Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6023/23.4T8LRS.L1-8
Relator: CARLA MATOS
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPRA E VENDA
ANULAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: ICausa prejudicial é aquela que tem como objeto uma questão que é essencial para a decisão de outra.

IIEm ação de despejo, com fundamento na falta de pagamento das rendas, a causa de pedir é constituída pela existência de um contrato de arrendamento em que figura como senhorio a autora e como arrendatária a R (podendo também ser R um eventual fiador), e pela falta de pagamento das rendas devidas no âmbito desse contrato.

IIIExistindo outra ação na qual se pretenda a anulação das escrituras de compra e venda da fração de que a Ré na ação de despejo é arrendatária, e consequente cancelamento dos registos, a decisão que nela for proferida pode destruir um fundamento (contrato de arrendamento no qual ocupa a posição de senhoria) da ação de despejo.

IVExistindo ainda outra ação onde esteja em causa o exercício pela arrendatária do direito de preferência na aquisição do locado, se a mesma for procedente, o adquirente do imóvel é substituído por aquela com efeitos retroativos, o que obviamente contende com o direito de propriedade invocado na ação de despejo; e consequentemente com a qualidade de senhorio no contrato de arrendamento que integra a causa de pedir da referida ação de despejo.

VSendo ambas as causas (referidas em III e IV) prejudiciais relativamente à ação de despejo.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório:


V, Lda, … veio em 02.06.2023 propor ação de despejo, sob a forma de processo comum (art. 14 NLAU), contra:
1.S. Lda, …,
2.O…..

Peticionando que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e por via dela decidir-se:
a)-Decretar e condenar as rés a reconhecer a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento supra identificado (anteriores artigos 6 a 15).
b)-Condenar a primeira ré a entregar de imediato à autora o arrendado totalmente livre de pessoas e bens e na mesma situação em que se encontrava no início do contrato;
c)-Condenar ambas as rés a pagar à autora a quantia de € 5.600,00, a título de rendas vencidas e não pagas;
d)-Condenar ambas as rés a pagar à autora a quantia de € 800,00 mensais, por cada mês que decorrer até à data da entrega efectiva do arrendado;
e)-Condenar as rés a pagar à autora juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da constituição da mora, sobre todos os valores peticionados, acrescidos de 5%, após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, atento o disposto pelo art. 829º-A, nº 4 Cód. Civil.
Para tanto alegou ser dona e legítima proprietária, bem como possuidora, da fração autónoma melhor identificada nos autos, tendo adquirido a propriedade dessa fração por compra a N…, que lha vendeu, sendo esse negócio titulado por escritura de 3.11.2022; que por documento escrito datado de 1 de Agosto de 2008, foi celebrado um contrato de arrendamento urbano não habitacional, figurando como inquilino C…, e como senhoria M…,  contrato celebrado pelo prazo certo de cinco anos, com inicio em 1/8/2008, renovável por iguais períodos, e desde essa data que foi cedido o gozo da mencionada fracção; O local destinou-se “a qualquer ramo do comércio”, e, pelo contrato em causa, o inquilino obrigou-se a pagar a renda mensal de € 800,00, a qual se vence no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que diga respeito, e nesse contrato, a aqui segunda ré O… assumiu-se como fiadora das obrigações do inquilino, “designadamente do bom e pontual pagamento da renda durante o período inicial de vigência do contrato e suas renovações”; em 1.3.2010, o referido inquilino cedeu verbalmente a sua posição contratual à aqui primeira ré S…, passando esta a assumir a posição de inquilina e as rendas passaram a ser pagas pela ré, pagamento que foi aceite; tendo a aqui autora adquirido a propriedade da referida fracção,, passou a ocupar a posição de senhoria, daí que, por carta de 25.11.2022, comunicou à S… essa aquisição, enviando-lhe cópia da escritura e dando a indicação de que a renda deveria passa a ser paga para a conta com o IBAN que indicou, indicação reiterada por carta de 12.12.2022; tendo a ré sido notificada em Novembro de 2022, devia ter depositado a favor da aqui a autora a renda vencida em Dezembro de 2022, bem como as que posteriormente se venceram; até à presente data, estão vencidas e não foram pagas as rendas de Dezembro de 2022, Janeiro de 2023, Fevereiro de 2023, Março de 2023, Abril de 2023, Maio de 2023, Junho de 2023, tudo num total de € 5.600,00; não só a ré não liquidou o valor correspondente às rendas devidas, como ocupou e continua a ocupação da fracção, não permitindo o acesso à mesma por parte da autora; a falta de pagamento de renda constitui fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, pelo que a autora pretende ver operada essa resolução, tendo a autora o direito de exigir o pagamento das rendas vencidas e vincendas e requerer o despejo por força da falta de pagamento das rendas.

