Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
251/12.5TBALQ-B.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2- Caso a citação não se faça dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art.º 323.º/2 do CC);
3. - Caso a interrupção resulte de citação, quer efectiva, ou apenas ficcionada nos termos referidos em 4.2, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
4. – Anulada a citação do executado com fundamento em vício adjectivo de FALTA DE CITAÇÃO, não produz a citação quaisquer efeitos interruptivos da prescrição, não sendo aplicável o nº 3, do art.º 323º, do CC.
5.- Não podendo in casu a prescrição considerar-se interrompida em razão do disposto no art.º 323º, nº 2, do CC, e por aplicação a contrario do nº 3, do mesmo normativo (porque a citação efectuada foi entretanto anulada com fundamento em vício de FALTA DE CITAÇÃO), nada obsta a que se considere ainda assim igualmente interrompida com base do disposto no nº 4, do mesmo normativo (a ocorrência nos autos de um outro acto pelo qual se dá a conhecer ao devedor que é intenção do credor de exercer o direito, dele não abdicando).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA
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1.- Relatório                          
Na sequência da instauração de acção executiva movida (em 21/2/2012) por A (….I, S.A.)., contra B e  C, e com vista à cobrança coerciva da quantia de 76.853,60€ (sendo 75.473,31 referente a capital, e o restante referente a juros moratórios, comissões e imposto de selo, calculados à taxa legal comercial) com fundamento em documento particular de 28/9/2005 (Compra e Venda e Empréstimo), vieram [em 12/4/2923) os executados B e C, a deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuar o pagamento da quantia exequenda reclamada e respectivos juros, e reclamando a extinção da execução .
1.1 – Para tanto, alegaram os executados B e C, em síntese, que:
- Alega a exequente, ora embargada, que celebrou com os executados um contrato de mútuo com hipoteca no valor de 77.500,00€, tendo a exequente concedido aos executados um empréstimo de 77.500,00€, que seria amortizado em 420 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, sendo que incorreram os executados em mora a partir de 03/03/2011;
- Porque o referido incumprimento determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, resolveu a exequente o contrato em 25/01/2012;
- Ora, porque a embargada, passou a poder demandar os embargantes a partir de 3 de março de 2011 - data em que os mesmos incumpriram com os pagamentos prestacionais -, começou a partir da referida data, o prazo de prescrição da dívida nos termos do art.º 306º, nº 1/CC, prescrevendo assim a dívida do embargante no prazo de cinco anos, o que desde já se invoca ;
- É que, estando os embargantes em incumprimento desde 3 de Março de 2011, e tendo os embargantes sido citados a 11 de Abril de 2023, conclui-se, sem quaisquer dúvidas, que o prazo prescricional de cinco anos decorreu há imenso tempo, razão porque  o valor peticionado pela embargada (75.473,31€ de capital e 1.380,29€ de juros desde 03/03/2011 até à entrada da execução em Juízo, num total de 76.853,60€), custas e mais legal encontra-se prescrito;
- Acresce que não é o cumprimento imediato de todas as prestações subsequentes (art.º 781º do CC), ficando então desfeito o plano de amortizações , que obsta a que o prazo de prescrição seja de cinco anos, pois que conforme decidido em Acórdão da Relação de Évora de 21/10/2020, admitir-se em tais circunstâncias a aplicação do prazo de prescrição ordinário significaria colocar nas mãos do credor o tempo da prescrição, conforme se prevaleça da faculdade de exigir todas as prestações de uma só vez ou, não obstante o incumprimento, mantenha o plano de amortizações, o que não seria aceitável ;
- De resto, em recente acórdão uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022 do STJ, uniformizou-se jurisprudência no sentido de “ No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º , al e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e, ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas” ;
1.2. - Notificada a exequente A, dos embargos à execução deduzidos pelos executados e admitidos liminarmente, veio a mesma apresentar articulado/contestação, invocando a exigibilidade da obrigação exequenda (designadamente porque estando em causa um crédito garantido, não se pode considerar que o mesmo prescreveu, antes aplicar-se-á o prazo prescricional ordinário das dívidas civis e que é de 20 anos, conforme artigo 309.º do Código Civil), e pugnando em suma pela total improcedência da oposição e o consequente e forçoso prosseguimento da execução.
1.3. - Proferido (em 5/7/2023) despacho a considerar que os autos dispunham já dos elementos necessários para se conhecer do mérito da causa, e, notificadas as partes para, em 10 dias, dizerem se tinham algo a opor a que o tribunal proferisse de imediato decisão de mérito, nada foi oposto.
1.4. - Por fim, e conclusos os autos para o efeito, foi então proferido o competente SANEADOR/SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
III. Dispositivo
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo improcedentes os presentes embargos e, consequentemente:
A. Determino a prossecução da execução.
Custas pelos embargantes, tendo-se em conta o apoio judiciário.
Valor da ação: o da execução
Registe, notifique e oportunamente comunique ao agente de execução”.
1.5. - Inconformados com a sentenciada improcedência da oposição, vieram então os executados/embargantes B e C, da referida sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
A. Entre os recorrentes e a recorrida foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca, através do qual esta lhes concedeu um empréstimo no valor de Eur: 77.500,00 (setenta e sete mil e quinhentos euros) para aquisição de imóvel para sua habitação própria e permanente.
B. Os aqui recorrentes confessaram-se devedores daquela quantia e obrigaram-se a reembolsá-la à Exequente em 420 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
C. Os recorrentes deixaram de pagar as prestações mensais a partir de 03/03/2011.
D. A recorrida resolveu o contrato de mútuo em 25/01/2012.
E. A ação executiva contra os ora recorrentes foi instaurada em 21/02/2012.
F. No requerimento executivo, a exequente, ora recorrida, identificou os executados e indicou como morada dos mesmos a Pcta. …, Lt. 43, … CARREGADO – morada para onde o agente de execução os tentou citar.
