Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10281/22.3T8LRS-A.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONCILIATÓRIA
FASE CONTENCIOSA
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1- No processo especial emergente de acidentes de trabalho as fases respetivas são definidas pela posição que as partes encarnarem na tentativa de conciliação efetuada na fase conciliatória.
2- Manifestando-se discordância apenas quanto à incapacidade, a fase seguinte é apenas a que se prende com o incidente de fixação de incapacidade.
3- Este princípio cede se for evidente, pela documentação junta até à tentativa de conciliação, que os dados exarados em auto não têm correspondência com a realidade.
4- Nestas circunstâncias não está vedada ao Sinistrado a implementação de ação mediante apresentação de petição inicial com vista ao reconhecimento dos respetivos direitos ali evidenciados.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AA, autor/sinistrado nos autos supra referenciados, notificado do Despacho de fls. e com ele não se conformando, vem interpor o presente recurso que é de Apelação.
Apresentou as seguintes conclusões:
A – O sinistrado/recorrente não alterou a sua posição com a PI, dado que a sua posição já estava plasmada, anteriormente, na participação do acidente de trabalho que o tribunal a quo não viu, nem atendeu.
B – O tribunal a quo decidiu, conscientemente, manter tal erro grosseiro.
C – Assim, a redução operada pelo tribunal a quo quanto à retribuição mensal do sinistrado, viola diretamente o direito do trabalhador previsto no art.º 129º/d) do C.T..
D – Não pode o tribunal a quo dar como assente um facto que contraria as evidências, a verdade dos factos e a própria lei!
E – O recorrente apresentou-se “sozinho” na Tentativa de Conciliação, a sua representação haveria de estar assegurada pelo M.º P.º, e os seus direitos reforçados por tal representação, mas não foi isso que aconteceu, pois não podemos perder de vista que, a procuração forense, foi junta aos autos só alguns dias depois.
F – A redução operada pelo tribunal a quo quanto à retribuição mensal do sinistrado, viola diretamente o direito do trabalhador previsto no art.º 129º/d) do C.T..
G – Entidade Patronal tem que ser chamada à demanda, a fim de suportar as diferenças salariais uma vez que estas fazem parte do elenco das prestações incluídas no direito à reparação dos danos causados pelo acidente de trabalho.
H – As diferenças salariais reclamadas pelo recorrente sinistrado reportam ao período em que o mesmo se encontrava em ITP sendo que, a Entidade Patronal foi ressarcida da totalidade dos salários do trabalhador, pela seguradora responsável.
I – O desconto operado pela Entidade Patronal é ILEGAL e viola o art.º 129º/d, do Cód. do Trabalho.
J – A PI do recorrente não é inepta, nos termos do art.º 186º/2, al. a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir:”.
L – As despesas médicas realizadas no âmbito e por conta de um acidente de trabalho constituem causa de pedir no âmbito dos presentes autos,
M – Ainda que o tribunal a quo verificasse défice de articulação de factos essenciais, sempre lhe impenderia convidar o sinistrado ao aperfeiçoamento,
O QUE NÃO FEZ!, vide, art.º 27º/2 do C.P.T.!
N – No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc.º n.º 4138/18.0T8MTS – A.P1, de 21.10.2019.
O – O Auto de Tentativa de Conciliação deveria reproduzir fielmente o sucedido na diligência. Nessa perspetiva, o sinistrado não declarou que prescindia que qualquer quantia fosse a que titulo fosse, e tanto que não prescindiu que, veio instaurar a PI.
P – O recorrente apresentou-se “sozinho” na Tentativa de Conciliação, a sua representação haveria de estar assegurada pelo M.ºP.º, e os seus direitos reforçados por tal representação, mas não foi isso que aconteceu, pois, não podemos perder de vista que, a procuração forense, foi junta aos autos só alguns dias depois.
Q – O sinistrado não alterou a sua posição, tudo o que vai para além do transposto no Auto de Conciliação é mera especulação e/ou dedução, porque, à exceção da declaração de que o sinistrado não aceitou o grau de incapacidade, nenhuma outra declaração há do visado, nem, aparentemente, outras questões foram levantadas?!, apenas se vislumbra uma proposta (parcial, diga-se) apresentada pelo M.º P.º,
R – E efetivamente legitimo ao recorrente instaurar a PI e ver apreciado o mérito do seu pedido.
S – A PI apresentada perante o tribunal a quo, para um declaratário normal, era suscetível de levantar dúvidas razoáveis e legítimas, aconselhando o julgador a suscitar oficiosamente junto do sinistrado as questões e as determinações pertinentes, com vista a sanar e regularizar os aspetos formais.
T – O despacho recorrido traduz uma conduta processual precipitada e que peca por excesso de formalismo, pois encontramo-nos no âmbito de um processo emergente de acidente de trabalho de cariz urgente e onde se discutem direitos indisponíveis e irrenunciáveis, que trilha cada vez mais no sentido de abolir tais pruridos e excessos formais, e busca a implementação da verdade material, quer pelas partes, quer pelo juiz, que, para tal, tem cada vez maiores poderes de gestão e adequação processual, assim como de índole inquisitória e oficiosa.
V – Tal como se lê no art.º 547º do CPC “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”.
X – O despacho do Tribunal a quo é NULO, por falta de fundamentação, vide, designadamente, o art.º 154º do CPC,
Z – Isto é, o despacho não se mostra suficientemente desenvolvido e sustentado para poder constituir um fundamento justificativo do referido indeferimento liminar.
AA) – O Tribunal a quo viola diretamente os dispositivos legais previstos nos art.ºs 129º/d do CÓD TRAB., Art.ºs 27º/2 e 117º/1, do C.P.T. e Art.ºs 193º, 154º, 547º do C.P.C..
BB) – Assim exposto, é claro e evidente que, devem ser admitidas as ALEGAÇÕES do recorrente.
AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., R. nos autos à margem identificados, notificada das alegações de recurso do A., vem apresentar as suas Contra-Alegações, que conclui pedindo a confirmação do despacho recorrido.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Realizou-se tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, ato no qual o Sinistrado declarou não aceitar a conciliação proposta “por entender que padece de um grau superior de incapacidade à que lhe foi atribuída”.
Nesse ato, a Seguradora declarou não estar “de acordo com a avaliação da incapacidade atribuída pelo perito do INML, pelo que não aceita a conciliação”.
Foi apresentada, na fase contenciosa, petição inicial, contra BB & FILHOS, LDA., representada pelos Gerentes CC e DD, e, bem assim, contra AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA S.A.
Tal petição culminou no seguinte pedido:
“Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente por provada, devendo em consequência, ser as RR, condenadas a pagar:
a) A Ré, Entidade Empregadora, quantia de €254,03 (duzentos e cinquenta e quatro euros e três cêntimos) por diferenças salarias descontadas no seu vencimento a título Incapacidade Temporária Parcial
b) A Ré, Companhia de Seguros:
- Indemnização por IPP que vier a ser fixada na junta médica, de acordo com o real salário do A. à data do sinistro,
- A quantia de €1.637,26 (mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e seis cêntimos relativos a salários não auferidos entre 28.07.2002 a 31.07.2022; 13.08.2022 a 03.10.2022 e, respetivos Subsídios de alimentação, respeitante aos mesmos períodos, contabilizados os dias úteis (38d x €4,77), no montante de €181,26 (cento e oitenta e um euros e vinte e seis cêntimos) vencidos e não pagos.
- A quantia de €1.175,00 (mil cento e setenta e cinco euros) referentes a despesas médicas e deslocações suportadas pelo A. decorrentes do sinistro.”
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
Como se constata pela análise do auto de tentativa de conciliação, a única questão controvertida é a da avaliação das sequelas resultantes do acidente de trabalho.
Houve acordo quanto ao mais: existência e caracterização do acidente, nexo causal entre a lesão e o acidente, a retribuição do sinistrado e qual a entidade responsável.
O sinistrado não pode vir agora apresentar p.i., alterou a sua posição sobre a remuneração que aceitou, seja sobre qualquer outra questão pretérita, pois a única sobre a qual não houve acordo foi a da incapacidade permanente que o afeta (ou não) em consequência do acidente.
Nestes casos, a fase contenciosa deve seguir a tramitação simplificada, nos termos dos art.ºs 117.º, n.º 1, al. b), e 138.º, n.º 2 do CPT, este último, com o seguinte segmento: «Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º;»
Se dúvidas houvesse, não esqueçamos que um Código é um sistema organizado de normas que regem uma determinada matéria ou área do Direito, pelo que, em conformidade com o disposto no art.º 112.º do CPT, o art.º 131.º, n.º 1, al. c) do mesmo código, impõe que, no despacho saneador, o juiz considere assentes os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação – como, aliás, foi doutamente defendido pela seguradora na contestação que apresentou.
Ora, se a retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente já está assente, não há litígio sobre esse facto.
Nesta perspetiva, também não há qualquer fundamento para chamar a entidade patronal aos autos, nem para suportar diferenças sobre o valor de uma retribuição auferida à data do acidente, que já está assente1, nem para pagar diferenças salariais, pois estas não fazem parte do elenco das prestações incluídas no direito à reparação dos danos causados por acidente de trabalho, segundo o disposto no art.º 23.º, 25.º e seg. e 47.º e seg. da Lei dos Acidentes de Trabalho.
O mesmo se diga quanto aos salários e subsídio cujo pagamento é pedido à seguradora!
O pedido de pagamento de despesas médicas é desde logo inepto, pois não se encontra na petição inicial qualquer facto concreto que pudesse constituir a sua causa de pedir – art.º 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC. Sempre se diga, no entanto, que as despesas médicas e de deslocação (à exceção dos €15 já aceites) são anteriores à tentativa de conciliação, pelo que deveriam ter sido referidas pelo sinistrado naquela diligência, tal como fez relativamente às despesas com a deslocação ao INML e ao tribunal.
Salva-se apenas a parte em que se requer a junta médica e se deduzem os quesitos para serem respondidos pelos Senhores Peritos Médicos.
Por fim, acrescenta-se que o sinistrado disse claramente e ficou a constar do auto de tentativa de conciliação elaborado nos Serviços do Ministério Público que a não aceitação da conciliação proposta era “por entender que padece de um grau superior de incapacidade à que lhe foi atribuída” e que
“ir[ia] requerer a junta médica”.
Assim, por ineptidão do pedido de pagamento de deslocações e despesas médicas, bem como por ser manifestamente inadmissível quanto às demais questões, indefiro liminar e parcialmente a petição inicial, a qual, no entanto, será aceite como requerimento de junta médica.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Não há fundamento para indeferimento liminar da petição inicial?
2ª – O despacho é nulo?
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FUNDAMENTAÇÃO:
Razões de lógica processual impelem-nos a iniciar a discussão pela 2ª questão que enunciámos – a nulidade do despacho.
Vem invocada falta de fundamentação, vício que, com base no dispor no Art.º 615º/1-b) do CPC, fere as decisões judiciais de nulidade.
Decorre, contudo, não só do despacho acima transcrito, quanto também dos próprios termos do recurso, que a invocação deste vício é infundada.
Verdadeiramente o que está em causa é um eventual erro de julgamento, situação muito distinta da nulidade da decisão. Num caso, um vício de fundo, noutro um de forma.