As RR contestaram, peticionando que a presente acção seja julgada improcedente por não provada e as RR absolvidas do pedido, e ainda que seja a A condenada por litigância de má-fé em quantia a arbitrar pelo Tribunal.

Para tanto alegam que existem sérias dúvidas quanto à propriedade do imóvel, dado que impende sobre a ora A. acção cível de anulação das vendas do imóvel; que as aqui RR, tiveram conhecimento, através de carta data de 25/11/2022, dirigida à primeira R., que o imóvel arrendado havia sido supostamente vendido à A. nos presentes autos, a qual reclamava o pagamento das rendas; questionada, via telefone, a Sra. D. M…, senhoria com quem havia sido celebrado o contrato de arrendamento e a quem sempre foram pagas as rendas, sobre se efetivamente havia vendido a imóvel, esta informou o gerente da aqui primeira R. que não o havia vendido e que a  aqui primeira R, na pessoa do seu sócio gerente, Sr. C…a, deveria continuar a depositar as rendas em seu nome, conforme sempre o fez, tendo ainda dito que iria propor uma acção de anulação da venda, que, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Cível Central de …, Juiz …, sob o n.º 7…, e que se encontra a correr um processo crime, cujo número e Tribunal onde se encontra a correr termos as ora RR desconhecem; outrossim, a aqui primeira R, propôs acção de preferência na compra do imóvel, que se encontra a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Cível de … – Juiz …, sob o processo n.º 2…; tendo assim, a aqui primeira R., sérias dúvidas quanto à propriedade do imóvel, e a quem efetivamente pagar as rendas, passou a depositá-las através de depósito autónomo à consignação, a ordem do processo nº2… supra referido, o que é do conhecimento da ora autora, que aí é Ré; não se vislumbra qualquer motivo justificativo para que a A. Venha peticionar o pagamento de rendas vencidas e vincendas desde a citação, bem assim como a cessação por resolução, do contrato de arrendamento, entrega do locado e juros de mora.
Por requerimento de 08.11.2023, as RR peticionaram a suspensão da instância com base em causa prejudicial -a ação nº 7… -, juntando certidão judicial referente a tal processo.

A autora opôs-se, pugnando pela inexistência de causa prejudicial (cf req. de 14.11.2023).