G. Os executados tinham morada na Pcta. …, Lt. 43 B, … CARREGADO
H. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 07/07/2022, foi confirmada a decisão que julgou verificada a falta de citação dos executados.
I. Os executados, ora recorrentes, foram citados em 11/04/2023.
J. Opondo-se à execução, por embargos de executado, os aqui recorrentes alegaram que a embargada, passou a poder demandar os embargantes a partir de 3 de março de 2011- data em que os mesmos incumpriram com os pagamentos prestacionais.
K. Tendo começado a correr, nessa data (03/03/2011), o prazo de prescrição da dívida nos termos do art.º 306º, nº 1/CC.
L. Consistindo a prescrição no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício dum direito, quando este não seja exercido durante um certo tempo previsto na Lei, alegaram os executados, ora recorrentes, que se aplica o disposto no Art.º 310º,e)/CC, prescrevendo a dívida no prazo de cinco anos, o que invocaram para todos os efeitos legais.
M. Concluindo que o prazo prescricional de cinco anos já estava decorrido, o que expressamente invocaram, pedindo que o tribunal a quo os absolvesse do pedido.
N. Por sentença de 18/10/2023, da qual ora se recorre, o tribunal a quo apreciou a excepção de prescrição invocada pelos embargantes, aqui recorrentes, dando razão aos embargantes no que ao prazo de prescrição nos cinco anos respeita, invocando jurisprudência do tribunal da Relação de Évora, bem como o acórdão 6/2022 de 22 de setembro do Supremo Tribunal de Justiça,
O. Mas, pese embora haja reconhecido o prazo prescricional de cinco anos, aplicou o artigo 323.º, n.º2 do Código Civil sobre a interrupção da prescrição, tendo entendido que, por referência à data da instauração da execução, nas execuções fundadas em título extrajudicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada e, garantia, havia sempre citação prévia, sem necessidade de despacho do juiz, ao abrigo do artigo 812.º- F, n.º2 alínea c) do Código de Processo Civil anterior à redação dada pela Lei 41/2013.
P. E, aplicando o n.º 2 do artigo 323.º do CC entendeu o tribunal a quo que, quando a citação não fosse efetuada no prazo dos 5 dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, não obstando à interrupção da prescrição a anulação da citação ou notificação.
Q. tendo decidido que no caso dos autos, a citação prévia que se impunha não estava dependente de despacho judicial, constituindo uma incumbência do agente de execução,
R. e que as vicissitudes ocorridas nos autos que culminaram com a decisão de anulação da execução por falta de citação dos executados não seriam imputáveis ao exequente, por não se verificar um nexo de causalidade adequada entre a conduta do exequente e não realização da citação, pelo que entendeu o tribunal a quo que operou a interrupção da prescrição decorridos os cinco dias sobre a data da instauração da execução, ou seja, em 27/02/2012.
S. Afirmando na douta sentença de que se recorre que entre 03/03/2011 e 27/02/2012 não decorreram cinco anos, e por isso improcedia a exceção da prescrição.
T. Os ora recorrentes não se conformam com tal decisão.
U. Desde logo, porque a falta de citação dos executados/ embargantes e aqui recorrentes se deveu exclusivamente ao facto de a exequente ter indicado erradamente a morada da residência dos mesmos no requerimento executivo – facto que o tribunal a quo deveria ter apreciado.
V. Ora, se alguém não tem culpa de se ter promovido a execução sem a citação prévia dos executados são eles próprios.
W. E, parece o tribunal a quo pretender alterar, ilegalmente, aquela que foi a intenção do legislador de proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que somando o capital que estava em dívida aos juros vencidos em todos estes anos se transformaria em dívida suscetível de arruinar o devedor se o pagamento lhe pudesse ser exigido – o que vai totalmente contra o espírito da lei que aplicou o prazo reduzido de cinco anos a estes créditos.
X. Assim, há que notar que o tribunal a quo optou pela aplicação do n.º 2 do artigo 323.º do CC, parecendo ter entendido não ser de aplicação ao caso concreto o n.º 1 do referido artigo – o que merece a concordância dos recorrentes.
Y. Efetivamente, se a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente ,forçoso é concluir que se não houve citação ou notificação judicial, então não pode haver interrupção da prescrição.
Z. Fernando Augusto Cunha de Sá (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, I Vol, Almedina ̶ Modos de Extinção das Obrigações ̶ pág. 255 e 266) a propósito da interrupção da prescrição refere: « Segundo determina o art.º 323.º (do Código Civil), a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º1) ; à citação ou notificação é equiparado qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º4) ”.
AA. Afirmando-se que a ideia que preside a esta causa interruptiva é dupla: por um lado, o credor exercer o seu direito ou exprimir a intenção de o fazer ; por outro lado, ter o devedor conhecimento daquele exercício ou desta intenção, o que explica que se tenha optado por actos de carácter judicial e, ao mesmo tempo, que se aceite a prescrição como interrompida com independência do processo a que o ato pertence, da competência ou incompetência do tribunal e até mesmo da validade ou invalidade do meio judicial de que o credor lançou mão.
