Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25/23.8PALSB.L1-5
Relator: ANA CLÁUDIA NOGUEIRA
Descritores: ROUBO
PROVA INDICIÁRIA
AUTO DE NOTÍCIA
INQUIRIÇÃO DE AGENTE DE AUTORIDADE
CO-AUTORIA
TENTATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário:  (da responsabilidade da relatora)
I. A descrição feita no testemunho do ofendido acerca da aparência física do indivíduo e da navalha por este usada para o cortar num dedo, coincidente com a do arguido e da navalha que lhe veio a ser apreendida, e a sua detenção pela polícia, 3 horas depois da ocorrência, na posse dessa navalha e dos objetos subtraídos ao ofendido, a cerca de 1 km do local, constituem indícios graves e sólidos que, conjugados entre si e na ausência de contraindícios suscetíveis de neutralizar a sua eficácia probatória, permitem alcançar a prova da autoria daqueles factos.
II. Os autos de notícia por detenção, de denúncia e de apreensão lavrados no processo, assinados pelos agentes da autoridade que os lavraram, possuem o valor de documento autêntico, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 243º/1 e 2 do Código de Processo Penal e 363º/2 do Código Civil, com valor probatório em processo penal definido nos termos do art. 169º do Código de Processo Penal.
III. Não sendo posta em causa a autenticidade destes documentos e veracidade do seu conteúdo, a sua valoração como prova não depende da inquirição dos agentes da autoridade que os elaboraram, sem prejuízo de, sendo entendido como necessário, serem chamados a prestar esclarecimentos em julgamento para a boa decisão da causa e descoberta da verdade, ao abrigo do art. 340º do Código de Processo Penal.
IV. Não se ter apurado qual dos dois arguidos desferiu golpes no ofendido com uma navalha como meio para o constranger à entrega dos valores que tivesse consigo e qual deles lhe revistou nessa sequência os bolsos, tendo por assente que foi um dos dois que praticou um ato e o outro praticou o outro, verificados os demais pressupostos legais, assoma irrelevante para a imputação aos mesmos de uma comparticipação na prática do crime de roubo.
V. Para efeito de preenchimento do tipo legal de crime de roubo, «[C]onstranger é coagir, obrigar, pressionar, afectando a liberdade pessoal do coagido; (…) o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de "facere" no caso de entrega coisa móvel ou "non facere ", no caso de subtracção da mesma, sujeitando-se o coagido, neste caso, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro, por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP.: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir.».
VI. Entre o conseguir apoderar-se de coisa móvel alheia e os meios empregues tem, pois, de se verificar um nexo de imputação, o qual, estando em causa uma tentativa, se traduzirá na idoneidade desses meios para, em abstrato, alcançar esse resultado típico, como prescrito pelo disposto no art. 22º/2,b) do Código Penal.
VII. A violência empregue pode ser física ou psicológica, desde que seja suficiente, do ponto de vista do homem médio, para determinar a vontade do ofendido à entrega da coisa e superar a sua resistência ou oposição.
VIII. Pode não chegar sequer a registar-se contacto físico entre o agente e a vítima, e a ameaça não tem que ser expressa, podendo ser velada, decorrendo, por exemplo, da adoção de um gesto do qual resulte de forma inequívoca poder fazer-se uso de uma arma como forma de vergar a resistência da pessoa visada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Por acórdão proferido em 05/12/2023 no processo em epígrafe foi decidido condenar:
- o arguido AA, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, efetiva, pela prática dos seguintes crimes, com as seguintes penas parcelares:
a. Em coautoria material, de um crime de roubo (simples), na forma tentada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com os art. 22°, 23°, 26° e 73°, todos do Código Penal [ofendido BB], na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão;
b. Em coautoria material, de um crime de roubo (simples), na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com o art. 26°, todos do Código Penal [ofendido CC], na pena parcelar de 2 anos e 9 meses de prisão;
c. Como autor, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2°/ m) e ax), 3°/2, e) e 86°/1, d), todos do RJAM, na pena parcelar de 1 ano de prisão.
- o arguido DD, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática dos seguintes crimes, com as seguintes penas parcelares:
a. Como autor, de um crime de roubo (qualificado), na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f), ambos do Código Penal [ofendido MM], na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão;
b. Em coautoria material, de um crime de roubo (simples), na forma tentada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com os arts. 22°, 23°, 26° e 73°, todos do Código Penal [ofendido BB], na pena parcelar de 2 anos de prisão;
c. Em coautoria material, de um crime de roubo (simples), na forma consumada, previsto e punido no art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com o art. 26°, todos do Código Penal [ofendido CC], na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão.
2. Ambos os arguidos interpuseram recurso desta decisão.
1. AA, recorre tanto da decisão de facto como de Direito, pedindo a sua absolvição dos crimes pelos qual foi condenado, seja por entender não haver prova bastante para se poder concluir pela imputação à sua autoria dos factos dados como provados, seja em homenagem ao princípio in dubio pro reo; defende subsidiariamente existir erro notório na apreciação da prova, e no limite, dever ser condenado apenas por um crime de furto; formula as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
1. O Arguido/Recorrente discorda, fundamentalmente, da decisão proferida pelo Tribunal a quo no que respeita tanto à motivação de facto, como à de direito;
2. Da prova produzida não resulta evidente que o Arguido tenha cometido os factos que lhe vêm imputados, nos moldes e circunstâncias descritas na Acusação;
3. O Tribunal a quo utilizou de forma desadequada o acervo probatório colocado à sua disposição;
4. A prova testemunhal produzida não permite concluir, de forma segura e inequívoca, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi o aqui Arguido autor dos factos ilícitos pelos quais vem acusado;
5. No que concerne ao depoimento prestado pelo ofendido BB, são patentes as diversas contradições entre o relatado e os factos constantes da Acusação;
6. Não resultando provado que tenha havido qualquer recurso a navalhas, uma vez que tal é negado perentoriamente pelo ofendido;
7. O mesmo se pode dizer do depoimento prestado pelo ofendido CC, que não só afirma que os acontecimentos tiveram lugar num local distinto, a uma hora distinta, como também que o ferimento que sofreu é num local diferente!
8. Dos depoimentos prestados apenas se pode concluir que existe uma inultrapassável confundibilidade dos ofendidos e quanto às circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos;
9. Atenta a contradição e/ou falta de produção de prova, sempre tem de considerar não provados os factos pelos quais vem o Arguido acusado, com a consequente absolvição do mesmo;
10. O Tribunal “a quo”, violou as mais elementares regras de direito e princípios de Estado de Direito, nomeadamente o princípio in dubio pro reo, consagrado nos artigos 32°, n°. 2 da CRP; 11°, n°.2 da DUDH; 16°, n°.2 da CRP; 14°, n°.2 do PIDCP; 6°, n°.2 da CEDH e 9° da DDHC;
11. Princípio este que impõe a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo, devendo o non liquet na questão da prova ser resolvido a favor do arguido;
12. Atenta a prova produzida, era de todo impossível ao Tribunal a quo afirmar, sem qualquer margem para dúvida que o Arguido havia praticado os factos imputados pela Acusação, razão pela qual ao deturpar os elementos probatórios ao seu dispor no sentido de conseguir “encaixar”, à força, a participação do recorrente, violou tal princípio;
13. Por outro lado, o Tribunal a quo violou, também, o princípio da livre apreciação da prova, não sendo lícito ao Tribunal que analise todos os indícios constantes dos autos e forme a sua convicção num sentido que a prova não os aponta, o que, cremos, se verificou no caso em apreço e cuja correção se impõe;
14. A matéria de facto foi incorretamente dada como provada, impondo-se, consequentemente, que sejam dados como não provados os factos descritos sob os n.°s 1, 2, 3, 4, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 24, 25, 26 e 27;
Caso não seja esse o entendimento de V. Exas.:
15. considerando que merecem alguma credibilidade os depoimentos dos ofendidos, sempre se dirá que o Tribunal de 1.a Instância incorreu em erro notório na apreciação da prova ao ter considerado que os factos trazidos à presente lide configuram crimes de roubo, ao invés de crimes de furto;
16. Não se demonstra comprovado que exerceu o Arguido algum tipo de violência sobre os ofendidos;
17. A ser condenado pelos factos em causa, atenta a prova produzida, o Arguido apenas o poderia ser a título do ilícito previsto e punido pelo artigo 203.°, do CP;
18. Sempre se impõe uma alteração da medida da pena, visto que de acordo com o disposto no n.° 1, do artigo 203.°, do CP, a moldura penal prevista para um crime de furto é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
(…)».
2. O arguido DD, recorre igualmente quanto à decisão sobre os factos e de Direito, pedindo a sua absolvição dos crimes pelos quais foi condenado, seja por entender não haver prova bastante para se poder concluir pela imputação à sua autoria dos factos dados como provados, seja em homenagem ao princípio in dubio pro reo; defende subsidiariamente existir erro notório na apreciação da prova, e no limite, dever ser condenado apenas por um crime de furto; formula as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
1. O Arguido/Recorrente discorda, fundamentalmente, da decisão proferida pelo Tribunal a quo no que respeita tanto à motivação de facto, como à de direito;
2. Da prova produzida não resulta evidente que o Arguido tenha cometido os factos que lhe vêm imputados, nos moldes e circunstâncias descritos na Acusação;
3. O Tribunal a quo utilizou de forma desadequada o acervo probatório colocado à sua disposição;
4. A prova testemunhal produzida não permite concluir, de forma segura e inequívoca, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi o aqui Arguido autor dos factos ilícitos pelos quais vem acusado;
5. No que concerne ao relatado por MM, não se consegue vislumbrar, salvo o devido respeito, em que se fundamentou a convicção do Tribunal de 1.a Instância para condenar o aqui Arguido, uma vez que não só existiram diversas contradições relativamente ao descrito em sede de Acusação, como quando confrontado com o Arguido, não foi o mesmo capaz de o identificar;
6. Quanto ao depoimento prestado pelo ofendido BB, são patentes as diversas contradições entre o relatado e os factos constantes da Acusação;
7. Não resultando provado que tenha havido qualquer recurso a navalhas, uma vez que tal é negado perentoriamente pelo ofendido;
8. Sendo notório que, atendendo ao lapso temporal decorrido, não se recorda o mesmo, com exatidão suficiente, dos factos constantes da Acusação;
9. O mesmo se pode dizer do depoimento prestado pelo ofendido CC, que não só afirma que os acontecimentos tiveram lugar num local distinto, a uma hora distinta, como também que o ferimento que sofreu é num local diferente!
10. dos depoimentos prestados apenas se pode concluir que existe uma inultrapassável confundibilidade dos ofendidos quanto às circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos;
11. atenta a contradição e/ou falta de produção de prova, sempre se tenha de considerar não provados os factos pelos quais vem o Arguido acusado, com a consequente absolvição do mesmo;
12. O Tribunal “a quo”, violou as mais elementares regras de direito e princípios de Estado de Direito, nomeadamente o princípio in dubio pro reo, consagrado nos artigos 32°, n°. 2 da CRP; 11°, n°.2 da DUDH; 16°, n°.2 da CRP; 14°, n°.2 do PIDCP; 6°, n°.2 da CEDH e 9° da DDHC;
13. Princípio este que impõe a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo, devendo o non liquet na questão da prova ser resolvido a favor do arguido.
14. Atenta a prova produzida, era de todo impossível ao Tribunal a quo afirmar, sem qualquer margem para dúvida que o Arguido havia praticado os factos imputados pela Acusação, razão pela qual ao deturpar os elementos probatórios ao seu dispor no sentido de conseguir “encaixar”, à força, a participação do recorrente, violou tal princípio;
15. Por outro lado, o Tribunal a quo violou, também, o princípio da livre apreciação da prova, não sendo lícito ao Tribunal que analise todos os indícios constantes dos autos e forme a sua convicção num sentido que a prova não os aponta, o que, cremos, se verificou no caso em apreço e cuja correção se impõe;
16. A matéria de facto foi incorretamente dada como provada, impondo-se, consequentemente, que sejam dados como não provados os factos descritos sob os n.°s 1, 2, 3, 4, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 24, 25, 26 e 27;
Caso não seja esse o entendimento de V. Exas.:
17. considerando que merecem alguma credibilidade os depoimentos dos ofendidos, sempre se dirá que o Tribunal de 1.a Instância incorreu em erro notório na apreciação da prova ao ter considerado que os factos trazidos à presente lide configuram crimes de roubo, ao invés de crimes de furto;
18. Não se demonstra comprovado que exerceu o Arguido algum tipo de violência sobre os ofendidos;
19. A ser condenado pelos factos em causa, atenta a prova produzida, o Arguido apenas o poderia ser a título do ilícito previsto e punido pelo artigo 203.°, do CP;
20. Sendo ainda de notar que jamais poderia o ilícito respeitante ao Processo n.° 48/23.7PCLSB ser qualificado, atendendo ao facto de ter, sem sombra para qualquer dúvida, resultado do depoimento do ofendido MM, que o bem alegadamente subtraído tinha, à data da prática dos factos, um valor diminuto;
21. Sempre se impõe uma alteração da medida da pena, visto que de acordo com o disposto no n.° 1, do artigo 203.°, do CP, a moldura penal prevista para um crime de furto é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.».
3. Os recursos foram admitidos a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
4. Notificado o Ministério Público dos requerimentos e alegações de recurso, veio em resposta única pugnar pela confirmação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
1. É alegado nas motivações dos recursos apresentados pelos arguidos, ora recorrentes, padecer o acórdão recorrido de erro notório na apreciação da prova, o qual se encontra previsto no art.° 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
2. Este consiste num vício de apuramento da matéria de facto, mas não concernente à análise da prova produzida, antes respeitando somente ao texto da decisão recorrida, verificando-se o erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que a factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou seja quando se se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis.
3. Porém, do douto acórdão recorrido consta a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, em conformidade com o disposto no art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, e evidenciando um raciocínio lógico que permite a completa restituição dos procedimentos que presidiram à solução encontrada e determinou que certos factos fossem dados como provados, tendo sido feita uma análise crítica dos depoimentos e dos outros meios de prova, de modo a formar a sua convicção, de resto formada com base na valoração lógica e racional da prova, segundo o bem senso e as regras normais da experiência comum, preenchendo a factualidade a solução de direito adoptada.
4. Pelo exposto não se verifica padecer o acórdão recorrido de qualquer vício ou irregularidade, sendo que o que os recorrentes realmente pretendem é pôr em crise a livre convicção do tribunal, que levou a que se tivesse convencido da credibilidade de determinados meios de prova, olvidando os recorrentes o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.° 127.° do Código de Processo Penal.
5. Impugnam os recorrentes os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto provada.
6. O tribunal deverá formar a sua convicção relativamente à factualidade apurada com base na prova pericial, documental e testemunhal, em regra produzida em audiência de julgamento, com observância do disposto nos art.°s 355.° e 129.° do Código de Processo Penal, e segundo a regra da livre apreciação da prova vertida no art.° 127.° do Código de Processo Penal, sendo que o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera como provado um facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por conseguinte, deveria ter sido considerado como não provado ou a situação inversa.
7. O princípio in dubio pro reo corresponde a uma regra de decisão (e não de interpretação dos factos ou da prova), através da qual, após produção da prova e efectuada a sua valoração, esgotando-se todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas, sobre a verificação, ou não, dos factos integradores de um crime ou relevantes para a pena, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, que tem de ser razoável e insuperável sobre a realidade dos factos e efectivamente impeditiva da convicção do tribunal, o juiz deve, então, decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
8. Também em relação ao princípio in dubio pro reo, no caso concreto, não é o mesmo invocável, atenta toda a determinante prova produzida e que fundamentou a decisão da matéria de facto provada, sendo que, no caso em apreço, o tribunal a quo não teve, nem tinha, correctamente, de ter, qualquer dúvida quanto à veracidade dos factos dados como provados, em resultado do exame crítico da globalidade da prova.
9. O tribunal a quo, conforme devidamente consignado no acórdão condenatório, teve em conta a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com a livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma, tendo em atenção as regras da experiência comum e atendendo a toda a prova documental, pericial e testemunhal produzida.
10. Os factos dados como provados não são subsumíveis à prática de crimes de furto, como o pretendem os recorrentes, integrando, ao invés, a prática pelos arguidos dos crimes que são individualmente imputados a cada dos arguidos, ora recorrentes, conforme devidamente discriminado no dispositivo do acórdão recorrido.
11. No que concerne à medida das penas de prisão fixadas relativamente a cada um dos recorrentes, quer no que respeita às penas parcelares, quer quanto às penas únicas determinadas, cumpre salientar que a decisão recorrida não enferma de qualquer violação aos art.°s 40.°, 70.° e 71.°, todos do Código Penal, revelando-se, antes, decisão justa, adequada às necessidades de prevenção em causa, suficiente às finalidades da punição e às finalidades de reinserção social dos arguidos.
12. Em face de todo o exposto, não deve ser dado provimento aos recursos dos arguidos.
(...)».
5. Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer em que, perfilhando a posição do Ministério Público na primeira instância, conclui pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, sem que os arguidos se pronunciassem.
7. O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, c) do Código de Processo Penal.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. QUESTÕES A DECIDIR
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º/2 do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º/2 e 410º/3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1.ª Existiu erro notório na apreciação da prova em relação à participação dos arguidos recorrentes nos factos dados como provados, tendo existido dúvida razoável sobre a prova nesse particular, a qual deveria tê-los beneficiado, dando como não provada essa participação?
2.ª As provas indicadas pelos recorrentes impõem diversa decisão em relação aos pontos da matéria dada como provada que os visam como participantes nos factos descritos, que devem considerar-se incorretamente julgados?
3.ª Inexistindo prova do recurso a violência por parte dos arguidos, estão apenas em causa crimes de furto simples, previstos pelo art. 203º/1 do Código Penal, cumprindo, portanto, alterar a medida das penas aplicadas?
2. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
Atendendo a que os fundamentos dos recursos são em grande parte comuns, dizendo respeito à mesma decisão e a factos que, na sua maioria, são imputados a ambos os recorrentes em comparticipação entre si, serão tratados conjuntamente, sem prejuízo das especificidades de cada um.
1. A DECISÃO RECORRIDA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
É do seguinte teor o acórdão recorrido na parte relevante para a apreciação dos recursos na parte relativa à matéria de facto [transcrição]:
«(…)
II- Fundamentação de Facto
1. Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, resultou provado que:
NUIPC 48/23.7 PCLSB (em apenso)
1) No dia 08/01/2023, cerca das 03:00 horas, os arguidos AA e DD encontravam-se no ..., em Lisboa, quando verificaram que ali também se encontrava o ofendido MM, pelo que decidiram entabular conversa com o mesmo.
2) No decurso da conversa, o arguido DD exaltou-se e, nessa sequência, empunhou uma navalha de caraterísticas não concretamente apuradas, cuja lâmina direcionou ao solo e exigiu ao ofendido a entrega imediata de todo dinheiro que tivesse na sua posse.
3) De seguida, e para reforçar a sua vontade apropriativa, o mesmo arguido desferiu-lhe um golpe com aquela navalha no dedo indicador da mão esquerda.
4) Receoso por poder ser de novo golpeado pela navalha, o ofendido entregou ao arguido DD o telemóvel de marca Huawei, modelo “P30”, com o IMEI ..., no valor aproximado de € 600,00, bem como o cartão de crédito “MLP”, emitido a seu favor.
5) Enquanto o arguido DD agia da forma antes descrita, o arguido AA afastou-se e manifestou perante aquele, a intenção de abandonar o local sozinho.
6) Na posse do telemóvel e do cartão de crédito, que fez seus e os integrou no seu património, o arguido DD juntou-se ao arguido AA e ambos abandonaram o local.
7) Nesse mesmo dia, cerca das 06:50 horas, no momento da detenção dos arguidos, o arguido DD guardava consigo o telemóvel e o cartão de crédito antes descritos.
8) O arguido DD agiu no deliberado propósito de se apoderar dos bens que o ofendido trazia consigo, bem sabendo que não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.
9) Sabia o arguido que, empunhando e golpeando o ofendido com uma navalha, como efetivamente sucedeu, o impediria de reagir aos seus intentos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reação nesse sentido.
NUIPC 25/23.8 PALSB (processo principal)
10) Ainda nesse dia 08/01/2023, cerca das 06:20 horas, os arguidos AA e DD encontravam-se na ..., em Lisboa, quando verificaram que ali também se encontrava o ofendido BB, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem dos bens e valores que o mesmo tivesse consigo, com recurso às navalhas que cada um tinha consigo.
11) Para tanto, dirigiram-se ambos ao ofendido e, após o abordarem, o arguido DD pediu-lhe moedas.
12) Como este respondesse não ter, o arguido AA empunhou a navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, na sua direção, e de seguida exigiu-lhe a entrega de todo o dinheiro que tinha consigo.
13) Nessa ocasião, o ofendido após lhes mostrar os bolsos, tornou a dizer não ter dinheiro com ele.
14) Não obstante o receio que teve em ser golpeado pela navalha, o ofendido conseguiu ainda assim colocar-se em fuga e alertar a polícia.
15) Os arguidos agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado propósito de se apoderarem do dinheiro que o ofendido trazia consigo, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono, objetivo que não lograram atingir por este ter fugido do local.
16) Sabiam os arguidos que se apresentando perante o ofendido da forma que o fizeram, não só criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre o mesmo, mas também que o impediriam de reagir aos seus intentos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reação nesse sentido.
17) Logo após, os arguidos AA e DD dirigiram-se ao ... e nesse local verificaram que, no banco de uma paragem de autocarro ali existente, se encontrava o ofendido CC a dormir, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que o mesmo tivesse na sua posse, com recurso às navalhas que traziam consigo.
18) Para o efeito, dirigiram-se ambos ao ofendido e, com este ao seu alcance, um dos arguidos, não se tendo apurado concretamente qual deles, encostou-lhe uma navalha de marca e modelo desconhecidos, fazendo-lhe um pequeno golpe na perna direita, e exigiu-lhe dinheiro.
19) Temendo por aquilo que naquelas circunstâncias lhe pudesse acontecer, o ofendido CC não esboçou qualquer reação e manteve-se inerte.
20) De seguida, o outro arguido colocou as mãos nos bolsos das calças que o ofendido envergava e retirou dali o passe Lisboa Viva, emitido em seu nome.
21) Já na posse do passe, imediatamente a seguir foram os arguidos surpreendidos e intercetados por elementos da Polícia de Segurança Pública.
22) Nessa ocasião, o arguido DD arremessou para o chão o já citado passe, que foi recuperado e devolvido.
23) Na posse dos arguidos AA e DD foram encontrados, respetivamente, a navalha de abertura automática com 9,5 cm de lâmina e a navalha de abertura lateral, com cerca de 7 cm de lâmina.
24) Os arguidos agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado propósito de se apoderarem do passe e de outros bens que o ofendido trouxesse consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade de seu dono, o que quiseram.
25) Sabiam os arguidos que, se apresentando perante o ofendido da forma que o fizeram, não só criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre o mesmo, mas também que o impediriam de reagir aos seus intentos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reação nesse sentido.
26) O arguido AA conhecia as caraterísticas da navalha de abertura automática e ainda assim quis detê-la e usá-la como usou, bem sabendo que não era titular de licença de uso e porte de qualquer tipo de arma, o que quis.
27) Em todas as condutas, os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.
28) Por acórdão proferido no âmbito do processo comum coletivo com o n° 845/14.4GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada, Juiz 6, transitado em julgado a 23/06/2020, foi o arguido AA condenado na pena única de cinco anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares a que foi condenado nesses autos bem como no processo n° 2041/14.1PAALM.
29) Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n° 1152/18.9T9STB do Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 2, transitada em julgado em 09/12/2020, foi o arguido AA condenado na pena de quatro meses de prisão.
30) O arguido cumpriu ininterruptamente a pena a que foi condenado no âmbito dos autos 845/14.4GDALM até 10/01/2021, data em que atingiu metade da pena a que foi condenado e ligado então aos autos n° 1152/18.9T9STB para cumprimento dos quatro meses a que aí foi condenado, vindo a ser novamente ligado aos autos n° 845/14.4GDALM em 10/05/2021.
31) No âmbito destes últimos autos, o arguido AA cumpriu ininterruptamente a pena de prisão até 30/10/2022, data em que lhe foi concedida liberdade condicional pelo tempo prisão que, após a sua libertação, lhe faltava cumprir, isto é, até 08/02/2024.
32) Não obstante, tal condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido.
33) Inexistem circunstâncias exteriores que, de algum modo, justifiquem os factos por ele praticados antes se revelando que o mesmo tem acentuada propensão para o crime.
Mais resultou provado que:
34) O arguido AA tem antecedentes criminais registados, tendo sido condenado:
a. no processo n° 393/12.7PBSTB do (extinto) 3° Juízo Criminal de Almada, em sentença transitada em julgado em 04/10/2012 e por factos reportados a 21/03/2012, pela prática de 1 crime de roubo qualificado, na pena de 18 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, cujo modo de execução foi revogado e determinado o seu cumprimento efectivo; esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 24/01/2013;
b. no processo n° 465/13.0TAALM do (extinto) 3° Juízo Criminal de Almada, em sentença transitada em julgado em 06/06/2014 e por factos reportados a 25/10/2012, pela prática de 1 crime de evasão, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano com regime de prova, tendo posteriormente sido revogada a suspensão e determinado o seu cumprimento efectivo; esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 13/10/2016;
c. no processo n° 2041/14.1PAALM, do Juízo Central Criminal de Almada, J3, em acórdão transitado em julgado em 10/10/2016 e por factos reportados a 03/12/2014, pela prática de 7 crimes de roubo, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, tendo posteriormente sido revogada a suspensão e determinado o seu cumprimento efectivo;
d. no processo n° 244/14.8PGALM, do Juízo Central Criminal de Almada, J6, em acórdão transitado em julgado em 30/09/2015 e por factos reportados a 04/01/2014, pela prática de 1 crime auxílio material, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano com regime de prova; esta pena foi declarada extinta em 30/09/2016;
e. no processo n° 338/12.4PBSXL, do Juízo Central Criminal de Almada, J5, em acórdão transitado em julgado em 10/03/2017 e por factos reportados a 26/03/2012 e 21/01/2013, pela prática de 3 crimes de roubo, um dos quais na forma tentada e 1 crime de evasão, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova; esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 21/01/2020;
f. no processo n° 845/14.4GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada, J2, em acórdão transitado em julgado em 21/12/2015 e por factos reportados a 17/12/2014, pela prática de 1 crime de roubo, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, tendo posteriormente sido revogada a suspensão e determinado o seu cumprimento efectivo; esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 05/12/2019;
g. neste processo n° 845/14.4GDALM, em acórdão transitado em julgado em 23/06/2020, foi realizado o cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n° 2041/14.1PAALM, tendo o arguido sido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;
h. no processo n° 1402/16.6GCALM, do Juízo Central Criminal de Almada, J4, em acórdão transitado em julgado em 02/08/2017 e por factos reportados a 13/11/2016, pela prática de 1 crime de roubo, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão efetiva; esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 05/10/2018;
i. no processo n° 64/193GCASL, do Juízo Local Criminal de Grândola, em sentença transitada em julgado em 28/04/2023 e por factos reportados a 08/09/2019, pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 8 meses de prisão efetiva;
j. no processo n° 178/13.3TXEVR-D do TEP de Évora, por referência à pena aplicada no processo 845/14.4GDALM e com efeitos a 30/10/2022, foi concedida ao arguido a liberdade condicional pelo tempo que lhe faltaria cumprir, isto é, até 08/02/2024.
35) Segundo elemento de uma fratria de sete irmãos, o processo evolutivo do arguido AA surge marcado por fatores desestabilizadores e pouco securizantes.
36) Com a separação dos progenitores, alguns dos irmãos ficaram a viver com o pai, sendo que o arguido se manteve junto da progenitora.
37) O facto de a progenitora ter introduzido um novo companheiro no lar familiar não foi factor de constrangimento para o arguido, que o aceitou. Todavia, a prática aditiva da mãe e companheiro promoveram um clima de instabilidade familiar, quotidiano já por si marcado por acentuadas limitações económicas.
38) A posterior prisão da progenitora e companheiro levou a que o arguido fosse acolhido pelos avós maternos, na altura residentes no mesmo bairro, zona residencial camarária, conotada por diversas problemáticas sociais, nomeadamente pobreza, delinquência juvenil, consumo e tráfico de estupefacientes.
39) Apesar do ambiente familiar afetivo, os avós tiveram dificuldades numa intervenção pedagógica eficaz, com dificuldades na imposição de regras educativas e de controlo, tendo o arguido ocupado grande parte do seu tempo no convívio com amigos da zona residencial, elementos também desocupados e já referenciados por práticas delinquentes.
40) Teve um percurso escolar de reduzido aproveitamento, marcado por uma postura de frequente rebeldia, tendo sido alvo de algumas repreensões do foro disciplinar.
41) A desmotivação sentida pelas atividades escolares traduziu-se num registo de elevado absentismo, tendo apenas completado o 5° ano de escolaridade.
42) Também no meio comunitário a instabilidade comportamental do arguido foi-se acentuando, em grande parte devido ao seu envolvimento no consumo de estupefacientes, cannabis, quando contava apenas nove anos de idade.
43) A incapacidade dos avós na imposição de qualquer controlo e a forte adesão ao grupo de pares, culminou no seu envolvimento em práticas ilícitas, o que contou com a intervenção do Tribunal, tendo sido alvo de processo educativo e sujeito a medida de internamento em centro educativo, vindo nesse contexto a concluir o 6° ano de escolaridade.
44) Em Fevereiro de 2012 o arguido reintegrou o agregado dos avós maternos, o que se revelou como de impacto negativo em termos da evolução alcançada durante o internamento, retomando o estilo de vida anteriormente vivenciado, marcado pela ociosidade e exclusivamente direcionado ao grupo de pares da sua zona residencial.
45) A posterior integração no lar materno, constituído na altura pela progenitora, padrasto e irmãos, residentes no mesmo bairro dos avós maternos, não teve qualquer impacto positivo nos seus comportamentos, continuando a manter um quotidiano errático e associado ao consumo de estupefacientes.
46) Já em meio prisional, foi transferido para o EP de Pinheiro da Cruz em 03/06/2019, onde iniciou frequência escolar a que, contudo, não deu seguimento, devido à sua postura de fraco investimento e de pouca frequência nas aulas.
47) No decurso da anterior privação de liberdade registou várias sanções disciplinares por posse ilegal de objetos na sua cela, embora nos últimos meses que precederam a liberdade tenha passado a evidenciar uma postura mais adequada às normas institucionais, tendo inclusivamente trabalhado como faxina.
48) Ao ser colocado em liberdade condicional, em 31/10/2022, o arguido reintegrou o agregado materno, em habitação partilhada juntamente com a mãe e um tio materno, este último, portador de algumas fragilidades pessoais.
49) Apesar da possibilidade de integração na comunidade terapêutica ..., essa situação nunca se chegou a concretizar, tendo o arguido permanecido na habitação materna.
50) No período que mediou a sua colocação em liberdade e a actual reclusão, em 09/01/2023, o arguido manteve residência na habitação materna. Nesse período em que se manteve em liberdade o arguido inscreveu-se no centro de emprego da sua zona residencial, embora não tenha sido convocado para qualquer oferta laboral.
51) Contudo, trabalhou em funções indiferenciadas na construção civil durante mês e meio, ainda que sem qualquer vinculação laboral. Viria a abandonar esse trabalho, por atrasos e mesmo falta de pagamento salarial.
52) No presente contexto prisional, o arguido tem vindo a evidenciar um comportamento mais ajustado, sendo que regista uma sanção disciplinar por posse de objeto/substância proibida. Solicitou a sua inserção laboral, que ainda não se concretizou.
53) No contexto prisional, tem beneficiado de visitas da progenitora.
54) O arguido DD tem antecedentes criminais registados, tendo sido condenado no processo n° 391/21.0GCALM do Juízo Local Criminal de Almada, Juiz 1, em sentença transitada em julgado em 25/06/2021 e por factos reportados a 13/03/2021, por um crime de furto qualificado, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade.
55) Nesse processo e até à presente data, apenas cumpriu 21 horas de trabalho, entre 30 de Maio e 24 de Julho de 2023.
56) O arguido DD é o mais novo de quatro irmãos germanos, tendo o seu processo de crescimento decorrido no ..., em ambiente familiar numeroso, pautado pela permissividade, desculpabilização, dificuldades de supervisão e desfavorecido do ponto de vista económico e habitacional.
57) A habitação, de renda social, não satisfazia as necessidades do agregado familiar em termos de espaço e o quadro económico era marcado pela carência, face à ausência de atividade profissional remunerada dos progenitores, que normalmente se dedicavam à recolha de sucata.
58) O agregado familiar subsistia essencialmente com o RSI (inicialmente de € 598,48 e depois no montante de € 636,42), cujo contrato de inserção contemplava ações dirigidas ao acompanhamento do percurso escolar do arguido e irmãos, à integração da progenitora em formação qualificante e mercado de trabalho, e integração do pai em curso de Educação e Formação de Adultos.
59) Pese embora o acompanhamento ao nível da ação social e algum investimento a nível afetivo, o défice de supervisão traduziu-se na ausência de controlo sobre o quotidiano do arguido, que o próprio organizava de acordo com as suas motivações, com reflexos essencialmente no plano escolar e na proximidade a pares com condutas desajustadas.
60) O arguido teve um percurso escolar marcado pelo insucesso, tendo registado várias retenções, todas elas associadas a acentuado absentismo, alicerçado numa desmotivação pelo processo de ensino e aprendizagem.
61) No ano letivo de 2018/2019 foi integrado numa turma do 6° ano de Escolaridade na Escola Básica 2.3 ..., tendo beneficiado de currículo específico individual adequado ao seu perfil cognitivo e funcional, devido às dificuldades de aprendizagem. Contudo, embora tivesse beneficiado de integração em equipamento escolar adequado à sua condição e com os devidos apoios, o arguido rejeitou a frequência da escola, alegando o facto de não ter sido aceite por alunos da mesma turma e ter sido vítima de bulling.
62) O absentismo escolar originou a intervenção da CPCJ, contexto em que foi requerido a abertura judicial de promoção e proteção com aplicação da medida de apoio junto dos pais, tendo o arguido entrado posteriormente em situação de abandono escolar.
63) O arguido teve um contacto precoce com o sistema da administração da justiça, ainda em sede tutelar educativa, pela prática de factos típicos, nomeadamente de introdução em lugar vedado ao público e furto, tendo sido alvo de medida tutelar de acompanhamento educativo que contemplou a obrigatoriedade de frequência escolar/formativa com assiduidade, aproveitamento e bom comportamento e frequência de programa de treino de competências sociais e pessoais, tendo incumprido a maior parte das ações propostas.
64) O arguido nunca registou qualquer atividade estruturada de tempos livres e ao nível do trabalho apenas registou atividade esporádicas, nomeadamente na montagem de carrosséis (sazonal) e nas limpezas.
65) Entretanto manteve vivência marital, pouco vinculativa, com uma jovem da qual tem uma filha, atualmente com 3 anos de idade.
66) À data dos factos o arguido residia em habitação de renda social (renda de € 16,40), constituindo agregado com os progenitores, com a filha menor e uma sobrinha; a progenitora da filha menor integrou o agregado, pese embora viva atualmente junto dos avós maternos.
67) O agregado familiar continua dependente do RSI, atualmente no montante de € 820,00, sendo que a progenitora continua desocupada e o pai continua na sucata.
68) O arguido iniciou o consumo de produtos estupefacientes aos 18 anos de idade e mantém este hábito aditivo.
2. Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir não resultaram provados quaisquer outros factos. Nomeadamente, não se provou:
A. Que o facto referido no ponto 1) dos factos provados tivesse ocorrido às 03:43 horas.
B. Que o ofendido MM tivesse sido atingido no dedo indicador da mão direita.
C. Que o telemóvel furtado a MM fosse do modelo “P20”.
D. Que tenha sido o arguido AA a abordar o ofendido BB, pedindo-lhe tabaco.
E. Que o arguido DD tivesse encostado a navalha de abertura lateral com cerca de 7 cm de lâmina ao ofendido CC, ou que este ofendido tivesse sido atingido na perna esquerda.
F. Que tivesse sido o arguido AA quem retirou o passe Lisboa Viva do bolso das calças do ofendido CC.
G. Que ambas as navalhas fossem de “ponta e mola”.
3. Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica de todos os elementos probatórios carreados aos autos, analisados à luz das regras da experiência comum e tendo por pano de fundo o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127° do CPP).
Na valoração das declarações e depoimentos o Tribunal levou em linha de conta as razões de ciência, as lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, as manifestações de (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, serenidade, os olhares para alguns dos presentes, a postura corporal, a coerência de raciocínio e de atitude, a seriedade manifestada, bem como as coincidências e discrepâncias, sendo todo este conjunto de factores apreciado no contexto das declarações e depoimentos em que se integram.
No caso dos presentes autos o arguido AA prestou declarações, tomando posição sobre os factos; já o arguido DD, ao abrigo do seu direito constitucional, remeteu-se ao silêncio.
Foram valorados os depoimentos das testemunhas MM, BB e CC, bem como toda a prova documental constante dos autos, nomeadamente:
NUIPC 48/23.7 PCLSB (autos em apenso)
• Auto de denúncia, a fls. 2-2v°;
NUIPC 25/23.8 PALSB (processo principal)
• Auto de notícia por detenção, fls. 2-3v°;
• Autos de apreensão, a fls. 13-15v° e 18-20;
• Autos de exame e avaliação, a fls. 21-23;
• Termos de Entrega, a fls. 24-25;
• Reportagem fotográfica, fls. 26;
• Certidão extraída do processo n° 1152/18.9T9STB, a fls. 69-76v°;
• Certidão extraída do processo n° 845/14.4GDALM, a fls.194-204;
• Certificados do registo criminal, a fls. 245-256v° e 257-258;
• Relatórios sociais, a fls. 268-270v° e 284-286v°;
• Informação prestada pelo EP de Lisboa, a fls. 279.
Concretizando:
Quanto aos factos provados, as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido MM [NUIPC 48/23.7PCLSB] foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°) e dos autos de apreensão de fls. 18 e 19, complementadas com o teor do auto de exame e avaliação de fls. 23.
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação da(s) pessoa(s) que o abordou(aram), os bens subtraídos e respectivo valor, tendo ainda explicado que lhe foi desferido um golpe na mão esquerda com uma navalha, após o que deixou de tentar resistir e entregou os seus bens ao assaltante.
No que concerne à autoria de tais factos, em sede de julgamento o ofendido descreveu as pessoas que o tinham abordado (duas pessoas, uma das quais se afastou e já não participou no que se seguiu) em moldes compatíveis com as fisionomias e estaturas dos arguidos, sendo que então, através de meios de comunicação à distância (webex) os arguidos foram colocados por forma a serem vistos pelo ofendido, o qual admitiu que fossem aqueles os dois indivíduos em questão. A isto acresce a circunstância de o ofendido ter descrito a navalha com que foi atingido como sendo “romba” ou pouco afiada, o que se mostra compatível com a navalha constante do fotograma 4 de fls. 26, a qual se encontrava na posse do arguido DD. Do que se acaba de dizer não se extrai, sem mais, que o autor dos aludidos factos tenha sido o arguido DD. Porém, na mesma noite em que o ofendido MM foi assaltado, cerca das 03:10 horas da madrugada (como resulta do teor do auto de denúncia de fls. 2 do NUIPC 48/23.7PCLSB), o arguido DD foi detido no âmbito de uma outra ocorrência, pelas 06:45 horas (cfr. auto de notícia a fls. 2 do processo principal), sendo que nessa ocasião o arguido tinha em seu poder o telemóvel e o cartão bancário que haviam sido subtraídos ao ofendido MM poucas horas antes, não se vislumbrando nenhuma explicação (nem tão pouco o arguido a tentou dar) para esta coincidência que não seja, como nos parece óbvio, a de que foi o arguido DD o autor dos factos descritos nos pontos 1 a 6 dos factos provados.
*
Abrimos aqui um breve parêntesis para referir, de forma muito sucinta, que as diligências levadas a cabo pelo órgão de polícia criminal e que constam a fls. 17-19 e 27-29 do apenso (NUIPC 48/23.7PCLSB), por não respeitarem os pressupostos legais da diligência prevista no artigo 147° do Código de Processo Penal, nomeadamente por terem sido feitas através de meios à distância (watsapp), não podem valer como meio de prova, como impõe o n° 7 daquele normativo, motivo pelo qual aqui não foram valoradas.
*
As circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido BB foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°).
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação dos sujeitos que o abordaram, sendo que um lhe exigiu dinheiro e o outro fez um gesto revelador da posse de arma branca, tendo o ofendido conseguido fugir e encontrou agentes policiais a quem relatou o sucedido e que de imediato seguiram com o ofendido à procura dos assaltantes, no que é corroborado com o teor do auto de notícia onde se relata isso mesmo, sendo que os indivíduos que foram interceptados nessa sequência eram os mesmos que haviam abordado este ofendido, dúvidas não restando quanto à autoria de tais factos, o que aliás foi confirmado pelo ofendido em julgamento, declarações que são perfeitamente lícitas no âmbito da prova testemunhal e podem ser valoradas ao abrigo do disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal - o que nem seria necessário face ao que acabou de se referir.
Por fim, as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido CC foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°).
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação das pessoas que o abordaram, um dos quais tinha uma navalha e desferiu-lhe um golpe na coxa da perna direita, enquanto o outro o revistou e lhe retirou o cartão do passe “Lisboa Viva”, sendo que nesse momento surgiu o veículo da polícia e os tais indivíduos foram detidos de imediato, no que é corroborado pelo teor do auto de notícia onde se relata isso mesmo, sendo que os indivíduos que foram detidos nessa sequência eram os mesmos que tinham acabado de abordar este ofendido, dúvidas não restando quanto à autoria de tais factos, o que aliás foi confirmado pelo ofendido em julgamento, declarações que são perfeitamente lícitas no âmbito da prova testemunhal e podem ser valoradas ao abrigo do disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal - o que nem seria necessário face ao que acabou de se referir.
No que concerne ao conhecimento que os arguidos tinham sobre a ilicitude das suas condutas, tomou-se em consideração as ilações retiradas da restante matéria dada como provada nos autos por recurso às regras da lógica e da experiência comum, pois qualquer cidadão, mesmo que pouco escolarizado, sabe que não lhe é permitido agir como os arguidos agiram.
A intenção (dolosa) dos arguidos retira-se com facilidade dos elementos objectivos apurados respeitantes aos actos praticados. O modo de actuação demonstra o carácter desejado da conduta, pois só quem quer praticar os ilícitos em questão age como os arguidos agiram.
Os antecedentes criminais registados por parte dos arguidos resultam provados pelo teor dos certificados do registo criminal respectivos, em conjugação, no que concerne ao arguido AA, com as certidões de fls. 69-76v° e 194-204.
No que se refere aos factos relativos às condições pessoais dos arguidos, foram tidos em consideração os relatórios sociais junto aos autos, os quais não foram colocados em crise pela Defesa.
Quanto aos factos não provados, foram os mesmos assim considerados por falta de prova no sentido da sua verosimilhança ou por prova de facto incompatível, sendo que o ofendido CC não soube dizer qual dos arguidos é que tinha uma navalha na mão e lhe desferiu o golpe na perna, mas apenas que os arguidos agiram em conjunto, um deles usando uma navalha e o outro revistando o ofendido, e o ofendido BB negou que lhe tivesse sido solicitado tabaco mas sim moedas, tendo afirmado que foi o arguido DD (e não o arguido AA) quem lhe pediu o dinheiro.
(…)».
2. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1. Critérios e limites
Pugnam os recorrentes pela sua absolvição dos crimes de roubo pelos quais foram condenados, no essencial por não se poder dar como provados os factos que lhes atribuem a autoria dos mesmos, pondo em causa a credibilidade dos depoimentos testemunhais dos ofendidos, aos quais apontam inconsistências e contradições, no pressuposto de que foi essa a prova exclusivamente considerada para estabelecer essa autoria.
Remetem para algumas passagens desses depoimentos, que transcrevem nas alegações dos recursos, e concluem pela «inultrapassável confundibilidade dos arguidos» que os ofendidos não teriam identificado com reporte a cada um dos atos que lhes são atribuídos; seria, assim de todo impossível ao Tribunal a quo afirmar os factos provados sem qualquer margem para dúvida.
Concluem pela verificação de erro notório na apreciação da prova, que alegam não ter sido valorada de acordo com as regras de experiência e nos termos previstos no art. 127º do Código de Processo Penal, inexistindo prova bastante da sua participação nos factos ajuizados para além de toda a dúvida razoável, havendo dúvida a esse respeito, que deverá favorecê-los em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Os recorrentes misturam, deste modo, dois tipos de impugnação que têm pressupostos distintos: o chamado recurso de revista, previsto no art. 410º/2 do Código de Processo Penal, que tem por objeto os vícios da decisão, e o recurso de revista alargada ou de impugnação ampla, previsto no art. 412º/3 do Código de Processo Penal, que tem por objeto o chamado erro de julgamento.
Vejamos melhor.
*
- Os vícios da decisão – art. 410º/2 do Código de Processo Penal
Nos termos do disposto no art. 410º/2 do Código de Processo Penal:
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
c) Erro notório na apreciação da prova.
(…)» (sublinhado e negrito nossos).
Tratando-se de vícios intrínsecos da sentença, reportam um defeito estrutural da decisão que resulta do respetivo texto, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Está, por isso, vedado o recurso a elementos estranhos a esse texto para fundamentar a sua verificação, nomeadamente, quaisquer dados existentes nos autos, ainda que provenientes do próprio julgamento. [1]
Isto porque dizem respeito a erros de lógica ao nível da decisão sobre a matéria de facto, que fazem com que a mesma resulte destituída de racionalidade lógica; a sua apreciação prescinde, assim, da análise da prova produzida, ao contrário do que sucede em caso de impugnação ampla nos termos do art. 412º/3 do Código de Processo Penal.
Aqui, o Tribunal de recurso limita-se a detetar os vícios evidenciados pela decisão recorrida, atendo-se a esta, e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento.
Não constitui, pois, fundamento da invocação de qualquer destes vícios, a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firmou acerca dos factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, desde que esta convicção se mostre devidamente fundamentada e não contrarie as regras da lógica e da experiência comum.
É neste quadro que o erro notório na apreciação da prova, bastamente invocado com apelo ao princípio in dubio pro reo, não pode ser, como é frequentemente, invocado para procurar sobrepor essoutra convicção do recorrente acerca da leitura da prova produzida.
Para que se verifique este erro notório na apreciação da prova é necessário muito mais do que uma simples divergência de apreciação da prova.
Terá, pois, o Tribunal que ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova.
Ocorre erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis, mas também quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Em suma: estamos perante o vício de erro notório na apreciação da prova sempre que o Tribunal valore a prova contra critérios legalmente fixados e/ou contra as regras da experiência comum, e o faça de forma grosseira e ostensiva, não passando o erro despercebido ao cidadão comum, muito menos ao juiz normal colocado no lugar do julgador, dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar; tem, pois, que tratar-se de erro percetível pelo homem médio, que é uma outra forma de dizer que o erro tem de ser manifesto ou notório, como expressamente comanda a lei.[2]
Em todo o caso, como começamos por referir, a análise a fazer para assim concluir tem por base exclusivamente o texto da decisão recorrida e a prova aí considerada para fundamentação da convicção do tribunal.
Daí que na aferição da verificação (ou não) de erro notório na apreciação da prova, se questiona, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o Tribunal a tenha valorado contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados.
- A impugnação ampla da matéria de facto – art. 412º/3 do Código de Processo Penal
Nos termos previstos no art. 412º/3, 4 e 6, do Código de Processo Penal:
«(…)
3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(…)
6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.».
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida, como sucede com os vícios previstos no art. 410º/2 do Código de Processo Penal, alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova produzida em audiência, nomeadamente por via da análise da documentação dessa prova e/ou da audição da gravação, no caso da prova por declarações e testemunhal; essa análise e audição é, no entanto, sempre delimitada e guiada pela especificação que onera o recorrente, como previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal.
Ou seja, serão uma análise e audição cingidas aos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, às concretas provas que, na sua perspetiva, impõem decisão diversa da recorrida, sendo que, quando gravadas, mediante audição das passagens em que se funda a impugnação que forem especificamente indicadas.
Todavia, conforme tem vindo a entender-se de forma pacífica na jurisprudência, esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse;[3] antes se destina a uma reapreciação dos pontos da matéria de facto impugnados, com base na análise (ou audição, de for o caso) das provas concretamente indicadas, sem prejuízo de o Tribunal de recurso poder ouvir e visualizar outras passagens que não as indicadas, procurando indagar sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto a esses concretos pontos que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Na prática, o que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida, como postulado pelo disposto no art. 412º/3,b) do Código de Processo Penal.
Nessa reapreciação, este tribunal terá que atender à forma como se formou a convicção do julgador vertida na decisão sob recurso e a observância dos limites da livre apreciação da prova, como previsto no art. 127º do Código de Processo Penal, usando igualmente dessa livre convicção, com observância do princípio in dubio pro reo, numa valoração autónoma das provas indicadas especificamente no recurso, sem olvidar a não imediação na sua produção, contrariamente ao que sucede em primeira instância.
Daí a importância da fundamentação da decisão sobre os factos, exigindo-se do julgador a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito.
Não bastará, assim ao tribunal de recurso a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. [4]
Assim como não basta para uma eventual alteração do decidido quanto aos factos, uma diferente convicção ou avaliação quanto à prova produzida.
A decisão recorrida será, pois, de alterar apenas quando, avaliada a prova indicada, for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a de forma lógica e racional; ou seja, o tribunal da Relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando, à luz das regras da livre apreciação da prova, concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.[5]
Em suma: o Tribunal de recurso deve verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa, num exercício de reapreciação dessa concreta prova também segundo os princípios da livre apreciação consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal e in dubio pro reo, decorrente este último da premissa constitucional de presunção de inocência do arguido, decidindo, em caso de dúvida razoável, a favor do arguido.
Só assim resulta garantido um efetivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, como previsto nos arts. 428º e 431º/b), do Código de Processo Penal.
1. Do erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo na decisão recorrida.
Os recorrentes invocam a existência de erro notório na apreciação da prova usando, no entanto, o mesmo tipo de argumentação a que recorrem para invocar o erro de julgamento, incorrendo, como já referido, em confusão entre as duas apontadas formas de impugnação.
Assim, convocando essencialmente os depoimentos prestados pelos ofendidos BB, CC e MM, apresentam a sua própria valoração dos mesmos, apontando discrepâncias entre o que declararam acerca dos factos e o que veio a considerar-se provado, formulando, nessa base, convicção em sentido diferente àquela que se formou na decisão recorrida; apontando, no limite, para a verificação de dúvida razoável e insanável sobre a sua participação nos factos, dúvida essa que deveria tê-los favorecido no juízo formulado pelo Tribunal a quo em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Ora, o erro que assim se invoca, por implicar uma tomada de posição acerca da prova produzida, há-de ser tratado no âmbito da impugnação alargada da decisão de facto ao abrigo do art. 412º/3, a apreciar em seguida, e não da impugnação restrita ao abrigo do art. 410º/2, ambos do Código de Processo Penal.
Significa isto que, na realidade, os recorrentes, não invocaram qualquer erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, da fundamentação da decisão recorrida quanto aos factos, acima transcrita, resulta com clareza o percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo para, numa leitura de prova indiciária, alcançar a conclusão extraída sobre a autoria dos factos descritos; mas resulta também que, mercê dessa leitura, em que empregou regras de experiência e da normalidade do acontecer, em observância do disposto no art. 127º do Código de Processo Penal, não se deparou, afinal, com qualquer dúvida, antes tendo ultrapassado de forma objetiva e fundamentada as que pudessem eventualmente decorrer das insuficiências dos depoimentos testemunhais.
Assim, lendo o acórdão sob recurso, e a ele nos temos de circunscrever quando estamos no domínio dos vícios previstos no art. 410º/2 do Código de Processo Penal, conclui-se que se mostra elaborado de forma lógica e fundamentada, sem preterição ostensiva de qualquer regra de valoração da prova, nomeadamente da que resulta do princípio in dubio pro reo.
Não se perscrutando, pois, no texto da decisão recorrida o invocado erro notório na avaliação da prova, tão pouco se divisando violação do princípio in dubio pro reo, improcede nesta parte o recurso.
2.2.2 Do erro de julgamento na decisão recorrida
Como vimos, invocam os recorrentes, em bom rigor, a verificação de erro de julgamento quanto aos factos relativos à sua participação nos crimes de roubo objeto dos autos, concretamente os factos descritos em 1, 2, 3, 4, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto provada.
Ora, sem prejuízo de haver provas indicadas nos recursos que impunham efetivamente uma diversa decisão quanto a alguns dos factos provados, conforme em seguida se detalhará, tal não contende com a imputação dos mesmos à autoria e coautoria dos aqui recorrentes, ponto em relação ao qual não se divisa qualquer erro de julgamento.
Nesse particular, importa notar que os recorrentes procuram reduzir a prova incriminatória, mormente quanto à sua identificação como autores dos factos, aos depoimentos prestados pelos respetivos ofendidos, vistos isolada e desgarradamente da demais prova, concretamente toda aquela que levou o Tribunal a quo a dar os factos como provados.
Ora, como vimos, a conclusão a que se chega no acórdão quanto aos factos provados ora questionados, levando em conta esses depoimentos em conjugação com os demais elementos de prova, assoma conforme com as regras da experiência, em estrita observância da regra da livre apreciação da prova inscrita no art. 127º do Código de Processo Penal, não se nos suscitando qualquer dúvida razoável em relação à comparticipação dos arguidos nesses factos.
De resto, importa notar que, contrariamente ao suposto nas alegações de recurso, a prova dos factos e da sua autoria não se faz apenas de forma direta, isto porque, como é sabido, a prova dos factos em processo penal pode ser indireta ou indiciária.
Trata-se, em suma, de fazer a leitura de prova circunstancial ou indireta, deduzindo um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, através de presunções, como permitido pela conjugação do disposto no art. 125º do Código de Processo Penal, nos termos do qual são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, com o preceituado pelo. art. 349º do Código Civil acerca da prova por presunções.
As presunções naturais, válidas também no processo penal, constituem um meio ou processo lógico de aquisição de factos, em que o juiz, valendo-se de um certo facto, e associando-o a um princípio empírico ou às regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto até então desconhecido.
Estas regras da experiência ou regras de vida, segundo Santos Cabral[6], reconduzem-se aos «ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano (…) que se obtêm mediante generalização de diversos casos concretos que tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização.
Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseiam na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.».
É certo que não pode descurar-se o risco de algum subjetivismo neste tipo de análise, sendo imperioso que se afaste a arbitrariedade.
Isto porque aceitar e valorar a prova indiciária como fundamento de uma condenação criminal não significa baixar-se o parâmetro de exigência na prova, só porque determinados crimes são mais difíceis de investigar.
Inexistindo na nossa lei processual penal qualquer normativo que defina os requisitos da valoração da prova indiciária e da sua eficácia probatória, doutrina [7] e jurisprudência [8], têm-se consorciado na definição de uma metodologia de análise, assim como de um standard mínimo de solidez e robustez dos indícios em que assenta a conclusão probatória, destacando-se, além do que acima se citou, o acórdão da Relação de Guimarães, de 19/01/2009, relatado por Cruz Bucho[9] citando por sua vez o autor italiano Paolo Tonini, e o Código de Processo Penal italiano, que consagra esta matéria no seu art. 192º.
Podemos, assim, definir um guião de análise e valoração da prova indiciária que pode resumir-se do seguinte modo:
- Prova dos indícios: os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova direta e não serem meras conjeturas ou suspeitas; o que não impede que resultem provados a partir da conjugação de provas diretas imperfeitas, ou seja, insuficientes para produzir, cada uma em separado, prova plena; os indícios hão-de ser periféricos ou instrumentais relativamente ao facto a provar, estar interligados com o facto nuclear carecido de prova e não perderem força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;
- Concorrência de uma pluralidade de indícios: a validade da regra indicium unus indicium nullus é cada vez mais questionada, admitindo-se em casos excecionais como bastante a verificação de um único indício, quando este, isoladamente, sendo veemente, permite a inferência lógica do facto probando; será de exigir-se a pluralidade de indícios quando os mesmos de per se, considerados isoladamente, não permitirem essa inferência;
- Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, direto, coerente, lógico e racional;
- Motivação da decisão: o tribunal deve explicitar na sua decisão o raciocínio lógico de como, a partir dos indícios provados chega à conclusão sobre o facto probando; neste ponto, além do funcionamento de fatores que apontam para algum subjetivismo, como a imediação e a oralidade, não pode deixar de imperar um fator objetivo, de rigor lógico, que se consubstancia na verificação da relação de normalidade, causa-efeito, entre indício e a presunção que dele se extrai;
- Características dos indícios: adotando-se a classificação dos indícios relevantes para a prova indireta enquanto fundamento de condenação criminal, expressamente consagrada no art. 192º do Código de Processo Penal italiano, deverão os mesmos ser:
- graves - resistentes às objeções e, portanto, com elevada capacidade de persuasão;
- precisos – as circunstâncias indiciantes devem estar amplamente provadas e não serem suscetíveis de diversas interpretações;
- concordantes – todos convergentes para a mesma direção.
Concluímos, pois com Cruz Bucho citando Mirabete no aresto acima indicado, que: «indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, maxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado». (negrito nosso).
Isto, na certeza de que, como escreveu Henriques Gaspar no acórdão do STJ de 6/10/2010[10] «(…) o julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.».
Ainda neste sentido, Santos Cabral[11], alerta para que a prova indiciária é uma prova de probabilidades, na medida em que é da soma das probabilidades relativamente a cada facto indiciado que resultará a certeza sobre os factos probandos, os quais, por sua vez, permitem a subsunção jurídico-penal que consubstancia a responsabilidade criminal do agente, tudo numa «operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do juiz»; convicção sustentada e motivada «mas que, nem por isso deixa de significar a passagem (…) do domínio da possibilidade para a formação de uma íntima convicção sobre a certeza do facto.».
Em suma: a verdade a que se chega no processo não é a verdade absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial e prática, uma «verdade histórico-prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida». [12]
Por conseguinte, tratar-se-á em todo o caso de uma verdade aproximativa ou probabilística, como acontece com a toda a verdade empírica, submetida a limitações inerentes ao conhecimento humano e adicionalmente condicionada por limites temporais, legais e constitucionais, traduzindo-se num tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer toda a dúvida e imponha uma convicção.
Neste particular, a doutrina tem acolhido e densificado o critério prático de origem anglo-saxónica, decorrente do princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência e com base no qual o convencimento do tribunal quanto à verdade dos factos se há de situar «para além de toda a dúvida razoável». [13]
E embora se reconheça a dificuldade, senão impossibilidade, na definição dos parâmetros objetivos em que deve assentar este standard probatório, entende-se que a dúvida razoável poderá consistir na dúvida que seja «compreensível para uma pessoa racional e sensata», e não absurda nem apenas meramente concebível ou conjetural.
Assim, o convencimento pelo tribunal de que determinados factos estão provados só se poderá alcançar quando a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitir excluir qualquer outra explicação lógica e plausível, ou seja, quando os elementos de prova não permitirem uma construção alternativa assente em raciocínios razoáveis.
*
Com este enquadramento, vejamos um pouco mais em detalhe as concretas passagens das gravações em que se funda a impugnação recursiva e o reflexo das mesmas no raciocínio lógico que norteou a decisão recorrida e conclusões a que aí se chegou, naturalmente concatenando-as com a restante prova.
Vejamos então.
No que concerne à situação do NUIPC 48/23.7PCLSB, pela qual responde apenas o arguido DD, aduziu o Tribunal a quo para fundar a sua convicção [transcrição]:
«(…)
Quanto aos factos provados, as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido MM [NUIPC 48/23.7PCLSB] foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°) e dos autos de apreensão de fls. 18 e 19, complementadas com o teor do auto de exame e avaliação de fls. 23.
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação da(s) pessoa(s) que o abordou(aram), os bens subtraídos e respectivo valor, tendo ainda explicado que lhe foi desferido um golpe na mão esquerda com uma navalha, após o que deixou de tentar resistir e entregou os seus bens ao assaltante.
No que concerne à autoria de tais factos, em sede de julgamento o ofendido descreveu as pessoas que o tinham abordado (duas pessoas, uma das quais se afastou e já não participou no que se seguiu) em moldes compatíveis com as fisionomias e estaturas dos arguidos, sendo que então, através de meios de comunicação à distância (webex) os arguidos foram colocados por forma a serem vistos pelo ofendido, o qual admitiu que fossem aqueles os dois indivíduos em questão. A isto acresce a circunstância de o ofendido ter descrito a navalha com que foi atingido como sendo “romba” ou pouco afiada, o que se mostra compatível com a navalha constante do fotograma 4 de fls. 26, a qual se encontrava na posse do arguido DD. Do que se acaba de dizer não se extrai, sem mais, que o autor dos aludidos factos tenha sido o arguido DD. Porém, na mesma noite em que o ofendido MM foi assaltado, cerca das 03:10 horas da madrugada (como resulta do teor do auto de denúncia de fls. 2 do NUIPC 48/23.7PCLSB), o arguido DD foi detido no âmbito de uma outra ocorrência, pelas 06:45 horas (cfr. auto de notícia a fls. 2 do processo principal), sendo que nessa ocasião o arguido tinha em seu poder o telemóvel e o cartão bancário que haviam sido subtraídos ao ofendido MM poucas horas antes, não se vislumbrando nenhuma explicação (nem tão pouco o arguido a tentou dar) para esta coincidência que não seja, como nos parece óbvio, a de que foi o arguido DD o autor dos factos descritos nos pontos 1 a 6 dos factos provados.
(…)».
É um facto que a testemunha MM, cujo depoimento denotou um extremo rigor e cuidado, não reconheceu cabalmente os arguidos na imagem que lhe foi exibida por meios de comunicação à distância, mas também não afastou, antes admitindo poder tratar-se dos mesmos, referindo inclusivamente achar que um deles havia deixado crescer a barba; além disso, realizou uma descrição bastante detalhada acerca da estatura, aspeto físico e idade provável de cada um dos indivíduos que participaram na situação que o vitimou, que o Coletivo de juízes em primeira instância, segundo um princípio de imediação, fez corresponder à pessoa dos arguidos - um mais jovem e outro mais velho, ambos “magricelas” e com ar pouco cuidado, barba por fazer, roupa desportiva, mais baixos que o próprio (que disse ter 1,85m).
Mas esta não é a única prova que compromete o recorrente DD.
Como se diz no acórdão recorrido, ainda na madrugada em que tudo aconteceu, pelas 6:45h, ou seja, pouco mais de 3 horas após o roubo perpetrado sobre MM, DD era detido por suspeitas de mais um roubo e tentativa de roubo, na posse do telemóvel e do cartão subtraídos a EE, os quais lhe foram apreendidos, sem que para tanto apresentasse qualquer explicação – cfr. o auto de notícia por detenção, a fls. 2 e sgs. e autos de apreensão de fls. 18 e 19.
EE diria no seu depoimento que a PSP o tinha ido buscar pelas 10h da manhã para ir à Esquadra, onde os mesmos objetos foram reconhecidos e lhe foram devolvidos.
Ora, além do curtíssimo espaço de tempo que medeia entre um e outro acontecimento, temos que considerar a proximidade geográfica em que se sucedem – ... e ..., a cerca de 1km de distância, que se pode percorrer em menos de 20 minutos a pé.[14]
Temos assim um conjunto de indícios precisos, que se mostram plenamente provados por meio de prova direta, não se tratando, pois, de meras conjeturas ou suspeitas; os quais, não sendo por si próprios, separadamente, suficientes para provar plenamente a autoria dos factos, conjugados entre si, pela sua gravidade e concordância permitem alcançar essa prova; acresce ainda que, encontrando-se estes indícios interligados com o facto nuclear carecido de prova – autoria dos factos -, não perdem força pela presença de quaisquer contraindícios suscetíveis de neutralizar a sua eficácia probatória.
Em suma: os vários indícios, «concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória» porquanto excluem qualquer hipótese favorável ao arguido DD.
Neste contexto, o facto de o ofendido EE não ter conseguido com segurança reconhecer na pessoa dos arguidos, vistos através de imagem transmitida em WEBEX, aquele que lhe subtraiu o telemóvel e o cartão de crédito, ficando o outro mais adiante, admitindo que pudessem ser eles (o que não foi escamoteado na decisão recorrida), não impunha, pois, qualquer outra decisão, nos termos requeridos pelo disposto no art. 412º/3 do Código de Processo Penal.
Já no que diz respeito ao valor do telemóvel subtraído, escutado o depoimento prestado pelo ofendido MM, resulta de facto claro que lhe atribuiu o valor de €100,00, inicialmente parecendo reportar-se ao momento do depoimento – 27/09/2023 -, mas que reiterou quando solicitado a avaliar o seu telemóvel à data da prática dos factos – 08/01/2023.
Somente quando questionado acerca do valor do telemóvel na compra, referiu tê-lo comprado há 6 anos atrás, dando de entrada um valor de cerca de 240€, e pagando o restante a prestações, num total de 500€/600€/700€.
Ora, como é evidente, e resulta de um princípio básico de legalidade, com consagração nos arts. 29º/1 da Constituição da República Portuguesa e 1º do Código Penal, assim como das regras relativas às definições legais de valor diminuto, valor elevado ou valor consideravelmente elevado, previstas no art. 202º/a), b) e c), do Código Penal, o valor a considerar para este efeito há de ser o valor venal ou de mercado que o bem tinha à data da prática dos factos,[15] o qual tem como reverso o prejuízo correspondentemente ocasionado ao desapossado ou desapropriado nos crimes patrimoniais.
E na ausência de uma perícia que aponte para qual seja esse valor no caso do telemóvel subtraído, resta-nos aquele que foi o indicado pelo ofendido, de 100€ (cem euros), que não temos razões para pôr em causa, dada a forma objetiva e isenta como testemunhou (sendo que o recuperou logo em seguida), reiterando o declarado mesmo depois de questionado expressamente quanto ao valor do dispositivo à data dos factos, valor esse que assoma ainda consentâneo com as regras da experiência.
Deverá, pois, ser este o valor a considerar como valor do bem subtraído à data da prática dos factos, ou seja, de 100€, alterando-se em conformidade o ponto 4) dos factos provados, assistindo aqui razão ao recorrente DD, com procedência parcial do recurso.
*
Quanto à parte do corpo atingida pelo golpe de navalha, MM foi muito claro ter sido atingido no indicador esquerdo.
Não existe o auto de notícia referido no recurso, tendo sido lavrado antes auto de denúncia, do qual nada se fez constar a este propósito; é apenas no auto de inquirição de testemunha da PSP, que surge mencionado o golpe de faca, já então, no indicador da mão esquerda (fls. 6 do apenso respetivo).
Do que se extrai haver-se incorrido na acusação em lapso manifesto, o qual seria corrigido, com oportuna comunicação à defesa da correspondente alteração para efeitos do exercício do contraditório nos termos do art. 358º/1 do Código de Processo Penal.
Ora, este é o mecanismo que permite precisamente introduzir no elenco de factos definidores do objeto do processo que se encontram descritos na acusação, outros que não configurem alteração substancial dos primitivos, com o sentido fornecido pelo disposto no art. 1º/f) do Código de Processo Penal.
O que ocorreu in casu.
Assim, confrontado o Tribunal a quo com evidências resultantes da prova produzida em juízo, com imediação e contraditório, de que a menção na acusação do “indicador da mão direita” como sendo o afetado pela atuação criminosa se mostrava inexata, pois que a mesma apontava sem margem para dúvidas para que teria sido atingido antes o “indicador da mão esquerda”, tratou corrigir essa inexatidão, medianye prévio exercício de contraditório por parte da defesa.
Nada, pois, a apontar neste particular.
*
No que concerne à situação respeitante ao NUIPC 25/23.8PALSB.L1, que teve como ofendido BB, expendeu o Tribunal recorrido o seguinte para fundamentar a sua convicção:
«(…)
As circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido BB foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°).
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação dos sujeitos que o abordaram, sendo que um lhe exigiu dinheiro e o outro fez um gesto revelador da posse de arma branca, tendo o ofendido conseguido fugir e encontrou agentes policiais a quem relatou o sucedido e que de imediato seguiram com o ofendido à procura dos assaltantes, no que é corroborado com o teor do auto de notícia onde se relata isso mesmo, sendo que os indivíduos que foram interceptados nessa sequência eram os mesmos que haviam abordado este ofendido, dúvidas não restando quanto à autoria de tais factos, o que aliás foi confirmado pelo ofendido em julgamento, declarações que são perfeitamente lícitas no âmbito da prova testemunhal e podem ser valoradas ao abrigo do disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal - o que nem seria necessário face ao que acabou de se referir.».
Os recorrentes põem em causa a credibilidade da testemunha BB pelo facto de estar o mesmo convencido terem os factos ocorrido no verão do ano anterior, quando tinham ocorrido em janeiro desse ano.
Escutado o depoimento na sua totalidade, verificamos que efetivamente a testemunha ficou em dúvida quanto à exata época do ano em que ocorreram os factos, parecendo mesmo convencida de tudo ter acontecido no verão; apoiava-se na circunstância de na ocasião estar a usar apenas uma T-Shirt e ser de madrugada.
No entanto, e para além de, como sabemos, as temperaturas hoje em dia não permitirem situarmo-nos temporalmente nas estações do ano, já não sendo garantia de frio o facto de estarmos nos primeiros dias de janeiro,[16] o depoimento subsequente de BB, no confronto com o auto de notícia por detenção já referido, pelo detalhe e forma incisiva e objetiva como foi produzido, não deixou qualquer margem para dúvida de que o mesmo apenas se equivocou quanto à data dos factos, tendo de resto admitido que a data fosse a que constava daquele documento.
Não pode, por isso, extrair-se da incerteza revelada acerca da data exata da ocorrência dos factos qualquer consequência para a credibilidade deste testemunho.
*
Mas insurgem-se ainda os recorrentes pelo facto de ser dado como provado que tivessem recorrido a navalhas na situação ocorrida com BB.
Referem que no seu depoimento BB nega ter visto alguma navalha.
E, de facto, feita a escuta integral desse depoimento, assim é.
Vejamos melhor.
Foi efetivamente dado como provado em 12) que, nas circunstâncias de tempo e espaço aí descritas, AA empunhou a navalha de abertura automática de que era portador ao mesmo tempo que exigia dinheiro a BB.
Ora, como resulta da passagem do depoimento de BB a este propósito, transcrita nos recursos, na realidade a testemunha disse categoricamente não ter avistado a faca, e acrescentou até não ter qualquer dos arguidos «empunhado visivelmente a arma»; de facto a testemunha esclarece de forma muito segura que, o que sucedeu foi que depois de DD lhe ter ordenado que lhe desse moedas, tendo-lhe respondido que não trazia dinheiro consigo, mas apenas a chave do carro, sendo-lhe retorquido: «então dás-nos boleia», AA [que reconheceu na audiência de julgamento] pôs a mão no bolso, deduzindo pelo contexto em que tudo se estava a passar – de madrugada, em sítio onde não passava mais ninguém e depois de lhe ter sido dada ordem para entregar as moedas e depois dar-lhes boleia - que lá traria uma arma (não seria para me dar um cigarro nem um rebuçado - sic), com a qual o poderia atingir, tendo-se sentido ameaçado e, por isso, encetado fuga.
De resto, na motivação da matéria de facto é-se fiel ao assim declarado quando se escreve: «o ofendido relatou o modo de actuação dos sujeitos que o abordaram, sendo que um lhe exigiu dinheiro e o outro fez um gesto revelador da posse de arma branca, tendo o ofendido conseguido fugir»; o que inexplicavelmente não se fez refletir na matéria de facto dada como provada e não provada.
Certo é que, muito embora não fosse visível para BB, AA traria efetivamente consigo a navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, que lhe viria a ser apreendida momentos depois – facto sob o ponto 23).
Na ausência de qualquer outro elemento de prova que contrarie o que decorre do depoimento do ofendido BB, que o Tribunal a quo valorou como credível e serviu de base à sua motivação, não poderia, pois, ter-se dado como provado que AA empunhou a navalha que lhe foi apreendida na direção daquele, facto que o próprio BB negou expressamente.
De resto, desse mesmo depoimento, como vimos na análise acabada de fazer, não resulta a exata dinâmica subsequentemente descrita em 13) e 14).
Assim, atentando no depoimento de BB, cuja credibilidade não temos razões para questionar, sendo a sua versão invocada pela defesa no recurso, tornando, assim, desnecessária a sua comunicação nos termos do art. 358º/2 do Código de Processo Penal, resulta apenas provado que:
«(…)
12) Como este respondesse não ter consigo dinheiro, AA, que trazia consigo uma navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, levou a mão ao bolso das calças.
13) [não provado]
14) Nessa ocasião, o ofendido receando ser atingido pela arma que suspeitava ter o arguido AA guardada no bolso das calças, colocou-se em fuga e foi alertar a polícia.
(…)».
Resulta, assim, não provado que AA tenha empunhado a navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina na sua direção, apesar de a ter consigo, e que de seguida tenha exigido a BB a entrega de todo o dinheiro que tinha consigo, e ainda que este, após lhes mostrar os bolsos, tenha tornado a dizer não ter dinheiro com ele.
Os recursos serão, pois, nesta parte, parcialmente procedentes, decorrendo dessa parcial procedência, não, como pretendido, a não prova dos factos em causa, mas a alteração da respetiva matéria de facto provada em conformidade com a prova efetivamente produzida.
*
Por último, no que respeita à situação investigada sob este mesmo NUIPC 25/23.8PALSB.L1, que teve como ofendido CC, expendeu o Tribunal recorrido o seguinte para fundamentar a sua convicção:
«(…)
Por fim, as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos acontecimentos respeitantes ao ofendido CC foram assim consideradas no essencial pelo depoimento do ofendido, conjugado com o teor do auto de notícia dos autos principais (fls. 2-3v°).
Com efeito, o ofendido relatou o modo de actuação das pessoas que o abordaram, um dos quais tinha uma navalha e desferiu-lhe um golpe na coxa da perna direita, enquanto o outro o revistou e lhe retirou o cartão do passe “Lisboa Viva”, sendo que nesse momento surgiu o veículo da polícia e os tais indivíduos foram detidos de imediato, no que é corroborado pelo teor do auto de notícia onde se relata isso mesmo, sendo que os indivíduos que foram detidos nessa sequência eram os mesmos que tinham acabado de abordar este ofendido, dúvidas não restando quanto à autoria de tais factos, o que aliás foi confirmado pelo ofendido em julgamento, declarações que são perfeitamente lícitas no âmbito da prova testemunhal e podem ser valoradas ao abrigo do disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal - o que nem seria necessário face ao que acabou de se referir.
(…)»
Pretende a defesa mais uma vez pôr em causa a credibilidade deste testemunho por não se recordar o ofendido do exato local onde alegadamente ocorreram os factos, e não conseguir identificar qual dos dois arguidos usou a navalha para o ferir.
Ora, com todo o respeito, do excerto extratado no recurso decorre que CC, socorrendo-se da sua memória, situou os factos numa paragem de autocarro na zona do Bairro Alto (onde teria estado numa discoteca).
De resto, as imprecisões relativas à exata localização que podem dever-se inclusivamente ao facto de se tratar de cidadão brasileiro, com menor conhecimento da nomenclatura corrente dada a cada zona da cidade, em nada interferem com a credibilidade que merece o seu depoimento; credibilidade que resulta, ao invés, reforçada pelo facto de haver-se escusado a tentar “acertar” na identificação de qual dos dois arguidos o ferira com uma navalha na perna.
Certo é que CC se encontrava no local indicado na acusação, na data, hora e circunstâncias também ali indicadas, conforme auto de notícia por detenção, de fls. 2 e sgs., no qual é feita descrição dos factos presenciados pelo agente autuante nos seguintes termos:
«(…)
deparamo-nos com dois indivíduos que correspondiam à descrição dos suspeitos dada pela testemunha [BB], no momento encontravam-se a abordar outro indivíduo, que se encontrava na paragem de autocarro aperceberam-se da nossa carrinha, tentando encetar fuga de forma dissimulada e em ato continuo o Sr. DD jogou fora o passe navegante que havia antes retirado à vítima, sendo recuperado naquele momento, assim como visualizei a vítima o Sr. CC a agarrar-se à sua perna esquerda, informando de imediato que teria sido roubado e esfaqueado na sua perna pelo Sr. DD, tendo sido utilizado a navalha (identificada como arma utilizada), sendo furtado o seu passe da carris.
Perante os factos, os suspeitos foram abordados e revistado no local, tendo sido encontrado na posse do Sr. DD a navalha de cor cinza de tamanho 16.8cm com uma lâmina de tamanho 7cm, arma esta utilizada no roubo e esfaqueamento do Sr. CC (…)».
Note-se que BB testemunhou igualmente esta detenção dos arguidos, porquanto, segundo declarou, se encontrava dentro da respetiva viatura (que disse ser da Brigada Rápida de Intervenção – BIR) na tentativa de localizar os indivíduos que momentos antes o tinham abordado, encontrando-os em plena abordagem a CC.
Em reforço, importa atentar que este derradeiro episódio viria a ter lugar na sequência de dois outros protagonizados exatamente por estes arguidos nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, mormente o que teve como ofendido MM, no qual o modus operandi adotado foi idêntico – uso da navalha para desferir pequenos golpes.
E muito embora em julgamento CC se tenha de facto manifestado incapaz de recordar qual dos dois arguidos tinha usado a navalha para o ferimento, mais uma vez revelador da isenção com que depôs, a matéria de facto provada reflete adequadamente o seu relato, não identificando qual dos arguidos fez o quê – cfr. factos provados em 18) e 20) -, sem embargo da sua atuação concertada, em vista da prossecução de uma mesma resolução, substanciadoras da comparticipação criminosa pela qual seriam condenados.
Como é básico e resulta expressamente do disposto no art. 26º do Código Penal, é punível como autor, não apenas aquele que executa o facto por si mesmo, mas também o que executa por intermédio de outrem, ou que toma parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro.
A coautoria apresenta, assim, como elementos integrantes:
- um acordo, expresso ou tácito para a realização conjunta de uma ação criminosa;
- intervenção direta na fase executiva do crime;
- repartição de tarefas ou papéis entre cada comparticipante;
- domínio funcional do facto, traduzido na possibilidade de exercer o domínio positivo do facto típico e de impedir ou abortar esse resultado.[17]
Assim, se no plano subjetivo o coautor terá que ter a consciência da cooperação na ação comum, no plano objetivo, torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os atos que integram o iter criminis; basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de atividade na dos restantes coautores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito; daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de atividade dos restantes, como se se tratasse de ação própria.[18]
Pelo que, o não se ter apurado qual dos dois arguidos agrediu o ofendido com uma navalha e qual deles revistou os bolsos do ofendido nessa sequência, tendo por assente que foi um dos dois que praticou um ato e o outro praticou o outro, assoma neste quadro irrelevante para a imputação a ambos da comparticipação criminosa.
Ponto é que resulte provado, como resultou, que atuaram em concertação um com o outro, cientes da cooperação nessa ação comum, na prossecução de uma resolução conjunta de se apropriarem através do recurso a violência dos bens de que o ofendido fosse portador, que qualquer deles podia a todo o tempo interromper.
Não pode ademais ignorar-se que ocorreu um verdadeiro flagrante delito nos termos definidos no art. 256º do Código de Processo Penal, com os agentes da polícia, acompanhados da testemunha BB, a visualizarem e interromperem a abordagem que os arguidos faziam a CC (como este também confirmou), encontrando na posse de DD a navalha utilizada na agressão que lhe estava a ser dirigida e visualizando este arguido a atirar para o chão o passe navegante que tinha acabado de lhe subtrair.
É certo que também aqui ocorre discrepância quanto à perna onde CC terá sido atingido com a faca, pois que, efetivamente, vinha indicada a perna esquerda no auto de notícia e na acusação, vindo a testemunha a indicar a perna direita no seu depoimento em juízo; não foi igualmente realizado exame médico-legal para constatar o ferimento resultante da atuação do arguido DD.
Tal discrepância e falta de exame médico-legal, não têm, porém, como consequência a não prova do facto por contradição inultrapassável entre os factos da acusação e a prova produzida em julgamento, conforme se argumenta nos recursos, porventura numa tentativa de convocar de forma imprópria o disposto no art. 410º/2,b) do Código de Processo Penal (que respeita à contradição insanável dentro da própria decisão recorrida); tão pouco tem a virtualidade de descredibilizar o respetivo depoimento.
Da prova indicada e produzida em julgamento, que vimos, de resto, de analisar, resulta, pois, demonstrado para além de toda a dúvida razoável que CC foi abordado pelos aqui arguidos nas circunstâncias descritas na acusação, tendo um deles produzido com a navalha que trazia consigo um golpe na perna daquele, que seria então a direita, e não a esquerda, como incorretamente ficaria descrito na acusação.
Como já referido supra, trata-se de incorreção oportunamente corrigida mediante comunicação de alteração dos factos descritos na acusação, a qual em nada afeta a credibilidade da testemunha; de resto, o mecanismo previsto no art. 358º/1 do Código de Processo Penal tem precisamente como finalidade permitir que, dentro dos limites do objeto do processo, se ajustem os factos à prova produzida em julgamento, sujeita à imediação, em homenagem à descoberta da verdade material, e em detrimento de uma Justiça formal.
Nada, pois, a apontar neste particular, improcedendo nesta parte a impugnação feita nos recursos.
*
Uma nota apenas para o facto de a prova produzida em julgamento não ter contemplado a inquirição dos agentes policiais envolvidos nas operações de detenção e registo das participações criminais em questão, omissão que nos recursos se invoca para arguir a fragilidade da prova incriminatória dos arguidos.
É certo, concedemos, que em casos como o vertente, em que os agentes da polícia terão presenciado parte dos factos, concretamente aqueles que dizem respeito ao flagrante delito que levaria à detenção dos arguidos, a sua inquirição em julgamento, poderia, em situação de dúvida, auxiliar no esclarecimento de algumas particularidades.
Todavia, e confrontando-se com essa necessidade de esclarecimentos, sempre assistiria ao coletivo de Juízes em primeira instância a faculdade de os chamar a depor em ordem à descoberta da verdade e boa decisão da causam, nos termos do preceituado no art. 340º/1 do Código de Processo Penal.
No caso, o Tribunal recorrido ateve-se ao conteúdo dos autos de notícia por detenção, de denúncia e de apreensão lavrados no processo, documentos cuja autenticidade e veracidade nunca foi questionada.
Na verdade, tais autos, assinados pelos agentes da autoridade que os lavrou, nos termos do disposto nos art. 243º/1 e 2 do Código de Processo Penal, possuem o valor de documento autêntico,[19] nos termos da previsão do art. 363º/2 do Código Civil, com valor probatório em processo penal definido nos termos do art. 169º do Código de Processo Penal.
Nessa medida, tem força probatória plena o auto de notícia elaborado por um agente de autoridade que tenha presenciado a infração e a tenha descrito no auto; e ainda que esse agente não tenha presenciado a infração, esse auto não deixa de ter a mesma força probatória quanto aos factos diretamente percecionados pelo mesmo agente, nomeadamente quando chamado ao local de crime acabado de cometer, tendo que adotar providências cautelares e medidas de polícia tendentes à detenção do suspeito e preservação da prova, como é o caso das revistas e apreensões de bens – arts. 249º e 251º, do Código de Processo Penal.
Contam-se ainda entre esses factos diretamente percecionados, no caso dos autos de participação ou denúncia, a data dessa participação/denúncia, a identificação da pessoa que participou e que tenha sido no ato verificada, e do evento que foi comunicado, elementos que podem e devem ser concatenados com a demais prova produzida, no sentido de permitir completar a avaliação da prova por parte do Tribunal de julgamento.[20]
Ponto é que estes autos e respetivo conteúdo, sem prejuízo da possibilidade de impugnação da sua autenticidade e veracidade, sejam sujeitos ao contraditório, como expressamente decorre das normas inscritas na lei ordinária, sob os arts. 165º/2, 327º/2 e 355º/2, do Código de Processo Penal.
O que manifestamente ocorreu no caso em apreço.
*
Resumindo e concluindo:
Ao contrário do que a defesa alega nos recursos, a prova não se reduz aos depoimentos dos ofendidos, isto porque há nos autos outros elementos de prova direta e positiva, como é o caso dos autos de notícia por detenção, de denúncia e de apreensão de objetos, que conjugados com tais testemunhos, lhes conferem suporte e consistência, não se vendo, de resto, qualquer razão objetiva para não lhes conferir inteira credibilidade, nomeadamente quanto às agressões físicas com navalha reportadas pelos ofendidos MM e CC, em conformidade com o que havia sido exarado na participação criminal respetiva, pesem embora as inexatidões quanto ao membro (direito/esquerdo) atingido, devidamente corrigidas pelo Tribunal do julgamento, com observância do contraditório nos termos previstos no art. 358º/1 do Código de Processo Penal.
Nenhuma dúvida se suscita, pois, quanto à comparticipação criminosa dos recorrentes, sob a forma de coautoria, na factualidade dada como provada.
Não obstante, tendo por base aqueles mesmos elementos de prova, que foram os considerados pelo Tribunal recorrido, verificamos que assiste razão aos recorrentes quanto à impugnação dos factos dados como provados sob os pontos 4) e 12), com reflexos nos provados em 13) e 14), porquanto dessa prova, em especial do depoimento prestado pelos ofendidos, resulta que o valor do telemóvel subtraído ao ofendido MM era à data dos factos de 100€, e não de 600€ - 4) -, e resulta ainda que na situação que vitimou BB, o arguido AA não empunhou a navalha que trazia consigo na direção daquele, antes se limitou a fazer o gesto de meter a mão ao bolso das calças em seguida à resposta negativa dada por BB à ordem para que lhes entregasse dinheiro, desse modo fazendo o ofendido suspeitar de que traria consigo uma arma, a qual estaria disposto a usar, levando-o a fugir do local e buscar auxílio junto da polícia.
Nestes termos e do disposto no art. 431º/b) do Código de Processo Penal, mantendo-se no mais a decisão recorrida quanto aos factos, porque a prova indicada no recurso impõe decisão diversa quanto aos pontos 4), 12), 13) e 14), procede-se à alteração da matéria de facto provada sob os mesmos nos seguintes termos:
«(…)
4) Receoso por poder ser de novo golpeado pela navalha, o ofendido entregou ao arguido DD o telemóvel de marca Huawei, modelo “P30”, com o IMEI ..., no valor aproximado de € 100,00 (cem euros), bem como o cartão de crédito “MLP”, emitido a seu favor.
(…)
12) Como este respondesse não ter consigo dinheiro, o arguido AA, que trazia consigo uma navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, levou a mão ao bolso das calças.
13) [não provado]
14) Nessa ocasião, o ofendido receando ser atingido pela arma que suspeitava ter o arguido AA guardada no bolso das calças, colocou-se em fuga e foi alertar a polícia.
(…)» (alterações a negrito).
*
1. DA (ALEGADA) AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA – O CRIME DE FURTO
Os recorrentes alegam que não se demonstra comprovado que exerceram algum tipo de violência sobre os ofendidos, pelo que, a serem condenados pelos factos em causa, atenta a prova produzida, apenas o poderiam ser a título do ilícito previsto e punido pelo art. 203°, do Código Penal.
Invocam a este propósito erro notório na apreciação da prova em particular na situação que vitimou BB, por não ter sido empunhado contra ele uma navalha, como havia sido dado como provado.
Pois bem.
Como já referido supra, os recorrentes parecem deste modo confundir factos com Direito.
Como decorre do que acaba de se expor, sem o considerar como erro notório na apreciação da prova, conferiu-se razão parcial ao recurso quanto à questão da exibição da navalha em sede de impugnação ampla da matéria de facto provada, alterando-se, porém, esse facto em conformidade com a prova produzida.
Dessa alteração, como veremos infra, não resulta, porém, afastada a violência e, concretamente, o recurso a um dos meios previstos no tipo legal de crime de roubo, previsto pelo art. 210º/1 do Código Penal, e, portanto, a sua configuração como tal.
Tratar-se-á, pois, de questão de Direito determinar das consequências dessa e demais alterações introduzidas nos factos provados para efeitos da sua integração jurídico-penal, o que faremos em seguida, em item próprio.
No mais, manteve-se a matéria de facto provada, concretamente sob os pontos 2), 3) e 18), substanciadora do recurso à violência como meio destinado a constranger os ofendidos a entregar-lhes os valores que traziam consigo, concretamente mediante uso de uma faca para desferir golpes no corpo dos ofendidos, conduta esta, como assoma evidente, integradora do tipo legal de crime de roubo previsto pelo art. 210º/1 do Código Penal; os recursos nada aduzem em contrário além daquela afirmação genérica de que não se demonstrou o exercício de algum tipo de violência sobre os ofendidos, o que, como se viu, não se confirma.
De resto, devendo o conceito legal de «violência contra uma pessoa» neste contexto considerar-se integrado pela intromissão, ainda que indireta, no corpo de uma pessoa, com intensidade suficiente para quebrar ou impedir a sua resistência, mesmo que não provoque lesões[21], dúvidas não subsistem que golpear alguém com uma navalha num dedo indicador ou numa perna, constituem formas de exercício de violência sobre essa pessoa, com suficiente intensidade para vergar a vontade de resistência dos ofendidos, como sucedeu nos casos de MM e de CC; assim como a ameaça de uso de uma arma na situação que envolveu BB, se insere num quadro de exercício de violência, visando idêntico efeito de vencer a resistência do ofendido que, tendo tido possibilidade, optaria por fugir do local.
Em face do exposto e dos factos que ficam provados, é manifesto não resultar afastada a violência típica do roubo, importando apenas extrair das alterações que ora se introduziram, as devidas consequências ao nível da sua integração jurídico-penal.
3. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Importa, então, extrair as consequências de Direito das alterações introduzidas nos factos provados, as quais se reportam às situações que vitimaram os ofendidos MM (NUIPC 48/23.7PCLSB) e BB (NUIPC 25/23.8PALSB.L1).
1. DA INTEGRAÇÃO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
1. Ofendido MM - NUIPC 48/23.7PCLSB
Em relação a esta situação, pela qual responde apenas o arguido DD, e cujos factos provados são os descritos de 1) a 9), o Tribunal recorrido condenou-o pela prática em autoria, de um crime de roubo qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f), ambos do Código Penal, na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão.
Após excurso teórico acerca das normas penais aplicáveis, conclui-se na decisão recorrida que:
«(…)
Na primeira situação (ofendido MM), ficou demonstrado que o ofendido foi desapossado do seu telemóvel no valor de € 600,00 bem como de um cartão bancário, contra a sua vontade. Mais se demonstrou que foi o arguido DD o autor desses factos, tendo exercido violência sobre o ofendido através de ameaça com perigo iminente de ofensa à integridade física do ofendido (com o uso da faca), chegando até ao ponto de desferir um golpe na mão do ofendido, assim o impedindo de reagir e se defender.
O arguido DD agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei, querendo e conseguindo subtrair tais objectos por recurso à violência e com o uso de uma arma, dúvidas não havendo de que agiu com dolo (directo).
Deste modo, mostram-se preenchidos todos os elementos, objectivo e subjectivo, do tipo de crime de roubo qualificado pelo qual o arguido DD vinha acusado, pelo que, não se vislumbrando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, será o arguido condenado pelo mesmo.
(…)».
Ora, atenta a alteração do valor do telemóvel subtraído, de 600€, para 100€, não tendo sido atribuído qualquer valor ao cartão de crédito também subtraído, e porque assim o determina o disposto no nº 4 do art. 204º do Código Penal, por remissão da parte final da alínea b), nº 2, do art. 210º do Código Penal, considerando ser o mesmo inferior a 102€, valor da Unidade de Conta à data dos factos [22], e portanto de diminuto valor para efeitos do disposto no art. 202º/c) do Código Penal, não há lugar à qualificação do roubo, que passará a ser simples e portanto, punido com uma pena de 1 a 8 anos, em vez de uma pena de 3 a 15 anos.
*
3.1.2 Ofendido BB – NUIPC 25/23.8PALSB
Em relação a esta situação, com os factos provados descritos de 10) a 16), o Tribunal recorrido condenou os arguidos AA e DD pela prática em coautoria material de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com os arts. 22°, 23°, 26° e 73°, todos do Código Penal, sendo o primeiro, como reincidente, na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão, e o segundo na pena parcelar de 2 anos de prisão.
Expende-se o seguinte no acórdão recorrido quanto ao tratamento jurídico-penal desta situação:
«(…)
Na segunda situação (ofendido BB), ficou demonstrado que os arguidos AA e DD abordaram o ofendido, pedindo-lhe dinheiro e mostrando-lhe uma faca por forma a causar receio no ofendido através de ameaça com perigo iminente de ofensa à sua integridade física (com o uso da faca), sendo que o ofendido não chegou a ser desapossado de qualquer bem contra a sua vontade pois que conseguiu colocar-se em fuga, pese embora o receio que sentiu. Mais se demonstrou que os arguidos AA e DD agiram de comum acordo, um brandindo a faca e o outro exortando o ofendido a entregar o dinheiro de que dispusesse, ambos agindo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, só não logrando alcançar os seus intentos por motivo alheio às suas vontades, dúvidas não havendo de que agiram com dolo (directo).
Deste modo, mostram-se preenchidos todos os elementos, objectivo e subjectivo, do tipo de crime de roubo qualificado pelo uso da arma, na forma tentada, praticado em co-autoria; porém, não se tendo provado que o ofendido tivesse em seu poder bens de valor igual ou superior a € 102,00, há lugar à desqualificação do roubo (tentado) por aplicação do disposto no artigo 204°, n° 4, ex vi artigo 210°, n° 2, alínea b), in fine, ambos do Código Penal, pelo que, não se vislumbrando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, serão os arguidos condenados, em co-autoria, pelo crime de roubo (simples) na forma tentada pelo qual vieram acusados.
(…)».
Como decorre desta fundamentação, pressupôs-se na decisão recorrida que o arguido AA exibiu ao ofendido uma navalha por forma a causar-lhe receio através de ameaça com perigo iminente de ofensa à sua integridade física, com o uso da faca.
O que, conforme resulta da decisão precedente quanto à impugnação da matéria de facto, não se confirmou nesta sede recursiva.
Todavia, ficou provado que na situação em causa o arguido AA trazia consigo uma navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, e que levou a mão ao bolso, fazendo o ofendido recear que viesse a usar uma arma que aí tivesse guardada, pondo-se em fuga, indo em busca de auxílio.
Nos termos do disposto no art. 210º/1 do Código Penal «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos». (negrito nosso)
Como se diz no acórdão do STJ de 05/11/2003[23], «[C]onstranger é, coagir, obrigar, pressionar, afectando a liberdade pessoal do coagido; para fins de preenchimento do tipo legal, o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de "facere" no caso de entrega coisa móvel ou "non facere ", no caso de subtracção da mesma, sujeitando-se o coagido, neste caso, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro, por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP.: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir.».
Entre o conseguir apoderar-se de coisa móvel alheia e os meios empregues tem, pois, de se verificar um nexo de imputação, o qual, estando em causa uma tentativa, se traduzirá na idoneidade desses meios para, em abstrato, alcançar esse resultado típico, como prescrito pelo disposto no art. 22º/2,b) do Código Penal.
Conforme já supra referido, a violência empregue pode ser física ou psicológica, desde que seja suficiente, do ponto de vista do homem médio, para determinar a vontade do ofendido à entrega da coisa e superar a sua resistência ou oposição.
Assim, pode não chegar sequer a registar-se contacto físico entre o agente e a vítima, e a ameaça não tem que ser expressa, podendo ser velada, decorrendo, por exemplo, da adoção de um gesto do qual resulte de forma inequívoca poder fazer-se uso de uma arma como forma de vergar a resistência da pessoa visada. [24]
O exercício do constrangimento pode, assim, assumir as mais diversas formas, bastando a utilização de um meio, objetiva e abstratamente idóneo a configurar uma forma de violência sobre a vítima ou a colocá-la na impossibilidade de resistir.[25]
Por outro lado, o porte de arma pelo agressor torna mais vulnerável a vítima à apropriação violenta; com efeito, se o agente traz a arma oculta, a todo o tempo pode usá-la e só essa hipótese é suficiente para constranger ao desapossamento da coisa móvel, pela ameaça que representa à sua integridade física, enfraquecendo a vítima na sua resistência física e psíquica.
Ora, no caso em apreço, temos uma abordagem de madrugada feita pelos dois arguidos em conjunto ao ofendido BB, exigindo-lhe dinheiro, que o mesmo não tinha, verbalizando-o logo; na sequência do que, AA leva a mão ao bolso, o que foi entendido por BB como ameaça do uso de uma arma para o fazer ceder àquela exigência de dinheiro, arma de que AA era efetivamente portador, de resto, tal como era DD, levando-o a pôr-se em fuga em busca de auxílio.
Não pode ainda olvidar-se todo o contexto desta atuação dos arguidos, pois que e logo em seguida, viriam ambos a protagonizar novo roubo nas proximidades do local onde se haviam defrontado com BB, desta feita contra CC, golpeando este numa perna com uma navalha, e antes havia já DD protagonizado e consumado o roubo do telemóvel e cartão de crédito de MM, para o que desferira golpes de navalha no respetivo dedo indicador.
O que permite concluir para além de qualquer dúvida razoável que a abordagem feita a BB pelos arguidos, exigindo-lhe a entrega de dinheiro e levando um deles a mão ao bolso das calças ante uma resposta negativa, tinha como objetivo constrangê-lo a entregar os valores que trouxesse consigo, fazendo-o crer, através daquele gesto, que traziam consigo uma arma – como efetivamente traziam - e estavam dispostos a usá-la para alcançar aquele seu desiderato, que apenas não alcançaram por razões alheias à sua vontade – a reação de fuga do ofendido, que encontraria amparo na força policial que se encontraria ali perto.
Foram, assim, praticados atos de execução do crime de roubo, os quais, segundo as regras da experiência comum, eram de natureza a fazer esperar que se lhes seguissem outros destinados à consumação desse mesmo ilícito – art. 22º do Código Penal.
Como assim, e em face de tudo o exposto, pese embora a alteração introduzida à matéria de facto provada inscritas sob os pontos 12), 13) e 14), e sem prejuízo das consequências a extrair na determinação da medida concreta da pena, mantém-se a integração jurídico-penal da conduta dos arguidos, como crime de roubo sob a forma tentada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 22º, 23º, 73º e 210º/1, do Código Penal.
2. DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS
3.2.1 Finalidades e critérios da escolha e determinação da medida das penas
Como decorre do disposto no art. 40º/1 e 2, do Código Penal, «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.», sendo que, «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.».
O que se compreende, porquanto, exprimindo a culpa a responsabilidade individual do agente, constitui o fundamento ético da pena.
A proteção dos bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, ou seja, na utilização da pena como instrumento para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas que regulam a vida em sociedade, as quais se fundam na tutela de bens jurídicos que lhe são essenciais, compondo o ordenamento jurídico-penal.
Na vertente da prevenção geral positiva ou de integração, atender-se-á, assim, sobretudo ao sentimento geral que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o mesmo ocorre, assim como o alarme e intranquilidade pública gerados; sob o prisma da prevenção geral negativa, acomoda-se o efeito colateral da aplicação das penas, de intimidação da generalidade das pessoas, demovendo-as do ataque aos bens jurídicos protegidos com a norma violada.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno à comunidade afetada pela conduta, reconduz-se à chamada prevenção especial, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes; visa-se deste modo a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa), atendendo-se a diversas variáveis como por exemplo a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente.
Em sintonia com o preceituado no art. 40º, dispõe o art. 71º/1 do mesmo código que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.».
Assim, prevenção – geral e especial – e culpa são os fatores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena. [26]
Daí que, será justa toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.[27]
O nº 2 do citado art. 71º acrescenta que «Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele», nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas, ou seja, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [al. a)], a intensidade do dolo ou da negligência [al. b)], os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [al. c)], as condições pessoais do agente e a sua situação económica [al. d)], a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [al. e)], e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [al. f)].
As circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na determinação da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral - a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores-, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial - circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento -, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.[28]
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador que é difícil, se não mesmo impossível, de sindicar, embora o cumprimento do dever de fundamentação vise precisamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade e controlabilidade da determinação da pena no âmbito do recurso, refira-se que a intervenção do tribunal superior quanto à concretização do seu quantum e ao controlo da sua proporcionalidade, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não é ilimitada.
Nessa senda, pode e deve sindicar-se nesta sede a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considera-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de atuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada.[29]
*
Já a pena única do concurso de crimes, assente no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, segundo o princípio da acumulação, deve ser fixada dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente, como nos diz o art. 77º/1, 2ª parte do Código Penal.
Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, devendo ter-se em conta a possível conexão existente entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade do agente, tal como se manifesta na globalidade dos factos, devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. [30]
A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, impondo, assim, nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que se revelou em toda a factualidade.[31]
Nos termos do nº 2 do citado art. 77º do Código Penal «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
3.2.2 Da decisão recorrida
No que diz respeito à escolha e determinação da medida das penas parcelares e única aplicadas aos arguidos, expendeu o Tribunal a quo as seguintes considerações [transcrição das partes relevantes]:
«(…)
No caso concreto o arguido AA foi condenado por 8 crimes de roubo, cumpriu metade da pena única aplicada e foi ligado a outro processo para cumprir uma pena curta aí determinada e foi novamente ligado para continuação do cumprimento de pena entretanto interrompido, tendo cometido os factos ora em análise enquanto se encontrava em liberdade condicional dessa pena! O que, em nosso entender, demonstra que as condenações anteriores não serviram de advertência nem o desmotivaram ou demoveram do propósito de continuar a praticar crimes de roubo, pelo que, estando preenchidos os demais requisitos, deverá ser condenado como reincidente.
Deste modo, por força da reincidência, as molduras penais aplicáveis ao arguido AA nestes autos passam a ser as seguintes:
- Crime de roubo (simples), na forma consumada: pena de 1 ano e 4 meses a 8 anos de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma tentada: pena de 40 dias a 5 anos e 4 meses de prisão;
- Crime de detenção de arma proibida (na modalidade em apreço): pena de 40 dias até 4 anos de prisão.
No caso que nos ocupa teremos então que atender:
- Às elevadas exigências de prevenção geral, atendendo ao crescente número de condutas contra o património e bens pessoais que vão ocorrendo na nossa Comarca, ao enorme alarme social gerado por tais condutas, bem como aos resultados danosos (lesões corporais) que muitas vezes se dão em virtude destas condutas, devendo ainda atender-se à expectativa da comunidade numa vigorosa reafirmação da vigência das normas violadas;
- À gravidade objectiva dos factos, que se insere na ilicitude típica, pese embora num grau ligeiramente acima da média, atendendo a que o arguido actuou em conjunto com outro indivíduo (co-autoria);
- À culpa do arguido, que assenta no dolo directo;
- À natureza e valor (diminuto) dos bens subtraídos ou tentados subtrair;
- À personalidade do arguido, plasmada nos factos dados como provados, dos quais resulta que o arguido é pessoa imatura e com tendência a guiar-se pelo impulso em detrimento da elaboração de um pensamento reflexivo e consequencial;
- À circunstância de o arguido, à data dos factos, já não ser tão jovem (28 anos de idade);
- À situação pessoal do arguido, o qual possui enquadramento familiar débil e nada contentor;
- À postura do arguido em julgamento, o qual negou a prática dos factos, não demonstrando quaisquer sinais de arrependimento;
- Aos antecedentes criminais registados do arguido, o qual já foi condenado por 13 crimes de roubo, 2 crimes de evasão, 1 crime de auxílio material e 1 crime de detenção de arma proibida (pese embora este último com trânsito em julgado posterior à data dos factos nos presentes autos).
Tudo visto e ponderado, e face às molduras abstractas aplicáveis, temos por adequadas as seguintes penas parcelares:
- Crime de roubo (simples), na forma tentada [ofendido BB]: pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma consumada [ofendido CC]: pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- Crime de detenção de arma proibida [navalha de ponta e mola]: pena de 1 ano de prisão.
As penas ora determinadas encontram-se numa relação de concurso, havendo assim que proceder ao respectivo cúmulo (artigo 77° do Código Penal), tendo a pena única como limite mínimo a pena parcelar mais grave (2 anos e 9 meses de prisão) e como limite máximo a soma das penas parcelares (6 anos de prisão). Atendendo à visão global dos factos, de mediana gravidade, bem como à personalidade do arguido, imaturo e com predisposição para a prática de crimes contra o património, fixamos a pena única em 4 (quatro) anos de prisão.
*
Arguido DD
Este arguido tinha, à data da prática dos factos, 19 anos de idade. É, assim, um jovem delinquente, sendo-lhe por isso aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, conforme dispõe o artigo 1° daquele diploma.
Nos termos do artigo 4° do citado diploma, «se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos [72° e 73°] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado». A atenuação especial aqui prevista não é de aplicação automática em função da idade do arguido, exigindo-se um quadro de elementos objectivos que sustentem no julgador a convicção de que de tal atenuação resultará vantagem para a reinserção do jovem delinquente, estando na base desta atenuação considerações ligadas à prevenção especial, e, consequentemente, de reintegração na comunidade. Na formulação desse juízo terá que ser levado em linha de conta o próprio facto criminoso, na medida em que revele um maior ou menor desajustamento do jovem delinquente ao acatamento dos valores jurídicos.
Ora, ponderado o facto de o arguido ter antecedentes criminais registados por um crime contra o património, a que acrescem a gravidade da situação dos presentes autos (3 assaltos numa única noite) e ainda a circunstância de não demonstrar ter interiorizado o desvalor da sua conduta, entende o Tribunal que a mera atenuação especial da pena resultante da aplicação deste regime especial não irá trazer benefícios à sua reintegração, deste modo se decidindo não se lhe aplicar o referido regime especial para jovens adultos.
Assim, as penas a aplicar a cada um dos crimes pelos quais o arguido DD vai condenado serão encontradas dentro das seguintes molduras penais:
- Crime de roubo (qualificado), na forma consumada: pena de 3 a 15 anos de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma tentada: pena de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma consumada: pena de 1 a 8 anos de prisão.
No caso que nos ocupa teremos então que atender:
- Às elevadas exigências de prevenção geral, atendendo ao crescente número de condutas contra o património e bens pessoais que vão ocorrendo na nossa Comarca, ao enorme alarme social gerado por tais condutas, bem como aos resultados danosos (lesões corporais) que muitas vezes se dão em virtude destas condutas, devendo ainda atender-se à expectativa da comunidade numa vigorosa reafirmação da vigência das normas violadas;
- À gravidade objectiva dos factos, que se insere na ilicitude típica, pese embora num grau já acima da média, atendendo a que o arguido actuou em conjunto com outro indivíduo (co- autoria), sendo que numa situação não se bastou a mostrar a navalha ao ofendido, fez uso da mesma e desferiu um golpe na mão do ofendido MM;
- À culpa do arguido, que assenta no dolo directo;
- À natureza e valor dos bens subtraídos ou tentados subtrair, nomeadamente um telemóvel no valor de € 600,00;
- À personalidade do arguido, plasmada nos factos dados como provados, dos quais resulta que o arguido é pessoa bastante imatura e com tendência a guiar-se por pares com condutas desajustadas, tendo tido um contacto precoce com o sistema da administração da justiça, sendo relapso no cumprimento das sanções/acções propostas;
- À circunstância de o arguido, à data dos factos, ser bastante jovem (19 anos de idade);
- À situação pessoal do arguido, o qual possui enquadramento familiar, pese embora não contentor;
- Aos antecedentes criminais registados do arguido, o qual já foi condenado por 1 crime de furto qualificado, cuja pena de substituição tem vindo a cumprir com muita parcimónia.
Tudo visto e ponderado, e face às molduras abstractas aplicáveis, temos por adequadas as seguintes penas parcelares:
- Crime de roubo (qualificado), na forma consumada [ofendido MM]: pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma tentada [ofendido BB]: pena de 2 anos de prisão;
- Crime de roubo (simples), na forma consumada [ofendido CC]: pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
As penas ora determinadas encontram-se numa relação de concurso, havendo assim que proceder ao respectivo cúmulo (artigo 77° do Código Penal), tendo a pena única como limite mínimo a pena parcelar mais grave (4 anos e 6 meses de prisão) e como limite máximo a soma das penas parcelares (9 anos de prisão). Atendendo à visão global dos factos, de mediana gravidade, bem como à personalidade do arguido, imaturo e com predisposição para a prática de crimes contra o património, fixamos a pena única em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)».
3.2.3 Da adequação das penas à alteração da matéria de facto provada
Ora, muito embora não seja caso, como pretendido pela defesa no recurso, de punir os recorrentes pelo crime de furto simples, as alterações introduzidas convocam sem dúvida a necessidade de ponderar eventuais alterações nas penas parcelares respetivas, e, sendo caso disso, também na pena única do concurso em que essas penas se integraram.
Vejamos individualmente a situação de cada um dos recorrentes.
3.2.3.1 AA
Em relação a este arguido, mercê da alteração introduzida quanto aos factos provados, está apenas em causa a pena aplicada pela prática, em coautoria com DD, de um crime de roubo simples na forma tentada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 22º, 23º, 73º e 210º/1, do Código Penal, reportado à situação em que foi ofendido BB.
Tendo em conta que estamos perante reincidente, a punir nos termos do disposto nos arts. 75º e 76º, do Código Penal, e que a moldura penal aplicável, tal como foi definida na decisão recorrida, é de 40 dias a 5 anos e 4 meses de prisão, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, importa ponderar se o facto de, na situação em causa, não ter sido exibida e empunhada pelo arguido a arma que trazia consigo, apesar de fazer gesto compatível com a intenção de a poder vir a utilizar, deve ou não refletir-se na pena concreta assim alcançada.
Entendemos que sim, por resultar menos intenso o grau de ilicitude, mas também a culpa.
Na verdade, mostra-se mais gravosa e temerária por flagrantemente contrária à ordem jurídica a conduta de exibição na direção de uma pessoa de uma navalha de ponta e mola, do que manter essa arma oculta, fazendo-se apenas menção de a ter e poder vir a usar, como forma de constranger a vítima à entrega dos valores que trouxesse consigo; por outro lado, a contrariedade revelada pelo arguido em relação ao dever-ser ético jurídico e insensibilidade pelos bens jurídico-penais tutelados pela incriminação, é também menor nestoutra situação.
Em razão do que, tendo presentes os demais elementos considerados na decisão recorrida, conforme acima se transcreve, entendemos adequada uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
*
Esta pena encontra-se em concurso com as penas aplicadas a AA,
- de 2 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo (simples), na forma consumada [ofendido CC];
- de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida [navalha de ponta e mola].
Significa isto que a pena única há-de ser encontrada numa moldura que continua a ter como limite mínimo a pena parcelar de 2 anos e 9 meses de prisão, por se manter como a mais grave em concurso, e como limite máximo a soma das penas parcelares, que na decisão recorrida era de 6 anos de prisão, passando agora a ser de 5 anos e 6 meses de prisão.
Tendo presente a imagem global dos factos, de mediana gravidade, mas também a personalidade do arguido, que se encontrava em liberdade condicional relativa ao cumprimento de pena pela prática de crimes de roubo (foi já condenado pela prática de mais de uma dezena), revelando mais do que uma mera pluriocasionalidade, uma verdadeira insensibilidade às penas, com tendência à reiteração de crimes patrimoniais com violência sobre as pessoas, fixa-se a pena única em 3 anos e 6 meses de prisão.
3.2.3.2 DD
Em relação a este arguido, a alteração da matéria de facto provada, contende com:
- a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada pela prática, em autoria, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo disposto nos arts. 210º/1 e 2, b), por referência ao art. 204º/2, f), todos do Código Penal [ofendido MM];
- a pena de 2 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de roubo simples na forma tentada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 22º, 23º, 73º e 210º/1, do Código Penal [ofendido BB].
Quanto ao primeiro, conforme decorre do supra exposto, temos que a moldura penal a considerar passa a ser a do roubo simples, de 1 a 8 anos de prisão, ao invés dos considerados 3 a 15 anos de prisão.
Foi na decisão recorrida afastada a aplicação do Regime Especial para Jovens com argumentação que se subscreve e não vem posta em causa no recurso.
Ora, tendo em conta o valor dos bens apropriados – 100€ do telemóvel, mais um cartão de crédito -, mas também que o arguido não se bastou com a ameaça decorrente da exibição de uma navalha, partindo para a agressão efetiva com a mesma, desferindo com ela golpes no dedo indicador da vítima como forma de a constranger à entrega desses bens, assim elevando o grau de ilicitude do facto, não sendo ademais primário, estando em cumprimento de uma pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de furto qualificado, sentença transitada em julgado cerca de 1 ano e meio antes destes factos, afigura-se-nos adequada uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
No que diz respeito ao segundo (crime de roubo na forma tentada), tal como considerado supra em relação ao coautor AA, e pelas razões aí aduzidas que aqui se consideram reproduzidas, importa extrair consequências na medida da pena parcelar aplicada que, ao invés de 2 anos, deverá ser fixada em 1 ano e 6 meses de prisão.
Estas duas penas concretas encontram-se em concurso com a pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada também a DD pela prática de um crime de roubo simples, na forma consumada em relação ao ofendido CC.
Significa isto que a pena única será encontrada numa moldura que terá como limite mínimo a pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão (ao invés de 4 anos e 6 meses de prisão) por ser a mais grave em concurso, e como limite máximo a soma das penas parcelares, que na decisão recorrida era de 9 anos de prisão, passando agora a ser de 6 anos e 6 meses de prisão.
Tendo presente a imagem global dos factos, com um grau de ilicitude elevado face ao uso efetivo de navalha para agredir fisicamente duas das vítimas, a atuação em dupla em dois dos três roubos, um na forma tentada, praticados na mesma ocasião, de madrugada, mas também a personalidade do arguido, que se encontrava já condenado em 10 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, a cumprir 300 horas de trabalho comunitário em substituição, depois de, ainda menor, ter sido sujeito a medida tutelar educativa por factos ilícitos contra o património, revelando, apesar da jovem idade, insensibilidade às penas e facilidade em vencer a barreira ética que o deveria fazer afastar-se da prática de crimes, e “dando já o salto” para a violência contra as pessoas, fixa-se a pena única em 3 anos e 9 meses de prisão.
1. DA SUBSTITUIÇÃO/SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DAS PENAS DE PRISÃO
Atentas as penas únicas aplicadas aos arguidos, superiores a 2 anos de prisão, resulta afastada desde logo e nos termos do preceituado nos arts. 43º, 45º e 58º, todos do Código Penal, a sua substituição pelas penas de multa e de prestação de trabalho a favor da comunidade, assim como a sua execução sob o regime de permanência na habitação.
Resta, pois, apreciar a possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão aplicadas, nos termos do disposto no art. 50º do Código Penal.
3.3.1 Preceitua o art. 70º do Código Penal que «[S]e ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
Este o grande critério eleito pelo legislador para a escolha da pena: prevalência das penas não privativas da liberdade sobre as que têm por efeito a privação da liberdade.
As penas de substituição, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão, inserem-se assim num movimento de luta contra a pena de prisão, especialmente as penas curtas de prisão, e as penas de prisão aplicáveis à pequena e média criminalidade.
Com o regime previsto nos arts. 50º a 57º, do Código Penal e nos arts. 492º a 495º, do Código de Processo Penal, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ter lugar, nos termos do disposto no nº1 do art. 50º, sempre que, «(…) atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
Assim, para sua aplicação postula-se não só a verificação do requisito objetivo de a condenação ser em pena de prisão não superior a 5 anos, como também de requisitos subjetivos, determinados por finalidades de política criminal reconduzíveis às finalidades da pena inscritas no art. 40º/1 do Código Penal, de proteção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade.
Como ensina Figueiredo Dias32 «(…) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum exato daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. (…)».
Acrescenta o mesmo autor que é inteiramente distinta a função que, no contexto da escolha da pena, exercem as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
Na escolha da pena adequada ao caso há-de ser dada prevalência às finalidades que se reportam à integração do agente na sociedade por serem estas sobretudo que justificam, na perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Só deve, assim, optar-se por uma pena de substituição se, à luz das exigências de prevenção especial positiva, pudermos concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente; as exigências de prevenção geral funcionarão aqui como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização, acautelando o conteúdo mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
Deste modo, acompanhando mais uma vez o Professor Figueiredo Dias [33], «(…) desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias».
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque [34], aponta para que «A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas».
É, pois, ponto assente que, à semelhança do que acontece com a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa, também a substituição daquela por qualquer das penas de substituição, nomeadamente a suspensão da sua execução, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, único critério a atender.
Daí que, a suspensão da execução da pena de prisão, não deixando de constituir uma pena, porque decorrência de uma condenação registada em termos de antecedente criminal, acaba por ser também uma medida de correção, enquanto busca a reparação do delito ou a execução de «prestações socialmente úteis»; aproxima-se das medidas de ajuda social sempre que associada a instruções que «afetam o comportamento futuro do condenado»; e tem uma coloração sociopedagógica ativa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade.»[35]
O pressuposto material da decisão de suspender a execução da pena é, assim, a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro.
A suspensão da execução da pena de prisão tem, pois, um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar o delinquente da senda do crime, tendo em conta as concretas condições do caso.
É, por isso, necessário que o tribunal se convença, face à personalidade revelada pelo arguido - grau de impulsividade, capacidade de autocontrolo e autocensura, empatia com o sofrimento das vítimas -, ao seu comportamento anterior - condenações sofridas - e posterior aos factos - arrependimento e reparação do dano -, às condições da sua vida - profissionais, familiares e sociais -, à natureza e circunstâncias do crime - motivos e fins -, que o facto cometido não está de acordo com a sua personalidade, tendo sido um simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida com reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, afastando-o da criminalidade.
Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo formular juízo positivo quando concluir à vista dos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal; ou seja, é necessário que a suspensão da execução da pena de prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas infringidas, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Assim, como escreve Figueiredo Dias [36], «Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.» (negrito nosso).
Em síntese: exige-se que o tribunal, ponderando todas as referidas circunstâncias, esteja em condições de formular um juízo de prognose favorável, não podendo a suspensão, no entanto, beliscar as expectativas comunitárias e abalar a estabilidade do ordenamento jurídico-penal, uma vez que a comunidade deve rever-se nas decisões dos tribunais.
3.3.2 No caso vertente, e sem mais delongas, atendendo aos factos que o Tribunal considerou provados, a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos não cumpre com as finalidades quer de prevenção especial, quer de prevenção geral assinaladas às penas e pelas quais deve nortear-se a sua aplicação.
Quanto ao arguido AA, a alteração da pena aplicada em primeira instância, de 4 anos de prisão, para 3 anos e 6 meses de prisão, em nada perturba as razões aduzidas no acórdão recorrido para afastar a suspensão da sua execução, sendo certo que não é objeto do recurso a substituição da pena de prisão em que fora condenado.
Com efeito, os seus antecedentes criminais, além do mais, por mais de uma dezena de crimes da mesma natureza, a dificuldade em resistir ao impulso da prática de crimes patrimoniais e a insensibilidade às penas revelada na reiteração deste tipo de crime, apesar e depois de sujeito ao cumprimento de pena efetiva de prisão, confirmam a inviabilidade de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, sendo, portanto, necessária a prisão efetiva para cumprimento das finalidades preventivas adstritas às penas.
Já no tocante a DD, apenas agora, com a fixação da pena única abaixo dos 5 anos de prisão (vinha condenado em primeira instância numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão), mercê da conformação dada à matéria de facto provada e às penas parcelares concretas aplicadas por cada um dos crimes de roubo imputados, se mostra verificado o requisito formal previsto no art. 50º/1 do Código Penal para ponderar a sua suspensão na execução.
Vejamos então.
Ao nível da prevenção especial, importa considerar que apesar de muito jovem – tem 20 anos de idade, tendo apenas 19 quando da prática dos factos -, DD possui já uma condenação numa pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de furto qualificado, factos reportados a 13/03/2021, quando tinha penas 17 anos de idade; acresce que teve ainda contacto mais precoce com o sistema de Justiça em sede de processo tutelar educativo instaurado pela prática de factos típicos do crime de introdução em lugar vedado ao público e furto, vindo a ser-lhe aplicada medida tutelar de acompanhamento educativo, tendo já aí incumprido a maior parte das ações propostas nesse âmbito – 63) dos factos provados.
DD consome estupefacientes desde os 18 anos de idade, não mantendo atividade laboral regular, registando apenas atividades esporádicas na montagem de carrosséis e nas limpezas – 64) dos factos provados.
Acresce que, apesar da sua inserção familiar, o seu percurso de vida, que passou pelo absentismo escolar e proximidade aos pares com condutas desajustadas, denotam, além do mais, as dificuldades do agregado e das figuras parentais na sua supervisão, para além da permissividade e desculpabilização por que pautariam o respetivo processo educacional – 56) a 62) dos factos provados.
Não temos razões para crer que o arguido esteja ciente da gravidade dos factos cometidos – note-se que estamos perante três situações, com três ofendidos, numa mesma ocasião, tendo em duas delas sido usada uma navalha para agredir fisicamente as vítimas - e das consequências da sua conduta, e disposto a mudar de rumo, afastando-se de práticas criminosas como a ajuizada.
Certo é que a condenação anteriormente sofrida por crime patrimonial em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade não serviu de suficiente advertência para que se afastasse da prática de crimes, tendo o arguido, pelo contrário adotado conduta eivada de grau superior de ilicitude, com recurso a violência física sobre a vítima, o que não nos permite confiar numa conduta futura conforme ao dever-ser ético-jurídico.
Estamos, de resto, perante alguém que, sendo dependente do consumo de estupefacientes, não dispõe de meios próprios de subsistência ou atividade estruturada, revelando, do mesmo passo, grande dificuldade em resistir aos seus impulsos.
Tudo para concluir não se mostrar já possível a satisfação das exigências de prevenção especial positiva pela mera ameaça do cumprimento da prisão.
Além disso, são assaz elevadas as exigências de prevenção geral enquanto conteúdo mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico que cumpre acautelar, pela repercussão que têm no sentimento de segurança na comunidade, sendo prementes as necessidades de uma forte reprovação e prevenção deste tipo de crime.
Impõe-se, por isso, o cumprimento efetivo da pena.
*
3.3.3 Nenhum dos arguidos tinha mais de 30 anos de idade à data da prática dos factos, que ocorreram em data anterior a 19/06/2023.
Deverá, assim, o Tribunal a quo ponderar em primeira mão a aplicação da L. 38-A/2023, de 02/08, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
*
III- DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e DD e, consequentemente:
Alteram a matéria de facto provada nos seguintes pontos e termos:
«(…)
4) Receoso por poder ser de novo golpeado pela navalha, o ofendido entregou ao arguido DD o telemóvel de marca Huawei, modelo “P30”, com o IMEI ..., no valor aproximado de € 100,00 (cem euros), bem como o cartão de crédito “MLP”, emitido a seu favor.
(…)
12) Como este respondesse não ter consigo dinheiro, o arguido AA, que trazia consigo uma navalha de abertura automática sem referência a marca e modelo, com 9,5 cm de lâmina, levou a mão ao bolso das calças.
13) [não provado]
14) Nessa ocasião, o ofendido receando ser atingido pela arma que suspeitava ter o arguido AA guardada no bolso das calças, colocou-se em fuga e foi alertar a polícia.
(…)».
- Revogam o acórdão recorrido na parte em que fixa as penas parcelares pelos crimes de roubo qualificado na forma consumada [ofendido MM] e de roubo simples na forma tentada [ofendido BB], e bem assim as penas únicas resultantes do cúmulo jurídico que integrou essas penas, e que foram aplicadas a cada um dos arguidos, condenando-os:
AA:
- na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com os arts. 22°, 23°, 26° e 73°, todos do Código Penal [ofendido BB];
- na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão resultante do cúmulo jurídico daquela pena parcelar, com as penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão aplicada pela prática em coautoria e na forma consumada de um crime de roubo na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com o art. 26°, todos do Código Penal [ofendido CC], e de 1 (um) ano de prisão aplicada pela prática em autoria de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2°/m) e ax), 3°/2, e) e 86°/1, d), todos do RJAM;
DD:
- na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria, de um crime de roubo previsto e punido pelo disposto nos arts. 210º/1 e 2, b), por referência ao art. 204º/2, f) e 4, todos do Código Penal [ofendido MM];
- na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em coautoria, de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo art. 210°/1 e 2, b), por referência ao art. 204°/2, f) e 4, conjugados com os arts. 22°, 23°, 26° e 73°, todos do Código Penal [ofendido BB];
- na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão resultante do cúmulo jurídico daquelas penas parcelares com a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada pela prática em coautoria de um crime de roubo previsto e punido pelo disposto nos arts. 210º/1 e 2, b), por referência ao art. 204º/2, f) e 4, todos do Código Penal [ofendido CC];
Tudo, sem prejuízo da ponderação da eventual aplicação do perdão previsto pela L. 38-A/2023, de 02/08.
- Mantêm no mais o acórdão recorrido.
*
Sem custas - art. 513º/1 do Código de Processo Penal, “a contrario”.
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Notifique.
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Lisboa,

19 de março de 2024
Ana Cláudia Nogueira
Manuel Advínculo Sequeira
Carla Francisco

1- [] Vide Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pág. 729; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pág. 77 e sgs..↩︎
2- [] Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 20/04/2006, relatado por Rodrigues da Costa, no processo n.º 06P363 e de 15/02/2007, relatado por Costa Mortágua no processo 3174/06 – 5ª Secção, acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎
3- [] Entre outros, os acórdãos do STJ de 18/01/2018, relatado por Maia Costa no processo 563/14.3TABRG.S1, que aqui seguimos de perto, e de 17/03/2016, relatado por Pires da Graça no processo 849/12.1JACBR.C1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt .↩︎
4- [] Neste sentido, o acórdão do STJ de 20/01/2010 relatado por Henriques Gaspar no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
5- [] Cfr. o acórdão do STJ de 25/03/2010, relatado por Raul Borges no processo 427/08.OTBSTB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
6- [] In artigo intitulado Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade, publicado na Revista Julgar nº 17, pág. 33.↩︎
7- [] Entre outros, Patrícia Silva Pereira, Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal, Admissibilidade e valoração, Almedina, 2017, e Euclides Dâmaso Simões, Prova Indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente), Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 203 e sgs..↩︎
8- [] Entre muitos outros, nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17/03/2016, no processo 849/12.1JACBR.C1.S1, de 09/02/2012, no processo 1/09.3FAHRT.L1.S1, de 09/02/2012 , no processo 233/08.1PBGDM.P3.S1, de 07/04/2011, no processo 936/08.0JAPRT.S1, de 06/10/2010, no processo 936/08.JAPRT, de 12/03/2009, no processo 09P0395 e de 12/09/2007, no processo n.º 07P4588, todos disponíveis em www.dgsi.pt .↩︎
9- [] No processo 2025/08-2, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
10- [] No processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
11- [] In ob. cit., pág. 24, citando Marieta.↩︎
12- [] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1981, Coimbra Editora, pág. 194.↩︎
13- [] Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 204-205, e Michele Taruffo, Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, ISSN-e 0041-8633, Nº. 114, 2005, págs. 1285-1312.↩︎
14- [] Dados obtidos a partir da aplicação googlemaps, link https://www.google.com/maps/dir/Jardim+Roque+Gameiro,+Cais+do+Sodr%C3%A9,+1200-161+Lisboa/Miradouro+de+S%C3%A3o+Pedro+de+Alc%C3%A2ntara,+R.+de+S%C3%A3o+Pedro+de+Alc%C3%A2ntara,+1200-470+Lisboa/@38.7153352,-9.2265725,12z/data=!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0xd19347da58736ed:0x56ec54c362eb496b!2m2!1d-9.1435461!2d38.7056931!1m5!1m1!1s0xd19338037000861:0x1beb7972336de3a1!2m2!1d-9.1441708!2d38.7152302!3e2?entry=ttu .↩︎
15- [] Neste sentido, embora sob a forma de censura da decisão recorrida pela consignação como facto provado do valor estimado do veículo subtraído, o acórdão da Relação de Évora de 07/02/2017, relatado por Ana Barata Brito no processo 1468/14.3PAPTM.E1, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
16- [] Segundo o Resumo Mensal publicado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, omês de janeiro de 2023 classificou-se como quente em relação à temperatura do ar, sendo registado o maior valor de temperatura máxima do ar em Alcácer do Sal, no dia 01/01/2023, de 22.4º - cfr. https://www.ipma.pt/resources.www/docs/im.publicacoes/edicoes.online/20230209↩︎
17- [] Vide acórdão do STJ de 14/12/2017, relatado por Francisco Caetano no processo 470/16.5JACBR.S1, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
18- [] Vide, entre outros, o acórdão da Relação de Évora de 29/03/2016 relatado por Maria Leonor Esteves no processo 1792/14.5GBABF.E1, acessível em www.dgsi.pt , e o acórdão do STJ de 07/12/2005, publicado na Coletânea de Jurisprudência, STJ, 2007, Tomo III, pág. 224, pelo qual se conclui que, uma vez que cada coautor age com e através de outros, são de imputar a cada coautor, como próprios, os contributos do outro para o facto, como se ele próprio os tivesse prestado.↩︎
19- [] Veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 09/11/2022, relatado por Isabel Gaio Ferreira de Castro no processo 62/17.1PKLSB.L1-3, citado na decisão recorrida, no recurso e na reposta ao recurso, que aqui também seguimos de perto, em que é feito um “apanhado” da doutrina e jurisprudência, num e noutro sentido, perfilhando o entendimento de que estamos perante documentos autênticos; Neste sentido também Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 5ª ed. Atualizada UCE, 2022, pág. 666, nota 3, e Leal Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, 1996, II volume, pág. 16.↩︎
20- [] Vide acórdão da Relação do Porto de 12/07/2023 relatado por Maria Joana Grácio no processo 536/21.0T9AGD.P1, acessível em www.dgsi.pt.↩︎
21- []Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2ª ed., Coimbra Editora, 2022, Tomo II, pág. 200 e sg.↩︎
22- [] O art. 132° da L. 24-D/2022, de 30/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2023, manteve a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no art. 5º/2 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao D.L. 34/2008, de 26/02, pelo que no ano de 2023 o valor de uma Unidade de Conta manteve-se em € 102,00.↩︎
23- [] Relatado por Armindo Monteiro, no processo 03P2717, acessível in www.dgsi.pt .↩︎
24- [] Cfr. sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 12/07/2006, relatado por Varges Gomes no processo 5803/2006-3, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
25- [] Vide acórdão da Relação de Lisboa de 13/04/2011 relatado por João Lee Ferreira no processo 208/10.0PAAMD.L1-3, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
26- [] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e sgs..↩︎
27- [] Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96.↩︎
28- [] Cfr. o acórdão do STJ de 28/09/2005, in Coletânea de Jurisprudência - STJ, 2005, Tomo 3, pág. 173.↩︎
29- [] Neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 196, e os acórdãos do STJ de 14/10/2015, relatado por Pires da Graça no processo 439/14.4PBSXL.S1, e de 12/07/2018, relatado por Raul Borges no processo 116/15.9JACBR.C1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt .↩︎
30- [] Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 291.↩︎
31- [] Entre muitos outros, o acórdão do STJ de 13/12/2017 relatado por Manuel Augusto de matos no processo 321/12.0GBSLV.E3.S1, acessível em www.dgsi.pt .↩︎
32- [] In ob. cit., págs. 331 e 332.↩︎
33- [] In ob. cit., pág. 333.↩︎
34- [] In Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 2ª ed. atualizada, UCE, 2010, pág. 266.↩︎
35- [] Cfr. Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, versão espanhola, Vol. II, págs. 1152 e 1153.↩︎
36- []In ob. cit., pág. 344.↩︎