Em 28.11.2023 foi proferido o seguinte despacho:
No processo n.º 7… (JCC…), a acção foi intentada em 04/01/2023, por M…, proprietária e senhoria originária, entre os mais, contra a Autora.
Ali se pugna pela declaração de nulidade das sucessivas vendas da fracção autónoma arrendada, realizadas pelas escrituras públicas de 20/07/2022 e de 03/11/2022, estando ainda pedido o inerente cancelamento desses registos.
Ainda, em 04/03/2023, a Primeira Ré intentou o processo n.º 2… (JCC…), entre os demais, contra a aqui Autora, peticionando o reconhecimento judicial da preterição do seu direito de preferência na venda da fracção locada.
A presente acção foi proposta em 02/06/2023, quando a Autora já há muito havia sido citada, na qualidade de Ré, em ambos os processos, estando, portanto, ciente dos depósitos das rendas que se faziam à ordem daqueles processos, o que, por si só, haveria de ter sido suficiente para ganhar consciência da evidente prejudicialidade.
Ainda assim, apreciaremos a argumentação expendida.
É falso que a Primeira Ré venha peticionar a suspensão da instância com base numa causa da qual nem sequer é parte, para potenciar direitos alheios, assim como é irrelevante o registo do pretenso direito da Autora, quando esteja pendente uma acção que visa, precisamente, contrariar a presunção legalmente estabelecida.
Também é falso que, a ser atendida a pretensão das rés, estas conseguiriam não pagar qualquer renda, por tempo indefinido, considerando que os pagamentos das rendas têm sido feitos por via de depósitos avulsos e à ordem do Tribunal em acções em que a aqui Autora é parte, pelo que não os pode ignorar, nem alega ter-lhes ali apresentado qualquer objecção.
Por fim, não existiria qualquer fundamento para a activação do mecanismo previsto no artigo 922.º do Cod. Processo Civil pela Primeira Ré, na medida em que os processos pendentes se destinam, justamente, a resolver as dúvidas que o fudamentariam.
O argumento de que “seja qual for o resultado daqueloutros autos, jamais a aqui ré será penalizada junto da senhoria, pelo que aqui for decidido” não nos é, sequer, apreensível, considerando que, nesta acção, se encontra peticionado o despejo da Primeira Ré, com falta no pagamento de rendas, ré essa que tem uma acção pendente contra a Autora desde momento anterior à propositura desta acção e que, comprovadamente, tem vindo a depositar as rendas à ordem de autos em que a demandante é parte, pelo que quem jamais será prejudicado é a Autora.
Em suma, não só a qualidade de proprietária (e senhoria) da Autora não pode ser aqui reconhecida, na medida em que está pendente um processo judicial para o afastamento da presunção que decorre do registo de que se socorre, fazendo com que esta causa seja dele dependente, como o direito ao recebimento das rendas ficará precludido, caso o processo n.º 7… termine com uma absolvição dos Réus, mas a Primeira Ré obtenha ganho na acção n.º 2….
Tudo visto, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil, determino a suspensão desta instância até ao trânsito em julgado da decisão a ser prolatada no âmbito do processo n.º 7…; e, caso este termine com uma absolvição dos Réus, até ao trânsito em julgado da decisão a ser prolatada na acção n.º 2….
Notifique.”

Inconformada, a Autora intentou recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES:
A)- No proc. n.º 7… está em causa a anulação das escrituras de venda do locado de que a Ré é arrendatária a primeira realizada em 20 de Julho de 2022 e a segunda relativa à aquisição pela A. realizada em 03 de Novembro de 2022;
B)- No proc. n.º 2… está em causa o exercício pela Ré do direito de preferência na aquisição do locado;
C)- Nenhum dos processos supra constitui causa prejudicial nos presentes autos relativos ao pedido formulado pela A. de condenação da Ré a pagar à A. as rendas acrescidas da indemnização legal, sob pena de, na falta de pagamento, ser decretada a resolução do contrato;
D)- A questão da (in) validade dos contratos de compra e venda do locado é uma questão alheia à realização locatícia salvo apenas em relação ao exercício da preferência;
E)- O locatário está obrigado a pagar a renda a quem se apresente como dono e titular legítimo do direito de propriedade, no dia um do vencimento da respectiva renda, independentemente de o contrato aquisitivo do respectivo direito estar inquinado de qualquer vício formal ou material;
F)- Da invalidade do contrato de compra e venda resulta para cada um dos intervenientes a obrigação de restituir o que tiver recebido da outra parte, o que inclui os respectivos “frutos” que do imóvel são as rendas e do preço são os “juros”;
G)- Pelo que a obrigação do pagamento da renda é alheia e não está dependente da validade ou invalidade do contrato relativo à transmissão da propriedade;
H)- A Ré reconhece ter sido devidamente interpelada pela A. para passar a proceder ao pagamento da renda na conta por esta indicada, o que como resulta do proc. n.º 2… e destes a Ré se recusa a fazer;
I)- A Ré nunca se ofereceu para pagar à A. a renda, ou pode sequer alegar que a A. se recusou a receber a renda ou que a perturbou ou causou embaraço ou dificuldade no pagamento;
J)- Não cabe à Ré o desígnio de decidir quem quer para seu senhorio, se a aqui A., se a compradora/revendedora N…, se a antiga dona M…;
K)- O processo de preferência intentado pela Ré não é meio processual adequado nem própria para efeitos de depósito da renda, tanto mais que o recebimento da mesma pela A. nunca foi recusado;
L)- É a Ré quem, por sua própria iniciativa e auto recriação decidiu não pagar a renda à A. para a depositar à ordem do Tribunal ou de quem já não é nem era proprietário;
M)- Quer a A., quer a anterior compradora/vendedora são terceiros adquirentes de boa fé e não deram causa a qualquer invalidade, pelo que a A. sempre terá de ser reconhecida como legítima proprietária do locado;
N)- Os efeitos da acção de preferência só ocorrem com o trânsito em julgado da acção que a vier a decretar desde que verificados todos os registos legais;
O)- Nem por força do aludido processo de anulação nem por força da acção de preferência a Ré está dispensada da obrigação de pagar a renda devida à A..
Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, se Requer a Vªs Exªs se dignem julgar o presente recurso procedente, por provado, e em consequência substituam o despacho recorrido por acórdão que decida nos termos supra expostos.
ASSIM, decidindo, V.ªs Ex.ªs farão,
Aliás como sempre,
JUSTIÇA!
*

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso de apelação foi admitido com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

***
II–OBJETO DO RECURSO:
Aferir da existência de causa prejudicial.

***
III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos relevantes são os descritos no relatório supra.

***
IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Está em causa no presente recurso a qualificação feita pelo Tribunal a quo das ações correspondentes aos procs. n.º 7… e 2… como causa prejudicial relativamente à ação onde foi proferido o despacho recorrido, sendo que, conforme resulta do despacho recorrido e não foi posto em causa pela recorrente, ambas as referidas ações são anteriores a esta última.

Vejamos.

Dispõe o art 272 nº1 do CPC que:
“O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Acrescenta o nº2 do preceito que: “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”

O nexo de dependência entre as duas ações implica, tal como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa in Código processo Civil Anotado, vol I, 3ª ed., pag. 349, em anotação ao art. 272º, que a apreciação do litígio esteja efetivamente condicionada pelo que venha a decidir-se na ação prejudicial, a qual constitui um pressuposto da outra decisão.

Ou seja, como bem se explica no Ac. do TRL de 22.01.2008 proferido no Proc. 7664/2007-1, “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta. Assim, por exemplo, a acção de nulidade de um contrato é prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes. A acção da anulação de testamento é prejudicial da acção de entrega de legado ou da acção de petição da herança fundadas no mesmo testamento.”

Em suma: Causa prejudicial é aquela que tem como objeto uma questão que é essencial para a decisão de outra.
Na presente ação a Autora V… pretende obter a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento, com entrega de imediato à autora do arrendado totalmente livre de pessoas e bens, e condenação das RR a pagar à autora a quantia de € 5.600,00, a título de rendas vencidas e não pagas, bem como a quantia de € 800,00 mensais, por cada mês que decorrer até à data da entrega efetiva do arrendado.
Trata-se, portanto, de uma ação de despejo, com fundamento na falta de pagamento das rendas.
A causa de pedir é in casu constituída pela existência de um contrato de arrendamento em que figura como senhorio a autora e como arrendatária a R (sendo também R uma fiadora) e pela falta de pagamento das rendas devidas no âmbito desse contrato.
Na ação com o nº 7… intentada pela originária proprietária e senhoria contra, entre os mais, a aqui autora, pretende-se a anulação das escrituras de compra e venda da fração de que a Ré é arrendatária, a primeira realizada em 20 de Julho de 2022 e a segunda relativa à aquisição pela A. realizada em 03 de Novembro de 2022, e consequente cancelamento dos registos.
É o que consta do despacho recorrido e que não é posto em causa no recurso; aliás, vem expressamente reconhecido na conclusão A.
Quer isto dizer que se nessa ação se decidir pela anulação das escrituras de compra e venda em causa, fica inquinada a titularidade da fração locada a que a ora Autora se arroga na presente ação (titularidade que alega ter adquirido por virtude da escritura de 03.11.2022).
E como tal fica inquinada a sua qualidade se senhoria no contrato de arrendamento que serve de fundamento à presente ação (qualidade que alega que lhe adveio por virtude da referida escritura de compra e venda, sendo o contrato de arrendamento pré-existente relativamente à mesma escritura).
Consequentemente, a decisão que for proferida no proc. 7.. pode destruir um fundamento (contrato de arrendamento no qual ocupa a posição de senhoria) da presente ação.
É a própria legitimidade substantiva da ora autora (como senhoria) para intentar a presente ação que está em causa no proc. proc. 7…, cuja decisão se revela, pois,  essencial para a decisão da presente ação.
É evidente a relação de prejudicialidade.