BB. Assim, diz-nos o n.º 3 do art.º 323.º que a anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo, mas, por aquela mesma preocupação de assegurar que o obrigado tenha conhecimento da pretensão de exercício do crédito, não podemos equiparar para este efeito a falta de citação (art.º 195.º CPC) à nulidade da citação (art.º 198.º CPC), pois que ali ou o facto foi completamente omitido ou não foi levado ao conhecimento do devedor, ou preteriram-se formalidades julgadas essenciais a este conhecimento».
CC. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1967, pág. 210) também defendem: «Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excecionais acima referidos ; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se , não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção ».
DD. Ana Filipa Morais Antunes (Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 224) sublinha: « A interpretação e correcta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos  ̶ atenta a natureza excecional do respectivo figurino  ̶ , só podendo vislumbrar-se um acto do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de actos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito ».
EE. Face a este entendimento, que o tribunal a quo pareceu corroborar pela inaplicação do n.º1 do artigo 323.º do CC – entendimento com o qual se concorda, aplicou, porém, o mesmo tribunal o n.º 2 do artigo 323.º do CC; “ Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” – o que fez erradamente.
FF. A este respeito, afirmou-se no Ac. do STJ de 12.01.2017, em www.dgsi.pt o seguinte:
- O efeito interruptivo determinado no nº 2 do art.º 323º do CC assenta em três pressupostos: a) Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores a propositura da ação; b) Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; c) Que o retardamento na efetivação desse acto não seja imputável ao A. (no presente caso, leia-se exequente).
GG. Ora, conforme já foi apreciado em sede de recurso por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não houve citação dos executados por o agente de execução os ter tentado citar noutra morada que que não a deles,
HH. o que sucedeu por a exequente não ter indicado corretamente a morada dos executados no seu requerimento executivo conforme estava obrigada por via do disposto no artigo 724.º do CPC, o que podia e devia ter feito até porque conseguiu descrever o mesmo imóvel objeto do contrato e de hipoteca – pelo que não se concebe como no mesmo requerimento executivo indicou bem o imóvel na descrição dos factos e indicou mal a morada dos executados no campo para esse efeito.
II. Deve, assim, entender-se que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 323.º do CC não se verifica a interrupção da prescrição por existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. (neste caso, o exequente) e a não realização do acto interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.
JJ. Ademais, há que ter presente que por falta de citação dos executados, já transitada em julgado, anulou-se tudo o que na execução se haja praticado nos termos do disposto no artigo 851.º do CPC.
KK. Pelo que, entendem os recorrentes que o tribunal a quo não julgou bem ao ter entendido que o prazo da prescrição se interrompeu nos cinco dias após a instauração da ação por entender que a falta de citação não é imputável ao requerente.
LL. Requerendo a esse Venerando Tribunal que revogue a sentença proferida, decidindo no sentido de que a falta de citação é imputável à requerente, e nessa medida, deve ser julgado prescrito o direito do credor – assim se fazendo JUSTIÇA!
Nestes termos, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, deve o presente RECURSO ser considerado totalmente procedente, por provado e, em consequência, revogue a sentença proferida, substituindo-a no sentido de que a falta de citação é imputável à requerente, e nessa medida, deve ser julgado prescrito o direito do credor, absolvendo-se os recorrentes do pedido –assim se fazendo JUSTIÇA!
1.6.- Tendo a exequente/apelada A, apresentado contra-alegações, nestas veio pugnar pela manutenção da sentença recorrida, e, consequentemente, impetra que a apelação dos executados seja julgada improcedente, para tanto deduzindo as seguintes conclusões:
I. Vieram os Recorrentes recorrer da douta Sentença que julgou improcedentes os Embargos de Execução, por se ter verificado causa interruptiva da prescrição.
II. Querem ainda fazer crer que a culpa da citação não ter sido feita no prazo de 5 dias é imputável à Recorrida, o que não tem qualquer lógica!
III. Até ao presente momento, os Recorridos não tinham feito qualquer alegação nesse sentido, conforme ficou registado na Sentença.
IV. E vieram agora, em sede de recurso usar dessa artimanha… a nosso ver, de forma tardia, posto que consubstancia a alegação de um novo facto não trazido aos autos em sede de Embargos.
V. Sendo certo que o Agente de Execução não remeteu a citação no prazo de 5 dias e isso nada tem a ver com a informação da morada.
VI. Note-se que não foi remetida nem para a morada errada no prazo de 5 dias! Pelo que, a não citação no prazo de 5 dias não é imputável à Recorrida.
VII. No entender da Exequente/Embargada/Recorrida, muito bem decidiu o Tribunal a quo, posto que, mesmo que não se considere que operou a interrupção da prescrição decorridos os cinco dias sobre a data da instauração da execução, ou seja, em 27/02/2012, há várias outras causas de interrupção que lhe vieram a seguir.
VIII. O prazo de prescrição também foi interrompido com a citação feita no início do processo (13/08/2012 – data da afixação do edital, cuja morada havia sido confirmada por vizinhos), ainda que tenha sido anulada, nos termos do artigo 323.º, números 1 e 3 do Código Civil.
IX. Ou seja, mesmo que a citação não tenha produzido os efeitos processuais necessários, porque foi considerada nula, ela é causa de interrupção do prazo de prescrição, porque traduz a intenção da Exequente/Embargada, aqui Recorrente, de fazer valer os seus direitos e cobrar o seu crédito.
X. A primeira notificação de que os Recorrentes tiveram conhecimento e que motivou a arguição de nulidade, em 10/12/2013, Ref. 826594, que é de 05/11/2013, conforme referido pelos próprios, esta notificação de 05/11/2013 também interrompeu a prescrição.
XI. A notificação de 20/01/2014, Ref. Citius 2631974, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, também é causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição.
