Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1812/18.4T8BRR-H.L2-4
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: SUSPEIÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
ININTELIGIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: 1) A não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte que, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões – de facto e/ou de direito - suscitadas não conduz à existência do vício de omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por estar em causa, quando muito, um erro de julgamento e, não, uma falta de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar.
2) Não se vislumbra que a decisão arguida de nula devesse ter transcrito ou reproduzido, na íntegra, as declarações do Sr. Juiz – sobre a ocorrência das quais não existe ponto de discórdia, mas, apenas, sobre a sua valoração enquanto substrato fáctico fundamentador de motivo de suspeição - , nem que, por não o ter feito, a decisão se tenha, de algum modo, tornado ambígua (passível de interpretação em mais do que um sentido) ou obscura (não permitindo a inteligibilidade decisória). O sentido decisório e a respetiva fundamentação é, por um lado, inequívoco e, por outro, clara e evidente e, não se vê que, a expressa referência às declarações do Sr. Juiz comportasse algum esclarecimento adicional sobre a decisão, daí, ali não se ter efetuado, pelo que, não se verifica a nulidade a que se reporta a al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: “A” e “B”, autores nos autos principais, vieram apresentar incidente de suspeição relativamente ao Sr. Juiz “C”.
Para tanto, invocaram em síntese, que o Sr. Juiz, no âmbito das sessões de julgamento, praticou factos aptos a gerar um sentimento de suspeição e desconfiança sobre a sua imparcialidade e isenção, por, em seu entender, o Sr. Juiz ter já assimilado os factos imputados aos autores, como verdadeiros, apelidando o autor e ora requerente, quando lhe tomava declarações, de “carrasco”, bem como, no decurso da audição da testemunha “D”, o Sr. Juiz ter feito uma leitura dos factos que é sua, que ninguém fez, permitindo-se a equiparação a uma obra literária de 1838, que retrata a vida de crianças institucionalizadas e maltratadas, estando o Sr. Juiz “já convicto que os Autores agrediam aqueles jovens, não obstante a produção de prova ainda não ter terminado, permitindo-se expressar claramente a leitura que faz da prova, do sentido da decisão de facto, afirmando-a como a mais razoável de ter ocorrido”.
Por despacho de 16-05-2023, o incidente foi julgado extemporâneo.
Interposto recurso dessa decisão, a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22-11-2023, veio a conceder provimento à apelação, determinando o prosseguimento do incidente.
O Sr. Juiz respondeu – cfr. despacho de 17-01-2024 – concluindo inexistirem razões válidas para sustentar a suspeição.
Por decisão singular de 27-02-2024 foi indeferido o incidente suscitado.
Notificados desta decisão, os autores vêm arguir a sua nulidade “ao abrigo do disposto nos artigos 195º/1, 200º, 615º nº. 1 alínea c) e d) do CPC”.
Invocam os requerentes para fundar a arguição de nulidade que efetuam, em suma, que:
“(…) este Venerando Tribunal não cumpriu o dever de apreciar e decidir de forma objectiva e esclarecida a questão colocada, quando se limita a consignar na decisão a referência a “terceira hipótese” -e expressões efetuadas a esse propósito” porque é a expressão exatamente utilizada pelo senhor juiz e omitida do texto da decisão singular, que patenteia um «pré-juízo» sobre a motivação decisória.
Note-se que o Senhor Juiz visado não se limitou a invocar uma obra literária, e a fazer uma leitura pessoal das declarações dessa testemunha, por comparação factual com essa obra literária.
Pelo contrário, o senhor doutor afirmou que “Aqui ainda ninguém falou de uma terceira hipótese, neste contexto do que foi aqui dito, que me parece ser a mais razoável”
Ou seja, a obra literária serviu para ilustrar uma terceira hipótese, que ninguém (testemunhas) tinha referido no contexto dos autos, que traduz a leitura pessoal da prova produzida e que para ele senhor juiz lhe parecia ser a mais razoável.
Ora bem, é esta expressão concreta, proferida pelo Sr. Magistrado, e que não se mostra transcrita na decisão, que revela o seu pré-juízo sobre a motivação decisória.