A recorrente defende, no entanto,  que O locatário está obrigado a pagar a renda a quem se apresente como dono e titular legítimo do direito de propriedade (…) independentemente de o contrato aquisitivo do respectivo direito estar inquinado de qualquer vício formal ou material”; e que da “invalidade do contrato de compra e venda resulta para cada um dos intervenientes a obrigação de restituir o que tiver recebido da outra parte, o que inclui os respectivos “frutos” que do imóvel são as rendas e do preço são os “juros”, pelo que “a obrigação do pagamento da renda é alheia e não está dependente da validade ou invalidade do contrato relativo à transmissão da propriedade”, concluindo no sentido de queNenhum dos processos supra constitui causa prejudicial nos presentes autos relativos ao pedido formulado pela A. de condenação da Ré a pagar à A. as rendas acrescidas da indemnização legal, sob pena de, na falta de pagamento, ser decretada a resolução do contrato”.

É certo que nos termos do art. 289 nº1 do CC “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Olvida, todavia, a recorrente que o pedido formulado na presente ação não se esgota na pretensão de condenação das RR no pagamento das rendas; a autora/recorrente pretende também que seja decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento supra identificado (e condenada a primeira ré a entregar de imediato à autora o arrendado).
Este segmento constitutivo do pedido (declaração de resolução do contrato de arrendamento) não cabe na previsão do art 289 nº1 do CC.
Não assiste assim razão à autora, verificando-se, como já se disse, relação de prejudicialidade entre as duas causas, pois só quem for efetivamente o senhorio no contrato de arrendamento pode pedir que seja decretada a resolução do mesmo contrato.
No que respeita ao proc. n.º 2…, conforme resulta do despacho recorrido e não foi posto em causa pela recorrente (cf conclusão B), trata-se de processo intentado pela ora primeira Ré contra, entre os demais, a aqui Autora, peticionando o reconhecimento judicial da preterição do seu direito de preferência na venda da fração locada; está, pois, em causa o exercício pela ora 1ª Ré do direito de preferência na aquisição do locado.
Tal como se refere no Ac. do TRG de 15.06.2021 proferido no Proc.998/19.5T8VVD.G1 (cf ponto V do sumário), “Produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem, tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente”; e “Substituído por sentença o adquirente naquele negócio de compra e venda, também quem figurava como titular no registo predial (inscrição lavrada por força daquele negócio) deve ser substituído pelo preferente” (cf ponto VI do sumário).

Quer isto dizer que se a ação n.º 2… for procedente, o adquirente do imóvel é substituído pela aqui 1ª ré com efeitos retroativos, o que obviamente contende com o direito de propriedade da autora invocado na presente ação. E consequentemente com a sua qualidade de senhoria no contrato de arrendamento que integra a causa de pedir da presente ação.
É também evidente a relação de prejudicialidade.
Portanto, ainda que a ação nº 7… improceda, a qualidade de senhoria aqui invocada pela autora poderá ainda assim ser eventualmente afastada por via da eventual decisão de procedência que possa vir a ser proferida no proc. n.º 2…, sendo ambas as causas prejudiciais relativamente à presente.
O facto de durante a pendência de qualquer uma das referidas ações não estarem as RR dispensadas da obrigação de pagamento das rendas não releva para a apreciação da relação de prejudicialidade acima analisada, tanto mais que, como já se disse, a presente ação visa, para além do pagamento das rendas, a resolução do contrato de arrendamento e consequente entrega do imóvel.
Logo, também não releva para o efeito que as rendas estejam a ser depositadas à ordem do Processo n.º 2…; se esse pagamento/depósito está ou não correto é questão que respeita ao mérito da presente causa, e não à suspensão da instância com base em relação de prejudicialidade.
O recurso improcede.
As custas do recurso são a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***

VI.DECISÃO:

Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.


LISBOA,4/4/2024


Carla Matos - (Relatora)
Marília Leal Fontes - (1ª Adjunta)
Maria Carlos Calheiros - (2ª Adjunta)