XII. E ainda temos a notificação de 10/05/2017, Ref. Citius 133649793, cujo teor também se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, eficaz para interromper a prescrição.
XIII. Bem como, as notificações dos requerimentos feitos pelos mandatários da Exequente/Embargada, em 31/01/2014 Ref. Citius 849726, 16/06/2014 Ref. 917296, 08/01/2015 Ref. Citius 541494, 06/10/2022 Ref. Citius 12856620, 20/03/2023 Ref. Citius 1354694…cujo teor damos por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, todas eficazes para interromper a prescrição.
XIV. Não podendo ser esquecido que tivemos as suspensões e interrupções determinadas devido à Pandemia de COVID-19.
XV. E, nos termos do artigo 327.º, a interrupção do prazo de prescrição ainda nem terminou, posto que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”
XVI. Pelo que, nem teve início a contagem do prazo de prescrição.
XVII. Assim, temos como assente que o início da mora se deu em 03/03/2011 e o incumprimento definitivo/vencimento antecipado em 25/01/2012, tendo a primeira notificação sido feita em 05/11/2013 (caso se entenda que a interrupção não se iniciou passados os 5 dias da entrada da acção executiva (5 dias da citação prévia) ou que a citação feita ab initio (13/08/2012), apesar de nula, não tenha interrompido o prazo de prescrição). Ou seja, no mínimo 2 anos e 8 meses depois do início da mora e 1 ano e 9 meses após o vencimento antecipado foi feita a primeira notificação, que também interrompeu o prazo de prescrição.
XVIII. Caso ainda assim não se entenda, temos a notificação de 20/01/2014, Ref. Citius 2631974 (dois anos e 10 meses após o início da mora e 1 ano e 11 meses depois do vencimento antecipado), que também interrompeu o prazo de prescrição.
XIX. Ou a notificação de 31/01/2014 Ref. Citius 849726 feita 2 anos e 10 meses após o início da mora e 2 anos depois do vencimento antecipado, onde se refere claramente que o empréstimo estava em mora desde 03/03/2011 e que a Embargada estava a tentar fazer cumprir o seu direito. Que também interrompeu o prazo de prescrição.
XX. Havendo ainda a notificação de 16/06/2014 Ref. 917296 (3 anos e 3 meses do início da mora e 2 anos e 4 meses depois do vencimento antecipado). Que interrompeu o prazo da prescrição.
XXI. E a notificação de 08/01/2015 Ref. Citius 541494 (3 anos e 10 meses depois do início da mora e 2 anos e 11 meses depois do vencimento antecipado), que interrompeu o prazo de prescrição.
XXII. Posto isto, claro está que houve interrupção da prescrição, pelo que, os Embargos deduzidos pelos Executados não têm qualquer fundamento legal ou factual.
XXIII. Assim, face a todo exposto, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não carece de qualquer reparo e o Recurso interposto pelos Embargantes não merece provimento, uma vez que ocorreu a interrupção do prazo prescricional.
XXIV. Caso se entenda que a interrupção da prescrição não se operou no prazo de 5 dias após a entrada da acção executiva, deverá ser negado provimento ao Recurso dos Embargantes, posto que ocorreram várias outras causas de interrupção da prescrição, não tendo ocorrido a prescrição da dívida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vs. Exas., doutamente suprirão, deverá ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento ao Recurso dos Embargantes, posto que ocorreram várias outras causas de interrupção da prescrição, não tendo ocorrido a prescrição da dívida, fazendo-se, assim, o que é de inteira JUSTIÇA!
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões (daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no art.º 5º, nº1 e 6º, nº4, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
I - Se importa alterar o julgado, sendo declarados procedentes os embargos de Executado, e isto porque em face da factualidade provada impunha-se que tivesse o Primeiro Grau julgado como provada e procedente a excepção da Prescrição;
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2.- MOTIVAÇÃO DE FACTO
Mostra-se fixada – na sentença - pelo tribunal a quo a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1.- No âmbito da sua atividade, a exequente celebrou com os executados, no dia 28/09/2005, um contrato de mútuo com hipoteca, ao qual foi atribuído o n.º 01006930, através do qual lhes concedeu um empréstimo no valor de Eur: 77.500,00 (setenta e sete mil e quinhentos euros).
2.2.- O valor indicado destinou-se à aquisição do imóvel para sua habitação própria e permanente, a saber: fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, para habitação, e arrecadação no sótão, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Praceta …, Lote quarenta e três-B, em Carregado, freguesia de Carregado, concelho de Alenquer, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o número … da dita freguesia.
2.3.- Por força do referido contrato, os Executados confessaram-se devedores daquela quantia e obrigaram-se a reembolsá-la à Exequente em 420 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
2.4. - Para garantia do pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e despesas, foi constituída a favor da exequente hipoteca sobre o imóvel referido em B, pela Ap. 13 de 2005/09/26.
2.5. - A prestação vencida em 03/03/2011 não foi paga, nem as seguintes.
2.6. - A exequente resolveu o contrato em 25/01/2012.
2.7.- A ação executiva foi instaurada em 21/02/2012.
2.8. - Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 07/07/2022, foi confirmada a decisão que julgou verificada a falta de citação dos executados.
2.9. - Os embargantes foram citados em 11/04/2023.
***
B) PROVADA (e adicionada por este tribunal de recurso, nos termos dos artºs 5º, nº2, alínea c), in fine, 607º, nº 4, ex vi do art.º 663º, nº 2, e 662º, nº 1, todos do CPC).
2.10. - Na decisão proferida pelo tribunal a quo em 28/5/2019, e identificada em 2.8., discorreu-se nos seguintes termos:
“(…)
Prevê o nosso Código de Processo Civil duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artigo 188º do Código de Processo Civil, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artigo 191º.