Ora, neste caso apenas a absoluta falta de fundamentação fere a decisão de nulidade. De fora ficam os casos de fundamentação insuficiente ou mesmo medíocre, conforme vem sendo amplamente enunciado pela jurisprudência dos Tribunais superiores. Neste sentido, e só para citar um aresto, veja-se o Ac. do STJ de 15/05/2019, Proc.º 835/15.0T8LRA de acordo com o qual “Para que se verifique a nulidade de falta de fundamentação prescrita no art.º 615, nº 1, al, b), do CPC, não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.” Ou ainda o nosso Ac. RLx. de 6/093/2024, Proc.º 3014/18.0T8VFX.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, improcede a questão em apreciação.
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Aquilatemos, então, da falta de fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial.
O indeferimento liminar da petição inicial é agora admissível, tal como decorre do que se dispõe no Art.º 54º/1 do CPT, nas circunstâncias enunciadas no Art.º 590º/1 do CPC, a saber:
-quando o pedido seja manifestamente improcedente ou
-quando ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Não se podendo, à partida, configurar uma situação de manifesta improcedência, aquilatemos da verificação de alguma exceção dilatória insuprível.
Desde há muito que a lei processual laboral impõe às partes intervenientes na tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo – fase em que, contrariamente ao que parece ser o entendimento do Apelante, o Ministério Público não patrocina o trabalhador- o dever de tomar posição sobre todas as questões de facto com as quais sejam confrontadas. Isto mesmo decorre também, atualmente, do Art.º 112º/2 do CPT.
Uma manifestação de um princípio estruturante do processo civil – o da autorresponsabilidade das partes, do qual emerge que a negligência ou inércia das partes redunda em seu prejuízo e não pode ser suprida pela iniciativa e atividade do juiz.
A posição das partes neste ato – estejam ou não patrocinadas por advogado - assume contornos essenciais, na medida em que delimita os atos e termos processuais subsequentes – Art.º 117º/1, 126º/1e 138º/2 do CPT. Atos e termos que se configuram como etapas. Umas etapas são determinantes das subsequentes como claramente se afirmou nos Ac. desta RLx. prolatados no âmbito dos Proc.º 326-C/2002 e 15771/20.0T8SNT-A.L1 (este, datado de 13/10/2021, também subscrito pela ora Relatora e, ao que supomos, inédito).
Mas, mais do que delimitar estes atos, os factos sobre os quais tenha havido acordo não admitem discussão em nenhuma das fases seguintes (Art.º 131º/1-c) e 135º do CPT).
Assim, não obstante a indisponibilidade dos direitos emergentes de responsabilidade por acidentes de trabalho (Art.º 12º da Lei 98/2009 de 4/09), certo é que tal indisponibilidade verga quando se trate de matéria fática, campo onde as partes, mantém liberdade quanto à respetiva aquisição para os autos. Não é uma indisponibilidade absoluta. Isto, não obstante, competir ao Ministério Público e ao juiz verificar da conformidade fático/probatória que emerja dos autos (Art.º 104º, 109º e 114º do CPT).
Ademais, aquela característica compagina-se com a extinção dos direitos por força de caducidade e de prescrição e com regras de cariz processual disciplinadoras do exercício do direito de ação e das formas processuais a seguir.
Termos em que não sufragamos a afirmação do Recrte. no sentido de o despacho recorrido traduzir uma conduta processual precipitada e que peca por excesso de formalismo.
Refira-se que não se desconhece a jurisprudência dos tribunais superiores da qual emerge a afirmação da indisponibilidade dos direitos emergentes de acidente de trabalho, citada no parecer do Ministério Público, jurisprudência que, contudo, não parte da discussão que se nos apresenta.
Por outro lado, também no processo emergente de acidentes de trabalho vigora o princípio do dispositivo, pelo que não podemos concordar com a afirmação do Ministério Público segundo a qual as despesas médicas não carecem de reclamação.
Há, contudo, um argumento constante do parecer do Ministério Público que merece ponderação.
Diz-se ali que o salário do sinistrado, invocado na participação e revelado pelos recibos de vencimento e por uma declaração da empregadora, ascende a 780,00€ e não a 740,00€ conforme consta do auto.
Admitiu o Tribunal recorrido, conforme nota de rodapé supra transcrita, que “Se do processo já constassem, à data da tentativa de conciliação, recibos (como doc. 5, junto com a p.i.) ou outros elementos que sustentassem que o salário superior ao aceite pelo sinistrado, então o tribunal teria de aceitar discutir esta questão, pois se tem de verificar essa compatibilidade quando homologa um acordo total (art.º 114.º do CPT), não faria sentido não fazer essa verificação quando o acordo é meramente parcial”.
Ora, vista a participação, invoca-se ali como salário mensal o valor de 780,00€, acrescido de 4,77€ de subsídio de alimentação. O mesmo emerge do recibo de vencimento anexo. Verificamos ainda que de uma declaração emitida pela empregadora, datada de 7/03/2022, consta que o Trabalhador sofreu um aumento de salário no início do ano para o valor de 780,00€.
Exarou-se no auto que o acidente ocorreu em 27/01/2022 e que o salário se cifrava em 740,00€ x 14 + 4,77x11, estando a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Seguradora.
Foi com base nestes pressupostos fáticos que a Seguradora aceitou a sua responsabilidade e se efetuaram os cálculos.
Parece, pois, evidente, que à data da conciliação o processo revelava um salário mensal de 780,00€. Valor que vem alegado na petição inicial apresentada e que, só por si, justifica a presença da empregadora em juízo nos termos do disposto no Art.º 79º/4 doa Lei 98/2009 de 4/09.
Assim, por uma questão de coerência com a posição exarada na decisão, não poderia o Tribunal indeferir a petição inicial nos termos em que o fez e deveria aceitar trazer para os autos a discussão acerca do salário, não obstante a atitude do Sinistrado na tentativa de conciliação.
Afigura-se-nos que, sem prejuízo do que acima expusemos quanto às consequências a retirar do comportamento das partes na fase conciliatória, esta é uma exceção que a proteção dispensada aos sinistrados laborais admite. Ou seja, evidenciando os autos algo distinto do que constou no auto de tentativa de conciliação, o juiz deve verificar a respetiva conformidade com os elementos disponibilizados e com as normas legais ou convencionais. Se assim a lei o exige para efeitos de homologação do acordo, também, por maioria de razão, tal circunstancialismo deverá estar presente nas demais hipóteses.
Nesta medida, o indeferimento liminar, nesta parte, não tem como subsistir.
Já o mesmo não se pode afirmar quanto a outras despesas, dados os princípios e normas supra enunciados e a exceção inominada de preclusão por força deles. Ficando, deste modo prejudicada a questão de falta de causa de pedir invocada no despacho recorrido e do convite ao aperfeiçoamento reclamado na apelação.
Considerando que, por força do supra decidido, a petição inicial deve ser admitida para a apreciação cujos contornos ficaram delimitados, o processado subsequente ao indeferimento liminar não pode manter-se. Determinar-se-á, pois, a respetiva anulação.
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A apelação procede parcialmente. Razão pela qual as custas devem ser suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (Art.º 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar o despacho recorrido, admitindo a petição inicial no que concerne ao pedido relativo ao salário e confirmando aquele despacho quanto ao mais.
Anula-se, em consequência, o processado conexo com a questão pendente, subsequente ao despacho de indeferimento.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.

Lisboa, 20/03/2024
MANUELA FIALHO
PAULA PENHA
MARIA LUZIA CARVALHO
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1. Se do processo já constassem, à data da tentativa de conciliação, recibos (como doc. 5, junto com a p.i.) ou outros elementos que sustentassem que o salário superior ao aceite pelo sinistrado, então o tribunal teria de aceitar discutir esta questão, pois se tem de verificar essa compatibilidade quando homologa um acordo total (art.º 114.º do CPT), não faria sentido não fazer essa verificação quando o acordo é meramente parcial.