Com a menção a “expressões efetuadas a esse propósito” que a decisão consignou, não ficamos (nem nós nem a sociedade) a saber, exatamente, que expressões foram apreciadas.
Ora, o douto aresto desse Venerando Tribunal ao consignar apenas – “e expressões efetuadas a esse propósito”, sem referir qual a exata expressão utilizada pelo Mmº. juiz visado que apreciou e valorou, torna a decisão se ambígua e obscura quanto ao conhecimento do exato fundamento que os AA. invocaram e colocaram sob escrutínio- aquela exata expressão.
O que os AA. pretendiam ver clarificado e respondido por esse Venerando Tribunal é saber se constitui, ou não, um pré-juízo sobre a motivação de facto, a concreta atuação/expressão do senhor juiz que, ao tomar declarações a uma testemunha afirmou “Aqui ainda ninguém falou de uma terceira hipótese, neste contexto do que foi aqui dito, que me parece ser a mais razoável” e explica qual, e não qualquer outra.
A referência à obra literária de Charles Dickens, do Oliver Twist não foi para ilustrar o cenário traçado pela testemunha no seu depoimento, no contexto dos autos.
A referência feita pelo Mmº. Juiz àquela obra literária, surgiu para ilustrar a hipótese que lhe parecia a ele (juiz) ser a mais razoável, no contexto da prova produzida, e que ninguém ainda tinha ainda falado.
E é esta resposta que não resulta clara no douto aresto deste Venerando Tribunal, e que os AA. pretendiam e pretendem ver respondida clara e objectivamente, o que não se mostra minimamente atingido pela consignação de “expressões efetuadas a esse propósito” sem dizer quais.
Neste conspecto, não tendo a decisão ora em apreço feito consignar a exata expressão posta pelos AA ao seu judicio, tendo optado por fazer constar de forma genérica “ … e expressões efetuadas a esse propósito “ determina, neste segmento a ambiguidade e obscuridade da decisão, porquanto não permite aos AA. aquilatar da apreciação exata de expressão utilizada pelo magistrado visado, fundamento parcial da conduta suspeita que imputaram ao juiz no incidente que instauraram.
Destarte, a omissão no texto da decisão da exta expressão proferida pelo Senhor Juiz visado que constitui, ainda que parcialmente, o fundamento exacto do incidente, substituindo a expressão exactamente dita, genericamente, por “expressões efetuadas a esse propósito” torna, nesta parte a decisão ambígua, realidade suficiente para conduzir nesta parte à nulidade do douto aresto, que se argui.
Não é uma qualquer expressão, é aquela em concreto, que é a que foi proferida pelo Senhor Magistrado, e que constitui, a nosso ver, a manifestação objectiva e subjectiva que afeta a sua imparcialidade”.
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A decisão de incidente de suspeição sem recurso, nos termos do artigo 123.º, n.º 3, do CPC, por um lado, decide em último termo e de forma definitiva o incidente de suspeição e, por outro lado, obsta quer à consideração do regime previsto no artigo 666.º do CPC, quer do previsto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo que, relativamente ao primeiro preceito, está em questão uma decisão singular e, não, um acórdão (cfr. artigo 152.º, n.º 3, do CPC) e, quanto ao segundo preceito, prevendo a lei um regime específico para a decisão da suspeição pelo Presidente do Tribunal da Relação, com ele não se coaduna tal disposição, referente à emissão de decisões por relator em sede recursória.
Cumpre, pois, conhecer da nulidade da decisão proferida em 27-02-2024.
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No artigo 615.º do CPC enunciam-se as causas de nulidade da sentença, estabelecendo as alíneas c) e d) do n.º 1 que, será nula a sentença – cfr. artigo 152.º, n.º 2, do CPC – quando “c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” e quando “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
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“A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Pº 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160).
Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação.
Esta nulidade verificar-se-á, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400).
“Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do artº. 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371).