O tribunal, com base nos documentos que constam dos autos de execução, dá como sumariamente provados os seguintes factos:
a) A presente execução foi instaurada em 21/02/2012 para pagamento da quantia de €76.853,60, decorrente do incumprimento de contrato hipotecário.
b) No dia 14/08/2012 foi efectuada a citação dos executados por afixação na Praceta …, lote 43, …, Carregado.
c) Os executados residem na Praceta …, lote 43 B, …, Carregado.
d) Os lotes 43 e 43 B da Praceta … têm entradas distintas e autónomas.
Os elementos que constam dos autos permitem-nos concluir no sentido propugnado pelos executados, verificando-se a falta de citação ab initio dos mesmos, pelo que se julga procedente a invocada nulidade.
Com efeito foi a citação efectuada na morada correcta, mas no prédio errado, o que inquinou todo o processado (os executados foram sempre notificados para a morada onde a citação foi concretizada).
Em conformidade, e ao abrigo do disposto no artigo 851º n.º 2 do Código de Processo Civil, anulo a execução, aproveitando-se apenas o requerimento executivo e documentos, pois, tendo a execução sido instaurada em 2012, preceituava o artigo 812º-F n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil anterior à redação dada pela Lei 41/2013, que nas execuções fundadas em título extrajudicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada em garantia, havia sempre citação prévia, sem necessidade de despacho do juiz.
Notifique.”.
2.11 - Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 07/07/2022, identificado em 2.8., consta a seguinte passagem: “Como refere Manuel de Andrade, a falta de citação verifica-se na omissão de qualquer formalidade essencial em relação ao fim próprio deste acto – levar ao conhecimento do Réu a propositura da acção e os termos desta.  Concluímos por isso, com a decisão recorrida e ao invés do que defende a Recorrente que o caso verificado nos autos é de falta de citação e não de nulidade de citação.”.
2.12 - No requerimento inicial da execução identifica a exequente os executados como residindo ambos na “Praceta …, Lt. 43, …, Carregado”;
2.13 – Tendo os executados sido citados em 14/8/2012, nos termos do art.º 240º, nºs 2 e 3, do cpc (à data vigente), do respectivo expediente consta a indicação de que a morada (na “ Praceta  …, Lt. 43, …, CARREGADO ” ) dos executados foi confirmada pelos vizinhos .
***
3. – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
3.1. – DA EXCEPÇÃO DE PRESCRIÇÃO
Mostra-se no essencial o objecto da presente apelação relacionado  com o instituto da prescrição , excepção que pelos executados foi invocada na petição inicial dos embargos de executado deduzidos, para tanto considerando que sendo ao caso aplicável o prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, al e) do Código Civil, certo é que aquando da citação para a execução há muito que se encontrava esgotado/ultrapassado o referido prazo.
É que, tendo o tribunal a quo julgado não provada e improcedente a excepção da prescrição, com tal decisão não se conformam os executados/apelantes, considerando que incorre o Primeiro Grau em claro error in judicando” ou de julgamento, tendo decido mal, porque aplicou e interpretou erradamente o direito.
Quid júris?
Antes de mais, importa precisar que apelantes e apelado não divergem quanto à aplicação ao caso dos autos do disposto no art.º 310º ,alínea e), do CC, o qual reza que “ Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, e isto considerando que em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de Setembro (1), foi UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA no sentido de que “No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação”, sendo que, “Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
O referido Acórdão de Uniformização de jurisprudência, recorda-se, veio por termo à divergência que se vinha constatando existir em diversas decisões das Relações, considerando-se e decidindo-se em determinados Acórdãos que o vencimento imediato das prestações convencionadas originava a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), entendimento que prima facie não correspondia ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (cf. v.g. Vaz Serra, em Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Não obstante a aludida consonância de entendimentos quanto ao prazo prescricional, certo é que veio, todavia, o Primeiro Grau a julgar improcedente (decisão da qual discordam os executados/apelantes) a excepção, para tando aduzindo no essencial que:
- Aquando da instauração da presente execução, e nas execuções fundadas em título extrajudicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada em garantia (como é o caso dos autos), tinha sempre lugar a citação prévia dos executados, sem necessidade de despacho do juiz (artigo 812º-F n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil anterior à redação dada pela Lei 41/2013);
- Quando a citação não seja efectuada no prazo de 5 dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (ficção jurídica), não obstando à interrupção da prescrição a anulação da citação ou notificação – Cfr. art.º 323º, nº 2, do CC;
- Porque in casu as vicissitudes ocorridas nos autos, e que culminaram com a decisão de anulação da execução por falta de citação dos executados, não são imputáveis ao exequente, por não se verificar um nexo de causalidade adequada entre a conduta do exequente e a não realização da citação/acto interruptivo ( nem os embargantes o alegaram sequer ), inevitável era considerar que se operou a interrupção da prescrição decorridos os cinco dias sobre a data da instauração da execução, ou seja, em 27/02/2012 ;
- Consequentemente, considerando que entre 03/03/2011 e 27/02/2012 não decorreram os cinco anos do prazo de prescrição, forçoso era julgar improcedente a arguida e referida excepção.
Tendo presente a ratio da decisão/sentença apelada, tudo aponta para que tenha o tribunal a quo considerado que, não obstante ambas as decisões indicadas em 2.10 e 2.11, certo é que não obstavam as mesmas à aplicação in casu do disposto no art.º 323º, nº 3, do CC, o qual reza que “ A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”, ou seja, forçoso era também julgar/resolver a excepção da prescrição tendo em atenção o disposto no nº 2, do mesmo art.º 323º, dispondo ele que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”.
O que dizer?
Vejamos
Sabemos já que o prazo da prescrição é in casu de 5 anos, começando o mesmo a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, no nosso caso a partir da data em que a exequente resolveu (prima facie em 25/1/2012) o contrato de mútuo, exigindo dos RR a liquidação/pagamento de todo o capital,  sendo que , logo que completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito ( cfr. artºs  304º e 306º,nº1, ambos do CC ).
É igualmente consabido que, estando em curso, a prescrição interrompe-se ( inutiliza-se todo o tempo anterior entretanto decorrido – cfr. art.º 306º,nº1, do CC ) com a citação ou com a notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que esse acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente ( cfr. art.º 323º ,nº1, do Código Civil  ).
Porém, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias (cfr. art.º 323º, nº2, do CC).
Ou seja, para que o credor possa beneficiar do mecanismo que acautela a sua posição enquanto titular do direito , e ao qual se refere o nº 2, do art.º 323º, do CC, basta-lhe cumprir duas condições, a saber : a) requerer a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional; b)  evitar que o eventual retardamento da citação lhe possa ser imputável.
Dir-se-á que, como bem salienta ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (2), que o legislador não exige … ao titular do direito e requerente, uma diligência excepcional para efeitos de beneficiar da dilação prevista no nº 2; o normativo basta-se com a ausência de um comportamento do autor da acção e requerente susceptível de ser objecto de um juízo de censura.
Dito de uma outra forma (3), a expressão “por causa não imputável ao requerente”, há-de ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente e efectivamente a lei, em qualquer estado do processo, até à verificação da citação”.
O acabado de aduzir, importa precisar, consubstancia entendimento praticamente unânime do STJ, ou seja, a expressão “por causa não imputável ao requerente» tem sido densificada em diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação, devendo a referida expressão legal ser interpretada em termos de causalidade objectiva”. (4)
E bem se compreende que assim seja e deva ser, pois que, como é consabido, o fundamento último da prescrição assenta e pressupõe a negligência do credor em não exercer o seu direito a tempo e  horas, o que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou , pelo menos torna-o ( o titular ) indigno de protecção jurídica ou não merecedor de uma tutela do Direito - «dormientibus non succurrit jus». (5)
Postas estas breves considerações, e incidindo agora a nossa atenção sobre a factualidade assente, a primeira ilação que importa retirar é a de que, prima facie , não permite a mesma concluir por um qualquer juízo de censura/responsabilidade pelo facto de, ainda que proposta em 21/2/2012muito antes, portanto, do termo do prazo prescricional -, apenas terem os embargantes/executados sido citados em 11/04/2023, ou seja, mais de uma dezena de anos decorridos após os 5 dias seguintes a 21/2/2012.
Ademais, sendo verdade (cfr. item de facto nº 2.12) que no requerimento inicial da execução identifica a exequente os executados como residindo ambos na “Praceta …, Lt. 43, …, Carregado” ,  quando em rigor “Os executados residem na Praceta …, lote 43-B, …, Carregado”, certo é que da certidão  (cfr. item de facto nº 2.13) da citação concretizada em 14/8/2012 (igualmente verificada quase 6 meses após os 5 dias seguintes a 21/2/2012) se fez constar que a morada (na “ Praceta  …, Lt. 43, …, CARREGADO”) dos executados foi confirmada pelos vizinhos .
De resto, também as razões que conduziram a anterior frustração da citação tentada concretizar por carta registada com A/R, ficaram-se a dever a objecto não reclamado/não atendeu, que não v.g. a desconhecido, mudou-se ou a endereço insuficiente (cfr. expediente junto á execução a 3/8/2012).
Perante o referido, mostra-se a nosso ver (com base em juízo de  “causalidade objectiva”) algo temerário considerar-se que a não citação (porque apesar de concretizada, foi posteriormente anulada por decisão judicial) dos executados dentro dos cinco dias seguintes ao da propositura da execução (operando-se em rigor a interrupção  da prescrição ao sexto dia subsequente ao da proposição da acção, incluindo este) se ficou a dever objectivamente a conduta reprovável da exequente, não podendo a mesma “beneficiar” da citação ficta a que se refere o nº 2, do art.º 323º, do CC (e isto considerando o entendimento consensual na doutrina e jurisprudência no sentido de que implica só por si a propositura da acção implicitamente um requerimento de citação (6)).
Não obstante o acabado de expor, certo é que in casu  (cfr. itens de facto nºs 2.8., 2.10 e 2.11) foi nos autos proferida decisão judicial que ANULOU a citação efectivada em 14/8/2012, tendo a mesma sido “repetida” em 11/04/2023,  e , consequentemente o que importa de seguida aferir é se pode e deve a referida anulação integrar também a previsão do nº 3, do art.º 323º, do CC (rezando o mesmo, como sabemos já, que “A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”), impondo-se em suma concluir (como o fez o Primeiro Grau) que in casu a prescrição se interrompeu decorridos os cinco dias sobre a data da instauração da execução (ou seja, a 26/2/2012, porque proposta a execução em 21/2/2012).
Adiantando desde já o nosso veredicto, é nossa convicção que não enveredou a Primeira Instância pela solução/resposta correcta, integrando a situação sub judice na previsão do nº2, do art.º 323º, do CC, e isto porque, para o referido efeito importa distinguir entre falta de citação e nulidade da citação.
Senão, vejamos.
A propósito do alcance e exacto sentidos do disposto no referido nº 3, do art.º 323º, do CC, ensinam PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA (7), que “Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excecionais acima referidos ; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção ».
Também FILIPA MORAIS ANTUNES (8), a propósito do nº 3, do art.º 323º, do CC, começa por referir que « A interpretação e correcta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos ̶ atenta a natureza excecional do respetivo figurino ̶ , só podendo vislumbrar-se um acto do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de atos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito ».
Depois, mais adiante, explica/reconhece igualmente ser discutível que a solução legal do nº 3, do art.º 323º, do CC, possa ser igualmente aplicável na hipótese de falta de citação, o que sucede na eventualidade de o acto ser totalmente omitido ou de ter sido praticado em circunstâncias equiparadas à omissão (como sejam, o erro na identidade do citado…).
Alinhando por semelhante entendimento, igualmente para CUNHA DE SÁ (9) não faz sentido equiparar, para efeitos da interrupção do prazo prescricional, a falta de citação à nulidade da citação.
Para efeitos de aplicação do disposto no art.º 323, nº 3, do CC, certo é que tem vindo o STJ (cfr. v.g. em Ac. de 24/3/2021 (10)) igualmente a considerar que importa distinguir entre a falta de citação e a nulidade da citação.
É assim que, também em Acórdão de 22/9/2015 (11), vem concluir assertivamente que “a anulação da citação não impede a interrupção da prescrição (art.º 323.º, n.º 3, do CC), desde que, não sendo caso de falta de citação, mas de nulidade, a intenção de exercer o direito tenha sido expressa e levada ao conhecimento do obrigado”.
A nosso ver, existindo efectivamente duas modalidades de nulidade da citação -  a falta de citação propriamente dita, prevista no artigo 188º, do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artigo 191º, do mesmo diploma legal -  e , integrando-se no âmbito da primeira situações de gravidade assinalável como a da completa omissão do acto, estamos em crer que pressupondo a interrupção da prescrição a existência de acto que, directa ou indirectamente, dê minimamente a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão, difícil não é alinhar com o entendimento no sentido de que, em situações de FALTA DE CITAÇÃO, mostra-se inaplicável o disposto no nº 3, do art.º 323º, do CC.
É que, em rigor a interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor. (12)
Dito de uma outra forma, existindo decisão judicial a anular a citação com fundamento em vício adjectivo de falta de citação, vedado está ao julgador considerar a prescrição interrompida nos termos do nºs 1 e /ou nº 2 (citação ficta ) , do art.º 323º, do CC.
Isto dito, certo é que dos itens de facto nºs 2.10 e 2.11, decorre com evidência que a citação na execução foi anulada com fundamento em vício de Falta de Citação,  e , para todos os efeitos, as decisões em causa (de cujo teor decorre , de resto e com clareza , que foi efectuada a distinção entre falta de citação e nulidade de citação, tendo sido declarada a anulação da citação com fundamento em falta de citação) têm força obrigatória dentro do processo (art.º 620º, nº 1, do CPC), logo, não podia o Primeiro Grau lançar mão do disposto no nº 3, do art.º 323º, do CC, considerando interrompida a prescrição por efeito da citação anulada.
Em razão do exposto, não podemos, portanto, subscrever-se a fundamentação da sentença recorrida.
*
3.2. – Da equiparação – para efeitos de prescrição - à citação anulada de actos de notificação – na execução - dos executados.
Para a exequente apelada, e não podendo a citação – porque anulada – produzir efeitos interruptivos da prescrição, certo é que posteriormente àquelas outras notificações efectuadas nos autos de execução – v.g. de 05/11/2013, de 20/01/2014 ou de 10/05/2017 - podem e devem “valer” para os mesmos efeitos.
Ou seja, e prima facie por aplicação do disposto no art.º 323º, nº 4, do CC (“É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”), inevitável é – sempre – a improcedência da apelação, considerando-se a prescrição interrompida.
Ora, com pertinência para a questão ora em análise, e tal como decorre igualmente do nº 1, do art.º 323º, do CC, o que releva para efeitos de interrupção, é que em razão da notificação judicial de um qualquer  acto – e porque exprime ele, directa ou indirectamente, a intenção de exercer um direito – fique o devedor ciente e conhecedor da pretensão do credor de fazer valer o seu direito, dele não abdicando.
Para o referido efeito, exigível é, tão só, que não seja o devedor confrontado (no âmbito de um processo judicial já em curso) com meras declarações genéricas ou vagas do propósito do exercício do direito pelo seu titular, antes deve do acto em causa decorrer uma clara e inequívoca vontade do credor de exercer o direito, ou seja, por si só deve o mesmo mostrar-se de todo incompatível com o desinteresse do credor pelo direito de cuja prescrição se trate . (13)
Do âmbito dos referidos actos inequívocos e susceptíveis de integrar a previsão do nº 4, do art.º 323º, do CC,  devem (de acordo com a jurisprudência) também fazer parte as notificações efectuadas entre mandatários no âmbito de um processo judicial, e através das quais se dá a conhecer à parte contrária o inequívoco propósito de exercer e não abdicar de uma cobrança coerciva de determinada quantia mutuada . (14)
Isto dito, e tendo os executados vindo aos autos (em requerimento atravessado nos autos em 10/12/2013, não assinado, mas posteriormente “ ratificado” pelos respectivos mandatários/patronos através de instrumento de 23/1/2014) invocar a nulidade de citação na execução que a ora apelada lhes moveu em razão do não pagamento de prestações vencidas de mútuo e, tendo os respectivos patronos sido notificados da resposta da exequente (de 31/1/2014) e da qual recorre com clareza a intenção da exequente em não abdicar da cobrança da quantia exequenda decorrente do mútuo com os executados outorgado, tanto basta, a nosso ver, para que se considere interrompida a prescrição ao abrigo do disposto no nº 4, do art.º 323º, do CC.
