeitos em sede de inversão do ónus da prova”.
27. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho está dependente da verificação dos seguintes requisitos:
28. A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado:
A sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 4 dos factos provados, que:
“O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade”.
29. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 5 dos factos provados, AA “utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças”.
30. O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma: mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo nos factos provados:
“6- A R. definiu ao A. um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.
7- À data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.
8- AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho”.
31. Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma: Mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 11 dos factos provados,
“11- O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789, pago por transferência bancária”.
32. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo, por estarem verificados quatro dos cinco factores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um contrato de trabalho.
33. Perante esta evidência cumpre aquilatar se o Réu demonstrou o contrário, ou seja, que não existe contrato de trabalho.
34. Compulsando todo o acervo fáctico dado como provado, afigura-se-nos que o Réu não logrou afastar a presunção legal porquanto não resultam provados factos que, apreciados no seu conjunto, revelem a existência de autonomia própria da prestação de serviços e a inexistência de uma relação laboral.
35. Patente se torna a existência de um contrato de trabalho no âmbito da relação jurídica aqui em causa.» - fim de transcrição.
Assim, sustenta que a sentença deve ser revogada na parte das suas conclusões jurídicas e substituída por outra, ou por Acórdão, que declare a existência do presumido e, em concreto, provado pelo recorrente, contrato de trabalho entre AA e o Réu, Condomínio do BB Shopping Center, desde 1 de Outubro de 1998 até ao presente.
Em 17 de Janeiro de 2024, a recorrida contra alegou.[9]
Concluiu que:
«A decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao direito. com o que se fará, …Justiça» - fim de transcrição.
Em 30 de Janeiro de 2024, foi proferido o seguinte despacho:[10]
«Recurso apresentado pelo Ministério Público
Por ter sido deduzido em tempo, por quem tem legitimidade e sendo a decisão recorrível, admito o recurso interposto, o qual é de apelação, para o Tribunal da Relação de Lisboa, com regime de subida nos autos, de imediato, e efeito meramente devolutivo – artigos 79º-A, n.º 1; 80º; 81º; 83º, e 83º-A e 186º-P todos do C.P.T.
Subam os autos para a seção social do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa – art.º 644º, nº 3 do CPC.
Notifique.» - fim de transcrição.
Mostram-se colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.

***Eis a matéria provada (que não se mostra impugnada):
1- A Ré é o condomínio do centro comercial designado por BB Shopping Center e situado na Rua…, em Lisboa.
2- Na sequência de acção inspectiva realizada pela ACT no dia 18/10/2022, nas instalações da R. sitas no local indicado no artigo anterior verificou-se que AA …, presta a sua actividade e exerce funções para a Ré.
3- O A. exerce as seguintes tarefas nas instalações do referido centro comercial:
a) Portaria: tem à sua guarda as chaves das entradas do Réu, que abriam e fechavam de acordo com os horários do mesmo;
b) Zeladoria: verifica o bom estado de funcionamento dos equipamentos dos serviços comuns, designadamente energia, água, esgotos, climatização, sistema SADI, etc, reportando eventuais anomalias;
c) Assistência à administração: acompanham fornecedores e outros prestadores de serviços, apoiam clientes e clientes e identificam necessidades de manutenção e limpeza das áreas comuns – corredores e instalações sanitárias.
Faz ainda rondas para inspecionar as áreas do centro comercial e controle da entrada, presença e saída de pessoas e bens do centro comercial, reportando anomalias.
4- O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade.
5- Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças.
6- A R. definiu ao A. um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.
7- À data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.
8- AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho.
9- A R. tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração.
10- Destes 5, 3 estão considerados como prestadores de serviços, entre os quais AA, um trabalhador não declarado e um trabalhador vinculado por contrato de trabalho.
11- O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789, pago por transferência bancária,
12- Recebe onze pagamentos mensais em cada ano civil.
13- O colaborador encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, sendo o próprio que assegura o pagamento dos respetivos descontos legais.
14- Emite um recibo verde por ocasião de cada pagamento mensal que a empregadora efectua.
15- Celebrou verbalmente um contrato de prestação de serviços em 1 de Outubro de 1998 com a R.
16- AA é reformado da PSP, desde 1997.
17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora,
18- Caso esses dias coincidam com os escolhidos pelo colega DD, a empregadora solicita ao trabalhador que se entendam entre eles quanto aos períodos de férias.
19- Não aufere qualquer pagamento proveniente da R. durante cada período de gozo de férias anuais.
20- Nunca tendo recebido igualmente quaisquer subsídios de férias e subsídios de Natal.
21- A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT 007740709), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados.
22- Em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora.
23- A utilização do fardamento, fornecido pela R., é a regra, sendo excecional o seu não uso.
24- São os colaboradores que estabelecem, entre si, quem efetua o turno entre si, quando cada um se ausenta, designadamente para descansos mais prolongados.
25- As folhas de ponto preenchidas e que estão juntas aos autos servem para organização dos serviços e correspondente pagamento.
26- O trabalhador efectivo do R, sr. HH, tem conhecimentos diferenciados face aos demais.

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Mais se consignou que não se provou a seguinte matéria:
1 – Os cinco vigilantes recebem ordens, orientações e instruções concretas e diárias de CC, chefe dos serviços administrativos.
2 – Nesta equipa de vigilantes todos realizam as mesmas tarefas profissionais, recebem as mesmas ordens, orientações e instruções, utilizam os mesmos utensílios de trabalho, trabalham no mesmo espaço físico e integram os diferentes turnos que se encontram organizados pela empregadora.
3 – O interveniente caso falte ou se atrase, tem a obrigação de informar a sua superior hierárquica CC.
4 - As eventuais faltas ao trabalho por parte do trabalhador são objecto de desconto no valor que este recebe mensalmente.
5– Os colaboradores efetuam entre si pagamentos quando se substituem nas prestações dos seus serviços.
6- Se um prestador de serviços faltar não lhe são pagos esses serviços e que são pagos àquele que o substituir.
7- O trabalhador efetivo do R. não estabelece ele próprio os seus tempos de trabalho autonomamente, como os prestadores de serviços.
8- Os custos do seguro de acidentes de trabalho e de eventuais exames que façam, são depois debitados aos colaboradores pelo R.
9- AA encontra-se numa situação de dependência económica da empregadora, já que, para a sua subsistência, aufere apenas as importâncias que lhe são pagas pela empregadora;

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A motivação logrou o seguinte teor:
«A convicção do tribunal baseou-se
Factos Provados
Foi tido em conta o conjunto da prova documental, de que se destaca:
- mapa de horário de trabalho, mapa de férias, folhas de ponto;
- recibos emitidos pelo colaborador AA (sempre no valor mensal de 789€);
- apólice de seguro (com inclusão deste colaborador) e fatura/recibo;
- ficha de aptidão para o trabalho;
Prova testemunhal
- GG, inspetora do trabalho da ACT¸ efetuou a ação inspetiva. À altura estava a ocorrer a passagem de turno do sr. HH para o Sr. AA. Além daqueles, falou com ainda com a Srª CC, da administração e recolheu prova documental. Recorda do que viu a indumentária com logotipo da R.; o balcão com vitrine onde estão estes colaboradores; a máquina para picar ponto, à entrada da loja do condomínio;
o mapa de férias.
- EE, pertenceu à administração do condomínio até 2017.
- FF, logista e foi administradora do condomínio no período da pandemia.
- CC, chefe dos serviços administrativos da R., desde há cerca de 30 anos, com contrato trabalho por tempo indeterminado.
De acordo com as testemunhas do condomínio, dos 5 colaboradores da administração, o sr. HH, que tem contrato de trabalho, tem uma situação distinta dos demais pelos conhecimentos acrescidos face aos outros, pelo horário diário, por não ser reformado. Referem que a administração nem sabia quem ia fazer dado turno, os colaboradores organizavam-se entre eles, incluindo em férias. Segundo a testemunha CC quando foi trabalhar para o centro já os horários estavam organizados desta forma rotativa.
O fardamento teriam sido eles a solicitá-lo e existe para melhor identificação pelo público, que o condomínio adquire, sendo excecional não o usarem.
Incluíram o Sr. AA no seguro porque ficava mais barato para ele aditando que na prática os colaboradores recebiam menos para “acomodar” o custo do seguro.
Justificam que a quantia auferida era a mesma porque apesar de a remuneração ser à hora, este colaborador nunca faltava, sendo que em caso de precisarem de faltar trocavam entre eles.
Explicam que o picar ponto era para verificar pagamentos e não para controlar assiduidade. CC, que é responsável pelos pagamentos afirma que não usa o cartão de ponto para verificar assiduidade, sendo o pagamento sempre o mesmo.
Referem que há um telemóvel do condomínio que circula entre eles.
 Declarações do interveniente AA, o qual em suma, referiu que se reformou da PSP em 1997 e desde 1998 que é colaborador da R. neste centro comercial.
Recebe sempre a mesma quantia mensal (789€), 11 meses ao ano.
Não falta, ocorreu substituir o colega DD, tendo ambos comunicado à “chefe do pessoal” CC.
Tem horário que esta última lhe transmitiu.
Marca férias no mapa que é deixado para o efeito, se houver coincidência no período pretendido, organizam-se entre eles.
Já é a terceira farda que tem ao serviço da R. Vai às consultas de medicina do trabalho quando lhe é indicado.
Quanto aos factos não provados, resultam da insuficiente e nalguns casos contraditória prova efetuada.
Assim, ainda que seja a responsável dos serviços administrativos da R. que lhes tenha indicado o turno, as funções, que efetue pagamentos e a quem reportem anomalias. Não resulta de qualquer depoimento que lhes dê instruções, ordens diárias e que respondam perante a mesma, nomeadamente para efeitos disciplinares.
No que se refere ao pagamento, pelo menos quanto a este colaborador a quantia é certa e mensal, não se tendo apurado que receba à hora.
Nas trocas que possam fazer de tempos de serviço, pelo menos este colaborador quanto troca com o Sr. DD não afirma que troquem dinheiro entre si.
Está incluído no seguro do R. e não há prova de que o custo do seguro lhe seja debitado da remuneração ou algum custo de exame o tivesse sido (ver depoimento do próprio e recibos de vencimento e nem sequer a testemunha CC refere que debite esse valor).
No que se reporta a alegada exclusividade e dependência económica, é o próprio colaborador que refere estar aposentado da PSP, quando iniciou estas funções já o estava.» - fim de transcrição.

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É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).
Nas conclusões de recurso suscita-se uma questão que consiste em saber se deve (ou não) reconhecer-se a existência do invocado contrato de trabalho desde 1 de Outubro de 1998.
O recorrente defende que:
«3. AA que segundo o ponto 3 dos factos provados exerce as seguintes funções:
“a) Portaria: tem à sua guarda as chaves das entradas do Réu, que abriam e fechavam de acordo com os horários do mesmo;
b) Zeladoria: verifica o bom estado de funcionamento dos equipamentos dos serviços comuns, designadamente energia, água, esgotos, climatização, sistema SADI, etc, reportando eventuais anomalias;
c) Assistência à administração: acompanham fornecedores e outros prestadores de serviços, apoiam clientes e clientes e identificam necessidades de manutenção e limpeza das áreas comuns – corredores e instalações sanitárias.
Faz ainda rondas para inspecionar as áreas do centro comercial e controle da entrada, presença e saída de pessoas e bens do centro comercial, reportando anomalias”.
4. Assim, remetendo-nos ao caso concreto e designadamente à matéria de facto provada passamos a analisar os indícios que a doutrina frequentemente referencia como indícios de subordinação:
5. A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho:
A sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 5 dos factos provados, refere que AA “utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças”. Dúvidas não existem que é a Ré que fornece todo o equipamento e restante material necessários ao desempenho das funções por parte do trabalhador.
6. O local de trabalho: mais uma vez sentença recorrida é clara, a sentença recorrida é clara, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 4 dos factos provados, que:
“O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade”.
7. O tempo de trabalho: mais uma vez sentença recorrida é clara, não deixando dúvidas que AA se encontra adstrito a um horário determinado de trabalho, determinado pelo empregador, com turnos rotativos, que delimita temporalmente a sua disponibilidade perante o empregador.
8. O modo de cálculo da remuneração: mais uma vez sentença recorrida é clara, visto que no ponto 11 dos factos provados, “O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789,00 pago por transferência bancária”, o que indicia subordinação, diferentemente seria se estivéssemos perante uma remuneração à peça ou em função do resultado o que indicaria a autonomia do prestador de serviços,
9. A inserção do trabalhador numa estrutura organizativa determinada pelo empregador: A sentença recorrida é clara ao reconhecer uma estrutura organizativa na qual se integra AA quando nos factos 9 e 10 dos factos provados refere que “9- A R. tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração.
10- Destes 5, 3 estão considerados como prestadores de serviços, entre os quais AA, um trabalhador não declarado e um trabalhador vinculado por contrato de trabalho”.
E é tão patente essa estrutura que tais trabalhadores exercem as suas funções, como já referimos anteriormente, mediante um turno rotativo definido pelo Réu (ponto 6 dos factos provados).
10. A existência de mapa de férias:
Mais uma vez sentença recorrida é clara ao reconhecer no ponto 17 dos factos provados a existência de um mapa de férias, o que revela desde logo a existência de férias, que se encontra colocado num espaço comum no gabinete da administração
“17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora”.
11. A existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho: consta do artigo 21 dos factos provados, que “A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT 007740709), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados”.
Acrescentando o ponto 26 dos factos provados que “em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora”.
12. Isto é um claro indício de subordinação jurídica na medida em que o seguro de acidentes de trabalho é uma incumbência do empregador, por contraponto com o prestador de serviço que deverá ele próprio diligenciar por subscrever um seguro de acidentes pessoais.
Por outro lado, resulta provado que é a Ré que no âmbito do seu poder de direcção determina que o trabalhador seja submetido a exames de saúde periódicos tendo em vista avaliar a aptidão física do trabalhador para o exercício daquelas funções.
13. O carácter duradouro da prestação: o trabalhador realização de tais funções com carácter continuado, permanente e duradouro, desde 1 de Outubro de 1998, ou seja, ao longo de 25 anos de trabalho no exercício das mesmas funções.
14. Pelo que depois de proceder à análise dos items que supra referimos, parece-nos que resultam provados indícios relevantes de um contrato de trabalho, que deveria ter sido declarado na douta sentença recorrida.
15. Patente se torna a existência de subordinação jurídica, traduzida, como sucede tipicamente, em poderes de orientação, direcção, ordens, mormente, em planos pessoais, como os de saúde e de fiscalização por parte do Réu, relativamente a uma actividade que é exercida com instrumentos de trabalho do Réu empregador, num local que lhe (ao Réu) pertence, contra o recebimento de uma quantia pecuniária mensal fixa paga pelo Réu, dentro de um horário de trabalho previamente determinado pelo Réu e que perdura, segundo esse mesmo horário e aquelas mesmas orientações, há 25 anos.
16. Refira-se ainda que a Chefe dos Serviços Administrativos e de Segurança, CC, afirmou em tribunal quando se estava a referir aos trabalhadores do sector da assistência à administração, nos quais se inclui AA que “eles entendem-se muito bem uns com os outros, são conscientes, nunca faltam ao trabalho, chegam cedo, têm sempre essa consciência, são pessoas muito organizadas, (10.47) é por isso um privilégio trabalhar porque nunca me dão problemas (10.50), tenho problemas, sim, no sector da limpeza, frequentemente”.
17. Por seu turno a douta sentença recorrida parece fazer crer a douta sentença recorrida, que o poder disciplinar do empregador não existe e que as disposições emanadas pelo empregador não se traduzem em ordens quanto à prestação da actividade e a sua fiscalização, sendo tão só “instruções genéricas”.
18. Ora, a douta sentença recorrida examina o modo como, actualmente, AA desenvolve a sua actividade profissional e a sua relação com o empregador, todavia não podemos olvidar que este trabalhador exerce as funções dadas como provadas nos pontos 3 da matéria de facto há cerca de 25 anos.
19. Todavia não se pode olvidar que este trabalhador exerce as função dadas como provadas no ponto 3 da matéria de facto há cerca de 25 anos, funções essas que são as mesmas há 25 anos e que se desenvolvem no mesmo local trabalho, pelo que as concretas funções de vigilante daquele espaço, pela natureza das coisas, foram definidas pelo Réu uma vez quando AA, ex-agente da PSP, iniciou há 25 anos a sua prestação laboral perante o Réu, estando hoje em dia, por si, amplamente assimiladas que as cumpre, como já vimos, rigorosamente, não necessitando, por isso, de “ordens quanto à prestação da actividade e a sua fiscalização” (como refere a douta sentença recorrida) com regularidade.
20. O mesmo se passa quanto ao exercício do poder disciplinar a propósito do qual a sentença do tribunal a quo referiu que “segundo as testemunhas só em relação ao trabalhador efetivo houve em tempos uma situação registada”.
21. O que isso revela é a conduta exemplar, sem mácula, de AA.
22. O que as testemunhas disseram foi que nunca, quanto a AA, houve qualquer necessidade de exercer o poder disciplinar.
23. É diferente dizer que o poder disciplinar não existe, conclusão a que não aderimos ou que, como pensamos, o poder disciplinar existe e é uma possibilidade que se encontra na esfera do empregador, mas que ainda não teve de ser efectivada
24. Ora, tendo em conta que o que se pretende na presente acção é regularizar a situação do trabalhador – AA que, a coberto de um pretenso contrato de prestação de serviços, vê a sua protecção jurídica diminuída, em face aos indícios supra elencados e concretamente verificados na situação em apreço não se suscitam dúvidas que deve ser a acção proposta julgada procedente e provada, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho.
25. Acresce que, o legislador estabeleceu, no artigo 12º do Código do Trabalho, uma presunção de laboralidade que tem por objectivo dispensar o encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho.
26. Segundo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2013, in www.dgsi.pt “(…) aparentemente, basta que se verifiquem duas (…) delas para o trabalhador(a) beneficiar da presunção referida na norma, com os inerentes efeitos em sede de inversão do ónus da prova”.
27. Ou seja, de acordo com o normativo transcrito, o preenchimento da presunção de contrato de trabalho está dependente da verificação dos seguintes requisitos:
28. A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado:
A sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 4 dos factos provados, que:
“O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade”.
29. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 5 dos factos provados, AA “utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças”.
30. O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma: mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo nos factos provados:
“6- A R. definiu ao A. um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.
7- À data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.
8- AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho”.
31. Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma: Mais uma vez a sentença recorrida é clara quanto ao preenchimento deste requisito, merecendo, obviamente, neste aspecto, a nossa concordância, uma vez que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, no ponto 11 dos factos provados,
“11- O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789, pago por transferência bancária”.
32. Estão, assim, como vimos, preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que podemos concluir que, no caso, operou a presunção de laboralidade plasmada naquele artigo, por estarem verificados quatro dos cinco factores indiciários nele enunciados e que presumem a existência de um contrato de trabalho.
33. Perante esta evidência cumpre aquilatar se o Réu demonstrou o contrário, ou seja, que não existe contrato de trabalho.
34. Compulsando todo o acervo fáctico dado como provado, afigura-se-nos que o Réu não logrou afastar a presunção legal porquanto não resultam provados factos que, apreciados no seu conjunto, revelem a existência de autonomia própria da prestação de serviços e a inexistência de uma relação laboral.
35. Patente se torna a existência de um contrato de trabalho no âmbito da relação jurídica aqui em causa.» - fim de transcrição.
A tal título a sentença discreteou o seguinte:[11]
«A questão a resolver resume-se a apurar a existência ou não de um contrato de trabalho entre as partes.
Quer o contrato celebrado entre as partes, em 1998, alegadamente seria um contrato de prestação de serviços.
Por seu turno, a ACT, constatou a verificação de indícios de utilização indevida de contrato de prestação de serviços por parte da empregadora.
Em suma, a ACT refere que o interveniente exerce funções e trabalha para a Ré em condições análogas a um contrato de trabalho.
O contrato de trabalho é aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade (intelectual ou manual) a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção desta (s)- art.º 11º do CT e art.º 1152º do C. Civil.
O contrato de trabalho caracteriza-se pelos seguintes elementos essenciais:
a) o dispêndio da força de trabalho;
b) a remuneração dessa actividade;
e a
c) dependência ou subordinação jurídica.
O verdadeiro elemento diferenciador do contrato de trabalho é, porém, a particular modalidade de execução do contrato: a prestação devida é programada, organizada e fiscalizada pelo respectivo credor – nisto consiste a subordinação jurídica do trabalhador pela qual este deve obediência às ordens e directivas do empregador que se encontra por esta via, numa posição de supremacia relativamente àquele.
A subordinação traduz-se no poder de a entidade patronal conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Assim, ao credor cabe não apenas distribuir as tarefas a realizar, diariamente, mas também definir como, quando, onde e com que meios as deve executar cada um dos trabalhadores. Mais ainda.
A subordinação não se esgota nos momentos que precedem a efectivação da actividade; ela acompanha a própria actividade que o empregador pode controlar e fiscalizar.
A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador informar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou ou, como refere o Professor Monteiro Fernandes, numa «relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem» (Direito do Trabalho, 11ª edição, pp. 131).
A subordinação técnico-jurídica por ser entendida num sentido amplo, abrangendo três realidades: a alienabilidade, o dever de obediência e a sujeição ao poder disciplinar do empregador, correspondendo estas duas últimas à subordinação em sentido estrito (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, IDT, 3.ª edição, pp. 147-151).
Distingue-se assim do contrato de prestação de serviços definido no art.º 1154º do Cód. Civil como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, constituindo uma obrigação de proporcionar certo resultado auto-determinado no seu modus faciendi.
Deste modo, o que está in obligatio no contrato de trabalho é a actividade em si, o dispêndio da força de trabalho, encontrando-se o resultado fora do contrato, enquanto que na prestação de serviços o que está in obligatio é o próprio serviço que o devedor se compromete a proporcionar ao credor e que se traduz no resultado de uma actividade.
Assim, no contrato de prestação de serviços é o prestador que, livre de toda a direcção alheia sobre o modo de realização da actividade como meio, a orienta por si, de maneira a alcançar os fins esperados.
Atualmente o art.º 12º do CT contém uma presunção de existência de contrato de trabalho, quando na relação entre a pessoa que presta a atividade e quem dela beneficia se verificam alguma das características que elenca no seu nº 1.
A prova desses indícios (alguma (s) daquelas características) opera a presunção, à luz de um juízo global, cabendo ao beneficiário da atividade ónus de provar o contrário.
O que esta norma veio consagrar foi um conjunto de factos que já na versão da LCT se consideravam indiciadores de existência de contrato de trabalho, como: a vinculação a horário de trabalho estabelecido pela pessoa a quem se presta a actividade; a prestação do trabalho em instalações do empregador ou em local por ele designado, a existência de controlo externo do modo de prestação da actividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; a retribuição certa; a pertença dos instrumentos de trabalho ao empregador e a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade.
Em relação à matéria de facto provada e percorrendo as várias alíneas contidas no nº 1 do art.º 12º do CT, temos que:
a) a atividade é prestada nas instalações do R., no centro comercial, mas, pela sua natureza ali teria de o ser;
b) o colaborador utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertença da R. (como secretária, cadeira, telemóvel); enverga farda adquirida pelo R., com logotipo deste (o que se compreende pela necessidade de estarem visíveis e individualizáveis para os utentes do centro);
c) está sujeito a um horário de trabalho determinado pela R., um turno determinado.
Porém, não resulta provado que tendo de justificar se chegar tarde ou estiver impedido de ir podendo trocar com outro colega que assegure o turno.
Marca férias, nos meses indicados pela R. para os colaboradores o fazerem, mas, se houver coincidências nos pedidos não é a R. que impõe dada decisão, são os colaboradores que se entendem entre si.
Os colaboradores utilizam um registo de ponto, com as horas que prestam, mas não se prova que haja algum desconto no valor mensal por faltas (há trocas entre eles), nem que justifiquem a falta de assiduidade (informam para se saber que haverá alguém a prestar o serviço);
d) é-lhe paga uma quantia certa mensal como contrapartida da sua atividade, de 789€, que recebe mensalmente por transferência bancária da R., em 11 meses;
e) consta do seguro de acidentes de trabalho do R. e vai a consultas de medicina do trabalho;
f) além deste vencimento, recebe a sua reforma, como aposentado da PSP, o que já se verificava aquando do início deste contrato.
O índice de recebimento de uma quantia certa não é suficientemente elucidativo; o contrato de prestação de serviços pode ser retribuído em condições similares.
Também a circunstância de o colaborador trabalhar na sede do R. não constitui um elemento decisivo, porquanto se mostra compatível com prestação de serviços.
Já o índice que se traduz na existência de horário de trabalho imposto ou estabelecido pelo beneficiário da actividade, faz presumir fortemente a existência de subordinação jurídica.
A vinculação a horário de trabalho, hetero-estabelecido, com a consequente obrigação de permanência à disposição do empregador é elemento fortemente indiciário do contrato de trabalho; enquanto a prestação da actividade sem sujeição a qualquer horário, maxime quando não se verifique outro elemento donde se possa inferir a existência de subordinação jurídica, o afasta.
Este caso é muito peculiar.
Há turnos pré-estabelecidos, de 8 horas, que asseguram que há sempre colaboradores no centro comercial, dia e noite.
Porém, o colaborador pode trocar com outro se precisar do dia, se faltar não há desconto no valor que recebe, recebe sempre o mesmo mensalmente.
Até em férias, de entre os 3 meses indicados, são os colaboradores que se organizam entre si quanto ao período de férias de cada um deles.
De peso é também o índice de sujeição às ordens da beneficiaria da atividade e ao exercício do poder disciplinar.
As instruções que os colaboradores recebem da administrativa do R., como o turno que lhes cabe, as funções, bem como a verificação que a mesma faz de presenças e pagamentos, não se traduzem em ordens quanto à prestação da actividade, controlo da sua realização, fiscalização; são instruções genéricas.
Quando comunicam se há alguma varia, ocorrência no centro à administrativa é para que a mesma comunique às autoridades ou entidades correspondentes, não é para receberem da mesma, ordens quanto ao que subsequentemente pudessem fazer.
Quanto ao poder disciplinar, segundo as testemunhas só em relação ao trabalhador efetivo houve em tempos uma situação registada.
É certo que não recebe subsídios de Natal e férias e também não está inscrito na
segurança social nem nas finanças como trabalhador dependente.
Está de facto inscrita como trabalhadora independente e emite os chamados recibos verdes.
Mas isso só por si é insuficiente para afastar a presunção legal de existência de contrato de trabalho.
Essas são circunstâncias frequentes associadas a estas situações de precariedade laboral e muitas vezes impostas aos prestadores sem possibilidade de as discutir.
Por último, o colaborador AA não se encontra na dependência económica do R.
Quando iniciou as suas funções já estava reformado da PSP, recebendo o correspondente valor.
A jurisprudência e a doutrina têm o entendimento de que “cada um destes indícios tem um valor relativo e que o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade em relação à situação concreta apurada” - cfr. Ac. STJ de 13/09/2006, Cons. Maria Laura Leonardo, www.dgsi.pt.
Sobre este juízo global pronunciou-se de forma particularmente elucidativa o Ac. STJ
de 31/01/2012, Proc. 121/04.0TTSNT.L1.S1, sumário se reproduz na parte ora relevante:
«I - (…).
II- O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a outra a sua actividade, intelectual ou manual, sob a autoridade e directa desta e mediante retribuição.
III - O contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra o resultado da sua actividade, com ou sem retribuição.
IV - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade no primeiro; obtenção de um resultado no segundo); e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica no primeiro; autonomia no segundo).
V - Todavia, e porque a distinção entre os dois tipos contratuais assume, em certas situações da vida real, grande complexidade, é comum o recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica, constituindo indícios de subordinação a vinculação a um horário de trabalho, a execução da prestação em local pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscais e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
VI - Tomados de per si, estes elementos revestem-se, contudo, de patente relatividade, impondo-se, assim, fazer um juízo de globalidade com vista à caracterização do contrato, não existindo nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos vários índices, desde logo porque cada um deles pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.
VII - Incumbe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade sob autoridade e direcção do beneficiário dessa actividade, demonstrando que se integrou na estrutura organizativa do empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII - (…).».
Ainda em Acórdão do STJ, de 09-10-2019 Proc. n.º 1358/16.5T8CSC.L2.S1, consta:
«I. Na relação existente entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, provada a existência do conjunto das circunstâncias caracterizadoras dessa relação previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na sua versão original, presume-se a existência de contrato de trabalho;
II. A presunção prevista no número anterior não impede o beneficiário da atividade prestada de demonstrar que, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias, a relação em causa não é uma relação de trabalho subordinado.»
Face ao exposto, em conformidade com os arts. 11º e 12º, nº 1 do CT, conclui-se que existem elementos que apontam num e noutro sentido, mas a inexistência de exercício de autoridade e poder disciplinar sobre o colaborador e a inexistência de dependência económica determinam a conclusão de inexistência de contrato de trabalho, com os inerentes pressupostos.
No caso concreto, tendo o A. nascido em 1943 e estando reformado por velhice, há ainda a ter em conta o disposto no art.º 348º do CT, o qual estabelece:
 1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
 2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.
Pelo que, este caso, se hipoteticamente se considerasse existir contrato de trabalho, seria a termo e por 6 meses (o que se afiguraria mais precário que a situação atual).
» - fim de transcrição.

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Dito isto, cumpre, agora, referir que segundo o Professor António Menezes Cordeiro [12] aos diversos contratos “aplica-se quanto aos indícios a lei vigente na data da sua celebração” – fim de transcrição.
Por outro lado, constitui jurisprudência uniforme do STJ que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade , e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu aquela relação jurídica.
Neste sentido aponta acórdão do STJ, de 4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, acessível em www.dgsi.pt, que logrou o seguinte sumário[i]:
“I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.
II. A presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova, o que poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.
III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.
IV. Resultando da factualidade provada que o interesse de uma empresa era o resultado da atividade desempenhada por um colaborador, a quem era deixada margem de liberdade para organizar o serviço, e não existindo indícios de sujeição a ordens ou instruções, é de concluir que o autor não logrou provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho. “– fim de transcrição.
Mais recentemente, o aresto do STJ, de 15-01-2019, proferido no âmbito do processo nº 457/14.2TTLSB.L2.S1, Relator  Conselheiro António Leones Dantas, acessível, em www.dgsi.pt,   veio decidir no mesmo sentido.[13]
Recorde-se, agora, que a relação jurídica a analisar e qualificar estabeleceu-se sem mudança ulterior [provada – e assinalável - no relacionamento entre o AA e a Ré] em 1 de Outubro de 1998
[Provou-se que:
15- Celebrou verbalmente um contrato de prestação de serviços em 1 de Outubro de 1998 com a R.
16- AA é reformado da PSP, desde 1997].
Assim, à qualificação dessa relação cumpre aplicar o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (ou seja a LCT).
Não logram, pois, aplicação no caso concreto as presunções previstas nos artigos 12.º do Código do Trabalho de 2003 e do Código do Trabalho de 2009, não se detectando necessidade de sobre o assunto tecer mais considerações.

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O Código Civil (CC) nos seus artigos 1152º e 1553º estatui:
ARTIGO 1152º
(Noção)
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
ARTIGO 1153º
(Regime)
O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
Por sua vez, nos seus artigos 1154º a 1156º o CC comanda:
ARTIGO 1154º
(Noção)
Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
ARTIGO 1155º
(Modalidades do contrato)
O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço.
ARTIGO 1156º
(Regime)
As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.
A parte da legislação especial, referida no artigo 1154º, do CC, que existia ao tempo da celebração do contrato em causa estava contida na LCT.  
A noção legal de contrato de trabalho existente do art.º 1.º da LCT, igual a existente no CC dá-nos a noção de contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
«O que distingue um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços é natureza do objeto e a existência ou não de subordinação jurídica.
O objeto do contrato de trabalho consiste na prestação da atividade intelectual ou manual por parte do trabalhador, enquanto no contrato de prestação de serviços o que releva é o resultado da atividade de uma pessoa.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho traduz-se numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direção, o dever de prestar em que está incurso.
No contrato de trabalho emerge uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.  
Saliente-se que detectar a presença de subordinação jurídica numa determinada relação não é tarefa fácil, pois esta não existe em estado puro. 
 Os indícios que podem conduzir à qualificação de um contrato de trabalho são, nomeadamente, os seguintes: 
- A vinculação do trabalhador a um horário de trabalho;
- A execução da prestação em local determinado pelo empregador; - A existência de controlo externo do modo da prestação;
- A obediência a ordens;
- A sujeição do trabalhador à disciplina da empresa;
- O pagamento da retribuição em função do tempo;
- O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal;
- Pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação;
- Inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem;
- Estar o trabalhador inscrito numa organização sindical;
- Não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto;
- Inexistência de colaboradores;
- A prestação da atividade a um único beneficiário.              
Identificados estes indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.
Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário da atividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador » fim de transcrição do supra citado  aresto do STJ ,de  4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT, Relator  Conselheiro  Chambel Mourisco,  acessível em www.dgsi.pt .
Em sentido semelhante aponta aresto do STJ, de 26-10-2017, proferido no processo nº 1175/14.7TTLSB.L1.S1, Nº Convencional, 4ª Secção , Relator Conselheiro Ferreira Pinto, acessível em www.dgsi.pt[ii].
Sobre o assunto pode ainda consultar-se o aresto do STJ, de 15 de Janeiro de 2014, proferido no âmbito do processo nº 32/08.0TTCSC.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado (acessível em www.dgsi.pt).[iii]
Aqui se acolhem as considerações e ensinamentos contidos nesses arestos, sendo certo que seria estulto da nossa parte estar a repetir o ali consignado por outras palavras.
Apenas repisaremos ser consensual que a “pedra de toque” da verificação da existência de um contrato de trabalho é a subordinação jurídica.

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Na análise a efectuar cumpre ter em atenção a seguinte factualidade:
- A Ré é o condomínio do centro comercial designado por BB Shopping Center e situado na Rua…, em Lisboa.
2- Na sequência de acção inspectiva realizada pela ACT no dia 18/10/2022, nas instalações da R. sitas no local indicado no artigo anterior verificou-se que AA,… presta a sua actividade e exerce funções para a Ré.
3- O A. exerce as seguintes tarefas nas instalações do referido centro comercial:
a) Portaria: tem à sua guarda as chaves das entradas do Réu, que abriam e fechavam de acordo com os horários do mesmo;
b) Zeladoria: verifica o bom estado de funcionamento dos equipamentos dos serviços comuns, designadamente energia, água, esgotos, climatização, sistema SADI, etc, reportando eventuais anomalias;
c) Assistência à administração: acompanham fornecedores e outros prestadores de serviços, apoiam clientes e clientes e identificam necessidades de manutenção e limpeza das áreas comuns – corredores e instalações sanitárias.
Faz ainda rondas para inspecionar as áreas do centro comercial e controle da entrada, presença e saída de pessoas e bens do centro comercial, reportando anomalias.
4- O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade.
5- Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças.
6- A R. definiu ao A. um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.
7- À data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.
8- AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho.
9- A R. tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração.
10- Destes 5, 3 estão considerados como prestadores de serviços, entre os quais AA, um trabalhador não declarado e um trabalhador vinculado por contrato de trabalho.
11- O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789, pago por transferência bancária,
12- Recebe onze pagamentos mensais em cada ano civil.
13- O colaborador encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, sendo o próprio que assegura o pagamento dos respetivos descontos legais.
14- Emite um recibo verde por ocasião de cada pagamento mensal que a empregadora efectua.
15- Celebrou verbalmente um contrato de prestação de serviços em 1 de Outubro de 1998 com a R.
16- AA é reformado da PSP, desde 1997.
17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora,
18- Caso esses dias coincidam com os escolhidos pelo colega DD, a empregadora solicita ao trabalhador que se entendam entre eles quanto aos períodos de férias.
19- Não aufere qualquer pagamento proveniente da R. durante cada período de gozo de férias anuais.
20- Nunca tendo recebido igualmente quaisquer subsídios de férias e subsídios de Natal.
21- A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT 007740709), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados.
22- Em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora.
23- A utilização do fardamento, fornecido pela R., é a regra, sendo excecional o seu não uso.
24- São os colaboradores que estabelecem, entre si, quem efetua o turno entre si, quando cada um se ausenta, designadamente para descansos mais prolongados.
25- As folhas de ponto preenchidas e que estão juntas aos autos servem para organização dos serviços e correspondente pagamento.
26- O trabalhador efectivo do R, sr. HH, tem conhecimentos diferenciados face aos demais.
***

Cumpre, pois, proceder à análise crítica do caso, com base nos índices de qualificação que em concreto assumem maior relevo (embora nenhum deles, só por si, assuma valor decisivo).
A nosso ver, a matéria provada não contem elementos relevantes que nos permitam  saber  da vontade real das partes no tocante ao tipo contratual em causa , sendo certo, por outro lado, que  o “ nomen juris “ referido no facto nº 15 que terá sido  utilizado na formação do acordo celebrado entre o AA e a Ré não é decisivo quanto à sua qualificação (ainda menos quanto à determinação da correspondente disciplina jurídica).
Quando muito poderia ser um dos elementos auxiliares a ter em conta no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial. 
No caso, o acordo não foi reduzido a escrito e a função que o AA exercia anteriormente [em 16 provou-se que AA é reformado da PSP, desde 1997] não lhe conferia especial aptidão para apreender na íntegra os contornos do acordo que estava a celebrar em sede de qualificação contratual.
Seja como for «o nomem iuris (a nomenclatura) usado num contrato não determina a sua natureza, sendo apenas um mero indicativo da mesma.
Assim, quando o nome aposto no acordo for contrariado pela realidade vivenciada no dia a dia da respectiva execução cumpre desconsiderá-lo.
Tal como refere “João Leal Amado” os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são”, ou seja, as partes são livres de celebrarem e concluírem os contratos que quiserem, mas dentro dos limites da lei.
Na verdade, o artigo 405º, do CC, que consagra o princípio da liberdade contratual, estipula que dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e de neles incluir as cláusulas que lhes aprouver.
O que significa que prevalece, aqui, o princípio da primazia da realidade pois como dizia Orlando de Carvalho “a liberdade contratual é a liberdade de modelar e de concluir os negócios, não a de decidir arbitrariamente da lei a que eles devem submeter-se (sobretudo se o nomem escolhido não corresponde às estipulações)”.
Como se afirma, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.04.2003, processo n.º 03B3416[17], « [a]qualificação de um contrato é questão jurídico-normativa a solucionar por subsunção da factualidade clausulada aos preceitos legais, uma operação que abstrai da concreta vontade das partes dirigida a um ou outro modelo negocial, sendo por isso também relativamente despiciendo na qualificação o nomen iuris que os contraentes tenham decidido atribuir ao negócio”.              
Ora, existindo contrato escrito denominado “prestação de serviço”, pode o prestador do trabalho demonstrar que esse “nomen iuris” não corresponde à realidade face ao comportamento das partes na execução do contrato e ao enquadramento em que o mesmo se desenvolve, do mesmo modo que, sendo o contrato escrito denominado “contrato de trabalho”, pode o credor da prestação demonstrar que tal qualificação não corresponde, pela sua execução efetiva, à realidade.          
Conclui-se, pois, que a realidade tem preferência sobre a qualificação jurídica do contrato dada pelas partes, ou seja, de que deve dar-se prevalência à sua vontade real sobre a vontade declarada.” – fim de transcrição de acórdão  do STJ , de  18 de Maio de 2017, proferido no processo nº   859/15.7T8LSB.L1.S1  , Nº Convencional: 4ª  Secção ,  Relator  Conselheiro  Ferreira  Pinto (acessível em www.dgsi.pt).
No caso concreto, extrai-se da matéria apurada que o AA exerce a sua actividade no local determinado pela Ré; o que atentas as suas funções não é de estranhar.
Por outro lado, utilizava  equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré ( vide 5 ) nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças, não se devendo olvidar que ( vide facto nº 23 ) a utilização do fardamento, fornecido pela R. é a regra, sendo excepcional o seu não uso.
Frise-se ainda que o AA   tinha [vide facto nº 6] um horário de trabalho que era definido pela Ré, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.
Anote-se que [vide facto nº 7] à data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal, sendo que [vide facto nº 8]  registava  diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho.
Ou seja; a Ré definia o seu horário de trabalho e controlava a sua observância mais que não fosse para organização dos serviços e correspondente pagamento [facto 25].
Assim, a nosso ver, de pouco releva que se tenha provado que:
24- São os colaboradores que estabelecem, entre si, quem efetua o
turno entre si, quando cada um se ausenta, designadamente para descansos
mais prolongados.
Também resulta provado que a Ré controla a marcação do período de férias do Autor tal como decorre dos factos apurados em 17 e 18
[17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora,
18- Caso esses dias coincidam com os escolhidos pelo colega DD, a empregadora solicita ao trabalhador que se entendam entre eles quanto aos períodos de férias].
Ainda no sentido da verificação de um contrato de trabalho, aponta [de forma no mínimo inusual para a verificação de uma prestação de serviços, embora isoladamente tal matéria não se nos afigure definitiva ou decisiva], a factualidade assente em:
21- A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT 007740709), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados.
22- Em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora.
Todos estes factos conjugados, a nosso ver, apontam no sentido da verificação de subordinação jurídica do AA à Ré, tal como, aliás, também sucede com o pagamento referido em 11
[isto é (11):
o colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de €789,00 pago por transferência bancária].
Esgrimir-se-á que no sentido inverso aponta a matéria assente em 12 [12- Recebe onze pagamentos mensais em cada ano civil.] bem como a matéria provada em 13, 14, 19 e 20
[13- O colaborador encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, sendo o próprio que assegura o pagamento dos respetivos descontos legais.
14- Emite um recibo verde por ocasião de cada pagamento mensal que a empregadora efectua.
19- Não aufere qualquer pagamento proveniente da R. durante cada período de gozo de férias anuais.
20- Nunca tendo recebido igualmente quaisquer subsídios de férias e subsídios de Natal].
 Todavia, a nosso ver, com respeito por opinião diversa, tal matéria não assume cariz categórico na qualificação da relação em causa como uma prestação de serviços.
Aliás, por vezes esse circunstancialismo visa disfarçar a realidade contratual [laboral] em vigor não se podendo, igualmente, olvidar o benefício económico que o não pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal bem como a não realização de descontos aporta para uma das partes.
Assim, não lhe conferimos cariz decisivo na qualificação a operar.
Dito isto; tendo em conta que na presente acção, tal como decorre do nº 1 do artigo 342º do Código Civil, incumbia ao MºPº o ónus de provar a existência do invocado contrato de trabalho afigura-se-nos que mesmo sem o recurso a qualquer presunção de laboralidade o logrou fazer.
E nem se venha esgrimir, como faz a verberada sentença que:
«No caso concreto, tendo o A. nascido em 1943 e estando reformado por velhice, há ainda a ter em conta o disposto no art.º 348º do CT, o qual estabelece:
1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.
Pelo que, este caso, se hipoteticamente se considerasse existir contrato de trabalho, seria a termo e por 6 meses (o que se afiguraria mais precário que a situação atual).
» - fim de transcrição.
Não é esse o objecto do recurso.
Por outro lado, desde a reforma do Autor da PSP (ocorrida em 1997 – facto nº 16) já passaram  26/27 anos pelo que certamente , a menos que o Autor se tenha reformado por invalidez , o que em face das funções aqui assentes não deve ser o caso, o mesmo já tem mais de 70 anos.[14]
Desta forma, cumpre julgar o recurso procedente.
                      

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Em face do exposto, acorda-se em  julgar procedente o recurso e declarar que AA é trabalhador da Ré desde 1 de Outubro de 1998.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.[15]
Notifique.
DN (processado e revisto pelo relator).

Lisboa, 20 de Março de 2024
Leopoldo Soares
Paula Pott
Manuela Fialho
_______________________________________________________
[1] Em 10 de Maio de 2023; sendo certo que a participação da ACT data de 5 de Maio de 2023. – vide fls.69 e 2
[2] Vide fls.69 a 73.
[3] Vide fls.75 v e 78 a 83.
[4] Fls. 84-84 v.
[5] Em sessões realizadas em:
- 19.10.2023 – fls. 91 a 92 v.;
- 16.11-2023 – fls. 97 – 97 v.
[6] Fls. 98 a 106.
[7] Fls. 126.
[8] Vide fls.108 a 118 v.
[9] Vide fls. 119 a 122 v.
[10] Fls.123.
[11] As notas de rodapé devem ali ser consultadas.
[12] Vide Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina, 2019, página 164 e também 167 (em 1).
[13] Esse aresto logrou o seguinte sumário:
“ I - Estando em causa uma relação jurídica estabelecida em 1 de abril de 2003 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.  “– fim de transcrição.
[14] Recorde-se  o disposto no artigo 77º do Estatuto aprovado pelo DL nº 151/85, de 9 de Maio, e  DL nº 417/86, de 19 de Dezembro. Vide ainda os artigos 115 e 116º  do Estatuto aprovado pelo DL nº 243/2025, de 19 de Outubto.
[15] Anote-se que a presente decisão inutiliza e prejudica  qualquer tipo de pronúncia sobre o requerimento formulado pela Ré em 26.12.2023 [ fls. 107 v) que não chegou a  ser apreciado em 1ª instância.
_______________________________________________________
[i] Ali se refere (e se passa transcrever de forma alongada):
«Como já se referiu a primeira questão suscitada pela recorrente consiste em saber se a presunção de laboralidade prevista no Código do Trabalho de 2003 e no Código do Trabalho de 2009 pode ser aplicada a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme quanto a esta questão, no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação antes ou depois dessa data, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.
Neste sentido temos os seguintes acórdãos:
Acórdão de 26-10-2017, proferido no processo n.º 1175/14.7TTLSB.L1.S1 (Revista – 4.ª Secção) – Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 23 de agosto de 1993 a 23 de abril de 2013, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes a tivessem alterado a partir de 01 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.
Acórdão de 21-09-2017, proferido no processo n.º 2011/13.7LSB.L2.S1 (Revista – 4.ª Secção) – Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 01 de junho de 1997 até 01 de junho de 2012, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes a tivessem alterado a partir de 01 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.
Acórdão de 15-04-2015, proferido no processo n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1 – (Revista – 4.ª Secção) – 1. O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduzindo uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003. II. Assim sendo, estando-se perante uma relação jurídica estabelecida em 1993, e não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração desta relação antes e depois desta data, a sua qualificação jurídica há de operar-se à luz do regime da LCT.  
Acórdão de 18-09-2013, proferido no processo n.º 2775/07.7TTLSB.L1.S1 (Revista - 4.ª Secção) – 1. A presunção de laboralidade [que, estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, deriva do pressuposto de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos – os previstos nas alíneas a) a e) do mesmo normativo –, o que traduz uma valoração dos factos que importam essa presunção] só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas iniciadas ou constituídas após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003. 2. Assim, para efeitos de qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre setembro de 1999 e novembro de 2006 há que recorrer ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969, se se não prova que, depois de 1 de dezembro de 2003, tenha existido uma modificação essencial na configuração dessa relação jurídica.  
Acórdão de 08-01-2013, proferido no processo n.º 176/10.9TTGRD.C1.S1 – (Revista - 4.ª Secção) – À qualificação de uma relação de trabalho iniciada em 24 de junho de 2002 e que cessou em 31 de maio de 2009, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os termos daquela relação a partir de 1 de dezembro de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação àquela relação a presunção decorrente do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, ou do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.  
A citada jurisprudência, bastante recente, do Supremo Tribunal de Justiça, vem já na linha de outros arestos proferidos em data mais próxima da entrada em vigor das referidas alterações, em que se destacam os acórdãos de 2/5/2007, 17/10/2007, 16/9/2008 e 22/4/2009, publicados em www.dgsi, respetivamente com o número de documento SJ200705020043684, SJ200710170021874, SJ20080916003214 e SJ20090422036184.
Neste último acórdão datado de 22/4/2009, foi aduzida a seguinte fundamentação:
Como refere BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231), «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser diretamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”».
«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.» 
A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respetiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.
No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, abreviadamente designado por LCT, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, obra citada, p. 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroatividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».
Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender diretamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»
Acompanha-se tal entendimento, aliás já contido no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de maio de 2007, proferido no Processo n.º 4368/06, da 4.ª Secção, de que foram relator e adjuntos os mesmos juízes conselheiros que assinam o presente aresto, donde, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em atenção que a relação jurídica em apreciação iniciou em 1 de março de 1999 e cessou em 30 de setembro de 2005, aplica-se, no caso, o regime instituído no Código do Trabalho de 2003, na sua versão original, ou seja, anterior à redação dada pela Lei n.º 9/2006, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.
Por isso, quando o Código do Trabalho de 2003 regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos.
O artigo 12.º do sobredito Código estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003 (cf., neste sentido, para além do já citado acórdão de 2 de maio de 2007, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção).»
A doutrina tem expressado algumas dúvidas acerca desta solução reconhecendo, no entanto, que se trata de matéria que suscita alguma controvérsia, atendendo até ao paradigma juslaboral.
Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho, 2016, 10.ª Edição, Almedina, pág. 77) inclina-se no sentido de que a presunção se aplica aos contratos anteriores verificando-se uma retroconexão, ou seja aos factos ocorridos antes, mas que se repercutem em questões jurídicas ocorridas ou apreciadas depois da entrada em vigor do diploma, aplica-se o Código do Trabalho.
João Leal Amado (Presunção de Laboralidade: Nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação, publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, pág.159 e segs.) manifesta também muitas dúvidas acerca da solução jurisprudencial, reconhecendo, no entanto, que o entendimento adotado poderá encontrar acolhimento no ensino de Baptista Machado (Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 274-275) quando escreveu, a propósito, precisamente, das normas relativas às presunções legais «Admite-se em geral que elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos. Também nós entendemos que assim é».
O citado autor manifesta ter muitas «dúvidas que assim seja» aduzindo uma argumentação de fundo de cariz estritamente laboral, sustentando que neste campo «A imperatividade das suas normas, a necessidade de salvaguardar interesses socioeconómicos particularmente sensíveis e relevantes, tutelando as categorias sociais mais frágeis, tudo isto restringe fortemente o domínio da liberdade contratual neste domínio, impondo a aplicação imediata das normas e a plena adequação da relação contratual às novas (e supõe-se que mais ajustadas ou afinadas) valorações do legislador do trabalho».
Enfatizando a linha do seu raciocínio o mesmo autor interroga e responde: «Se o legislador afina e refina a presunção de laboralidade, com o intuito de mais facilmente conseguir detetar a existência de um genuíno contrato de trabalho, o que é que justifica que esse novo mecanismo (os binóculos, a vacina...) só possa ser utilizado para os contratos celebrados após o início de vigência do novo Código do Trabalho? Não consigo vislumbrar boas razões para rejeitar a aplicação da presunção aos contratos antigos que ainda subsistam».
Também Joana Nunes Vicente (Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade, publicado em «Código do Trabalho – Revisão de 2009», Coimbra Editora. 2011, págs. 59 e segs.) manifesta algumas dúvidas acerca da posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salientando que «a norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado».
Equacionando os ensinamentos de Baptista Machado (Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 277) Joana Nunes Vicente refere que «poder-se-ia transpor para as normas sobre presunções um raciocínio semelhante àquele que é formulado a propósito das normas que decidem da admissibilidade ou valor dos meios de prova».
 Sobre estas últimas, cita o referido autor «em matéria de negócios jurídicos, as regras de prova não são um guia para o juiz apenas, mas são-no também para as partes; pois é certo que estas, na constituição duma SJ [situação jurídica], tomam em conta as exigências de provas formuladas pela lei da mesma forma que tomam em conta as exigências legais relativas às condições de validade».
Na linha desta doutrina refere a autora que «neste domínio, as leis de prova podem legitimamente influir sobre a conduta das partes (levando-as a adotar certas precauções ou diligências com vista a assegurar os meios de prova no momento da constituição da situação jurídica). Por essa razão, isto é, porque nesse caso a aplicação imediata da Lei Nova a situações jurídicas constituídas anteriormente seria suscetível de frustrar as previsões e legítimas expectativas, sustenta-se que a Lei Nova sobre a prova apenas deve ser aplicável às situações jurídicas novas, leia-se, às situações jurídicas constituídas depois da entrada em vigor da Lei Nova. Todavia, se cotejarmos estes ensinamentos com a presunção legal de laboralidade, as coisas não se afiguram tão nítidas. Se numa dada relação contratual alguém põe a sua capacidade laborativa ao serviço de outrem disponibilizando-se para o exercício da atividade prometida que o beneficiário pode dirigir e organizar, o modo como a relação é estruturada e desenvolvida faz, em regra, emergir os chamados factos-índices - que mais não são do que a tradução, em termos fácticos, do que caracteriza uma relação de trabalho subordinado e o escopo económico-funcional dessa relação. Não parece, pois adequado afirmar que a norma que contém a presunção de laboralidade possa influir sobre a conduta das partes - levando-as a adaptar esta ou aquela precaução - ao ponto de justificar um raciocínio idêntico ao formulado a propósito das leis sobre a prova».
Este panorama no plano doutrinário denota grande incerteza acerca da questão, havendo quem sustente a aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória e quem se incline para aplicação da lei vigente ao tempo em que se verificaram os factos ou atos.
No campo do direito laboral a doutrina mostra alguma sensibilidade aos objetivos pretendidos pelo legislador ao consagrar a presunção de laboralidade, desenhando-se uma tendência para aceitar, em nome da eficácia da política económica e social, a aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória.
No entanto, também há que ponderar que a presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova.
Tal situação poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.
No caso concreto dos autos, está em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes pelos menos desde 1 de novembro de 1995, não se extraindo da matéria de facto provada – como não extrai - que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, pelo que à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.  “  – fim de  transcrição.

[ii] Segundo este aresto:
« A noção legal de contrato de trabalho, existente no CC e na LCT, é composta por 4 elementos.
Com efeito, ela abarca o objeto, da parte do trabalhador [prestação da sua atividade intelectual ou manual], a alienação que o trabalhador faz da sua atividade a favor de outrem [prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa], a subordinação jurídica do trabalhador [o trabalhador presta a sua atividade sob a autoridade e direção da pessoa a quem alienou a sua atividade] e a retribuição [a contrapartida da pessoa que recebe a atividade do trabalhador].
O que realmente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço é o objeto e a subordinação jurídica.   
Quanto ao objeto:
- No contrato de trabalho, o seu objeto, da parte do trabalhador, consiste na prestação da sua atividade intelectual ou manual, que se traduz numa prestação de facto, através da qual o trabalhador põe a sua força do trabalho à disposição da sua entidade empregadora;
- No contrato de prestação de serviço, o seu objeto consiste no resultado da atividade de uma pessoa, ou seja, o que interessa não é a atividade em si, mas apenas o resultado dela advindo.
Quanto à subordinação jurídica:
a. No contrato de trabalho, o trabalhador ao celebrar um contrato fica sob as ordens, direção, fiscalização e poder disciplinar do empregador enquanto no contrato de prestação de serviço o credor não tem poderes especiais de autoridade.
b. A subordinação jurídica não é estanque ou estática, mas sim flexível de modo a abarcar determinadas situações da vida real no mundo do trabalho [os CT’s falam em contratos ou situações equiparadas – artigo 13º, do CT/2003 e 10º do CT/2009].
c. No contrato de trabalho existe dependência e subordinação ao passo que no contrato de prestação de serviço existe independência e autonomia.
A este propósito, o acórdão de 15 de dezembro de 2015, [Processo n.º 1156/04.9TTCBR.C2.S1 – www.dgsi.pt/], refere que “[o] que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço reside no seu objeto: ao passo que neste último o que está em causa é o resultado da sua atividade, naquele primeiro o que avulta é atividade em si mesma.
Se, em termos teóricos, a distinção é nítida, já na prática a destrinça entre as duas figuras contratuais reveste-se, por vezes, de grande dificuldade, dado que em ambas existe uma alienação do trabalho e ambas visam sempre um resultado, uma vez que todo o trabalho conduz a um resultado e este também não existe sem aquele.
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço há de, pois, assentar em dois elementos essenciais: no objeto e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica no primeiro e autonomia no segundo).”
Para o contrato ser de trabalho é necessário verificar-se um mínimo de sujeição do trabalhador a determinadas condições de execução do trabalho e a certas normas disciplinadoras, umas e outras definidas pela entidade empregadora.
Não havendo subordinação jurídica inexiste contrato de trabalho.
Acrescenta-se que pode haver subordinação jurídica sem haver dependência/subordinação económica e que pode, também, haver subordinação/dependência económica sem haver subordinação jurídica.
Salienta António Monteiro Fernandes[3] que “[a] subordinação jurídica […] não se confunde com a dependência económica”.
Na verdade, pode não existir subordinação económica no trabalho subordinado [“um médico pode ser empregado no serviço de saúde de uma empresa, mas auferir o essencial do seu rendimento no consultório”] e pode haver subordinação económica sem haver subordinação jurídica [“um alfaiate que, em sua casa, faz exclusivamente casacos e calças para um estabelecimento de pronto-a-vestir”].
Deste modo, a subordinação jurídica consiste no poder que a entidade empregadora tem de algum modo orientar, dirigir e fiscalizar a atividade em si mesma, de outra pessoa, submetida à sua autoridade.
Todavia, o prestador de serviço não está completamente à margem e liberto da receção e seguimento de instruções dadas por quem lhe solicita e encomenda o trabalho a efetuar [o seu beneficiário].
Segundo o acórdão de 15.09.2016 [processo n.º 329/08.9TTFAR.E1.S1], “[a] existência de orientações ou instruções a seguir não é incompatível com o contrato de prestação de serviço pois o credor da prestação sempre tem uma palavra a dizer no modo como o serviço contratado deve ser executado e pode exercer alguma fiscalização sobre o desempenho do prestador dessa atividade o âmbito do contrato de prestação de serviço a relação que se estabelece entre as partes decorre de forma mais livre e autónoma, importando tão só o resultado do trabalho prestado intelectual ou manual.
[…]
A própria lei – no art.º 1153º do CC – explicita que o prestador de serviços “obriga-se a proporcionar a outra” (a outra pessoa/entidade) “o resultado” do seu trabalho, impondo-lhe, pois, a obrigação de apresentar esse resultado. 
E naturalmente que quem encomenda o serviço, quem contrata, não pode ficar desonerado ou impedido de dar instruções ao prestador de serviços sobre o que quer e de que modo pretende ver realizado esse trabalho.”
Verifica-se, pois, que o poder de direção hoje já não é suficiente para a qualificação do contrato de trabalho, pois além de não ser totalmente incompatível com o contrato de prestação de serviço e com os demais contratos de trabalho autónomo, como critério de qualificação do contrato de trabalho, encontra-se mais esbatido nos contratos de trabalho hodiernos, quer naqueles que se desviam do âmbito do típico contrato de trabalho quer naqueles cuja forma de organização é mais autónoma e menos verticalizada. 
Dada esta realidade pergunta a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[4]: “Mas se, por si só, o poder diretivo não é um critério decisivo para a qualificação do contrato de trabalho, qual é a alternativa?”
Responde de seguida sustentando que “[r]esume-se, para este efeito, a proposta de uma visão integrada dos dois poderes laborais, como critério decisivo para a qualificação do contrato de trabalho: o poder diretivo; e o poder disciplinar, na sua vertente prescritiva e na sua vertente sancionatória.
Quanto ao poder diretivo, a sua grande diferença relativamente aos poderes ordinatórios, que se encontram noutros contratos envolvendo a prestação continuada de uma atividade produtiva, está na maior eficácia das ordens e instruções do empregador, que decorre do facto de serem assistidas pelo poder disciplinar sancionatório. Dito de outra forma, embora o mandante, o dono da obra ou o dono do negócio tenham um poder instrutório sobre o mandatário, o empreiteiro ou o agente, respetivamente, o desrespeito pelas suas instruções apenas lhes permite recorrer aos meios comuns de comprimento coercivo dos danos. Ora, não é isto que sucede no contrato de trabalho, em que o vigor do poder diretivo é assegurado pelo poder disciplinar.”
Assim, na análise das instruções, ordens e orientações emanadas pelo credor da atividade, para efeitos de qualificação do contrato, como de trabalho ou como de prestação de serviço, deverá averiguar-se sempre se o poder diretivo tem a tutela disciplinar, pois é este amparo [o disciplinar] que “constitui o elemento verdadeiramente singular do negócio laboral”.
Em sentido amplo, o poder disciplinar é a faculdade que assiste ao empregador de estabelecer regras vinculativas do comportamento do trabalhador, não atinentes à prestação contratual principal deste, e de assegurar o seu cumprimento através da aplicação de sanções[5].
Em sentido restrito, é a faculdade que assiste ao empregador de estabelecer e aplicar sanções disciplinares ao trabalhador pelo incumprimento dos seus deveres contratuais.
Não havendo prova direta e não sendo aqui aplicáveis as presunções de laboralidade, a subordinação jurídica terá que ser deduzida através do método indiciário, havendo que fazer distinção entre indícios internos e indícios externos.
Sendo a subordinação jurídica, um conceito jurídico, não pode ser diretamente apreendida e, daí, que a jurisprudência e a doutrina preconizem o recurso ao chamado método tipológico/indiciário que consiste em buscar na situação real em que a relação contratual se desenvolve ou desenvolveu os aspetos factuais que normalmente ocorrem no modelo típico do contrato de trabalho e que, em regra, constituem manifestações da sujeição do trabalhador ao poder diretivo do empregador, sendo que cada um desses aspetos funcionará como um indício da existência da subordinação jurídica.
Como indícios internos, reveladores da subordinação jurídica, temos:
- A natureza da atividade, a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo sobre o modo como a prestação do trabalho é efetuada, a obediência às ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador, a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador, se o prestador da atividade recorre a colaboradores, a repartição do risco, a remuneração em função do tempo de trabalho e a integração do prestador da atividade na estrutura organizativa do empregador.  
Como indícios externos temos:
- A exclusividade, ou seja, o facto de o prestador de serviço não desenvolver a mesma atividade ou outra idêntica para outros beneficiários, o tipo de imposto pago pelo beneficiário, que atividade indica na declaração de rendimentos, se está inscrito na segurança social, - [a observância do regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem], etc.             
Além dos indícios, também há que levar em conta, quando o contrato tenha sido reduzido a escrito, o “nomen juris” que as partes lhe deram e o teor das cláusulas que nele foram inseridas, uma vez que tais indícios, apesar de não serem decisivos para a qualificação do contrato – pois o que releva, realmente, não é a denominação que lhe foi dada pelas partes nem as cláusulas que nele foram inseridas, mas sim os termos em que o mesmo foi executado – não podem deixar de assumir relevância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que escolheram para regular a relação entre elas estabelecida.
Por fim, importa sublinhar que os indícios atendíveis não podem ser isoladamente considerados, pois assumem uma certa relatividade, devendo ser sopesados e conjugados na sua globalidade, impondo-se que o juízo de aproximação a cada modelo se faça no contexto global do caso concreto.
Ora, como se viu, a necessidade de se socorrer do método indiciário verifica-se quando a distinção entre os dois tipos contratuais, contrato individual de trabalho ou contrato de prestação de serviço, assume, em certas situações da vida real, grande complexidade, como, por exemplo, quando exista simultaneamente subordinação e autonomia e as suas atividades tanto possam ser exercidas e efetuadas sob o regime do contrato de trabalho como também sob o regime de contrato de prestação de serviço.
Por último, compete ao autor/trabalhador o ónus de alegação e de prova da facticidade conducente à demonstração da existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, por ser constitutiva do direito por ele alegado, ou seja incumbe ao autor/trabalhador alegar e provar os factos que se mostrem suficientes para, em termos de razoabilidade, convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume, realmente, a natureza de contrato de trabalho, sendo certo que em caso de dúvida, as pretensões por ele formuladas com fundamento no alegado contrato de trabalho terão de ser julgadas improcedentes.» -  – fim de transcrição.

[iii] De acordo com o qual:
«Se a relação contratual estabelecida entre a A. e a R.  deve ser qualificada como contrato de trabalho.
(a)- Considerações preliminares. 
 10. Segundo a respetiva noção legal[4], o contrato de trabalho reconduz-se a três elementos essenciais: (i) atividade (manual ou intelectual); (ii) retribuição; e (iii) subordinação jurídica. 
A distinção entre ele e outras figuras próximas (as diferentes modalidades do contrato de prestação de serviço e toda uma série de contratos atípicos/inominados afins) assenta em dois elementos essenciais: no objeto do contrato (prestação de atividade remunerada, vs. obtenção de um resultado); e, determinantemente, no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica vs. autonomia).
11. Nos casos duvidosos, os factos disponíveis (só por si) não permitem, em regra, confirmar direta e cabalmente todos os essencialia negotii do contrato de trabalho, pelo que – em articulação com o tradicional método conceptual/subsuntivo - há que lançar mão de uma abordagem indiciária (de cariz tipológico e analógico)[5], baseada em todos os elementos e circunstâncias do caso, tendo em vista: (i) aferir do grau de aproximação do caso concreto ao paradigma contratual; (ii) em função de critérios de razoabilidade e adequada exigência, determinar se a proximidade existente é suficiente para reconduzir a imagem global do caso concreto, em toda a sua complexidade, ao tipo normativo.
Dadas as dificuldades sentidas no desenho de um conceito rígido e absoluto de “subordinação jurídica”, é sobretudo na operacionalização deste elemento contratual (maxime no que tange ao seu momento organizatório) que em regra se recorre ao método indiciário, com base numa “grelha” de tópicos ou índices de qualificação (elementos que exprimem pressupostos, consequências ou aspetos colaterais de certo tipo de vínculo contratual[6]), relativamente aos quais há significativo consenso na doutrina e na jurisprudência[7], apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum deles (isoladamente) assumir relevância decisiva, não sendo assim exigível que todos eles apontem no mesmo sentido. 
12. Os mais significativos e utlizados são os seguintes: 
(i) - Vontade real das partes quanto ao tipo contratual.
(ii) - Objeto do contrato.
- Prevalência da atividade ou do resultado.
- Grau de (in)determinação da prestação.
- Grau de disponibilidade do trabalhador (lato sensu) relativamente às determinações e necessidades de serviço da contraparte.
- Repartição do risco.
(iii) - Momento organizatório da prestação.
- Pessoalidade da prestação.
- Ocupação em exclusividade (ou não) e grau dependência económica.
- Tipo de remuneração (para além do mais, releva se o pagamento é feito à tarefa ou por unidade de tempo e se são pagas férias e subsídios de férias/Natal).
- Local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho.
- Tempo de trabalho e férias.
- Grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte [aferida em função da (não) presença, v.g., dos seguintes fatores: obediência a ordens e instruções diretas do empregador quanto ao modo de cumprimento/execução da prestação; sujeição a normas organizacionais/regulamentares (incluindo regras de conduta); existência de antecedentes em termos de ação disciplinar].
(iv) - Indícios externos:
- Regime fiscal e de segurança social.
- Sindicalização.
13. Quanto ao ónus da prova dos elementos integrantes do contrato de trabalho, refira-se que ele cabe ao trabalhador, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, podendo a prova ser efetuada diretamente (no casos evidentes) ou mediante recurso àquela metodologia indiciária. 
Contudo, desde a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, a “pessoa que presta uma atividade” passou ainda a poder socorrer-se, derradeiramente, da presunção de laboralidade consagrada no seu art.º 12º (sucessivamente alterado pela Lei 9/2006, de 20/3, e pela Lei 7/2009, de 12/2), a qual, todavia, é inaplicável ao caso sub judice.
Com efeito, segundo o entendimento jurisprudencial reiteradamente expresso por este Tribunal[8], estando em causa uma relação jurídica cuja execução perdura ininterruptamente durante certo período, aplica-se a lei laboral vigente à data do seu início, no tocante à sua qualificação, ou seja, no caso em apreço, o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
* * *
(b)- Considerações genéricas quanto ao objeto do contrato de trabalho (atividade vs. resultado). 
14. Ao contrário das relações de trabalho autónomo, nas quais se proporciona um resultado do trabalho, nas de trabalho subordinado [que correspondem a uma (mera) obrigação de meios], uma das partes obriga-se a prestar a outra uma atividade (positiva) e heterodeterminada, cujo conteúdo preciso é (vai sendo) - em maior ou menor medida - unilateralmente fixado pelo empregador; apresentando, à partida, um certo grau de indeterminação, a prestação vai sendo “potestativamente”[9] determinada por este. 
Já o Prof. Vaz Serra explicava que, basicamente e a traço grosso, se um dos contraentes promete o próprio trabalho ao outro, que este orientará e dirigirá dentro de certos limites, o contrato é de trabalho; e se um dos contraentes promete ao outro um resultado do seu trabalho, obrigando-se a proporcioná-lo com independência, autonomia, trata-se de um contrato de prestação de serviço.[10]
Deste modo, como se compreende, exige-se uma disponibilidade continuada e real do trabalhador (embora, naturalmente, este traço seja compatível, com situações mais ou menos pontuais de inatividade).
Vale por dizer: no trabalho subordinado, a atividade do trabalhador é organizada e dirigida pela contraparte, tendo em vista um resultado que está “fora” do contrato (razão pela qual o empregador suporta o risco da não obtenção do resultado visado); ao invés, no trabalho autónomo, o resultado é o objeto primário do contrato, pelo que o devedor mantém o controlo da sua atividade, escolhendo e organizando ele próprio os meios para o atingir.[11]    
Todavia, são frequentemente inseparáveis a atividade e o seu resultado, pelo que as fragilidades deste critério – que “fazem com que ele deva ser considerado como um critério de mera prevalência” - apenas permitem afirmar que “no contrato de trabalho a atividade tem um valor prevalente para o empregador, enquanto no contrato de prestação de serviço é o resultado dessa atividade que tem mais relevo para o credor” [12]. 
Sobre esta dificuldade, muito expressivamente, assim se pronunciou, há já umas décadas Galvão Teles:[13]
“Mas como se pode verdadeiramente saber se promete o trabalho ou o seu resultado? Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe. O trabalho integra-se na organização da entidade patronal, é um elemento ao serviço dos seus fins, um fator de produção quando se trate de uma empresa económica. Na outra hipótese promete-se o resultado do trabalho, porque é o prestador que, livre de toda a direção alheia sobre o modo de realização da atividade como meio, a oriente por si, de maneira a alcançar os fins esperados”.
Conexamente, como nota Monteiro Fernandes[14], apesar de a obtenção do resultado não estar, em regra, “dentro do círculo do comportamento devido pelo trabalhador”, “esse resultado ou efeito pode, todavia, constituir elemento referencial necessário ao próprio recorte do comportamento devido”; independentemente de o trabalhador conhecer, ou não, o “escopo global e terminal” visado pelo empregador, “o processo em que a atividade (...) se insere é naturalmente pontuado por uma série de objetivos imediatos, (...) fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais (...), se pode exigir – presumir – sejam nitidamente representados pelo trabalhador”. 
Também nem sempre é fácil integrar na dicotomia atividade-resultado algumas situações em que, sendo contratualizado o próprio trabalho (e não o seu resultado), ele se desenvolve com elevado grau de independência e autonomia técnica, embora no âmbito do quadro organizativo do outro contraente, que – com maior ou menor nitidez, ainda que apenas potencialmente – orienta/dirige o seu trabalho. 
Paradigmáticas destas dificuldades são as múltiplas situações em que a atividade é suscetível de ser levada a cabo indistintamente, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos, como é o caso das profissões liberais (médicos, enfermeiros, arquiteto, engenheiros, advogados, etc.), dos jornalistas, de alguns artistas (v.g. os profissionais de espetáculos, como é o caso dos músicos) ou dos professores. 
* * *
(c)  - Considerações genéricas quanto à subordinação jurídica.
15. A subordinação jurídica encontra a sua génese: (i) na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção, em maior ou menor grau, numa estrutura organizacional alheia (estrutura que não se reconduz necessariamente a uma empresa, podendo até ser muito rudimentar[15]) , dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio do empregador, traduzida na titularidade do poder de direção (que implica o dever de obediência às ordens e instruções do empregador, maxime no tocante ao modo de cumprimento/execução da prestação, bem como às regras organizacionais e de conduta estabelecidas) e do poder disciplinar.
Diferentemente da “atividade” e da “retribuição”, categorias presente em vários tipos contratuais, é na “subordinação jurídica” - elemento que no essencial o caracteriza e  demarca de realidades fronteiriças - que reside a especificidade mais típica do contrato de trabalho.
Não obstante, em consonância com a dinâmica imposta pelas novas tecnologias e por exigências organizativas das empresas muito distanciadas do modelo taylorista/fordista, vivemos tempos pautados por toda uma panóplia de manifestações de flexibilidade laboral e fragmentação/ externalização do processo produtivo, que converteram a subordinação, enquanto elemento identificativo do contrato de trabalho, num elemento dotado de grande plasticidade, munido de “novos rostos”, e, nessa medida, num “identificador problemático”[16].
Na verdade, uma vez que “aumentaram, de forma significativamente relevante, por um lado, as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado (...), mas também foi possível verificar, por outro lado, que o próprio domínio do trabalho independente ou autónimo passou a conhecer, de forma crescente, expressões de tutela e enquadramento que são mais próprias do típico trabalho subordinado”, a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo vai-se esbatendo e diluindo, “através de um processo de metamorfose das formas jurídicas de exercício do poder por parte do empregador”.[17] 
Por conseguinte, nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de “geometria variável”, que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que o empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, “no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica (...) e se articula com as aptidões profissionais especificas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da (...) atividade”, sendo, deste modo, consentânea com atividades profissionais altamente especializadas ou que tenham uma forte componente académica ou artística[18], tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos inerentes poderes pelo empregador. 
Na verdade, como paradigmaticamente refere sobre esta problemática Monteiro Fernandes:[19]
“A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas; mas, a final verifica-se que existe, na verdade (...). [N]ão é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. Isto é tanto mais real quanto mais se avança na sofisticação e diferenciação das qualificações profissionais. Muitos trabalhadores conhecem melhor o trabalho que têm que realizar do que o empregador.
(...)
Neste sentido, observava, já há décadas, Mazzoni: Quanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão (..) que se encontra também na relação de trabalho autónomo (...).
Para além das situações em que, de facto, não ocorrem comportamentos diretivos do empregador, há que considerar aquelas em que constituem objeto do contrato de trabalho (...) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (...). Em tais casos, o trabalhador apenas ficará adstrito à observância das diretrizes mais gerais do empregador em matéria de organização do trabalho (local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares (...).
(...)
Passa a ser necessário, perante cada situação concreta, saber-se ao certo se o médico, o advogado ou o engenheiro atuam (...) como (...) empregados ou (...) como “profissionais livres”, isto é, trabalhadores autónomos.» – fim de transcrição.