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Por seu turno, a nulidade da sentença por omissão – ou excesso - de pronúncia só se compreende com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte, supondo que o juiz silencia, em absoluto, questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Pº 07A091, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (ou se tal pronúncia se conformar, sem extravasar, as questões que devam ser conhecidas, não haverá excesso de pronúncia). Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Por seu turno, ocorre “excesso de pronúncia quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2021, Pº 1436/15.8T8PVZ.P1.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES).
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Conhecendo:
Conforme se disse, a nulidade por omissão de pronúncia (sendo que, não colocam os requerentes em questão algum excesso na pronúncia efetuada na decisão ora arguida de nula) só se compreende com referência às questões objeto do processo, mas não, com respeito a todo e qualquer argumento que tenha sido deduzido. A decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito de questão apreciada, não determina tal nulidade.
No caso, os requerentes invocam que, na decisão de 27-02-2024, não se cumpriu o dever de apreciação e decisão, por não se ter efetuado expressa referência à expressão utilizada pelo Sr. Juiz que transcrevem.
Contudo, conforme decorre da decisão de 27-02-2024 nela se fez expressa referência à questão de que cumpria decidir: Saber se ocorre motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador.
Nesse âmbito expenderam-se, em particular, as seguintes considerações fundamentadoras:
“(…) No seu requerimento, os requerentes consideram que, pela conduta tida em audiência que o Sr. Juiz já formou convicção sobre os factos.
Mais referem os requerentes que o Sr. Juiz apelidou o autor de “carrasco” e fez uma leitura própria dos factos, que ninguém fez.
Cumpre salientar que, liminarmente, não se patenteia qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC.
Quanto à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
Conforme se lê neste último aresto, o fundamento para a recusa do juiz, “não pode basear-se em considerações de direito ou juízos de valor, como a afirmação de que a sra. juiz “manifestou inqualificável impaciência com as arguidas e testemunhas de defesa, em claro tratamento de desigualdade…”, que “a sra. juiz disse às arguidas e às testemunhas J, F, A e M que estavam a mentir” e que “a testemunha A (foi) ameaçada com processo crime por falsas declarações”, pois isso revela apenas um modo de exercício dos poderes de direção da audiência que não pode ser censurado pela Relação, no âmbito do pedido de recusa.
As simples expressões através das quais o juiz revele a credibilidade que dá a determinada declaração, ou a outro meio de prova, não bastam para deduzir a sua recusa e a violação de alguma das regras sobre a aquisição da prova pode ser impugnada por vários os meios (desde a arguição de irregularidades ou nulidades até à interposição de recurso), mas nenhum deles passa pela dedução do incidente da recusa do juiz.
O processo de decisão do juiz não se inicia apenas depois de terminadas as alegações orais, pois, inevitavelmente, ele vai analisando e confrontando os diversos depoimentos e fazendo juízos sobre a credibilidade de cada um deles, mas o importante é que, até ao final das alegações, não feche o espírito à possibilidade de valorar todas as contribuições para a prova, quer confirmem ou infirmem os juízos que foi fazendo.
As regras da boa prudência aconselham que o juiz não revele os seus juízos, mas, como se referiu, por vezes deve tomar decisões que, ao menos implicitamente, indicam a credibilidade que, até aí, lhe parece merecer determinado depoimento, sem que, em todo o caso, da circunstância da convicção já estar em processo de formação, possa ser tirada a conclusão de que já existia um «pré juízo»”.
Ora, no caso em apreço, as menções efetuadas pelo Sr. Juiz no decurso da audiência, não patenteiam algum «pré-juízo» sobre a motivação decisória, o que também não se afere em face da referência à obra literária efetuada.
Também, do próprio excerto transcrito pelos requerentes se verifica que o contexto em que foi produzida a afirmação de “carrasco” foi explicitado pelo Sr. Juiz, sem referência à pessoa do autor, mas à conduta deste, o que, aliás, foi negado pelo próprio autor.
O mesmo se diga quanto à referência à expressão efetuada no decurso do depoimento da testemunha – “tu és uma puta, etc, etc, etc” – sendo que, se trata da produção de uma interpelação onde o Sr. Juiz expressa – com a expressão “alegadamente” – uma questão que formula à testemunha, sem que, daí se retire alguma formação de convicção antecipada sobre uma tal factualidade.