Ou seja, e como assim o decidiu o STJ em Acórdão de 2/3/2011 (15), “ a notificação a efectuar nos termos do art.º 229º-A, do CPC, constitui instrumento que a lei impõe como meio de dar a conhecer dos actos processuais e, por isso, deve considerar-se meio judicial equiparado à citação ou notificação, nos termos do art.º 323º,nº4, do CC”.
Em face do acabado de expor, e porque por força do disposto no art.º 327º , nº1, do CC, “ se  a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”, eis porque, ainda que com base em  fundamentos diversos dos invocados pelo tribunal a quo, a decisão apelada se deve manter.
É que, aquando da notificação (entre mandatários) supra referida e de 31/1/2014 (resposta – Refª 15794024 - da exequente à arguição de nulidade de citação), não havia decorrido ainda o prazo de prescrição de 5 anos (iniciado a 25/1/2012, na sequência da resolução do contrato de mútuo e cfr. item de facto nº 2.6.), tendo-se então interrompido e não voltando a correr.
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3.3. – Em conclusão.
Em razão de tudo o exposto em 3.1. e 3.2., porque por aplicação do nº 4, do art.º 323º, do CPC , importa considerar que o prazo de prescrição de 5 anos se interrompeu a 31/1/2014, não mais voltando a correr, forçoso é que a oposição não mereça ser provida, impondo-se consequentemente a improcedência da APELAÇÃO (porque não verificada e provada a excepção de prescrição pelos executados arguida/invocada nos embargos de executado).
Em conclusão, a apelação improcede in totum.
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4 – Sumariando (cfr. nº 7, do art.º 663º, do cpc).
4.1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
4.2- Caso a citação não se faça dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art.º. 323.º/2 do CC);
4.3. - Caso a interrupção resulte de citação, quer efectiva, ou apenas ficcionada nos termos referidos em 4.2, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
4.4. – Anulada a citação do executado com fundamento em vício adjectivo de FALTA DE CITAÇÃO, não produz a citação quaisquer efeitos interruptivos da prescrição, não sendo aplicável o nº 3, do art.º 323º, do CC.
4.5.- Não podendo in casu a prescrição considerar-se interrompida em razão do disposto no art.º 323º, nº 2, do CC, e por aplicação a contrario do nº 3, do mesmo normativo (porque a citação efectuada foi entretanto anulada com fundamento em vício de FALTA DE CITAÇÃO), nada obsta a que se considere ainda assim igualmente interrompida com base do disposto no nº 4, do mesmo normativo (a ocorrência nos autos de um outro acto pelo qual se dá a conhecer ao devedor que é intenção do credor de exercer o direito, dele não abdicando).
***
5.- Decisão.
Em face de tudo o supra q,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não concedendo provimento à apelação de B e C:
5.1. - Manter a sentença apelada, ou seja, são os embargos de executado julgados improcedentes, impondo-se o prosseguimento da execução.
*
Custas na acção e na apelação a cargo dos executados, sem prejuízo, porém do apoio judiciário concedido.
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(1) Publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22 , páginas 5 /15.
(2) In Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 225.
(3) Cfr. v.g. Acs. do STJ de 20/6/2012, Proc. nº 347/10.8TTVNG.P1.S1, sendo Relator SAMPAIO GOMES, e de 29/11/2016, Proc. 448/11.5TBSSB-A.E1.S1, sendo Relator GARCIA CALEJO, ambos in www.dgsi.pt.
(4)  Cfr. Acórdão do Tribuna l da Relação do Porto, de 25/3/2021, Proferido no Processo nº 13057/16.3T8PRT-A.P1, e Acórdão do STJ de 24/1/2019, Proferido no Processo nº º524/13.0TBTND-A.C1.S1, e ambos em www.dgsi.pt.
(5) Cfr. MANUEL A. DOMINGUES de ANDRADE, in Teoria Geral da Relação Jurídica, 1964, Almedina, vol. II, p. 446.
(6) Cfr. designadamente ANTUNES VARELA e outros, em Manual de Processo Civil, 2º ed., Coimbra editora, pág. 276 e Ac. do STJ de 17-03-2010, Proferido no Processo nº 250/04.0TTBCL.S1, e em www.dgsi.pt.
(7) Em Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2ª edição, 1979, pág. 269, nota 4.
(8) Em Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª EDIÇÃO, págs. 224/228.
(9) Em Modos de Extinção das Obrigações, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Almedina 2002, apud Filipa Morais Antunes, ibidem, pág. 228.
(10) Proferido no Processo nº 771/19.0T8CTB.C1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(11) Proferido no Processo nº 255/14.3T8SCR.L1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(12)  Cfr. Ac. do STJ, de 4/3/2010, Proferido no Processo nº 1472/04.OTVPRT-C.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(13) Cfr. MENEZES CORDEIRO, em Tratado, Vol. I, Tomo IV, pág. 197.
(14) Neste sentido, vide o Ac. proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/7/2010, proferido no Processo nº 1380/03.1TBSCR.L1-1, sendo Relatora ANABELA CALAFATE, e acessível em www.dgsi.pt.
(15) Cfr. Ac. proferido no Processo nº 1380/03.1TBSCR.L1-S1, sendo Relator SALAZAR CASANOVA, e acessível em www.dgsi.pt.
***
Lisboa, 7/3/2024
António Manuel Fernandes dos Santos
Anabela Calafate
Octávia Viegas