E o mesmo se diga quanto à “terceira hipótese” -e expressões efetuadas a esse propósito – aventadas pelo Sr. Juiz, as quais, podendo ser criticáveis, não demonstram alguma quebra da imparcialidade devida pelo julgador, nem consubstanciam algum motivo, sério e grave, que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Sr. Juiz.
A leitura pessoal e a comparação factual com uma obra literária, inserem-se, igualmente, neste âmbito. Poderão ser criticáveis em termos processuais, mas não denotam quebra alguma da imparcialidade do julgador.
(…)
Perante os elementos disponíveis e o contexto em que teve lugar a intervenção do Sr. Juiz, no âmbito das sessões da audiência de julgamento, podendo, porventura, considerar-se criticáveis ou mesmo supérfluas as afirmações aí produzidas, não se conclui que, objetiva e subjetivamente, se mostre posta em causa a imparcialidade do julgador.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência (…)”.
Desta singela transcrição, não se conclui que tenha sido omitida a pronúncia devida, tendo sido apreciada cada uma das situações em que os requerentes arrimaram o incidente que deduziram, com cuja decisão discordam.
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2021 (Pº 850/14.0YRLSB.S3, rel. JOSÉ RAINHO), traduzindo consolidada orientação jurisprudencial, “não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento, e daqui que improcede a arguição de nulidade se o que o recorrente faz através da arguição é simplesmente dissentir da decisão”.
A não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte que, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões – de facto e/ou de direito - suscitadas não conduz à existência do vício de omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por estar em causa, quando muito, um erro de julgamento e, não, uma falta de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar.
A nulidade decisória com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é, pois, inexistente.
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Relativamente à nulidade com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não se alcança também a sua verificação, sob alguma das modalidades, contidas em tal norma.
Segundo os requerentes, na decisão de 27-02-2024 – com a menção “expressões efetuadas a esse propósito”, foi omitida a expressão do Sr. Juiz que patenteia um “pré-juízo” sobre a motivação decisória, considerando que, tal decisão, “sem referir qual a exata expressão utilizada pelo Mmº. juiz visado que apreciou e valorou, torna a decisão se ambígua e obscura quanto ao conhecimento do exato fundamento que os AA. invocaram e colocaram sob escrutínio- aquela exata expressão”.
Na realidade, conforme sintomatizam os requerentes – ao referenciarem: “O que os AA. pretendiam ver clarificado e respondido por esse Venerando Tribunal é saber se constitui, ou não, um pré-juízo sobre a motivação de facto, a concreta atuação/expressão do senhor juiz que, ao tomar declarações a uma testemunha afirmou… -, mostra-se claro o sentido da expressão, por referência ao trecho das declarações imputadas ao Sr. Juiz, não antes apreciadas (na economia da decisão proferida), que consta do requerimento de suspeição e, que, aliás, os requerentes transcreveram.
Não se vislumbra que a decisão de 27-02-2024 devesse ter transcrito ou reproduzido, na íntegra, as declarações do Sr. Juiz – sobre a ocorrência das quais não existe ponto de discórdia, mas, apenas, sobre a sua valoração enquanto substrato fáctico fundamentador de motivo de suspeição - , nem que, por não o ter feito, a decisão se tenha, de algum modo, tornado ambígua (passível de interpretação em mais do que um sentido) ou obscura (não permitindo a inteligibilidade decisória). O sentido decisório e a respetiva fundamentação é, por um lado, inequívoco e, por outro, clara e evidente e, não se vê que, a expressa referência às declarações do Sr. Juiz comportasse algum esclarecimento adicional sobre a decisão, daí, ali não se ter efetuado.
Para além de inteligível, existe, como decorre do exposto, compatibilidade entre o decidido e os fundamentos em que, o mesmo, se balizou.
A nulidade decisória com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é, pois, inexistente.
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De acordo com o exposto, indeferem-se as nulidades arguidas relativamente à decisão proferida em 27-02-2024.
Notifique.

Lisboa, 02-04-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados).